HELL 75016
Arashi Kaminari

Prólogo do inferno

Sou um putinho. Belo e consumista. Um ser da pior espécie.

Aquele tipo de pessoa que toda a classe inferior detesta. Detentor dos mais caros cartões de créditos, com limites inexistentes. O que chega numa butique de luxo e deixa todos os funcionários enojados por seu esnobismo. Invejado pela sua fortuna. Rodeado por aqueles que querem lhe tirar o pedestal, mas que nem conseguem alcançar seus pés. Enfim, a pessoa que está aonde o ar é mais fresco.

Admito o que sou e gosto. Não mudaria por nada.

Moro no 16ème, o melhor bairro de Paris. E não digo isso porque todos somos ricos por aqui. Digo, porque somos ricos e bonitos. Aqui não se existe revés. Nós fazemos as regras e a nossa vida é quem as segue e não vice-versa. Faço parte da tribo Gucci Prada – meu distintivo.

Meu gosto é muito mais refinado do que o de muita gente que aparece na lista de pessoas mais bem vestidas de Hollywood – aquela merda que chamam de cinema. Visto-me melhor do que o seu namorado, sua mãe e você juntos. Uma só peça do meu closet vale todas as roupas do que você chama de guarda-roupa. Esbanjo o que você sua para ganhar em um mês, em apenas três horas de compras por dia. Os vendedores só não me matam, porque seus empregos dependem dos meus gastos. Com um sorriso me atendem e depois cospem aonde pisei, assim que saio da loja.

Enquanto eu faço o que quero e tenho vários pés-rapados rastejando no chão aonde passo, os homens daqui têm problemas com as mulheres a sua volta. Secretárias, manecas, prostitutas – e todo o tipo de escória possível – os disputam a tapa e com alguma sorte, às vezes, conseguem uma parte do leão.

Não sabe o que é? Já era de se esperar! Mas eu perco meu tempo e te explico. Parte do leão um apartamento com salões na Rive Droite + um carro Mercedes esporte + roupas cafonas de grife + esfregar na cara das antigas colegas a nova posição + se tiver realmente sorte, ou apenas cérebro, dois monstrengos para a pensão.

Não preciso trabalhar. Passo o dia de loja em loja, à beira da piscina, em restaurantes, com a bunda sentada numa poltrona de couro legítimo lendo um livro e em boates da moda. Transo com quem me dá na telha e não meço o que falo. O conceito do mundo é simples: existimos nós e depois, vocês. Detesta-me agora? Saiba que estou pouco me lixando. Recolha sua insignificância e engula o que você chama de orgulho. Nada posso fazer se você não nasceu com a lua enfiada no rabo como eu.

Nós, jovens da zona oeste, passamos a noite enfiados em boates famosas ou buracos desconhecidos. Depende da quantidade de tóxicos que tivermos ingerido. Sempre alguém do nosso grupo está com cocaína, crack, ecstasy ou qualquer outra droga. Sem falar que todos nós ingerimos altas doses de álcool. Transamos com vários e poucos de nós se lembram no dia seguinte quem eram seus parceiros. Enquanto vocês tomam Melhoral, nós tomamos Prozac.

Aos catorze entrei numa boate e desde então não saio de lá. Aos quinze, comecei a bater punheta; aos dezesseis, comecei a chupar o pau dos caras e aos dezessete, eu já estava dando que nem uma bicha louca. Vou as compras mais vezes num ano do que você na sua vida inteira. Enquanto você se mata para economizar dinheiro para viajar no final do ano para um outro estado, eu já dei a volta no mundo umas dez vezes na classe executiva antes dos oito.

Vocês passam o dia se matando nos seus empregos, aturando coisas de seus chefes que nenhuma pessoa deveria aturar de acordo com os direitos humanos. Mas a necessidade fala mais alta e você relevam, até o momento em que tomam medidas drásticas e acabam com suas próprias vidas de forma estúpida. Seja com um homicídio ou com o próprio suicídio.

Posso compará-los a máquinas. Desde que nascem são programados a serem educados, estudarem para serem o melhor da classe, se formarem em uma área que dê dinheiro, casar – e se a sua mulher não perder o tesão depois de ver a sua conta bancária –, ter filhos e programá-los da mesma forma que fizeram com vocês. Isso é um ciclo vicioso que nunca terá fim, porque existe a divisão do fundo do poço e do topo.

A vida de vocês se resume a patética e degradante repetição do presente. E ainda se dizem felizes. Como ousam?

Vocês devem nos achar pobres ricos, mas na verdade vocês que são pobres e no duplo sentido. A nossa única infelicidade é trabalhar doze meses no ano e só ver a cor da renda de seis, porque a outra metade está sendo gasta com os filhos remelentos de vocês – que não param de foder. Então, nos deixem em paz!

Poderia passar o resto do dia falando das casas que meus pais possuem, sobre meus irmãos – tão esbanjadores quanto eu –, da quantidade de serviçais que temos, das inúmeras festas que somos convidados, da lista das pessoas com quem já tive relações, de quantas pessoas já pisei, dos lugares que já visitei ou inúmeras outras coisas que vocês, com toda a certeza, não sabem o que é, mas não é o que eu quero.

Meu nome: Misty. Meu único desejo: mostrar-lhes o verdadeiro inferno.

Arashi Kaminari, 29 de dezembro de 2005.

Notas da autora:

A fanfiction é baseada no livro "Hell, Paris 75016" de Lolita Pille. Por favor, reviews com comparações são descartáveis.

"Aonde o ar é mais fresco" – frase do cafetão-chefe de "Show de Vizinha".

Esta é uma postagem especial. Esta fanfiction pode ser considerada um presente de natal atrasado. Desejo um próspero ano novo. Que vocês tenham uma ótima passagem de ano. Feliz 2006!