O único barulho que eu me permitia escutar era o da neve caindo lenta e suavemente no chão branco. Mas me doía a cada floco que caía a minha volta. Doía de maneira brutal, de forma que eu desconhecia. Era mais um sentimento que ele me mostrara.
Era a dor em forma de amor.
[flashback]
- Parece que vem uma tempestade de neve hoje.
Sua silhueta magra, visível por debaixo da roupa grossa, estava contra a janela. Estava encarando o vazio lá fora. Mas não entendi se era para eu responder sua afirmação. Continuei apenas o observando cuidadosamente contra a iluminação azulada que vinha da tarde fria.
- Eu gosto de tempestades. - ele continuou ao mesmo tempo em que se virou para me encarar. Ele percebia o silêncio. Ele queria era puxar assunto mais uma vez e eu não sabia o que responder.
- A-algumas são perigosas.
- Ainda assim, gosto delas. Até as perigosas, elas são mais intensas. Você se sente de uma forma.. é surreal. Você vê a beleza do nada no vazio, vê o branco sendo forte sobre branco. O barulho, o vento. É bonito... Você já parou para ver uma tempestade, Todd? Primeiro o silêncio domina, depois tudo escurece de repente e o barulho das nuvens começa a soar bravo. Parece então que uma cortina branca cai a sua volta. E você só pode imaginar. Você sabe que não pode ser maior que isso, mas se sente bem com tanta beleza.
- E você.. quer assistir a tempestade?
- Quero. Mas seria mais legal uma tempestade com companhia... Sempre as assisto sozinho.
- Geralmente penso no tempo quando neva. Digo, às vezes a neve cai tão lentamente e outras vezes ela cai nervosa.
Me sentei ao seu lado, em frente a janela. Ambos encarando o lado de fora.
- Desculpa, eu esqueci do teu aniversário ontem... Queria ter lhe dado alguma coisa.
O encarei.
- Não preciso de presentes, mas obrigado.
- Acho que vai começar.
Exatos três minutos depois a cortina de neve taparia completamente nossa visão para fora.. Encarávamos em silêncio o vazio. Até seu choro.
- Desculpa.
- Desculpar o quê?
- Primeiro o meu-
- Choro.
- Isso.
- E...
- A tempestade não está tão bonita quanto pensei que estaria.
- Claro que está!
- Certo...
Eu continuei o encarando feito um bobo, esperando alguma coisa. Até seus olhos encontrarem os meus mais uma vez. Imediatamente, como mágica, ele conseguiu traduzir o meu olhar que se divertiu até seus lábios, fazendo os meus se entreabrirem. Eu só pude ver sua boca se aproximando até senti-la na minha. A boca dele estava molhada e salgada enquanto a minha estava trêmula e seca. Meus lábios cederam, abriram espaço para nossas línguas quentes roçarem uma na outra.
E aconteceu. No meio da tempestade que durou horas. Eu senti sua felicidade da forma mais intensa possível.
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Adivinha. Nevava. Nevava e nevava sem parar naquele dia. E era bonito. Eu via beleza em tudo da forma que ele sempre queria que eu visse. Queria que ele me ouvisse e dissesse que não era tarde demais.
- É tão lindo.
Suspirei tentando fazê-lo escutar. Olhei a minha volta e não havia nada ali que fosse me proteger. Veio o desespero, a angústia, a dor. Aquela dor que nos deixa completamente perdidos, sem ar. Veio a ânsia de vômito que minha mãe sempre tinha ao ficar estressada. E veio o vômito na neve branca. Era azedo, incomodava minha garganta. Era forte, quente e parecia não ter fim. Por um simples segundo pensei em abstinência. Era o que parecia. Eu não sabia o que fazer sem Neil.
Desabei no choro e nunca houve um choro tão longo. Eu juro, tentei levantar várias vezes da neve que cobria meus joelhos. Acabei caindo trêmulo nos pés da árvore em que nos encontrávamos, apenas nós dois. Saíra apenas com dois casacos e meus lábios sangravam quase congelando. Fiquei ali parado, esperando o tempo, a tempestade me levar.
Acordei na enfermaria do colégio. Perdão pelo meu jeito ingênuo, mas todos os dias ainda é por apenas uma pessoa que acordo.
Aprendi a ver beleza no que um dia você pensou ser o único a ver.
