o.O.o
A VINGANÇA COMEÇOU
o.O.o
Todo história tem um começo e a dele, podia-se dizer, era o começo do final de uma história que se havia iniciado fazia muitos anos, numa época em que ainda não havia conhecido as tristezas pelas quais passara. Uma época que, apesar de todas as dificuldades, as angústias, os maus tratos, se sentia, de certo modo, feliz. Uma época em que, para satisfazer-se, não necessitava muito, apenas saber que seu querido irmão estava bem e que ele estava vivo já eram fatos para considerar-se o mais venturoso dos homens.
Foram anos difíceis, mas a presença de Shun, seu único parente vivo, lhe preenchia o vazio que a morte de seus pais lhe havia deixado. Jamais esquecera o dia em que, Shun ainda bebê, vira seu pai sucumbir diante da traição de um poderoso empresário, que ambicionava as poucas terras de que sua família dispunha para tirar seu sustento. Ainda tinha pesadelos! Resquícios daquela noite em que homens encapuzados entraram em sua humilde casa e assassinaram o seu pai a sangue frio, com 5 tiros no peito, a mando de um certo Guilty Corleone.
Jamais esquecera aquele nome, como uma fria navalha que lhe rasgava a peito. O poder do dinheiro lhe havia tomado o único que possuía: seu pai! Sua mãe, talvez no auge do desespero, havia ido embora, para onde, ele jamais soubera.
- Jamais me renderei!
E aos 10 anos de idade, com um irmão pequeno, a agarrar-lhe nas pernas chorando por comida, viu-se sozinho. Logo veio a Policia e os levou para um abrigo de menores. Foi sua segunda vida. Lá havia outros meninos que, assim como ele, tinham passado por situações parecidas. Encontrou amigos. Seu irmão estava protegido. Mas outra vez o Destino mostrou-se cruel.
O velho empresário Japonês, responsável pela fundação, fora roubado pelos especuladores de um rico empresário, um tal Corleone. Ficara a pensar por vários dias. Seria uma coincidência ou aquele fantasma se havia cruzado em seu caminho mais uma vez, destruindo seus sonhos, suas tentativas de refazer sua vida. Não tendo acesso ás noticias, escutava os murmúrios de que, se o senhor Mitsumasa Kido fora embora, os órfãos iriam parar no reformatório. Era o fim! Alguns meses adiante viria a noticia:
- O senhor Mitsumasa Kido nos deixou!
Dissera o homem responsável pelo orfanato. Era um sujeito baixo, grosseiro, com uma lustrosa careca. Apesar de ter um ar tonto, costumava maltratar alguns dos internos e ele era um deles.
- O que será de nós?
Perguntara depois de alguns minutos, vendo os rostos de seus companheiros bastante angustiados com o que seria de suas sortes.
- Vocês serão encaminhados a vários lares, já resolvemos o que serão feitos de vocês!
- Seremos adotados?
A voz de um garotinho loiro, de profundos olhos azuis, se fez presente ao seu lado. Ele era o melhor amigo de seu irmão.
- Adotados? – perguntou o tipo com desdém – Mas quem iria querer adotar vocês?
- Eu quero ficar com o meu irmão!
Shun correra para ele, abraçou-lhe pela cintura pedindo abrigo. O alto homem careca sorriu irônico.
- Shun, você só sabe chorar! – disse – Mas eu cuidei para que você fosse para um lugar muito, muito distante de seu irmão! Lá, com certeza, você aprenderá a ser um homem e não mais se comportar como uma criança chorona!
Gritara-lhe ao pé do ouvido. A reação de seu irmão mais velho foi instantânea.
- Deixe-o em paz! – gritou-lhe o menino de rebeldes olhos azuis. – Ou...
- Ou...- perguntou sarcástico.
Deu um passo a frente, mas a mão de um companheiro tocou-lhe o ombro. Era um dos meninos mais comportados do orfanato. Tinha longos cabelos negros e o poder de acalmar seus colegas. Com ódio em seu coração, ele deixou-se calado. Sabia que seu amigo estava certo. Se respondesse, seria açoitado a noite inteira.
- Vamos ficar todos juntos?
Foi a vez de um outro garoto fazer a pergunta. Este, com cabelos e olhos castanhos, era bastante inquieto, mas preocupava-se por seus amigos.
- Já perdi minha irmã, não quero perder meus amigos também!
- Do que estão reclamando? – volveu o homem, abraçando a todos num só olhar. – Nós tratamos de encontrar-lhes um teto e vocês ainda querem luxo? Fiquem satisfeitos por não terem de ir para as ruas!
- Mas... – o rapazinho inquieto tentou argumentar.
- Calem-se! – gritou – Voltem aos seus dormitórios e arrumem suas coisas! Amanhã ficarei livre de vocês!
Não houve nada que pudesse fazer para impedir. Foram separados. Cada um seguiu um destino. Deixar seus amigos, ainda que não admitisse, foi difícil. Mas ver partir seu irmãozinho, fora quase insuportável.
- Shun...- gritava – Eu irei te buscar! Eu juro! – dois seguranças o retinham – Você tem de ser forte!
- Ikkiiiiiiiiiii! – Shun tentava soltar-se do homem com ar campesino que o arrastava. – Meu irmão!
- Não chore Shun! – dizia ele – Vamos ficar juntos, você vai ver!
A última coisa que vira de seu irmão, fora sua pequena mãozinha desaparecendo dentro de um carro modelo antigo, acenando um adeus. Por sua rebeldia, fora castigado aquela noite e no dia seguinte, foi mandado para seu destino solitário.
Era com angustia que Ikki recordava o que o havia trazido até ali. Tantos anos havia passado, era agora um homem de 25 anos, sem passado, sem presente, mas pretendia escrever seu futuro. Em seu coração só uma palavra habitava: vingança! Vingança pela vida que lhe haviam roubado. Vingança pelos seus pais, pelo seu irmão!
Parado em meio a rua, com as portas do presídio masculino as suas costas, a mochila já velha e rota jogada sobre o ombro direito, olhava para o nada, sentindo o sol aquecer sua pele bronzeada, de músculos definidos. Uma calça jeans já velha, tênis e uma camisa regata preta vestiam-lhe com simplicidade e um certo ar de cavaleiro rebelde. Os cabelos estavam revoltos e seu rosto possuía um semblante carregado e frio, que amedrontava a todos.
Fazia 4 anos que estava preso por roubo e tentativa de homicídio. Haviam-lhe instituído uma fiança, mas não tendo dinheiro, fora condenado a 8 anos de prisão. Quem, então, havia pagado a divida, libertando-o do cárcere? Essa era, agora, a pergunta que martelava em sua mente. Não possuía amigos. Nem tinha para onde ir.
- Ikki!
Uma voz lhe surpreendeu por trás. Virou na sua direção e encarando seu interlocutor com bastante afetação, demorou algum tempo antes que seus olhos se abrissem de surpresa diante da figura inusitada que estava a sua frente.
- Shiryu?
- Há quanto tempo! – disse o moreno de ainda longos cabelos negros. – Foi difícil encontrar você!
- Não sabia que havia alguém me procurando! – respondeu, ainda surpreso pelo encontro. – Você pagou a fiança?
- Sim! Quem mais poderia ser? – o rapaz bateu amigavelmente em seu ombro – Desci até o submundo para saber noticias suas! Você não é muito querido, meu amigo!
- Imagino! Mandei muitos dessa corja pro inferno! – respondeu, o semblante ainda bastante sério – Mas o que quer comigo? – olhou-o por cima, com orgulho.
- O mesmo que você! – disse – Vingança! Tem pra onde ir?
Ikki balançou a cabeça negativamente.
- Foi o que pensei! Venha!
Shiryu voltou-se para ele quando percebeu que o amigo não tinha intenção de segui-lo.
- Vai ficar com esta cara todo o dia? – perguntou.
- O que você quer? – tornou Ikki, com cara de poucos amigos – Que eu te dê um beijo, um abraço, o que você quer? Passaram-se 10 anos, se você não se lembra! – desconfiado – Por que diabos me tiraste da prisão agora? Não é a primeira vez que estive aqui! Não quero esmolas!
- Não é esmola, Ikki! – respondeu o jovem moreno, encarando-o com respeito. – Te soltei para que juntos possamos vingar o que nos passou naquele orfanato! Em honra do senhor Mitsumasa Kido, que nos deu um lar, que nos foi roubado por um empresário de nome Corleone, recorda? Você me falava que um dia o mataria! Te interessa?
- Que eu saiba o velho morreu faz 6 anos!
- Mas a neta está viva e eu me sentiria feliz se pudesse devolver a fundação a ela, para que ajude outras crianças como nós éramos!
O outro continuava com cara de poucos amigos.
- Bem, Ikki, não tenho o dia todo! Ofereço casa e comida! Vens o não?
Ikki resolveu seguir o amigo sem nada dizer. Caminharam alguns metros, na direção de um pequeno carro estacionado na esquina. Encostado nele estava um rapaz de estatura mediana, olhos de um castanho mel, cabelos rebeldes e ar de moleque. Com os braços cruzados, numa atitude de tédio, sorriu ao ver os dois homens aproximarem-se.
- Lembra-se dele? – perguntou Shiryu.
- Ogawara? – exclamou Ikki – Mas o que está acontecendo aqui?
- Também estou feliz de te ver, Amamiya! – ironizou Seiya, abrindo a porta do acompanhante.
- Seiya! – gritou Shiryu.
Ao fitá-lo, fez um gesto de mal humor quando o amigo lhe indicou o banco de trás. Após acomodar-se lá dentro, bateu a porta e emburrou o semblante.
- Não irei a lugar nenhum! – disse Ikki quando Shiryu fez sinal para que entrasse – Não costumo andar em bandos!
- Há algo importante que precisamos conversar! – falou Shiryu.
- Já tenho bastante problemas para me meter nos de vocês! – tornou Ikki, dando as costas aos companheiros e seguindo seu caminho.
- Ikki! – gritou Shiryu – Esta vingança é de todos nós!
- Adeus, Suyama! – Ikki fez um gesto com a mão sem virar-se para o amigo.
- Eu sei algo do seu interesse! – completou o chinês.
- Não há nada que possa saber que seja do meu interesse! – sarcástico.
- Mesmo que seja sobre o seu irmão?
Ikki parou. Voltou-se para ele e caminhando de volta, estacou diante de um satisfeito rapaz. Shiryu sabia da tacada de mestre que havia efetuado.
- O que sabe sobre o meu irmão? – perguntou Ikki com seriedade – Há anos que tento localizá-lo, mas tudo inútil!
- Eu sei onde ele está, Ikki! – disse Shiryu – Eu encontrei o Shun!
- Aonde?
- Entra! – pediu Shiryu – Vamos sair daqui!
- Ok! – disse Ikki encarando o amigo – Mas eu dirijo!
Com um suspiro, Shiryu aceitou. Entrou no carro e jogou sua mochila na parte de trás, por pouco não batendo no amuado rapaz que iria fazer companhia a ela. Ao volante, deu a partida.
- Ele está com vocês?
Perguntou Ikki, após alguns minutos rodando com o carro.
- Não! – respondeu Seiya – Parece que a coisa não é tão simples assim!
- Não entendo! – falou – O que aconteceu ao meu irmão? – olhava a um e a outro com impaciência.
- Calma! – pediu Shiryu com o cotovelo apoiado na janela – Nós o localizamos perto daqui! Está vivendo no campo, a uns 150 km de Tóquio!
- Ele trabalha pra um casal de velhos! – comentou Seiya – Um tal de Ojinoto! Mas ainda não pudemos falar com ele!
- Mas ele está bem? Tratam-no bem?
- É uma família muito severa em seus costumes, Ikki! – comentou Shiryu, tentando amenizar a situação.
- Severa! – Ikki franziu o cenho, dando muitos significados aquela palavra – O que passa ao meu irmão? Seja claro ou arrancarei de você a força!
Parou o carro bruscamente, virando-se completamente para Shiryu. Seus olhos faiscavam, parecia mais fera que gente. Logo várias buzinadas lhes chegaram aos ouvidos. Um carro bastante envelhecido estava atrás querendo passagem.
- A situação dele é um pouco complicada! – disse Seiya, olhando pelo vidro traseiro para identificar quem estava tentando ensurdecê-lo.
- Mas devemos fazer uma coisa por vez! – completou Shiryu – Agora devemos ir atrás do Hyoga!
...
Desesperada dentro do carro, uma jovem de lindos cabelos louros e sensuais olhos verdes, vestida num simples vestidinho de algodão florido, que lhe descia até os joelhos, uma sapatilha branca no pé e um leve casaquinho na mesma cor, apertava sofregamente a buzina, o rosto afogueado pela indignação.
- Oras...- dizia para sua companheira, sentada ao seu lado, uma jovem também aloirada e olhos azuis – Ele pensa que é o dono da rua!
- Talvez o carro tenha quebrado! – Eiri tentava acalmar a amiga. – Por que não vamos lá perguntar?
- Que perguntar o quê! – esbravejou Esmeralda – Vamos, idiota! – gritou para fora da janela – Eu estou trabalhando!
Suas delicadas mãos seguravam o volante e seus dedos finos tamborilavam impacientes. Revolveu seus olhos para o céu até que viu, exclamando um "até que enfim", o carro adiante acender e dar a partida. Porém, ao invés de ir para frente, o veiculo entrou com tudo na dianteira do seu, fazendo-a abrir a boca de incredulidade e fúria. Por um segundo, ao observar o infame carro distanciar-se, não soube que dizer.
- Esmeralda...- chamou a garota ao lado, já prevendo a tempestade que viria.
- Volte aqui!
Gritava Esmeralda, livrando-se do cinto de segurança e abrindo a porta do caro para descer. Também Eiri tirara o seu e acompanhava a amiga. A loirinha de olhos verdes examinava com aflição o pára-choque destruído.
- Covarde! – gritava – Assuma a responsabilidade do que fez! – bastante nervosa.
E indo até o carro, a raiva estampada em suas faces rosadas, agora vermelhas pelo acontecido, abriu o capô, de onde uma horrível fumaça saia. Eiri tentava reunir as partes que estavam espalhadas pelo chão.
- Idiota! – gritava Esmeralda.
...
Um silencio havia se instalado no local.
- Você quer nos matar? – perguntou Seiya, um ar dramático na face.
- Foi só uma batidinha de nada! – disse Ikki engatando a terceira.
- Tudo bem que já estava me deixando louco as buzinadas, mas não precisa ter enfiado o carro daquele jeito! – falou Shiryu. – Você tem carteira, não tem?
- Não!
- Como não? – Seiya devolveu a pergunta.
- Ikki, não quero problemas! – disse Shiryu – Não podemos chamar a atenção!
- Quando irá me dizer onde está o Shun?
- Logo! Agora vira a esquerda! O Hyoga é a nossa próxima parada!
Ikki obedeceu. Entraram em uma rua um tanto deserta se comparada ao intenso transito daquela hora matinal. Shiryu, colocando seus óculos escuros, fez sinal para que o rapaz parasse em frente de uma enorme e antiga catedral. Estacionando o carro um pouco adiante, Ikki debruçou-se pela janela, olhando o mausoléu e assoviando com seu velho tom sarcástico.
- Vai se confessar, Shiryu?
O rapaz amorenado fitou-o, uma enorme gota formando-se em sua testa. Depois abriu a porta e desceu, desaparecendo através das pesadas e seculares portas do edifício.
- O que ele vai fazer? – perguntou Ikki, olhando Seiya através do retrovisor.
- Quando fomos separados, não foi só você que passou por maus lugares, Ikki! – respondeu o jovem, admirando a arquitetura do local. – Nós também sofremos e baixamos a cabeça para o nosso destino!
- Baixar a cabeça é horrível! – contestou Ikki, muito sério, relembrando sua adolescência. – Aonde esteve, Ogawara?
- Por ai... – Seiya baixou a cabeça -...Procurando minha irmã! – calou-se; aquele assunto lhe doía e Ikki o sabia.
- Nenhuma noticias dela? – o rapaz de rebeldes cabelos azuis recordava da menina cheia de vida que, de repente, desaparecera do orfanato.
- Algumas, mas nenhuma correspondia a uma pista de fato! – suspirou – Ficava pulando de galho em galho. Onde aparecesse um trampo, eu lá estava!
- E o Shiryu?
- Parece que de todos, foi o único que teve sorte! Foi criado por um velho chinês que o tinha como seu filho!
- E o que é desse velho? – Ikki ergueu a sobrancelha.
- Assassinado! O tal Guilty Corleone tomou-lhe as terras, isso o definhou!
- Algo tinha que haver para que o pacifico Shiryu declarasse guerra a alguém!
- Yukida foi mandado para uma família cristã! Parece que a senhora, tendo feito uma promessa em leito de morte, prometera entregar um menino a Deus se ela escapasse!
- É incrivel como as pessoas garantem a sua confiando-se na vida alheia! – Ikki falou com asco – É por isso que odeio esses burgueses metidos!
- E você, Ikki? Por onde andou nesses 10 anos?
Ikki olhava para frente, mas não focava sua visão em coisa alguma. Buscava dentro de si alguma recordação que valesse a pena contar. Balançou a cabeça, passou a mão no rosto, a barba de dias já dava sinais de desleixo.
- Eu fiz muita coisa suja! – falou por fim, um tom seco na voz – Estive no inferno por muito tempo! Matei pessoas!
Seiya o escutava, calado. Ficara óbvio que nenhum deles havia tido uma vida fácil. A corda sempre quebrava do lado mais fraco.
- Essa é a nossa vingança! – falou Seiya – Ela tá só começando!
Naquele instante aproximavam-se Shiryu e um rapaz loiro, vestido com uma roupa escura de franciscano e uma mala na mão. Ikki estreitou os olhos para ter a certeza de que estava enxergando bem. Seus lábios desenharam um meio sorriso que não se resolvia a abrir-se. Com certeza era a cena mais dantesca que tinha memória.
- Yukida! – chamou.
Alguns metros separavam os rapazes, mas o jovem de olhos azuis claro estacou a caminhada, olhando para seu companheiro com semblante interrogador.
- Você não me disse que ele viria junto!
- Nós precisamos nos unir, Hyoga! – falou Shiryu – Como podemos lutar contra um poderoso inimigo se começarmos a brigar entre nós mesmos?
- Eu não o suporto! – o loiro emburrou a cara.
- Pois terá de suportá-lo! – Shiryu recolocou os óculos – O Ikki faz parte do bando! Ou vocês se entendem ou terei de deixá-lo aqui!
Ante a possibilidade de permanecer mais um minuto naquele claustro, o jovem russo agarrou a mala e com passos céleres, arremessou-se para a parte de trás do carro.
- O que ele faz dirigindo o seu carro? – perguntou ao amigo antes de abrir a porta.
- Até parece que você não o conhece! – comentou Shiryu, dando a volta e ingressando em seu antigo lugar.
Hyoga entrou, bateu a porta e esperou que o veiculo entrasse em movimento. Um silencio sepulcral se instalou lá dentro. Foi quando o belo loiro viu, pelo retrovisor, o olhar divertido que o motorista lhe lançava. Ikki virou-se para ele a fim de memorizar bem aquela imagem.
- Sua bênção, padre! – brincou.
- Que o diabo lhe leve, meu filho! – respondeu Hyoga, com cara de poucos amigos.
- Você está ridículo, Yukida!
Ante o comentário, o jovem fez menção de sair, mas Shiryu, interrompendo, pediu com autoridade.
- Parem os dois! Ikki, dê a partida! Hyoga, sente-se e fique quieto!
Ambos obedeceram.
- É verdade que os monges usam ceroulas? – perguntou Ikki, algum tempo depois.
- Você se acha muito bom, não é Amamiya! – Hyoga comentou – Vamos ver se é tão valente no braço quanto o é com as piadas!
- Ora, Yukida, não quer descobrir agora? – Ikki rangeu os dentes pela provocação.
- Chega! – gritou Shiryu – Mas será possível que vocês dois não possam dividir o mesmo ambiente? – Suspirou – Hyoga, acalme-se! Haverá muito com que brigar, esteja certo! E Ikki...- olhou-o - ...Em vez de sacanear um companheiro, devia pensar em como vamos arrancar seu irmão da casa onde ele se encontra!
...
Já passava do meio dia quando aproximaram-se de uma velha chácara nos arredores da cidade. Em volta, plantações de cereais preenchiam o ambiente. Não haveria uma casa com menos de 3 km de distancia. Tudo era ermo e somente o barulho das folhas nas altas árvores quebravam o silencio do belo campo que se estendia a frente deles.
Ikki desligou o carro, mas Shiryu o impediu de sair. Olhando o amigo, o viu fazer um sinal para que ficasse calado. Não sabia o que acontecia, mas não poria a vida de seu irmão em risco. Tentou prestar atenção na direção em que os olhos de Shiryu fitavam e ao divisar a figura de um jovem, cabelos esverdeados, teve um sobressalto.
Era Shun! Há 10 anos não via seu irmão! Não era mais o menininho chorão que se agarrava as suas pernas. Virara um homem! Ao que parecia, estava trabalhando duro. Tinha um machado em suas mãos sujas e dava golpes em um tronco seco. Apesar das tentativas de Shiryu, Ikki lançou-se para a porta e desceu o carro, caminhando de encontro ao irmão caçula. Engoliu em seco.
Shun estava suado e bastante sujo. Usava roupas esfarrapadas e mais parecia um escravo que o filho adotivo do tal casal. Ikki aproximou-se da cerca feita de troncos finos e olhando-o firmemente, chamou:
- Shun!
Este levantou seus magníficos olhos verdes para ele. Por um instante, o jovenzinho não soube que dizer. O estranho a sua frente parecia-lhe familiar, mas não conseguia saber de onde o conhecia.
- Quem é você? – perguntou por fim.
- Sou eu! – Ikki parecia eufórico – Seu irmão mais velho, Ikki! Não lembra de mim? – semblante incrédulo.
Shun o encarou. S
Eu rosto bastante transpirado, demorou para compreender as palavras que ouvira. Seria verdade? Seu irmão? Shun sentiu desfalecer-se. Lágrimas queimaram seus olhos, mas não chegaram a sair.
- Ikki... – murmurou como para entender bem o nome.
- Você está bem? – Ikki percebeu sua emoção.
- Eu escrevi para você, Shun... – Shiryu aproximou-se por trás - ...Não chegaram as cartas?
- Cartas? – Shun franziu os olhos. Eram muitos rostos para sua cabeça confusa.
- Parece que não! – Seiya exclamou, aproximando-se também.
- Shun, viemos te buscar! – Hyoga se fez presente – Vamos te tirar daqui, amigo!
- Do que estão falando? – Shun olhou para trás, como se temesse que alguém o visse ali. – Precisam ir! – falou com bastante afetação.
- Shun! – Ikki o chamou com autoridade, percebendo seu temor – Não tenha medo! Eu estou aqui agora! Vamos ficar juntos!
- O que faz aqui, Amamiya?
Todos olharam para trás quando uma voz dura e envelhecida assomou. Ikki reconheceu no recém chegado a fisionomia do homem que há 10 anos havia levado seu irmão. O velho tinha uma espingarda e cara de poucos amigos. Olhava a todos como inimigos e podia-se dizer que estava prestes a soltar os cachorros no encalço dos 4.
- Eu sou Ikki, irmão mais velho do Shun! – falou Ikki, tomando a frente de todos, com um olhar feroz que intimidou o velhote. – Eu vim buscar o meu irmão!
- Sai daqui! – o velho lhe apontou o rifle. – Vá embora enquanto tem pernas, porque se o vejo por aqui de novo, quebro-lhe as duas!
Ikki tentou partir para cima do homem, mas Hyoga e Seiya o detiveram, cada um postando-se diante dele, barrando-lhe o caminho.
- Senhor...- Shiryu interferiu -...Já nos falamos antes! Sou Shiryu Suyama, amigo do Shun da época do orfanato! Só vimos dizer um "oi", nada mais!
- Acho bom!
- Rapazes, acho melhor sairmos daqui! Já está na nossa hora!
- Eu não saiu daqui sem meu irmão! – refutou Ikki, encarando o velho.
- Ikki... – Seiya falou-lhe no ouvido -...Pode ser perigoso! É melhor fazer o que o Shiryu manda! Já estivemos aqui antes!
Ikki aceitou. Aproximando-se do irmão, abraçou-lhe, dizendo-lhe em secreto.
- Virei te buscar!
Os amigos afastaram-se. Ikki passou pelo velhote roçando em suas botas, olhando-o com um ódio feroz. O homem, engolindo em seco, apertou mais a arma contra si. Entraram no carro e distanciaram-se dali.
- Volte ao trabalho! – falou o fazendeiro, deixando o rapaz novamente sozinho.
- Por que não me disse que meu irmão corria perigo? – perguntou Ikki, a voz embargada pela raiva e a emoção.
- Do que adiantaria? – disse Shiryu. – Sozinho você não pode fazer nada!
- Eu não tenho medo de uma espingarda! – rosnou.
- Pois devia! – comentou Hyoga – Esse seu atrevimento ainda vai botar em risco nossas vidas, Amamiya!
- Nós vamos resgatar o Shun! – falou Shiryu – Só precisamos esperar que caia a noite!
...
Eram quase onze horas quando Ikki, olhando através da fresta da porta de madeira que antecedia o curral, viu seu irmão deitado sobre o feno, dormindo. Parecia que aquele local lhe servia de quarto. Uma corrente, com um cadeado pendente dela, fechava as imensas portas. Atrás, Shiryu analisava o lugar. Parecia tudo deserto. Seiya e Hyoga haviam ficado no carro para agilizar na fuga.
- Está aqui!
Dizendo isso, Shiryu afastou-se. Havia, perto dali, alguns ferros envelhecidos. Ikki observou pela abertura mais uma vez e tirando do bolso da calça um pequeno e fino pedaço de ferro, impediu que Shiryu se aproximasse trazendo uma barra grossa e firme de aço para quebrar as correntes.
- Afaste-se, Shiryu! – pediu – Eu sei o que estou fazendo!
Após forçar o cadeado, este resolveu-se a abrir. Ikki tirou as correntes e as jogou no chão. Abriram a porta.
- Vá vigiar, Shiryu! – disse Ikki. – Eu cuido disso sozinho!
O outro obedeceu. Ikki se aproximou do irmão e o chamou com cuidado, a voz quase um sussurro.
- Shun! Shun, acorde!
- Quem está ai? – assustou-se o menor.
- Sou eu, Ikki! Venha, levante-se! – ajudou-o a ficar de pé.
- O que está fazendo? – perguntou Shun mais uma vez, parecia atordoado.
- Vim te buscar!
Shun gemeu de dor quando o irmão tentou o agarrou para colocá-lo de pé.
- Deixe-me aqui! – pediu com uma careta.
- Nunca! – respondeu Ikki.
- Vem alguém! – Shiryu chegara naquele momento – Vamos rápido!
- Não posso, Ikki! – falou Shun, o medo estampado em seus olhos – Não posso! Não posso!
- Shun...
- Ele me mata! Vai me matar! – e tentava soltar-se das mãos de Ikki.
- Basta, Shun! – gritou Ikki – Ele não vai te matar! Pra fazer isso terá de passar por mim primeiro!
- E ninguém passa pelo seu irmão, Shun! – comentou Shiryu para dar-lhe força. – Confie em nós!
O mais novo dos Amamiya cedeu e ajudado pelo irmão, saiu do galpão um pouco curvado. Um cachorro, não se sabe de onde, começou a latir ferozmente. Escutavam passos aproximarem-se, mas não eram capazes de saber de que direção vinham. Chegaram ao campo aberto, era necessário atravessá-lo. O carro estava só alguns metros de distancia.
A uma ordem de Ikki, os três puseram-se a correr com todo o poder de suas pernas. Shun atrasava-se. Seu corpo, bastante debilitado, pedia descanso.
- Vamos, Shun! – alentava Ikki
O menor buscava a respiração. Foi quando alguns tiros os fizeram separar-se. Shiryu correu sozinho a um lado enquanto os irmãos eram cercados por um homem armado, o mesmo velho, com sua espingarda pronta para entrar em ação. Encararam-se. Não havia saída.
- Pare! – gritou Ikki – Baixe a arma, não cometa uma loucura! – a mão em posição de defesa.
- Você, venha comigo! – ordenou o homem a Shun, quase escondido atrás do irmão.
- Não! – gritou Ikki, impedindo que Shun fosse até o outro – Você fica aqui! Eu sou o irmão dele!
- Isso não me importa! – falou o velho, apontando a arma na direção de Ikki e engatilhando-a.
- Não!
A voz de Shun atroou pelo ambiente e tão rápido quanto o tiro que saíra com um alto estampido, foi o movimento o jovem de cabelos verdes. Ikki viu com aflição o seu irmão tomar sua frente, jogando-se como escudo, para salvar sua vida. O repique surdo da bala lhe dissera que havia acertado com precisão o alvo.
- Shun! Não!
Ikki o agarrou por trás, pela cintura, impedindo-o de cair. O velho mirou mais uma vez, agora não erraria. Engatilhou a arma...Mas um forte em sua cabeça, o fez cair desmaiado. Sangue escorreu da sua têmpora.
- Vocês estão bem? – perguntou Shiryu, que havia atacado por trás.
- Ele está ferido! – disse Ikki – Ajuda aqui, Shiryu!
Ambos agarraram Shun e apoiando-o em seus ombros, arrastaram o jovem dali antes que os cães os alcançassem.
o.O.o Continua... o.O.o
