Olá. Essa história tem uma origem diferente das demais. Ela surgiu como MANCHAS VERMELHAS, para fazer parte de uma outra história maior, em forma de rememoração. Porém, diferentemente de Manchas, ela quis ser algo mais do que uma short fic e acabou se tornando uma história com seus capítulos, altos e baixos, etc.
Sei que sempre 'chovo no molhado' em minhas histórias, mas quem escreve sabe que não há como resistir quando uma inspiração te assola assim, sem trégua de dia ou noite. Por isso estou aqui, postando mais esse texto, esperando que vocês leiam e comentem, gostando ou não gostando, com a sinceridade que sempre me uniu às pessoas que me acompanham. Vão notar que os capítulos são mais curtos, no máximo 20 páginas. É que pretendi separar os acontecimentos de forma a um não apagar o outro em um mesmo dia. Mais uma lição valorosa que aprendi com a mestra Myriara.
Meus agradecimentos às meninas do Tolkien Group, pelo apoio e incentivo de sempre. Em especial a Nim, Kiannah, Giby, Larwen, Lali e Lelê que me ajudaram a achar os "rumos históricos e canônicos" dos fatos e, mais em especial ainda, a Lene, que sem querer, me deu a inspiração para escrever esse texto, ao dar a melhor descrição de Elladan e Elrohir como guerreiros que eu já li em minha vida. Esse texto é dedicado a vocês em especial, meninas, mas também a todas as outras que não compartilharam antes a idéia comigo, mas tenho certeza que me ajudarão desse capítulo em diante.
Beijos e obrigada.
Categoria: Lord of the Rings
Autora: Sadie Sil
Revisora: Beatriz
Gênero: Angst/Action/Adventure
Censura: T
Linha temporal: Capítulo I - Período da 'Paz Vigilante', demais capítulos, por volta do ano 2934, da Terceira Era.
Disclaimer: Não possuo os personagens, apenas peguei-os emprestado e devotei a eles mais amor do que seria sensato. Agora acho que são um pouco meus. Mas o Professor, com seu bondoso coração, com certeza não se importará em reparti-los.
Sinopse: Quando Legolas era pequeno, Celebrian e os filhos costumavam fazer-lhe uma visita a cada primavera. Um grande e valoroso laço de amizade surgiu entre ele e os gêmeos então. Laço este, porém, que não resistiu a acontecimentos inesperados. Muito tempo depois surge enfim uma oportunidade de reconciliação.
Meus olhos encontram em ti
um sorriso sincero,
contando da simplicidade
com que encaras a vida,
certa de que o amanhã
será um outro dia feliz.
Meus olhos encontram em ti
a amizade e o conforto
da tua sinceridade;
sempre saberei o que pensas:
basta ler os teus olhos,
em silêncio...
Luz Crepuscular - Mário Tessari
O TEMPO NÃO APAGA
I – GUARDA MEU ROSTO E MEU AFETO
Desceu as escadas em grande velocidade, deslizando os pés descalços pelo ladrilho liso e continuando seu trajeto até o hall de entrada. Entretanto, quando fazia a próxima curva que lhe permitiria chegar à porta principal, encontrou dois esguios e belos vultos se aproximando devagar. Recuou, tomado pelo instinto de se esconder, sabia que seria repreendido por estar correndo novamente pela casa, mas não houve tempo. Já o tinham visto.
"Tithen-pen?" A voz de sua mãe soou como música aos seus ouvidos. Melodia firme e bela que ele jamais deixaria de seguir, viesse de onde fosse. Legolas se voltou imediatamente e sorriu ao vê-la aproximar-se acompanhada de sua bela visitante. Na verdade agradecia intimamente porque ela parecia não ter visto a velocidade com que descera as escadas.
"Nana. Lady Celebrian." O elfinho fez uma graciosa reverência e a esposa de Elrond suspirou, apoiando a mão no peito.
"Olá, Esquilinho." Celebrian sorriu e Legolas retribuiu, encantado pelo carinho com que a dama de Imladris o tratava. "Onde está a minha Estrela?"
"Arwen está lá em cima." Ele informou prontamente, apontando o dedo para indicar a direção da escada. "Estávamos desenhando e ela me ensinava a fazer um por do sol."
A elfa de cabelos cacheados sorriu, trocando um olhar carinhoso de confirmação com a amiga. Elvéwen assentiu ligeiramente com a cabeça, na verdade pareciam confirmar algo sobre o qual vinham conversando. Era uma grande satisfação para ambas ver com que facilidade Legolas e os filhos do curador de Imladris estreitaram seus laços de amizade durante os anos em que, amavelmente, Celebrian visitava o palácio da Floresta Escura.
"E aprendeu bem a lição?" Elvéwen indagou ao pequenino elfo, ainda parado diante dela, mas olhando ansiosamente para os lados e movendo-se de um pé para o outro como sempre fazia quando estava inquieto e era obrigado a ficar parado.
"Sim, nana." Legolas respondeu prontamente, cruzando agora as mãos atrás das costas como um bom príncipe deve se portar diante das visitas. Na verdade, acabara de notar que a mãe percebera sua impaciência e já lhe lançava um olhar reprovador.
"É fato, pequenino?" Ela repetiu, em um tom alegre, cruzando agora as mãos em frente ao corpo.
"Sim." Legolas assentiu firmemente com a cabeça. "Arwen disse que faço 'borrões que até lembram um pouco o sol nascendo'."
As duas damas não puderam conter o riso e Legolas encheu o peito satisfeito, parecia ser essa mesma a intenção do elfinho. Ele adorava ver a mãe sorrir e quando Lady Celebrian a acompanhava o mundo parecia perfeito.
"Pobrezinho." A esposa de Elrond aproximou-se, apoiando a mão no ombro do principezinho. "Tenho certeza que ela não quis ofendê-lo, Esquilinho. Aposto que as paisagens que criou são muito belas."
Legolas acenou negativamente com a cabeça.
"Não mesmo, senhora." Ele respondeu com sinceridade. "Elrohir pensa coisas piores dos retratos que faço."
Celebrian ergueu ambas as sobrancelhas, desviando embaraçada os olhos do príncipe. Nem se atreveria a perguntar-lhe quais eram as opiniões do filho do meio.
"Não me importo." Legolas apressou-se em dizer, notando o incômodo que criara. "Não gosto de desenhar paisagens. Nem sequer posso ver paisagens que valham a pena ser desenhadas aqui, minha senhora."
"Legolas!" Elvéwen não conteve sua insatisfação com as palavras do filho e Legolas enrubesceu ligeiramente.
"Perdoe-me, nana." Ele procurou retratar-se de imediato. "Não quis dizer que aqui não haja beleza. Só que... Não posso ver o nascer e o pôr do sol e... Tudo é sempre tão escuro e fechado... Thavanian e Alagos me disseram que o caminho do sol é diferente aqui em nossas matas. É verdade, nana?"
Elvéwen baixou os olhos por alguns instantes. Pensando que de fato os desenhos que Arwen criava não poderiam realmente fazer sentido para um elfinho como Legolas que vivera sua vida nos limites daquele palácio, com o direito máximo de ir até o jardim. Ele mal conhecia o céu azul e o brilho das estrelas, saboreando os raios do sol que escapavam pelas pequenas entranhas da caverna, o mesmo sol que favorecia o crescimento de algumas árvores e flores.
"As crianças brincam com as verdades que têm em mãos, Las." Elvéwen esclareceu depois de um suspiro. Precisava conversar com Thavanian e Alagos novamente. Será que aqueles elfinhos nunca deixariam de fazer brincadeiras desse tipo com Legolas? "Brincar de criar verdades não as torna reais. Já te disse isso."
Legolas mordeu o canto dos lábios, tentando captar se aquilo era uma resposta a sua pergunta ou uma repreensão. Nunca ficava muito claro.
"A Floresta é um pouco fechada." Celebrian adicionou com carinho. "Pode esconder o que existe aqui e ali, mas não pode impedir as coisas de existirem. Você entende, elfinho?"
Legolas franziu levemente o rosto e as senhoras se entreolharam e suspiraram ao mesmo tempo. Ele já era um rapazinho, fazia difíceis leituras de poemas e histórias de dragões, até aprendia a manusear o arco e flecha, mas ainda tinha uma ingenuidade que o impedia de entender o mundo que o rodeava.
"Se ao menos pudéssemos sair um pouco dos jardins do palácio... Sair da caverna..." Legolas comentou, olhando a porta. "Thavanian e Alagos dizem que ainda há muita beleza ali... Na última lua, Lorde Erebian os levou para acampar e..."
"Você bem sabe o que o rei pensa disso, não é Esquilo?" Elvéwen respondeu com carinho, afagando agora os cabelos do filho. "Por favor, querido. Ouça o conselho de tua naneth e não o aborreça com essas idéias novamente. Sabe com ele se zanga quando você vem com essas suas histórias, tithen-pen."
Legolas baixou os olhos e soltou os ombros em um suspirou.
"Sim, nana." Ele os reergueu então e estavam tristes. "Posso ir agora?"
Elvéwen franziu os lábios insatisfeita. Por que sempre a ela era incumbida tarefa tão árdua?
"Aonde vai?"
"Procurar os gêmeos. Arwen me pediu que os chamassem. As senhoras os viram?"
"Sim." Celebrian respondeu prontamente, como se despertasse dos pensamentos que tomavam sua atenção, desde que ouvira o triste diálogo de mãe e filho. "Estão no jardim conversando."
Legolas ergueu ambas as sobrancelhas, satisfeito com a descoberta e parecendo esquecido já das tristes palavras da mãe. Então olhou para Elvéwen, esperando educadamente autorização para se retirar. A bela elfa sorriu-lhe, inclinando-se e beijando-lhe com carinho a testa. O elfinho então correu, agarrando com força a grande maçaneta e girando-a com ambas as mãos. Em seguida desceu os degraus com rapidez e dirigiu-se até o jardim.
Chegando lá, entretanto, quedou-se encolhido em um dos cantos do pequeno portão, ainda do lado de fora do jardim, sem abri-lo. As vozes dos gêmeos soavam junto às árvores como música e ele queria tentar ouvi-los sem que soubessem que estava ali. Queria conhecer sobre o que conversavam tão valorosos guerreiros.
Estavam sentados em um dos velhos troncos, que fora entalhado habilmente no formato de um grande banco. Um deles olhava o Ipê amarelo que naquela época do ano florescia gentilmente, mesmo em tão escura caverna, o outro tinha um graveto nas mãos e rabiscava qualquer coisa no chão de terra seca. Legolas nunca conseguia distinguí-los, por mais que tentasse. O elfinho apertou os olhos então e forçou os ouvidos a se concentrarem.
"Quando voltarmos para Imladris quero fazer um caminho diferente dessa vez." Disse o gêmeo que segurava o graveto. "Esse que fazemos está mais arriscado."
O outro assentiu sem responder, contemplando ainda a bela árvore. Uma pétala amarela se desprendeu e caiu suavemente em seu ombro, fazendo-o sorrir.
"Estive pensando." Continuou o primeiro. "Nos custará um dia a mais de viagem, mas acho que é sensato."
"Aham..." Respondeu o outro distraidamente.
"Antes disso podemos dar um bom mergulho no Rio Encantado. Estou mesmo precisando dormir uns dias. O que acha?"
"Aham..." Elladan respondeu em um murmúrio ainda mais baixo e Elrohir estalou os lábios. Só então o gêmeo pendeu a cabeça para a direita, repassando a sentença do irmão e lançando-lhe um olhar intrigado. "Que disse, Elrohir? Banhar-se no Rio encantado?"
"Aham..." O elfo moreno respondeu, imitando exatamente o tom que o irmão usava até então. "Depois de visitar as masmorras e quem sabe caçar algumas aranhas para levar como animais de estimação e..."
"Está bem. Está bem". Elladan ergueu ambas as mãos. "Eu me rendo. Estava distraído. Perdoe-me".
"Preocupo-me com nossa volta". Elrohir retomou o assunto inicial e a seriedade. "Esta Floresta ainda guarda seus segredos. A cada ano esse lugar me dá mais calafrios".
"Ainda estamos em tempos de paz". Elladan lembrou, embora seu semblante tivesse ganhado o mesmo ar de inquietação de seu gêmeo, tornando-os ainda mais idênticos.
"Paz..." Elrohir bufou. "Por que custo a acreditar nessa palavra?"
"Talvez porque goste do conflito". Elladan respondeu, voltando a olhar distraidamente para as flores amarelas acima. "Nunca me conformarei com um jardim que cresce em um lugar como esse".
Mas Elrohir não respondeu. E Elladan voltou-se imediatamente para o irmão, para encontrar um par de olhos escurecidos que conhecia bem. Ele repetiu para si rapidamente o que dissera, para enfim perceber que, de fato, apesar de não intencional, havia uma provocação em sua última sentença.
"Não me olhe assim." Elladan defendeu-se. "Você bem sabe que o marasmo dos últimos anos te incomoda."
"Não é o marasmo, Dan. É o que esse marasmo esconde."
"Está com complexos de perseguição, Ro. E eu pensei que esse tipo de problema só afetasse aos edain. Talvez seu sangue adán seja mais forte do que o meu."
Elrohir ergueu-se então, caminhando nervoso pelo pequeno jardim. Elladan suspirou, condenando-se novamente por sua sinceridade excessiva de irmão mais velho.
"Desculpe-me, toron." Ele forçou-se a dizer então, sem sair do lugar. "Conheço seus instintos de guerreiro e sei dos valores que têm. Só estou tentando enganar meu coração por mais alguns anos... Permite-me?"
Elrohir continuou em silêncio, jogando-se agora na grama verde e cruzando as pernas.
"Anda, Ro. Deixe de crueldades e fale comigo."
"Para quê? Sequer está me ouvindo. Continua aí a admirar essas flores amarelas que nascem nesse lugar escuro."
"E isso não te impressiona, toron-nin?" Elladan olhou-o com seriedade agora. "Um exército de soldados que luta bravamente contra o mal comove o seu coração, mas uma árvore silvestre que finca suas raízes e ainda dá flores tão belas em um lugar quase sem luz como esse, sequer causa a você admiração?"
Elrohir bufou como resposta.
"Admira-se só com a morte heróica, Ro? E a vida que se sobressai? Que se supera? Isso não te encanta?"
Elrohir bufou novamente, mexendo-se incomodado no lugar onde estava.
"Hoje você tirou o dia para fazer com que eu me sinta mal. Está sendo muito feliz em seus objetivos."
"Se estou, só posso dar graças." Elladan não se abalou com o melodrama do gêmeo. "Pois é sinal que você percebe o quão radical certas vezes é."
"Sou um estúpido, grosseiro e sem coração. Eu sei, não precisa me lembrar."
"Ai." Elladan enervou-se então. "Quantos anos ainda vão se passar até que você deixe de lado esses adjetivos infelizes que reserva para si?"
Elrohir bufou mais alto então.
"Você me irrita, Elladan. Irrita-me mais do que qualquer um consegue nessa terra. Que habilidade de tão poucas graças é essa sua!"
O silêncio tomou então o irmão mais velho, que pressionou levemente o maxilar. Elrohir não o olhou mais, perdera completamente a coragem de afrontá-lo, principalmente por percebê-lo já suficientemente irritado, algo que era muito raro.
"Calo-me então." Elladan finalmente declarou, erguendo-se com um suspiro de incômodo e esticando o corpo. Ele olhou mais uma vez para o Ipê amarelo e suspirou, guardando suas pequenas certezas. "Não era a minha intenção tirar-lhe dos prumos, embora muitas vezes você faça isso por conta própria."
"Aonde vai?" Elrohir indagou, vendo o gêmeo aproximar-se agora da saída do jardim.
"Vou para meu quarto. Estou cansado."
"Isso." O outro irritou-se novamente. "Aproveite que aqui temos um cômodo para cada um de nós e assim não te aborreço pelo resto do dia."
"Você vai para lá. Eu bem sei." Elladan disse, um sorriso já erguendo-lhe teimosamente os lábios. Todas as noites eram iguais. Ele se deitava e em instantes o irmão batia em sua porta, escorregava para dentro do quarto e para debaixo de suas cobertas, como um elfinho que teme ficar sozinho em sua cama. Ele nunca entenderia isso.
"Não vou." Elrohir afirmou com veemência.
"Então vou trancar a porta."
"Certo. Tranque mesmo."
Elladan fingiu ignorar, caminhando até o portão e puxando o trinco. Legolas encolheu-se para não ser visto.
"Dan." O elfinho ouviu o gêmeo chamar o irmão de dentro do jardim e o alto elfo moreno, perto dele agora, voltou-se de onde estava.
"O quê?"
"Não tranque a porta."
Elladan suspirou, soltando os ombros e sorrindo.
"Venha cá, toron." Ele gesticulou, esticando a mão. "Está escurecendo, vamos nos recolher ao palácio antes que nana venha a nossa procura."
Elrohir aproximou-se devagar e quando estava perto o bastante Elladan o puxou e ambos saíram abraçados do jardim.
Legolas os ficou observando. Era bom demais ter um irmão. Ele pensava. Uma pena que seu pai não gostava sequer de ouvir falar naquela idéia. Alias, seu pai ultimamente parecia não ter tempo para ouvir idéia alguma dele.
"Dan." Legolas percebeu que os gêmeos continuavam conversando, caminhando lentamente de volta ao palácio. Ele apressou-se então em acompanhá-los andando sorrateiramente pelas grandes pedras expostas aqui e ali.
"O quê foi?" Elladan respondeu.
"Você acha que Thranduil tem algum poder?"
"Poder? Como assim?"
"Você sabe. Poder. Como nosso pai o tem."
"Que eu saiba só três anéis foram forjados. Um está com nosso pai, outro com nossa avó e o terceiro nas sábias mãos de Mithrandir."
"Mas e os portões? Esses que parecem se abrir só por ouvirem a voz do rei? Eu nunca vejo elfo algum empurrá-los ou qualquer outra espécie de mecanismo."
"É fato, Ro. Abrem-se mesmo pela vontade do rei. Ouvi dizer que os anões também têm domínio de algumas palavras de condução como essas. Mithrandir certa vez me disse que os portões de Moria são dessa forma trancados."
"Argh. E por que trancá-los? Quem haveria de querer entrar em um lugar como aquele?"
"Todo o tipo de criatura, toron-nin. Já imaginou o tesouro que os pequenos cavam naquelas minas?"
O outro gêmeo silenciou-se, então, sacudindo a cabeça.
"Essa ambição já foi a ruína de muitos." Ele disse
"Ambição não é um bom sentimento."
"Decididamente não."
Legolas franziu a testa, pendendo o rosto para o lado. Olhava agora os irmãos que haviam parado em frente à escadaria do palácio para conversarem mais um pouco. O movimento dentro da caverna cessava devagar com a proximidade do fim do dia.
O que seria ambição? O elfinho pensou consigo mesmo, lembrando-se que já vira aquela palavra anteriormente em uma de suas leituras, mas não conseguia se lembrar do significado. Ele se esticou um pouco mais, de trás da pedra na qual se escondia, para tentar ver porque os gêmeos haviam se calado e, para sua surpresa, os encontrou a ambos em pé diante dele. Nem os ouvira aproximarem-se.
Tudo o que pôde fazer foi arregalar dois grandes olhos azuis e perder completamente a cor, dando um pequeno e cambaleante passo para trás, com olhos fixos nos dois irmãos. Ambos o encaravam com seriedade, rostos lisos e brancos sem qualquer expressão, olhos acinzentados e brilhantes. O da direita mantinha ambas as mãos nos quadris e o da esquerda cruzara os braços em frente ao peito largo. Não pareciam muito satisfeitos.
"Elrohir." O gêmeo de braços cruzados comentou erguendo o queixo. "Acho que estávamos sendo espionados."
Legolas arregalou os olhos ainda mais e sentiu sua visão escurecer-se e clarear-se de embaraço e receio.
"Estavam... estavam conversando." Ele balbuciou, baixando timidamente a cabeça. "Não... não queria interromper. Nana diz que não é educado interromper os adultos quando... quando conversam... sobre... sobre assuntos importantes..." Ele procurou explicar-se então, mesmo achando que aquele era o conselho mais sem serventia que ouvira, afinal adultos sempre parecem estar conversando sobre assuntos importantes. Mais fácil seria se a mãe lhe dissesse de uma vez que jamais interrompesse as conversas dos elfos grandes.
Elrohir estalou os lábios então, baixando seus indecifráveis olhos para que se encontrassem certeiramente com os de Legolas.
"E o que sua nana diz sobre ouvir a conversa alheia, principezinho?" Ele provocou, recebendo uma ligeira e certeira cotovelada do irmão mais velho.
Legolas mordeu o lábio inferior e, apesar de parecer impossível para os gêmeos que o olhavam, perdeu ainda mais a cor, empalidecendo de tal forma que o mais novo deles acabou arrependendo-se do comentário maldoso que fizera.
"Eu... eu não tinha... não tinha intenção..." Tentou desculpar-se o principezinho. "Dan... Ro... por favor... não... não se zanguem... não se zanguem comigo... Eu... me desculpem... eu..."
Elladan franziu o rosto ao ouvir o tom de voz tão amedrontado daquela criança. O que Legolas temia tanto assim? Toda aquela aflição era por achar que eles poderiam estar zangados? Ele agachou-se no mesmo instante e puxou o pequenino para que se sentasse em uma de suas pernas.
"Tudo bem, pen-neth." Garantiu com um sorriso assegurador. "Quem consegue se zangar com um elfinho como você, hein?" Indagou então, sacudindo levemente o principezinho e beijando-lhe a têmpora. "Só lamento que tenha ouvido nossa conversa tão amarga."
Legolas assentiu no mais completo silêncio. Estava feliz por um dos gêmeos (ele achava que era Elladan, mas nunca tinha certeza) não estivesse zangado com ele. Olhou então para o outro gêmeo, que ainda estava em pé, ainda parecendo zangado e ainda apoiando ambas as mãos nos quadris.
Elrohir franziu os lábios ao ver aqueles olhos azuis brilhantes voltados para ele agora.
"Não se zangue..." O principezinho repetiu e Elladan olhou austeramente para o irmão, passando um claro recado de que não queria que Elrohir fizesse suas brincadeiras com aquela criança assustada.
"Elrohir não está zangado." Ele adiantou-se, ainda olhando fixamente para o irmão. "Não é Ro?"
"Claro que estou." Elrohir respondeu e o gêmeo mais velho sentiu vontade de socá-lo ali mesmo diante do pequeno.
Legolas apertou os lábios com força então e estremeceu, Elladan envolveu-o nos braços e dessa vez zangou-se de fato.
"Elrohir. Pare de assustar o pequeno, ou nós vamos nos entender aqui mesmo."
O gêmeo esticou provocativamente o pescoço e Elladan encheu o peito, incrédulo. Será que teria mesmo que dar uma boa sova em seu próprio irmão, pela primeira vez em toda existência que compartilharam?
"Vamos nos entender então." Afastou-se o outro, erguendo os punhos. "Dois guerreiros resolvem seus assuntos assim mesmo. Ande, deixa de ser um covarde."
"O quê?" Elladan uniu as sobrancelhas. "Quer que eu lute com você?"
"Claro que não." Elrohir olhou para Legolas. "Meu problema é com o guerreiro que você está segurando aí. "Vamos, pode largá-lo, Dan. Estou pronto. Deixe que venha até aqui e nos entendamos."
Elladan demorou alguns segundos para entender a insensatez que o gêmeo convertia em palavras agora.
"Elrohir, você enlouqueceu ou..."
"Anda Dan. Largue-o de uma vez. Vamos elfinho covarde, venha aqui brigar comigo. Eu tenho uma técnica de guerra especial para você. Não terá a menor chance. Sou um guerreiro muito poderoso."
Elladan apertou os olhos por alguns instantes, ao perceber um brilho que conhecia muito bem no olhar de seu irmão. Era um brilho delicioso de prazer, que apenas o mais novo dos gêmeos parecia ter. Sim. Elrohir estava se divertindo muito. E sempre valia a pena acompanhá-lo quando ele lhe lançava esse olhar.
"Venha aqui, venha." O elfo moreno ainda repetiu, olhando fixamente para o trêmulo elfinho que se agarrara agora a Elladan. "Largue de ser um covarde"
"Ro... Não, por favor..." Legolas implorou, escondendo agora o rosto no peito de Elladan. Ele tinha certeza agora de qual gêmeo o estava provocando. Aquilo só podia ser coisa de Elrohir, mas nunca imaginara que o elfo pudesse se zangar assim.
Elladan afastou-o então do peito e olhou-o nos olhos.
"Dan..." Legolas pediu com lábios trêmulos. "Explica para ele que eu não tive a intenção."
"Explica nada." Elrohir disse ainda com os punhos erguidos. "Que principezinho fracote é você, hein? Anda logo."
"Acho melhor você ir, Las." Elladan disse e o elfinho se surpreendeu, apavorando-se mais ainda.
"Dan... não... por favor..."
Mas o gêmeo colocou-se de pé e afastou Legolas de si, dando alguns passos para trás e observando discretamente se ninguém acompanhava aquele 'desentendimento'.
Legolas se viu então diante do irado gêmeo mais novo, que gesticulava impaciente para que ele se aproximasse.
"Anda, elfinho molenga. Vou lhe mostrar o que eu faço com os inimigos como você."
O pobre principezinho mordeu com força o lábio inferior apreensivo, sem saber como escapar daquela situação apavorante. Ele fechou os olhos então e abraçou o próprio corpo.
"Não vai chorar, vai? Seu molenga." O elfo moreno provocou aproximando-se agora. Legolas recuou um pouco, mas quando deu por si Elrohir o agarrara com toda a força e agachara-se com ele, fazendo-o deitar-se por sobre as suas longas pernas e cobrindo-o de cócegas.
Legolas primeiro apavorou-se, depois começou a rir muito, implorando ao gêmeo que o libertasse.
"Nada disso, elfinho. Já disse que sou um guerreiro cruel."
"Ro... por favor..." Ele implorava entre crises de riso, já quase sem ar."
Elladan cruzou os braços então e sacudiu a cabeça, assistindo aquela cena e pensando no que dissera a pouco a seu gêmeo. Acusar Elrohir de insensibilidade, dizer que ele não tinha olhos para a vida, era mesmo uma grande injustiça.
"Deixe-o agora, toron-nin." Ele pediu, vendo o elfinho avermelhar-se muito. "Tenha piedade."
"Isso!" Elrohir parou uns instantes e Legolas arregalou os olhos, ainda sendo segurado fortemente pelo elfo. "Peça piedade, elfinho!" Ele ordenou, voltando a sua tortura cruel.
Legolas começou a rir novamente, ele bem que pediria piedade diversas vezes, se conseguisse falar algo.
"Ro... por... fa.. vor.."
"Peça piedade, elfinho..."
"Pie...da...de..."
"AH!" Elrohir parou novamente, mas não o soltou. "Diga que sou um grande guerreiro então. O melhor que você conhece ou vou continuar te torturando."
O elfinho sorriu então, enxugando as lágrimas do rosto avermelhado.
"Não precisa me pedir isso." Ele assegurou, apoiando a cabeça no peito do elfo. "Pois você está entre os três melhores guerreiros de Arda para mim."
Elrohir franziu o cenho, mas seu coração perdeu um compasso com a declaração do pequenino.
"Não sei não." Ele procurou recompor-se. "Com quem divido esse posto?"
"Com meu ada e com Elladan." Legolas respondeu com sinceridade. Vocês são com certeza os melhores e mais temidos guerreiros de toda a Arda.
Elrohir apertou os lábios então, depois voltou os olhos para o irmão que lhe sorriu em pé, a um passo de distância. Voltou a olhar o principezinho, que franziu a testa ao ver os olhos do gêmeo brilharem.
"Está zangado de novo, Ro?"
"Eu?"
"É"
"E por que estaria?"
"Por que te comparo com outros guerreiros?"
Um sorriso escapou dos lábios de Elrohir e o elfo se ergueu, tomando Legolas nos braços. O principezinho deitou a cabeça no ombro do gêmeo por alguns instantes e suspirou.
"Não está mesmo zangado?"
"Não estou." O gêmeo respondeu-lhe, acariciando-lhe as costas devagar, depois beijou-lhe a testa e colocou-o no chão. "Vou ser sincero com você, Las. Nem sei se mereço repartir meu lugar com elfos de tamanha grandeza. Principalmente com alguém tão poderoso quando seu ada."
Legolas sorriu largamente com a lembrança do nome do pai. Muito o empolgava saber que aqueles elfos, que eram seus heróis, compartilhavam a opinião que ele tinha do rei.
"Meu ada já enfrentou muitas batalhas." Ele contou com empolgação. "Dizem que há paz, mas ele sempre enfrenta monstros terríveis na floresta. Ele é muito corajoso, não é Elrohir?"
O elfo franziu as escuras sobrancelhas.
"Seu ada lhe conta sobre batalhas que trava na Floresta?" Ele indagou e o elfinho empalideceu novamente.
"Na...Não... Ro... ele... ele nunca me conta nada."
Elrohir não conseguiu crer naquelas palavras. Seus instintos de guerreiro subitamente lhe gritavam como se estivesse em pleno campo de guerra. Ele ergueu os olhos, buscando no irmão uma confirmação ou esclarecimento sobre o que o incomodava. Mas Elladan estava muito mais sério do que era o seu costume. Ele sequer retribuiu o olhar que recebeu, sua atenção estava em algo que acontecia atrás do gêmeo. Elrohir sentiu um longo e estranho frio percorrer-lhe a espinha desagradavelmente. Ele engoliu em seco e voltou-se devagar, para confirmar o que seus instintos lhe gritavam e encontrar quem chamara a atenção do irmão.
"Elladan, Elrohir." A voz de Thranduil soou firme. "Aconselho que entrem agora. Logo estará escuro, mesmo aqui dentro da caverna. Não gosto que os lampiões fiquem acessos inutilmente."
"Sim, majestade." Os gêmeos responderam em uníssono e Elrohir tomou a mão de Legolas, que parecia ter empalidecido ainda mais ao ver o pai. Teria Thranduil ouvido algo que não aprovara? "Vamos, Las." Propôs o gêmeo.
"O príncipe entra em seguida." Thranduil opôs-se então, segurando firmemente o braço do filho, que baixou a cabeça no mesmo instante.
Elrohir olhou-o nos olhos, apertando a mão de Legolas instintivamente, como se não tencionasse largá-la, mas Elladan passou por ele, puxando o irmão gentilmente pelo antebraço.
"Vamos, toron." Ele disse e sorriu para Legolas, procurando transmitir ao pequeno amigo que estariam por perto se ele precisasse. "Nossa mãe deve estar nos aguardando lá dentro."
Elrohir deixou finalmente a mão fria a príncipe escorregar da sua, embora estivesse muito insatisfeito por ter que fazê-lo. Ele ainda olhou mais uma vez para o rei, que não afastou seu olhar do dele por um instante sequer.
"Seu filho é um elfinho muito esperto, majestade." Ele disse.
"Sei disso." Thranduil respondeu. "Mas ainda não tão esperto quanto eu preciso que seja."
Legolas baixou o rosto e Elladan puxou novamente Elrohir, pedindo licença para pai e filho e praticamente arrastando o gêmeo escada acima.
Agora sozinho com o pai, Legolas sentiu que não havia mais como evitar o conflito. Ele continuou cabisbaixo e estremeceu ao sentir o rei agachar-se diante dele e apertar-lhe o braço com um pouco mais de força.
"Diga." Ele ordenou.
"Dizer... dizer... o...o quê, a..ada?"
"Diga por que devo castigá-lo assim que Lady Celebrian e seus filhos forem embora."
Castigar. O pequeno repetiu aquela palavra amarga para si e seus olhos se encheram de lágrimas.
"Se chorar o castigo lhe será dobrado. Aviso-lhe elfinho. Não me venha com manhãs, já é um rapaz!"
Legolas voltou fechar os olhos, engolindo o soluço e procurando conter as lágrimas. Que má sorte era a dele, nem percebera que o pai chegara. Que má sorte era aquela que sempre o fazia estar no lugar errado e dizer exatamente a coisa errada.
"Diga." Thranduil repetiu e o filho engoliu em seco.
"O senhor vai me castigar... porque eu... eu falei das suas lutas na floresta."
"Não é esse o motivo."
Não era aquele o motivo. Legolas bem o sabia. O motivo era o de sempre, o que sempre colocava pai e filho nas piores situações de conflito. Nem quando ele insistia ao rei que queria sair um pouco do palácio, Thranduil se zangava tanto quando o assunto era aquele do qual infelizmente voltariam a tratar agora.
"Não... não sei... não sei ada... Não se zangue." Ele balbuciou, ainda tentando se esquivar da discussão.
Thranduil sacudiu-lhe o braço então.
"Deixe de querer me chantagear criança. Para isso é bem esperto."
Desista, elfinho tolo. Legolas ouviu sua própria voz dizendo e silenciou-se pesaroso. Sabia que não havia volta agora que o pai estava zangado com ele, seriam longos dias de silêncio, mesmo com o castigo, até que ele o perdoasse ou pelo menos fingisse que se esquecera do que fizera. Ele apertou os olhos então, odiando-se por deixar acontecer novamente.
"Diga." Thranduil ordenou uma última vez.
"Vou ser castigado porque... falei... falei das coisas que... vejo..."
"Das coisas com as quais sonha." Thranduil corrigiu-o enérgico e Legolas apertou os punhos. Ele sabia, ano após ano, que não eram apenas sonhos as imagens que via. Por que o pai insistia em fazê-lo acreditar nisso?
"Mas eu não contei a eles, ada..."
"Legolas!" Thranduil ergueu a voz, interrompendo-o e o filho engoliu as palavras que sabia não fazerem parte do que o pai queria ouvir.
"Contei a eles sobre coisas com as quais sonho..." Ele corrigiu-se contra a vontade, baixando vencido o rosto triste. "Coisas que não são reais."
"E qual será seu castigo?" O rei indagou, erguendo-se agora e olhando a sua volta.
Pronto, estava encerrado. Agora já não lhe dedicava o olhar, logo nem mesmo lhe dirigiria uma palavra. Era sempre assim.
"Ficarei no meu quarto, até que ada... que ada me permita sair."
"Pois bem." Thranduil cruzou as mãos nas costas e Legolas ergueu os olhos para vê-lo. Os cachos louros deslizavam por sobre o robe marrom, infinitos anéis de ouro entrelaçados, era o que pareciam, alguns cativos de fortes tranças. Em sua cabeça a coroa da primavera que a mãe fazia toda manhã e que ele usava sempre, apenas para agradá-la. Elbereth, como o amava, por que o pai tinha que estar zangado novamente com ele?
"Perdoe-me, ada." Ele disse e o rei estremeceu levemente. Legolas não sabia, porém qual fora a emoção que lhe despertara tão reação. Seria amor? Seria ódio?
Thranduil encheu o largo peito e enrijeceu os ombros.
"Cumpre tua obrigação de príncipe, Legolas." Ele disse, dando um passo em direção a escada. "E nunca mais terá que me pedir perdão."
Ele então se afastou, subindo os degraus e abrindo por si a grande porta. Quanto tempo agora até que o visse novamente? Já não participava das refeições quando tinha visitas. Agora não o veria mesmo depois que elas se fossem. Legolas baixou ainda mais o rosto e finalmente as lágrimas caíram por ele. Então se sentou no degrau da escada, sem vontade de entrar, sem vontade de fazer coisa alguma, e ali ficou, deixando o tempo passar.
Com o tempo as lágrimas diminuíram e ele apenas abraçou-se aos joelhos e deixou-se ficar ali, observando os últimos elfos se recolhendo. Logo os veria apenas da sacada de seu quarto. Ilúvatar, já não era suficiente estar preso naquela caverna? Teria agora que ficar naquele quarto que odiava, sem ao menos a chance de dormir em uma das árvores? Ele pensou, voltando a se desesperar. Foi quando sentiu alguém se sentar a seu lado e deslizar mansamente a mão por seus cabelos.
"Deixou-me esperando." A voz doce disse.
"Arwen... eu... eu sinto muito." Ele respondeu, constrangido. Parece que estava fadado a fazer tudo errado naquele dia.
"Não há problemas, Las." A bela elfa assegurou, enxugando as lágrimas que ainda estavam no rosto do principezinho. Legolas escondeu-o constrangido. Para completar, Arwen ainda o estava vendo chorar. Ele começava a achar o castigo do pai uma boa idéia, não era seguro mesmo sair de seu quarto.
"Eu... eu já estava voltando... Me perdoe..." Ele procurou desculpar-se, enxugando o rosto agora com ambas as palmas abertas.
"Las... o que aconteceu?"
"Na... Nada, Undomiel..."
"Mas você está triste. E não estava quando saiu do quarto em busca de meus irmãos. Diga-me, Elrohir fez alguma brincadeira que não te agradou?"
"Não." Legolas defendeu o gêmeo de imediato. "Os El são bons para mim... eu os tenho aqui." Ele apoiou a mão no peito e Arwen sorriu, fazendo o príncipe baixar novamente a cabeça, por constrangimento dessa vez.
"Então... chora por outro alguém." A moça deduziu e Legolas estremeceu.
"Eu... não posso te contar, Arwen. Eu... se eu disser algo eu... Eu não posso..."
"Tudo bem..." A bela elfa envolveu-o carinhosamente nos braços. "Existem coisas que não precisam ser ditas, Las. Eu compreendo. Mas... Permite-me um conselho? De alguém que viu mais flores nascerem e morrerem do que você?"
O elfinho olhou-a novamente nos olhos, depois assentiu em silêncio e Arwen apoiou a mão em seu peito, trazendo-lhe uma imensa paz.
"Meu pequenino amigo." Ela sorriu-lhe e suas palavras pareciam vindas de um sonho. "Não entristeça seu coração com imagens que cria, imagens suas, imagens dos outros, mesmo que pareçam reais... Não se entristeça pelo que acha que sente, pelo que acha que os outros sentem, pelo que acha que é verdade. Apegue-se apenas ao que tem certeza, ao que tem certeza bem aqui." Ela forçou levemente a mão que ainda estava por sobre o peito do príncipe. "E nunca, eu lhe garanto, garanto-lhe por todas as estrelas do céu, nunca você se enganará."
Legolas apertou os lábios então e duas lágrimas rolaram por seus olhos novamente. Arwen puxou-o para perto de si e abraçou-o carinhosamente, beijando-lhe o topo da cabeça.
"Então." Ela disse, sua voz também parecia embargada pela emoção. "Não se lembra do que veio fazer aqui?"
Legolas franziu o cenho.
"É verdade." Ele se lembrou."
"Então o que está esperando? Vá chamá-los. Eu espero em meu quarto."
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"Mas você viu a forma como ele o trata, Dan?" Elrohir caminhava indignado pelo quarto do irmão.
"Fale baixo, Ro. Está se esquecendo de quem coloca em julgamento aqui? Não pode simplesmente falar do rei dentro de seu próprio palácio. No mínimo é uma falta de diplomacia tremenda."
"E o que ele fez lá na entrada, você chama de quê?"
"Vamos encerrar esse assunto que não nos diz respeito. Sinto que essas paredes têm ouvidos, Ro. Esses ambientes de 'corte' são muito diferentes do nosso. Não imagina as intrigas que fazem parte dele. Eu não quero que nenhuma história distorcida de curiosos caia nos ouvidos de Thranduil."
Elrohir estalou os lábios. Ele realmente pouco se importava com o que o rei viesse a pensar dele. Elladan olhou-o austeramente então.
"Droga, Dan. Sabe que estou certo."
"Sei. Mas você também sabe que estou."
O gêmeo voltou a estalar indignado os lábios. Atirando-se na cama de Elladan. O irmão sentou-se a seu lado e apoiou a mão em uma das pernas dele, apertando-lhe o joelho, como sempre fazia quando queria que se acalmasse.
"Vai encontrar confusão, Ro. Aquieta teu espírito. Não esqueça que a responsável aqui é nossa naneth."
O irado elfo moreno passou a encher e esvaziar os pulmões varias vezes, tentando seguir o conselho recebido, foi quando ouviu alguém bater.
"Entre, por favor." Elladan autorizou.
A porta se abriu e o rostinho triste de Legolas lhes sorriu.
"Peço-lhes licença." Ele disse educadamente e Elladan sorriu-lhe também, afastando-se um pouco do irmão e batendo a palma no colchão onde estavam.
"Toda, pen-neth." Ele autorizou. "Venha cá."
Legolas deu um passo inseguro para dentro do quarto, em seguida olhou para o outro gêmeo, esperando aprovação para aceitar o convite do mais velho. Elrohir sorriu-lhe, indicando com um leve movimento do queixo o lugar a seu lado. O principezinho então se apressou em sentar-se entre os irmãos.
"Então. O que estava fazendo?" Elladan indagou, ajudando o elfinho a sentar-se melhor.
"Nada." Legolas respondeu timidamente. "Apenas venho cumprir o que Undomiel me pedira e eu tinha me esquecido."
"E o que era?"
"Chamar-lhes."
"E onde ela está agora?"
"Está no quarto."
"E fato. Lembro-me que nossa irmã te ensinava a desenhar paisagens. Estou certo?"
Legolas parou alguns instantes, voltando a constranger-se um pouco.
"Sim... Undomiel pediu-me que os chamasse para que vissem o trabalho que fiz." Ele informou inseguro. "Mas se não puderem ir agora, não há problemas, Dan."
"Humm." Elrohir disse em um tom provocador. "Mas isso muito me interessa. Conseguiu então fazer um sol que não se assemelhasse a um ovo frito?"
Elladan lançou um olhar reprovador para o irmão, mas Legolas teve um acesso de riso, colocando ambas as mãos por sobre a boca.
"Pelo visto não." Concluiu o gêmeo, erguendo-se e tomando a mão do principezinho louro. "Mas eu vou me arriscar a ver seu desenho. Você vem, Dan?"
O gêmeo mais velho sorriu, sacudindo inconformado a cabeça com o tom debochado de Elrohir. Como ele conseguia agradar as pessoas mesmo sendo tão sarcástico era algo que o primogênito de Elrond desistira de entender há muito tempo. Ele levantou-se também então, esticando preguiçosamente o corpo.
"Pois eu tenho certeza que ele vai nos surpreender." Ele comentou, acompanhando os dois e apoiando uma mão no ombro de Legolas, que lhe sorriu.
"Claro que vai." Elrohir provocou um pouco mais. Ele não parecia disposto a compreender o rumo que Elladan queria dar a conversa. "Há sempre formas variadas para se desenhar um ovo frito. De que cor você o fez dessa vez, Legolas? Aquele teu azulado decididamente está entre os meus campeões."
Legolas voltou a rir e Elladan a sacudir a cabeça. Um mistério era aquela habilidade de Elrohir. Decididamente. Um mistério sem a menor sombra de explicação.
Quando o trio chegou ao quarto de hóspedes, aquele destinado sempre a bela filha de Celebrian em suas visitas, encontraram-na em pé diante do quadro no qual vinha trabalhando desde que chegara. Era um retrato de Imladris que Legolas lhe pedira, o qual a doce elfa executava com esmero e carinho. Elladan adiantou-se, parando ao lado da irmã e observando a paisagem com um olhar saudoso.
"Está perfeito, princesinha." Ele disse. "Não acha, Elrohir?"
O gêmeo aproximou-se também, tomando o outro lado da caçula e analisando o quadro com atenção. Ele torceu os lábios, pendeu a cabeça para um lado e para o outro, trocou a perna de apoio, coçou o queixo, cruzou os braços, enfim, deixou dolorosamente o tempo passar sem dar sua opinião, apenas porque sabia que isso irritava terrivelmente a irmã. Era unânime em Imladris a opinião de que Elrohir era o melhor artista de toda a região, por isso mesmo sua opinião pesava demais para ela.
"Você é cruel, toron-nin." A bela elfa queixou-se enfim. "Espero que esteja se divertindo."
Elrohir ergueu o canto dos lábios, parecendo satisfeito com a sensação que despertara. Voltou-se então para o elfinho que se achegara silenciosamente ao grupo e agora encarava o quadro com os lábios soltos e o olhar perdido.
"O que acha, pequenino?" Ele indagou. "Esta paisagem está convincente?"
Legolas olhou-o imediatamente, desperto então do mundo no qual estava. O que Elrohir lhe perguntara? Se a paisagem estava convincente?
"O que quer dizer 'convincente', Elrohir?"
Os três irmãos riram então e Arwen esticou o braço e tomou a pequena mão do príncipe.
"Quer dizer se ela parece real, Las." Ela esclareceu com um sorriso singelo. "Parece real?"
"Não." Legolas respondeu de imediato e Arwen franziu o cenho, não conseguindo disfarçar a decepção. Ela olhou para o quadro mais uma vez. Era o retrato do centro de Valfenda, as escadas frontais, o jardim lateral onde o pai gostava de ler, as árvores enfeitadas da primavera e a grande árvore das flores vermelhas que abraçava toda a lateral da casa. Ela voltou-se então para o príncipe, que parecia não ter percebido o sentimento triste que despertara, ele ainda mantinha seus olhos fixos na paisagem.
Elladan, sentindo o desconforto que se instalara e parecendo apenas ele perceber o significado que aquela resposta tão rápida do elfinho continha, limpou a garganta e suspirou.
"Poderia dizer a Undomiel porque não julga o quadro que ela criou convincente, Legolas?" Ele indagou em um tom de paz e o elfinho olhou novamente para os irmãos, para depois voltar a encarar a bela paisagem.
"Porque não pode ser real." Ele respondeu com a sinceridade infantil que a todos toca. "Só se fosse Valinor. Nana me disse que Valinor é o lugar mais belo que existe em toda a Arda. Temos até alguns retratos de lá nos livros da estante do meu ada."
Arwen então suspirou, olhando para o irmão mais velho e para Elrohir com um sorriso. O gêmeo mais novo piscou para ela, passando o braço por seus ombros e apertando-lhes ligeiramente.
"Está perfeito, princesinha." Ele assegurou.
"Obrigada." Ela respondeu com sua voz de rouxinol, em seguida ajoelhou-se em frente ao pequeno príncipe louro. Legolas olhou-a sem entender, virando o rosto para o quadro e para ela alternadamente.
"Arwen. Esse lugar existe mesmo? Você vive nele?"
"É claro que existe, Esquilinho." Ela assegurou em um tom amável. "Quando você for mais velho, vamos levá-lo até lá para que conheça nosso lar."
Legolas sorriu largamente então, olhando o quadro com outros olhos.
"Vai mesmo presentear-me com ele?"
"Sim." A elfa reergueu-se satisfeita. "É teu desde que pincelei nele as primeiras cores."
O elfinho suspirou fortemente então, dando um passo largo e colocando-se a poucos centímetros diante da obra. Estava tão apaixonado por aquele lugar que sequer lembrara-se de agradecer.
Elrohir notou o interesse do principezinho com atenção.
"Quando voltar a Valfenda farei também desenhos da cidade para te trazer em nossa próxima visita." Ele prometeu e Legolas assentiu com a cabeça, ainda observando os detalhes da bela pintura de Arwen.
"Ainda é difícil de acreditar que tal lugar exista." Ele disse enchendo o peito e os irmãos sorriram e se entreolharam, pensando em o quão diferente a Floresta Escura era da terra que seu pai criara para a paz de seu povo.
"Bem." Elrohir cortou o silêncio, esfregando as mãos. "Quando vamos ver a sua paisagem?"
Legolas empalideceu então, olhando preocupado para Arwen agora. A elfa lhe sorriu com delicadeza e Elladan aproximou-se do elfinho.
"Mostre-nos, Legolas. Elrohir não vai falar mais nenhuma bobagem." Ele garantiu, lançando um olhar austero ao irmão mais novo que o fez a cópia mais fiel do pai curador. O gêmeo, porém, não sei intimidou, cruzando provocativamente os braços.
"Não posso prometer." Ele disse em um tom debochado, mas dessa vez sentiu-se estranho ao ver que Legolas não riu, parecia realmente preocupado com o fato de ver-se obrigado a mostrar sua obra.
"Mostre a eles, Legolas." Arwen incentivou-o.
"Mas não..." Ele tentou argumentar.
"Não o que, elfinho?" Elrohir indagou. "O que fez com sua paisagem dessa vez? Não me diga que pintou o céu de verde musgo como na primeira obra? Devia parar de transformar a natureza assim." Ele aconselhou sorrindo. "Os Valar podem querer contratar os teus serviços."
Legolas apertou os lábios nervosamente e Elrohir soltou os braços, por fim, desistindo de suas brincadeiras.
"Qual o problema, Legolas?" Ele indagou muito sério. "É só um quadro. Prometo que não vou fazer nenhum comentário se é isso que o está incomodando."
"Não é isso."
"Então o que é, pen-neth?"
"É que eu... Eu..."
"Você?"
"Eu não pintei..." Ele caminhou vagarosamente para perto de sua tela, que estava agora protegida por um tecido branco.
"Não pintou o quê?" O gêmeo indagou acompanhando-o. A seu lado os irmãos faziam o mesmo.
"Não pintei..." Ele tentou explicar, puxando receoso o tecido. "Não pintei uma paisagem."
"Então o que pintou?" Elrohir indagou, tomando a frente do quadro para desvendar tal enigma.
Mas o elfinho não respondeu. Ele apenas uniu nervosamente as mãos diante da cena dos dois gêmeos, totalmente perplexos, com seus olhos voltados para o quadro diante deles.
"Ilúvatar." Elrohir viu-se sem forças até mesmo para pensar em uma provocação ou algo do gênero. "Está... está..."
"Está perfeito..." Elladan completou boquiaberto.
Diante deles, pintado com uma riqueza de detalhes impressionante, estava um retrato dos dois. Elrohir segurava uma espada brilhante com olhos sérios e escuros, mas os cantos dos lábios erguidos em um quase sorriso, ao lado dele Elladan portava um arco enorme, segurando nele duas flechas ao mesmo tempo. Apesar de idênticos, eles se reconheceram, cada qual em seu papel, sem sombra alguma de dúvida.
"Ele se superou, não foi mesmo, El?" Arwen aproximou-se, parando atrás dos irmãos. "Um paisagista razoável, mas o melhor retratista que já vi. Pintou sem um modelo diante dele. Superou até a você, Elrohir."
"Mas eu tive um modelo." Legolas revelou, apertando os lábios em seguida, como se estivesse arrependido e os gêmeos se voltaram para ele com um olhar questionador.
"Que modelo, Legolas?" Elrohir indagou imediatamente. "Nunca nos viu guerrear."
O elfinho empalideceu então. Odiava-se por se ver escorregando novamente nos assuntos que seu pai proibira. Já não bastava a repreensão que acabara de levar?
"Eu... eu..." Ele balbuciou, pensando em algo plausível para dizer. "Eu os vi... os vi aqui..." Disse por fim, apoiando o indicador na própria têmpora.
"Sonhou conosco?" Elladan ofereceu e Legolas assentiu inseguro com a cabeça. O gêmeo franziu o cenho, insatisfeito, voltando-se agora para a irmã a seu lado. "Undomiel, andou contando histórias de guerra para o pequeno?"
Arwen uniu as escuras sobrancelhas.
"Ignorarei sua indagação, toron-nin." Ela respondeu muito séria e Elladan suspirou ainda insatisfeito, voltando-se agora para o gêmeo. "E você, Elrohir? Conte-me a verdade! Bem sabe que não devemos falar sobre certos assuntos."
Elrohir cruzou os braços e seus olhos escureceram-se.
"Tenho bons ouvidos, Elladan. E sei acatar os pedidos de nossa naneth."
Legolas acompanhou temeroso a discussão dos irmãos.
"Nada me disseram." Ele esclareceu com uma voz fraca e assustada, aproximando-se da obra que fizera e retirando-a do pedestal.
"O que vai fazer, Legolas?" Arwen indagou, vendo o elfinho caminhar em direção a saída do cômodo.
"Atirar ao fogo esse retrato. Não foi uma boa idéia. Nem ficou tão bom quanto eu queria."
"Não." Os três irmãos gritaram em uníssono.
"Se não quer o quadro, faz deste meu presente então." A elfa tomou o retrato das mãos do principezinho. "Uma obra dessa grandeza não merece tão terrível fim."
Legolas estagnou-se, olhando ainda o trabalho que fizera, agora em poder da Estrela Vespertina.
"Eu o pintei para lembrar-me deles." Admitiu então, já entristecido por ter que se desfazer dele. "Mas se o quer, Arwen. Dou-o de coração."
A elfa sorriu um sorriso triste, ajoelhando-se agora diante do príncipe.
"Sonhou de fato com meus irmãos?" Ela indagou e Legolas encolheu-se onde estava, abraçando o próprio corpo, seus olhos azuis mudaram estranhamente de tom e ele olhou receoso para os gêmeos, em pé atrás da elfa.
Elladan e Elrohir se entreolharam intrigados. Como o elfinho descobrira a preferência que o gêmeo mais velho tinha pelo arco e flecha ao invés da espada era para eles uma incógnita, haja vista que, até mesmo nas emboscadas, Elladan optava sempre pelo uso da espada em primeiro lugar, como qualquer guerreiro do grupo.
"Sonhou, pen-neth?" O gêmeo mais velho insistiu, ajoelhando-se também ao lado da irmã.
Legolas assentiu receoso, achando que a idéia de um sonho poderia se encaixar como uma explicação satisfatória. Elladan ainda ficou olhando-o por mais alguns instantes, não parecendo de fato convencido. Ele então suspirou e sorriu, estendendo o braço e puxando o príncipe para sentar-se com ele na cama de Arwen.
"Pois eu gostei demais de sua obra." Ele disse, olhando agora diretamente para Elrohir. "Não disse que o pequeno ia te surpreender, toron-nin?"
Os gêmeos trocaram olhares significativos até que o mais novo sorriu também, parecendo disposto a encerrar aquele assunto por enquanto.
"Isso foi inspiração." Elrohir disse então. Pegando uma tela branca e colocando no lugar onde estava a que Legolas tirara. "Sente-se lá com eles, Estrelinha." Ele pediu e Arwen intrigou-se, mas obedeceu, sentando-se ao lado de Legolas e deixando o príncipe entre ela e Elladan.
"O que ele vai fazer, Arwen?" Legolas indagou intrigado, vendo o gêmeo mais novo jogar algumas tintas em uns potes displicentemente. Os olhos da elfa brilharam. A destreza com que Elrohir manuseava a arte era tão fascinante que, ao executar sua obra, ele não parecia um elfo, ele parecia um dos próprios Valar, colorindo o mundo a sua forma.
"Ele vai fazer nosso retrato, Las." Ela respondeu com a voz embargada e Legolas apertou os olhos.
"Quer dizer que vamos ter que ficar dias aqui para que ele termine?"
Elrohir riu então, segurando um dos pinceis entre os dentes enquanto misturava as tintas com outros dois. Sem saber somava cores que criariam uma das melhores lembranças que Legolas teria deles desde então.
E aquela, apesar das promessas contrárias dos filhos dos senhores de Imladris, foi a última vez que Legolas vira os gêmeos e a irmã deles juntos no palácio. O retrato que Elrohir fizera, bem como o de Arwen, ficaram então como os únicos objetos que Legolas manteve, por sua vontade, no quarto onde dormia, até mesmo depois que sua mãe também partiu. Ele os guardara escondidos em um dos armários e, quando a saudade lhe doía, ainda muito tempo depois, escapava para vê-los, para lembrar-se daqueles rostos e daquele afeto que o tempo não apagava.
CONTINUA...
