Blackout

Sherlock/John

Era o nada. Vazio seria a palavra correta para descrever o que John Watson sentia. O tempo passou e continuava passando a volta dele, mas era como se ele estivesse totalmente apagado e desligado do mundo. Nada fazia sentido... E será que algum dia faria?

A neve caia devagar pela janela como uma dança sincronizada no ar. Havia luzes e sorrisos em cada canto da rua porque era Natal e normalmente as pessoas nessa época deixam transparecer alegria despistando as tristezas. Não ele. Para John Watson era impossível esquecer a dor em seu peito, impossível forçar um sorriso e fingir alegria. Não era o seu típico, ao contrário dele que conseguia fingir e mentir muito bem...

Nos últimos meses ele nunca mencionava (ou pelo menos evitava mencionar) o nome Sherlock em voz alta. O médico fechou-se em si mesmo e não conseguia falar do ocorrido para ninguém, nem mesmo para a terapeuta ou Mrs. Hudson, sempre tão prestativa e amável para com ele. O choque ainda surtia efeito como uma onda sonora ecoando no ar, carregando e sugando a vida de John. Você precisa superar isso, as pessoas diziam para ele. Você precisa seguir em frente. Você precisa acordar, John Watson.

Lembrou-se do tempo em que ficou com stress traumático quando voltou do Afeganistão – não conseguia dormir, não conseguia comer direito, não conseguia expressar o que sentia. Era novamente a história se repetindo.

Ele não percebeu que estava sentado na poltrona dele há horas, apenas olhando a neve cair pela janela, perdido em pensamentos, parado como uma estátua. Não percebeu que alguém abriu a porta do apartamento e andava pelo assoalho a passos lentos e hesitantes se aproximando dele. Não percebeu de imediato uma mão apoiar-se no ombro dele de forma confortadora. John nem ao menos se mexeu, talvez fosse só mais uma pessoa tentando ajudá-lo como tantas tentaram.

- Olá John.

Choque. Os ouvidos de John estalaram e o corpo pulou da poltrona como se tivesse visto um fantasma. E era realmente um fantasma, o pior deles.

Era o fantasma de Sherlock à sua frente.

A garganta não conseguia emitir som nenhum. Os pensamentos estavam todos embaralhados como cartas de baralho espalhados no chão. Não havia lógica ou explicação para o que ele estava vendo. Mas era Sherlock, não havia dúvidas – os por quês e como era o complicado de explicar.

- Faz muito tempo – disse ele com a voz baixa e não tão Sherlock.

Por mais insana que era a situação, John queria rir: de raiva, remorso, tristeza e alegria, todos misturados. Após dois anos era isso que o grande detetive tinha a dizer? Sherlock Holmes já teve dias melhores.

O médico ainda não tinha acreditado que o amigo dado como morto estava ali. Era totalmente surreal, assim como o que disse em seguida:

- É tudo o que tem a dizer para mim?

Não queria soar raivoso ou magoado, porém foi com essa entonação que a pergunta saiu, era inevitável.

Sherlock piscou com uma expressão que tentava mascarar emoções, mas os olhos o entregavam. Era um olhar de dor que dirigia ao amigo como se tentasse pedir de desculpas, mas sem saber como proceder. Ele estava perdido assim como John esteve nos últimos dois anos.

- Fale – John começou bruscamente ainda mantende distância do detetive – Fale o que está pensando e pelo amor de Deus, fale humanamente pelo menos uma vez na sua vida.

A voz de John engasgou. Ele respirou fundo não querendo deixar as lágrimas rolarem pelo rosto. Ainda estava confuso com o mundo girando a sua volta e foi com surpresa que percebeu que Sherlock o abraçava.

- Me perdoe, John. Por favor, me perdoe.

Ele o abraçou de volta sem entender mais nada. Ainda estava perdido, mas Sherlock também estava - os dois perdidos em si mesmos em estado de blackout. Porém daquela vez eles tinham um ao outro e não mais sofreriam sozinhos. Finalmente poderiam acordar.