Capítulo 1

Tinha acabado de chegar da escola e estava fazendo minha lição de casa – leia-se "folheando a Cosmopolian" – quando o telefone tocou.

- Suze, telefone pra você. – Andy gritou do andar de baixo e eu saí correndo do quarto, descendo as escadas de dois em dois degraus.

- Obrigada, Andy. – falei toda educada, pegando o aparelho sem fio das mãos dele. – Alô?

- Não diga "alô". Diga "Alô, meu gostoso".

Tive que me segurar para não rir com o comentário de Paul. Meu cafetão, como eu costumava chamá-lo. Andy ainda estava ali perto e poderia desconfiar.

- Eu não estou interessada em comprar nada, obrigada. – falei num tom desinteressado, usando a nossa frase secreta para avisar que eu não podia falar naquele momento.

- Vai para algum orelhão e liga para o meu celular. – ele falou, entendendo de imediato. – Consegui um trabalho quente para você.

- Sim, anotei o número. Se me der vontade de comprar sacos de dormir, eu entro em contato.

- Sacos de dormir é dose, Suze. Está sem criatividade? – Paul perguntou, rindo do outro lado da linha.

- Obrigada, passar bem.

- Passarei muito bem pensando em você em cima de mim.

Desliguei o telefone, tossindo para disfarçar o riso e comecei a subir as escadas novamente, mas a voz de Andy me fez parar com o pé no primeiro degrau.

- É incrível como esses vendedores acham você, mesmo sem você ter nenhuma conta, nem nada no seu nome. – ele comentou, enquanto enxugava uma colhe de pau num pano de prato laranja horroroso – Já é a terceira vez esse mês.

Ele estava contando?

- Pois é, né? – respondi dando de ombros – Hoje em dia essas pessoas conseguem todos os dados de todo mundo. Um absurdo isso.

- Completamente. No meu tempo não era assim.

Quem ouvia Andy falando até pensava que ele era um velho.

- Bem, vou terminar minha lição de casa. – a matéria com o horóscopo para 2010 estava fascinante.

Entrei no meu quarto e tranquei a porta atrás de mim. Usando toda a prática adquirida nos últimos meses, pulei da janela para o telhado, e depois para a árvore ao lado, me inclinando um pouco para tentar ver se Andy estava perto da janela de onde cairia.

A área estava limpa, então eu pulei para o chão de grama e corri em disparada para longe, na direção da praia, encontrando logo um orelhão.

Disquei o número da telefonista e pedi uma ligação a cobrar para o celular de Paul, que atendeu depois de dois toques.

- Um dia, Suze Simon, você vai ter que comprar um celular. – ele reclamou sem nem mesmo dar "oi".

- Já falei umas quinhentas vezes que a minha mãe não deixa.

- Sua mãe não sabe que você tem uma conta bancária recheada e isso não te impede de encher ainda mais seu bolso.

- Uma coisa não tem nada a ver com a outra. – resmunguei. – Mas fala logo que serviço é esse porque eu saí escondida de casa.

- Certo. Vamos direto ao ponto, então. – ele falou e então assumiu a sua atitude profissional de sempre. – O novo cliente acabou de mudar para Nova York e descobriu que há moradores não autorizados na sua casa.

- Nova York? Tem um lugar mais perto não? Estou perto da semana de provas.

- Ele ofereceu dois mil dólares.

- Dois mil? Mas eu cobro só mil.

- Não terminei ainda, meu bem. Esses dois mil dólares são por fantasma, e ele tem certeza de que há mais de um.

- Posso saber qual é a pegadinha?

- Não tem pegadinha nenhuma. O cara é rico e tem urgência em ser atendido.

- Por favor, Paul, me diz que esse não é um daqueles velhos excêntricos e paranóicos que vêem fantasmas e vultos por todo lado quando na verdade é só a própria sombra.

- Não, não. Ele não é velho. Ao menos não aparenta ser. – ele completou num tom que eu não reconheci. – E ainda disse que paga as suas passagens e todas as despesas que você vier a ter com a viagem.

- Novamente, qual é a pegadinha?

- Já disse. O cara quer urgência no serviço e, é claro, sigilo. Em todos os aspectos.

- Ah, claro. Como se eu fosse sair espalhando por aí o que eu faço.

- Não é só sobre isso. Ele quer sigilo sobre ele também. Uma das regras é que você não deve falar nada a ninguém sobre o que acontecer naquela casa. Nada mesmo.

- Não vai me dizer que é uma casa de masoquistas?

- Ele pediu para não te contar todos os detalhes por telefone. Disse que ele mesmo contará quando for te pegar no aeroporto.

- Paul, se esse cara me meter em alguma enrascada... Você sabe que minha ficha na polícia não é das mais limpas.

- Não é nada ilegal. Pode relaxar, minha linda.

- Acho bom.

- Outra coisa que ele pediu...

- Sabia que ainda tinha mais. – resmunguei, bufando, começando a me irritar.

- Não é nada demais. Ele só quer que você fique hospedada na casa enquanto resolve tudo.

- Isso só facilita as coisas para mim.

- É. Mas ele não mora no centro da cidade. Na verdade, a casa dele é bem afastada.

- Ah.

- E como eu sei que você adora o centro de Nova York...

- Tudo bem. Por esse valor, eu posso voltar lá nas férias e torrar tudo em sapatos.

- Ok. Então trate de arrumar as suas malas. Seu vôo sai no começo da noite de sexta feira.

- Que sexta feira?

- Essa sexta feira.

- Amanhã? – perguntei incrédula.

- Hum... É.

- Paul, você enlouqueceu? – perguntei, começando a me alterar – Nunca vou conseguir permissão da minha mãe para viajar assim em cima da hora. Ainda mais com as provas se aproximando e...

- É só pelo final de semana, Suze. – Paul garantiu, me interrompendo ao falar num tom mais alto que o meu – Expliquei para o cliente que você não tem a semana livre e ele aceitou que, caso você não conclua seu trabalho em um final de semana, ele pagará novamente para você voltar lá no próximo.

- Muito compreensivo. – ironizei.

- Ele falou sério quando disse que tinha urgência em se livrar daqueles fantasmas.

- Mas ainda tem a minha mãe.

- E é por isso que Gina está aqui do meu lado. – ele falou. – Ela vai ligar para a sua casa dentro de quinze minutos, chorando desesperada pela amiga, dizendo que precisa de você o mais rápido possível. E eu, como um bom amigo com benefícios, vou pagar a sua passagem para que a nossa amiga pare de sofrer.

Minha mãe conhecia Gina da época em que moramos em Nova York e sabia que, mesmo com a distância, nós continuávamos muito unidas, então isso daria muito certo. Ela não conhecia Paul pessoalmente, mas sabia que ele também era muito meu amigo, embora não desconfiasse dos motivos.

- Posso saber qual será o grande problema de Gina?

- Claro que não. Você tem que ficar surpresa quando descobrir sobre o tremendo infortúnio pelo que ela está passando.

- Cólicas menstruais? – perguntei, rindo alto e fazendo uma velhinha que passava com seu cachorro que mais parecia um rato, olhar torto para mim.

- Pensei numa unha encravada. – ele respondeu, rindo tanto quanto eu.

Desliguei o telefone e voltei correndo para casa, subindo a árvore com a mesma agilidade com que tinha descido. Entrei no quarto e foi só o tempo de lavar o rosto para tirar o suor da corrida quando o telefone tocou novamente. Abri a porta do meu quarto, apenas um pouco, e fiquei ali escondida ouvindo Andy atender.

Era óbvio que era Gina do outro lado da linha. A voz de Andy tinha ficado alterada, desesperada como ficava a voz de todo homem que não sabia lidar com o choro de uma mulher.

- S-Suze, telefone. – ele gritou com a voz meio estrangulada e eu dei um tempinho antes de abrir a porta de vez e descer os degraus lentamente.

Andy me estendia o aparelho com o olhar aterrorizado e eu me forcei para não rir.

- Alô?

- SUZEEEEEE! – Gina gritou do outro lado, me obrigando a afastar o aparelho do ouvido, com a voz de choro mais falsa que eu já tinha ouvido. – Me socorre, amiga. Meu esmalte acabou!

Porcaria. Por que Gina tinha que falar merda logo agora? Tossi forte para disfarçar a crise de riso e me esforcei para ficar séria.

- Calma, Gina. Eu não estou entendendo nada. Respira fundo e fala de novo.

Gina fez o que eu pedia, respirando fundo, e eu podia ouvir as gargalhadas de Paul perto dela. Eu juro que ia bater naqueles dois quando os encontrasse pessoalmente.

- Meu lindo esmalte azul acabou, amiga. E não vendem mais. O que farei sem ele?

Foi a minha vez de respirar fundo para não começar a xingar ninguém.

- Eu continuo sem entender, Gina. Fala devagar. Andy está aqui na minha frente e está preocupado com você. – falei, olhando amorosamente para Andy que torcia o pano de prato de nervoso.

- Epa. Foi mal. – Gina murmurou, finalmente parando de brincar. – A história é a seguinte: Você vai dizer que eu estava namorando um cara do colégio e que ele morreu essa tarde num acidente de moto.

- Ah, meu Deus, Gina. – sussurrei, fingindo estar chocada – Eu sinto muito.

- Buááá... Foi tão trágico, Suze. – ela falou, voltando à brincadeira. – Virou patê contra um poste. Você precisava ver. Aliás, você vai ver. Guardei um pedaço do cérebro dele pra ficar de recordação.

E lá ia eu fingindo uma crise de tosse novamente.

Passei mais cerca de quinze minutos falando com ela, fingindo tranqüilizá-la, até que a minha mãe chegou do trabalho e era a vez de explicar tudo pra ela.

Coloquei algumas lágrimas nos olhos, apenas para deixar tudo mais dramático, e relatei o trágico acidente, aumentando a tragédia ao dizer que Gina deveria estar com o namorado naquela moto e só não pegou carona com ele porque tivera que ficar até mais tarde no colégio para uma reunião dos representantes de turma.

Minha mãe, é claro, ficou chocada e totalmente condoída por Gina e eu cheguei a pensar que tudo iria por água abaixo quando ela mencionou que iria ligar para a casa dela para dar uns conselhos de mãe.

- Mãe, tudo que Gina menos precisa agora é de sermões ou palavras carinhosas. – falei, tentando a todo custo não mostrar meu nervosismo – Ela só precisa de um ombro pra chorar e de uma amiga para fazer as unhas com ela.

Graças a Deus minha mãe não insistiu mais, mas por via das dúvidas eu peguei seu celular escondido e apaguei o número da casa de Gina da memória.

Ela não ficou muito feliz por eu ter que viajar tão perto das provas, mas depois que eu lhe garanti que Gina ia dormir por um dia inteiro depois de derramar todas as lágrimas e eu aproveitaria esse tempo para estudar, ela acabou aceitando.

Arrumei as malas naquela noite, colocando dois livros da escola – mesmo sabendo que eles nunca sairiam daquela mala – e ocupei metade da mala com alguns itens que eu poderia precisar para me livrar daqueles fantasmas. Apesar do dinheiro ser bom, eu não pretendia voltar à Nova York de novo para o mesmo caso. Minha mãe era boba, mas não cairia duas vezes no mesmo tipo de desculpa. E Gina já estava ficando sem parentes, amigos, namorados ou bichos de estimação para matar.

Eu teria o final da sexta feira e o sábado inteiro para fazer aqueles fantasmas seguirem seu caminho. E se até o domingo eles não tivessem saído por bem... Bem, eu estava indo preparada para eventuais contratempos.