O sol quente da tarde castigava os moradores de National City que decidiram ir para as ruas acompanhar o que parecia a maior luta de todos os tempos. Supergirl estava parada no meio da rua, seu corpo tombando para frente em clara demonstração de exaustão, o chão embaixo de seus pés formando uma pequena cratera devido ao impacto; sua face coberta de sangue e poeira continha uma expressão de determinação jamais vista pelos moradores. Na verdade, todo o cenário era quase impossível de acreditar: o uniforme estava rasgado em vários lugares, vários ferimentos com sangue e poeira por todo o corpo, a capa fora arrancada e agora jazia em algum lugar no meio dos escombros. Entretanto, o que mais espantava as pessoas era o que acontecia apenas alguns metros dali atrás do grande e malvado vilão da vez: Cat Grant, Rainha da Mídia estava ajoelhada no chão, sua aparência impecável completamente arruinada, lágrimas escorrendo pelo rosto observando seu filho mais novo, Carter Grant, com um braço ao redor de seu pescoço apertando o suficiente para mantê-lo no lugar e uma arma que alternava a mira entre ambos. Seus olhos se encontraram com o do agressor, era familiar ao mesmo tempo que desconhecido e isso lhe causava ainda mais medo pela vida de seu filho.

"Você sabe que se tentar qualquer coisa ambos morrerão, não é? Mas eu farei questão de matar o pirralho primeiro só para te ver sofrer mais." Informou ao ver nos olhos âmbar a determinação para salvar seu bem mais precioso.

"Eu deveria ter te destruído quando tive a chance, quando notei que seu caráter era podre e suas intenções malignas." Cuspiu no chão.

"Tem razão, mas não o fez. Agora cale-se vadia antes que te mate por me chatear demais." Ameaçou dando-lhe uma bofetada na cara, cortando sua boca com a força.

Kara respirava pesadamente, seu corpo dolorido tinha dificuldade de se curar mesmo com a ajuda do sol, a grande quantidade de kryptonita cobrindo seu inimigo competia com os raios solares.

"Desista enquanto pode e prometo uma morte rápida e indolor. Sua energia vai se esgotar e seu corpo entrará em colapso antes que você possa salvar aquele pirralho e sua mãe. Devo admitir que você tem ótimo gosto para mulheres, talvez eu me divirta um pouco antes de deixar o rapaz ali ter sua vingança." Soltou uma risada estrondosa, fazendo todos tremerem com o som.

"Cale a boca seu verme nojento. Você não tem direito de falar deles!" Gritou deixando a raiva tomar conta do seu corpo lentamente. Sua tia sempre lhe disse para não usar a raiva, era perigoso e dava vantagem ao oponente.

"O que foi? Não gosta de dividir? Aposto que a vadia vai gritar meu nome pedindo mais e nem lembrar de você." Provocou com gestos sugestivos.

"Vou te destruir antes mesmo que chegue perto o suficiente para tocá-la." Sua voz saiu grave, mal contendo a fúria.

"Bem que você gostaria. Dê o seu melhor, garotinha."

O baque de corpos se chocando tremeu toda a região onde a briga acontecia, vidros estilhaçaram, pessoas correndo para todos os lados em busca de abrigo, mas nada disso importava no momento. Kara disparou com toda força para cima do inimigo e o mesmo não se segurou sabendo que a kryptonita faria sua parte em enfraquecer a tão chamada "heroína".

"Hoje é o dia que você morre Supergirl!" Gritou antes de acertá-la com um soco que ecoou por todos os lados e fez a cidade parar em choque.

O barulho assustou Cat que estava de costas para toda a briga e fez Carter gritar e chorar compulsivamente. Virou-se rapidamente e não lutou contra o grito que rasgou por sua garganta.

O mundo parou quando a Garota de Aço foi ao chão, um pedaço de rocha verde brilhante sendo enfiado em suas costas e arrancando de sua garganta um grito que rivalizava ao de Silver Banshee. O monstro se afastou, seu corpo largo e musculoso se movendo com precisão, observando o estrago causado no corpo tão menor que o seu.

"Levante-se!" Vociferou.

"Kara, Kara, por favor, não morra." Carter implorava em meio ao choro. Mal sabia ele que sua voz alcançou a loira, foi seu impulso para levantar e continuar.

Com o corpo tremendo ergueu-se lentamente, uma grande quantidade de sangue escorrendo dos vários cortes em seu rosto. De pé com pernas bambas se jogou contra o monstro, seu corpo caindo aos pés do mesmo sem forças para ir mais longe e acertar o golpe.

"Você é fraca, garotinha. Deveria ter morrido junto com o resto da sua raça miserável." Segurou com força na parte da kryptonita exposta e empurrou com toda força, enterrando completamente dentro das costas e perfurando um pulmão.

Foi como se o tempo diminuísse e passasse em câmera lenta, Kara puxou com toda força oxigênio e começou a tossir sangue, olhos azuis arregalados cheios de desespero; Cat não tinha mais voz para gritar, seu corpo tomando vontade própria começou a engatinhar e se arrastar para chegar até a loira. Os gritos do agressor não alcançavam seus ouvidos, não ouvia nada, não enxergava nada ao seu redor, sua visão um funil focado na mais nova.

Um tiro soou no ar, gritos de pânico e o tempo parou completamente.

1 ano antes

Kara sabia que a ideia do jantar "em família" era péssima no momento que as palavras saíram da boca de seu namorado, Adam. Então não foi surpresa nenhuma a frieza em que a refeição ocorreu, as poucas palavras trocadas e os olhares que rivalizavam sua própria visão laser. Carter era a única benção no lugar, feliz em rever Kara depois de um ano e aproveitando para compartilhar algumas de suas descobertas e aventuras durante o ano.

O que Kara não esperava era tomar a decisão impulsiva de voltar a cobertura e confrontar Cat Grant depois do jantar desastroso. A ideia foi pior do que o jantar e nem um pouco pensada. No entanto, lá estava Kara Danvers: face vermelha, rosto molhado de lágrimas, respiração pesada, um misto de dor, raiva, culpa e até mesmo desejo lutando dentro de si para ver qual prevaleceria entre os outros sentimentos. Raiva e desejo alternando no primeiro lugar.

"Você é tão teimosa! Por que não pode simplesmente me ouvir?!" Tentava manter sua voz baixa, perderia a pouca razão que lhe restava se alterasse o volume de sua voz.

"Eu teimosa?! Eu?! Você ousa aparecer em minha casa novamente depois do desastre que foi o jantar e eu claramente dizer para não voltar aqui? Quem você pensa que é para falar assim comigo em minha própria casa Kiera?" Esbravejou se controlando para não bater na mesa ou jogar algo contra a parede.

Com passos firmes se aproximou, "Kara," sua voz era baixa e cheia de frustração, "Meu nome é Kara." Prendeu-a contra a estante de livros.

Não demorou mais do que 30 segundos para que as duas percebessem suas posições, a proximidade de seus corpos e a energia palpável envolvendo ambas. Olhos se voltaram para lábios entre abertos, pupilas dilatando ao seu máximo, pelos se eriçando com a energia que fluía e carregava ainda mais o ar.

A sensação era esmagadora, dava poder ao instinto e desligava a racionalidade, deixava os sentidos inundarem o corpo e nublava o pensamento. Sem perceber o que fazia Cat tocou a cintura de Kara, seu cérebro não registrando seus movimentos; todo o foco nos lábios rosados a sua frente. No entanto Kara notou as pequenas mãos em sua cintura por cima do uniforme, enchendo os pulmões de ar e prendendo a respiração. Estavam em um transe, perdidas uma na outra, até o encanto ser desfeito quando Kara finalmente começou a perder o controle e com isso quebrou a estante de madeira formando dois buracos onde suas mãos estavam segurando firmemente na prateleira.

O estalo de madeira partindo foi suficiente para realizarem o que estava prestes a acontecer e se afastarem, faces esquentando e corando, pânico crescendo exponencialmente.

"Você deve ir embora, agora." Respirou fundo várias vezes para se recompor.

"Sim, claro. Mas Cat" Chamou antes de sair pela janela, "Essa conversa ainda não acabou, nós vamos termina-la logo." Cat esperou até a garota estar fora de vista para finalmente ceder a fraqueza de suas pernas e escorregar até o chão.

O coração batia com tanta força dentro de seu peito que podia sentir o pulsar em todo seu corpo, já sentia o começo de uma enxaqueca se apoderando de sua cabeça, a visão borrando quando as lágrimas finalmente se fizeram presente, a mão tremula cobrindo a boca quando um soluço escapou sua garganta e o choro veio compulsivo, forte, trazendo consigo toda a dor que pensou ter enterrado.

Naquele momento questionava se deveria mesmo ter voltado para National City. Maldito James Olsen e sua incapacidade de manter a empresa funcionando! Pensou ao se lembrar dos e-mails desesperados de alguns sócios preocupados com o novo rumo que CatCo estava tomando e como isso estava impactando de maneira ruim nas vendas e lucros. Maldito James Olsen! Praguejou mais uma vez em sua mente, os pensamentos logo voltando para sua ex-assistente.

Kara tinha mudado tanto, com uma postura mais confiante apesar de ainda carregar um ar de inocência e insegurança, mas os olhos, ah os olhos eram os mesmos. Tão azuis quanto o céu em um dia de verão, cheios de uma melancolia escondida que ninguém notaria a não ser que estivesse procurando. Doce, inocente, bela e corajosa Kara Danvers que ultrapassou suas barreiras sorrateiramente e roubou seu coração sem nem perceber e agora estava em um relacionamento com seu filho mais velho.

Depois de bons minutos no chão divididos entre choro e reflexões se recompôs e foi tomar um banho gelado e tentar dormir.

Kara chegou em seu apartamento exausta emocionalmente, a volta que deu patrulhando a cidade não lhe ajudou em nada esquecer o ocorrido ou colocar seus sentimentos e pensamentos confusos em ordem. No momento que ultrapassou a janela flutuou até o sofá e se deixou cair, as lágrimas finalmente molhando o rosto e a almofada que abraçava.

"Pequena? O que aconteceu?" Sua tia Astra questionou saindo do pequeno espaço improvisado como quarto.

Kara apenas balançou a cabeça sem saber como explicar tudo e escondeu o rosto na almofada. Um ano longe. Um ano e quando essa mulher volta é como se nunca tivesse deixado National City, deixado sua vida; seus pensamentos e sentimentos parecem mais confusos e desesperados para virem à tona.

"Oh Kara. Você foi vê-la, não foi?" Recebeu apenas um aceno como afirmação. "O que eu disse sobre esperar?" Sentou-se ao seu lado e puxou-lhe para um abraço.

"Eu- eu não... podia." Explicou entre soluços.

"Claro que podia pequena. Você é a herdeira da casa de El, descendente da casa In-Ze e minha sobrinha, pensei ter te ensinado melhor sobre racionalidade e o poder que isso tem sobre qualquer decisão que tomamos." Deu uma bronca leve.

"Eu sei tia Astra, me desculpe." Pediu já mais controlada.

"Agora me conte o que aconteceu para analisarmos de maneira racional e acharmos uma solução."

E foi isso que fez, contou novamente sobre o jantar desastroso e o ato impulsivo de confrontar Cat Grant como Supergirl, tentou descrever da melhor maneira possível o que estava sentindo e Astra lhe ajudou a navegar por seus sentimentos e pensamentos. Não foi uma conversa fácil ou rápida, todavia, no final tinha o entendimento do que se passava em sua mente e coração. Como sentia-se decepcionada com sua demissão injusta depois de ter confiado cegamente em sua chefe, como tentava mascarar essa decepção e saudade com raiva para não admitir que tinha sido machucada e ainda assim se importava com a mais velha e mais importante, como essa afeição podia ser algo muito mais profundo do que uma simples amizade ou admiração.

"Agora que você já analisou tudo racionalmente precisa dar um tempo para ela também Kara. Pelo que você contou ela está tão confusa quanto você estava uns minutos atrás e provavelmente não tem ninguém para ajudar a entender os próprios sentimentos." Acariciava o cabelo da sobrinha que agora deitava em seu colo. "Espere alguns dias, acalme seus próprios sentimentos e controle sua ansiedade, você saberá quando a hora for certa pequena." Beijou-lhe a testa e se perdeu em analises de seus próprios sentimentos.

Diferente de sua sobrinha Astra já tinha muita experiência de vida e em relacionamentos, se envolveu tanto com mulheres quanto com homens em sua juventude em Krypton, onde se acreditava que sexualidade era algo irrelevante. Sem contar seu casamento com Non, seu relacionamento mais duradouro e que havia se tornado abusivo pouco antes de tudo terminar. Agora uma mulher em seus 40 anos não tinha mais disposição ou vontade de "curtir" como os jovens terráqueos diziam hoje em dia, queria alguém para envelhecer junto e dividir a vida, a felicidade e tristeza, vitórias e derrotas.

Seus sentimentos podiam não ser confusos como os de Kara, no entanto, não eram mais fáceis de lidar. Seu coração parecia acalmar toda vez que sentia Alexandra perto ou ouvia sua voz, a preocupação lhe consumia quando sabia que a mesma estava em alguma missão do DEO. Não era uma paixão passageira que consome tudo e depois se apaga, a atração existia, assim como o desejo, porém não eram tudo. No começo não passava de gratidão e respeito pela humana que cuidou tão bem de sua sobrinha e fazia de tudo para protege-la, mas conforme os dias passaram esses sentimentos só aumentaram e seu lado racional não pôde deixar de especular e analisar os prós e contras de estar com alguém como Alexandra Danvers. No entanto, não havia nada que indicasse que teria uma chance, tanto pela sua idade quanto pelo seu gênero, isso sem contar o parentesco com Kara.

Um suspiro escapou de seus lábios; era melhor manter sua decisão de não perseguir um relacionamento mais íntimo e apenas estar próxima teria que ser o suficiente. Ás vezes isso parecia impossível, nos momentos mais inoportunos Alexandra invadia sua mente, quando percebia sua imaginação já havia conjurado cenários onde estavam juntas, ou então percebia estar ouvindo os batimentos cardíacos que haviam se tornado tão distintos. Kara havia comentado que era normal reconhecer o batimento de alguém específico depois de certo tempo ouvindo com frequência. Olhando para sua sobrinha, notou que dormia profundamente devido a exaustão emocional depois dos acontecimentos da noite.

Com facilidade pegou-a no colo e colocou-a na cama, afastou os cabelos de seu rosto e deixou um beijo em sua testa. Fez uma prece a Rao para que tudo desse certo para sua sobrinha e que a rainha da mídia não partisse o coração de sua garotinha novamente.