[Scotland Yard, 30 de Julho de 2018]
A porta da sala abria-se e fechava-se consecutivamente, mas Marlene não movia-se de sua cadeira, olhando fixamente para a mesa de metal. Estava em choque pelos acontecimentos. Se fosse alguns meses antes, já estaria chorando copiosamente, mas tinha aprendido a conter as suas emoções. Não poderia deixar-se abalar por aquela captura. Mesmo que estivesse no fundo de um poço, nem tudo estava perdido, não importasse quanto tempo tivesse se passado.
A porta abriu-se mais uma vez, mas, dessa vez, a pessoa puxou uma cadeira e sentou-se à sua frente, em vez de passar para a porta do outro extremo da sala. Se era uma sala de interrogatórios, tinha uma péssima segurança. Podia ter parado para contar quantas pessoas passaram para o outro lado, fosse onde fosse, mas preferiu abster-se de comentários, observando a mesa, o que não era um passatempo tão mais interessante quanto.
O policial à sua frente cruzou os braços, como se esperasse que ela começasse a falar. Marlene dirigiu os seus olhos para a sua calça jeans rasgada. Ainda tinha respingos de sangue, mas não era o seu sangue, já que não havia furo de bala. Era realmente uma surpresa que tivesse passado por aquela situação intacta.
O gorro que cobria o seu cabelo tinha sido retirado de sua cabeça e jogado em cima da mesa, assim que foi levada àquela sala. Ela não teve forças para protestar sobre qualquer uma das duas coisas.
A porta abriu-se novamente e outra policial entrou, jogando uma ficha em cima da mesa, virada para o seu lado.
Marlene McKinnon
Desaparecida em 5 de Julho de 2017
— E você está aqui agora — disse a mulher — Sistema toxicológico limpo, parecendo ter uma grande relação de intimidade com os criminosos apreendidos, caminhando consciente de quem é e para onde vai.
— Ele só vai ficar me encarando com cara de mau para tentar me intimidar? — perguntou Marlene, olhando fixamente para o homem, que permanecia calado.
— Está funcionando? — ela perguntou.
— Eu convivi com três criminosos por mais de um ano. Acha mesmo que vocês me intimidam?
Ela trocou um olhar com o colega de profissão, ajeitando o quepe em cima de seus fios de cabelo rosas, nada comum de se ver em uma policial. Um furo de piercing era visto em uma de suas orelhas, mas estava vazio, sem nada o ultrapassando. A farda escondia traços de uma tatuagem vista por sob a gola da camiseta social.
— Deixe-me sozinha com a suspeita — disse a mulher.
O policial não deu sinais de que se moveria, mas então suspirou, levantando-se.
— Vou ajudar no contato com a família — ele declarou — Escrivã Tonks.
Eles cumprimentaram-se, e a porta fechou-se.
— Não sente-se culpada por deixá-los preocupados esse tempo todo? — perguntou a mulher, dando uma rápida olhada para a parede atrás dela.
Marlene virou de posição na cadeira, olhando para a mesma direção.
Só viu o próprio reflexo, mas sabia bem que do outro lado era possível vê-las, e talvez escutar cada palavra que pronunciassem, fosse em um sussurro ou um grito.
— Culpada pelo quê? Eu fui mantida refém — Marlene voltou a girar na cadeira, olhando para a policial à sua frente.
— E não tentou escapar? — perguntou Tonks.
— Não tive a oportunidade.
A policial olhou-a incrédula. Era claramente uma mentira.
O resto do interrogatório foi conduzido da mesma maneira. Tentaram conseguir uma confissão de cumplicidade dos crimes de sua parte, procuraram entender o motivo pelo qual permaneceu um ano desaparecida quando não estava mais na condição de refém, fazê-la sentir-se culpada pelo tempo em que deixou os seus pais sem notícias.
Ela não tinha nada contra os pais, muito pelo contrário, era exatamente por amá-los tanto que sabia que estava fazendo o certo.
Pareciam esperar que ela fizesse perguntas sobre os outros, que ela não tinha a menor ideia de onde estariam naquele momento.
Marlene nunca tinha sido boa em cumprir as expectativas das pessoas.
— Sabe o que acontecerá contigo agora? — perguntou Tonks — Você pode ser enquadrada como cúmplice.
Ela não respondeu.
— Ou testemunha, se colaborar. Você podia começar dizendo o que aconteceu em 5 de Julho.
— Há cinco dias? — perguntou Marlene.
— Não, no ano passado.
— Vocês sabem o que aconteceu.
Tonks sentou-se na cadeira em que o outro policial estava antes.
— Nós sabemos a versão das testemunhas, a versão que os policiais conseguiram nas investigações... Em breve, a versão dos próprios assaltantes. Não sabemos a sua versão dos fatos.
