- Katekyo Hitman Reborn® e seus personagens pertencem à Amano Akira;

- Os personagens originais pertencem a mim;

- Essa é uma fanfic yaoi, ou seja, contém relacionamento homossexual entre os personagens. Se você não gosta ou sente-se ofendido com esse tipo de conteúdo sugiro que vá ser feliz lendo shoujo;

- Fanart da capa: Comissão feita pela dalkiSHY ( tinyurl o3l4qz5 )


Parte I

Os olhos cor de mel corriam a folha, lendo cada palavra e saboreando as emoções contidas na cena. O parágrafo terminou e foi com certa curiosidade que ele começou o próximo, surpreendendo-se por ansiar tanto saber o desfecho daquela história. Literatura sempre foi uma obrigação, um pré-requisito para ser quem eu sou. Eu costumava ler como alguém que se senta à mesa para jantar: hábito e necessidade, mas raramente real prazer. A rejeição da heroína e a indignação do interesse amoroso levaram um sorriso aos seus lábios enquanto os dedos viravam a página.

"Francis?"

A voz soou baixa, quase um sussurro, mas foi suficiente para chamar sua atenção.

Francesco ergueu a cabeça, fechando o livro e oferecendo um meio sorriso que foi recebido por dois belos e preocupados olhos azuis. Giuseppe entreabriu os lábios, mas não continuou, inclinando-se no sofá e fazendo menção de se levantar.

"Desculpe, você estava falando comigo?"

"Não, sou eu quem deve pedir desculpas," havia sinceridade em suas palavras, "você estava tão concentrado em seu livro."

"Eu estava, mas não estou mais." Sua mão esquerda precisou apenas esticar-se para segurá-lo pelo pulso, puxando-o novamente para o sofá. "É sua culpa, sabia? Meu interesse por literatura é consequência do seu."

"Por esse vício eu assumo total responsabilidade," o amante tocou a capa do livro, "eu ouvi o barulho de carro e acho que seu pai está de volta."

Ele jogou a cabeça para trás, encarando o outro lado da larga biblioteca. A cortina estava fechada com exceção de uma fresta. Por aquele reduzido espaço era possível ver o céu alaranjado e ele surpreendeu-se por não ter notado o passar do tempo. Ambos haviam se dirigido à biblioteca após o almoço e aparentemente estiveram horas na companhia dos livros.

"Então não temos muito tempo."

As mãos tocaram a cintura de Giuseppe, que o olhou com reprovação. Francesco, porém, não se deu por vencido e pendeu à frente, depositando um beijo no pálido pescoço, que estava totalmente à mostra. O louro normalmente deixava os cabelos presos em uma trança ou, como naquele momento, em um charmoso rabo de cavalo. Eu já perdi as contas de quantas vezes desfiz esses laços. Ele achava excitante ver os longos cabelos se soltarem das amarras, caindo sobre as costas magras como uma cascata de ouro. Nós poderíamos ter passado a tarde fazendo outra coisa. Eu amo livros, mas amo Giuseppe muito mais.

"Francesco..." O tom foi claramente de desaprovação. "Não podemos."

"Um beijo?" Francesco sorriu seu melhor sorriso e, como de costume, não foi suficiente para convencê-lo. "Eu prometo, apenas um beijo."

Giuseppe ponderou, encarou a janela e permaneceu alguns segundos pensativo até menear discretamente a cabeça. Francesco sentiu-se sorrir, tocando aquele belo rosto com as costas de uma das mãos. Conforme as faces se aproximavam, ele notou as tímidas sardas que o amante tinha sobre o nariz. Elas só se tornavam nítidas se você se aproximasse, diferente das de Mario que cobriam seu nariz e bochechas. Os lábios rosados e bem preenchidos se entreabriram e ele arrependeu-se imediatamente de ter pedido somente um beijo. Se meu pai não tivesse chegado eu o levaria até meu quarto.

Entretanto, nada aconteceria além do prometido beijo, mas as partes envolvidas não poderiam dizer que a carícia foi superficial ou apressada. Nenhum dos beijos trocados entre eles tinha qualquer aspecto rotineiro e era com muito esforço que as bocas se afastavam. Naquele final de tarde não seria diferente e por alguns segundos ambos se esqueceram da realidade, responsabilidades e compromissos. Em determinado momento Francesco ouviu o baixo gemido entre os lábios e seus olhos se abriram para ver as bochechas coradas.

O Braço Direito olhou-o antes de ficar em pé, arrumando as roupas e tentando ao máximo manter a compostura. O herdeiro da Família Cavallone se manteve sentado, admirando-o e erguendo-se apenas ao receber um olhar de soslaio. O livro foi segurado firmemente e os dois deixaram a biblioteca lado a lado. Quando a porta foi aberta, a intimidade e cumplicidade deram lugar ao estrito relacionamento entre Chefe e subordinado, a máscara que usavam quando não estavam mais sozinhos. Ele havia se acostumado à vida dupla e já não cometia os mesmos erros, no entanto, havia sempre um aperto em seu coração e um constante arrependimento por manter a mentira. Eu não posso fazer nada a respeito. Nós conversamos sobre isso e se essa é a única maneira de tê-lo em minha vida, então eu viverei essa mentira... por hora.

x

Francesco gostava do mês de setembro, em especial a transição entre o verão e o outono.

A temperatura não estava absurdamente quente, mas a paisagem continuava de tirar o fôlego: o céu azul, o sol entrando pela janela durante as manhãs, o jardim e os gramados verdes e vistosos... durante anos aquele mês teve um significado especial, desde que soube que setembro lhe reservava uma de suas datas favoritas, além do Natal, claro.

Giuseppe nasceu na manhã de um quatorze de setembro e, segundo Mario, seus olhos eram azuis e brilhantes e ele chorava tão alto que seria possível ouvi-lo em toda a propriedade. Tal conhecimento lhe foi passado quando ele era somente um garoto de cinco anos e a partir daquele dia comemorar o aniversário de seu Braço Direito tornou-se obrigatório. O louro, como esperado, não aceitava presentes caros e Francesco se contentava em transformar a ocasião em um dia em que Giuseppe poderia fazer o que quisesse. Não havia trabalho e em todos aqueles dez anos o aniversariante sempre optou por permanecer ao seu lado e ambos passeavam pela propriedade, comiam refeições deliciosas e terminavam o dia lendo alguma história antes de dormir.

Todas essas lembranças sempre seriam queridas e estariam guardadas em um local especial em seu coração. A relação havia evoluído e com a mudança veio a necessidade de repensar suas comemorações anuais. Eles não eram apenas Braço Direito e Chefe e, infelizmente, por mais que tivesse mil e uma ideias para transformar aquele evento em um dia inesquecível, ele não passava de um garoto de quinze anos, dependente totalmente do pai e sem ter absolutamente nada propriamente seu.

Todavia, isso não significava que Francesco não pudesse passar horas pensando em maneiras distintas de surpreendê-lo e cada uma parecia mais interessante do que a outra, a ponto de, em um dia da semana, passar literalmente a noite debruçado sobre a escrivaninha enquanto anotava seus planos.

Portanto, quando, a uma semana do dia especial, Ivan anunciou que pretendia mandá-lo para a Inglaterra por alguns dias, ele não conseguiu esconder a decepção que tal ideia reproduziu em sua alma.

"Você não parece feliz, filho." O Chefe da Família Cavallone estava atrás de sua mesa e o olhou com benevolência. "Você gosta de Londres e achei que adoraria a ideia de passar o final do verão em outro lugar."

"E-Eu gosto da Inglaterra..." Suas sobrancelhas se juntaram. O que deveria ou poderia ser dito naquele tipo de situação? "Mas, agora... eu..."

"Claro que o garoto se oporia a ir, Cavallone," A voz veio de uma das estantes e seu dono surgiu com um grosso livro em mãos. "Você o enviará a trabalho e não adianta ludibriá-lo com essa história de final de verão."

Francesco ergueu o rosto e encontrou o de Alaudi, agradecendo internamente pela ajuda indireta. O Guardião da Nuvem dos Vongola caminhou até uma das poltronas e sentou-se, abrindo o livro e começando a folheá-lo. Sua presença naquela casa havia se tornado tão natural quanto respirar e muitas vezes era difícil lembrar-se de sua vida até conhecê-lo. Alaudi era o equilíbrio de seu pai, ele sabia. Quando as decisões de Ivan se tornavam absurdas demais, o louro se intromedia e não receava em apontar seus erros. Com relação à criação dos dois herdeiros, Alaudi era um segundo pai, principalmente para Catarina, que não havia conhecido os pais verdadeiros.

Para Francesco, o Inspetor de Polícia era uma de suas pessoas favoritas e quando pensava sobre seu relacionamento com Giuseppe, se algum dia ele fosse deixar de ser um segredo, Alaudi seria sem sombra de dúvidas o primeiro a saber. Tal confiança não era infundada e durante anos aquela pessoa lhe deu provas reais de que era confiável e jamais faria ou diria nada que pudesse machucá-lo.

"Eu não gostaria de ir," Francesco sentiu-se observado pelos dois pais. "Na próxima semana será aniversário de Giuseppe e eu gostaria de estar aqui."

"Entendo," Ivan sorriu, contudo, pareceu pensativo, "eu tenho um problema em mãos, pois se eu for terei de levar Mario comigo."

Há seis meses, se o pai houvesse lhe dito as mesmas palavras, Francesco tinha certeza absoluta de que, por mais que soubesse que sua decisão seria egoísta, teria dito que Ivan poderia ir e que ele ficaria na Itália. Por mais que eu soubesse que seria errado privar Giuseppe da companhia do irmão, uma parte em mim acharia que era meu direito passar aquele dia ao seu lado. A sensação, porém, ainda latejava em seu coração, como uma fagulha de juventude inconsequente e despretensiosa. Ele era apaixonado e vivia aquele amor aos poucos, escondido e aproveitando cada oportunidade, então, por que dessa vez seria diferente? Por que ele poderia se ausentar e não Mario?

Esses pensamentos, no entanto, foram deixados de lado e Francesco surpreendeu-se consigo mesmo ao decidir, sem hesitação, que era injusto privar o amante de passar seu aniversário com o irmão que, apesar de não ser perfeito, era sua única família. A escolha o deixou pasmo, principalmente por ter sido tomada sem lamentações ou com segundas intenções.

Ele genuinamente queria ver aquele que tanto amava sorrir.

"Eu irei," Francesco estava na fase em que sua voz não era mais infantil, contudo, também não possuía o timbre forte da do pai, "mas não levarei Mario comigo. Eu irei com Carlo e Luca. Você pode enviar mais pessoas se achar que os dois não são suficientes." Os olhos de Ivan se arregalaram e imediatamente o rapaz coçou a nuca e corou. "E-Eu não acho justo que Mario vá viajar no aniversário do irmão."

O silêncio foi definitivamente a parte mais embaraçosa. Ele conseguia ouvir as batidas de seu coração e os olhos que o fitavam davam-lhe calafrios. E se algum deles desconfiar? Talvez eu tenha falado de modo muito sentimental? E-Eu disse Giuseppe ou Peppe? Francesco queria encará-los, mas não conseguia. Intimamente ele temia que os pais descobrissem sobre seu romance secreto.

"É muito maduro da sua parte tomar essa decisão, Francis." Ivan não escondeu o orgulho. "E acredito que Carlo e Luca sejam o bastante. Conversarei com Mario amanhã."

Francesco sorriu o máximo que seu desânimo permitiu, pedindo licença e retirando-se do escritório. Seus olhos se abaixaram ao ganhar o corredor e seus ombros curvaram-se a cada passo na direção do hall. Todos os planos mirabolantes que ferveram em sua mente nos últimos dias pareceram lembranças longínquas e foi com um resignado suspiro que ele se pôs a subir a escadaria que levaria ao segundo andar. Os passos pareciam pesados e não havia nada que ele quisesse mais do que deitar em sua cama, afundar o rosto no macio travesseiro e tentar acreditar que havia tomado a decisão correta.

"Você realmente vai pisar em mim?"

A voz o chamou de volta à realidade e seu rosto se abaixou e encontrou um par de grandes olhos castanhos. A face onde estavam emoldurados era pequenina e salpicada por sardas. Os cabelos vermelhos estavam soltos e, por ela estar sentada no último degrau do topo da escada, as pontas tocavam o tapete que forrava os degraus.

"Desculpe, eu não te vi, Cat."

"Eu percebi." Catarina levantou-se e bateu o vestido azul. "Eu estava te esperando, Francis. Nós precisamos conversar!"

"Agora?"

"Sim, agora!" A garota olhou ao redor e ficou nas pontas dos pés, colocando as mãos em frente à boca e sussurrando. "Precisamos falar sobre o aniversário do Peppe."

"Outra hora, está bem?" Ele sorriu e pousou a mão sobre a cabeça da irmã, bagunçando seus já bagunçados cabelos e voltando a completar seu caminho. Catarina reclamou e bateu o pé, entretanto, naquele momento nada poderia convencê-lo a tocar nesse assunto. Eu a ajudarei amanhã, mas hoje não quero mais pensar sobre isso.

Francesco acordou relativamente cedo na manhã seguinte, acompanhando a irmã durante o café da manhã. Catarina, que possuía o incrível hábito de se esquecer das coisas da noite para o dia, não voltou a mencionar o aniversário de Giuseppe e os dois passaram alguns minutos um na companhia do outro entre pães doces e leite. Ele deixou a mesa com o estômago forrado, seguindo até o estábulo e indo diretamente ao seu cavalo, que já estava selado. As atividades daquele dia haviam sido previamente combinadas e Francesco visitaria Enrico. Parte dele agradeceu por passar algumas horas longe de Giuseppe, pois, se o amante o perguntasse sobre sua viagem, ele talvez voltasse atrás em sua decisão.

Ao lado do amigo Francesco pôde deixar brevemente de lado sua responsabilidade como herdeiro para ser apenas mais um garoto de quinze anos. Enrico era seu melhor amigo e era reconfortante não precisar mentir, provavelmente por ele saber de seu relacionamento com Giuseppe. Os dois rapazes conversaram sobre a escola, e não houve nenhuma menção de animação para o retorno. Garotas acabou se tornando um dos tópicos e Francesco não conseguiu evitar suspirar quando o amigo mencionou em tom irônico uma ou outra colega que provavelmente estaria apaixonada por ele.

"Você despedaçaria o coração delas para sempre se falasse que está apaixonado por outro homem." Enrico riu. "Oh, eu consigo imaginar as lágrimas. Maria provavelmente se deitaria no chão, você sabe que ela adora um teatro."

"O que eu posso fazer? É a verdade. E não é qualquer homem, é... ele é especial!"

"Vai se tornar difícil manter as aparências." Ambos caminhavam pelo pasto, que possuía algumas árvores que serviam como excelentes sombras. "Seu pai nunca tocou no assunto? Aquele discurso sobre 'Perpetuar a Família'?"

"Ainda não," Francesco observava as marcas que suas botas deixavam na grama, "e espero que demore bastante tempo, ou o suficiente para que eu saiba o que fazer."

"Você vai contar a ele?" O amigo parou e os olhares se encontraram. Enrico era da mesma altura, olhos azuis e cabelos negros, além de parecer um pouco mais velho do que seus quinze anos. Francesco poderia ser popular com as garotas, mas sua companhia não ficava atrás.

O herdeiro juntou as sobrancelhas e entreabriu os lábios, mas as palavras lhe faltaram. Imaginar tal conversava fazia seu estômago dar voltas e, ainda que soubesse que eventualmente esse dia chegaria, ele não conseguia enxergar um final feliz. Eu e Peppe nunca conversamos realmente sobre isso, mas se eu o conheço bem ele é capaz de colocar um fim ao que temos em nome da Família. Ultimamente o pensamento habitava sua mente com mais frequência do que ele gostaria, roubando-lhe horas de sono e fazendo-o questionar qual caminho seguiria no futuro. E, como sempre acontecia, Francesco não tinha sua resposta.

"Eu não sei, de verdade," não havia outra coisa a ser dita, "por hora eu quero aproveitar o tempo que temos juntos."

"Eu entendo."

Enrico pousou uma amigável mão em seu ombro e eles voltaram a andar. O sol começava a se pôr e Ivan não gostava que ele cavalgasse à noite, portanto, ao retornar à casa, os dois amigos se despediram com um caloroso abraço, prometendo se verem outra vez antes do retorno às aulas. A distância entre a residência do médico e a mansão da Família era de cerca de vinte minutos, e foi o bastante para que o céu se tornasse totalmente escuro. O estábulo estava iluminado e Francesco desceu do cavalo antes de entrar, imaginando que Ivan ficaria bravo se o visse em cima do animal.

Dez homens da Família eram responsáveis pelos estábulos e geralmente um deles aparecia assim que o via aproximar-se. Todavia, naquela noite quem segurou as rédeas do cavalo não foi o jovem homem de cabelos pretos e curtos, que não falava muito, mas adorava animais. Bem, não primeiramente.

Mario as segurou firmemente, puxando-as e as levando até o jovem que observava tudo sem dizer nada, mas que pareceu feliz ao guiar o cavalo. O ruivo perguntou sobre seu passeio e como estava a família de Enrico. As respostas dadas saiam quase monossilábicas e Francesco tentava não soar nervoso enquanto andava.

Mario sempre representou em sua vida a figura do irmão mais velho. Sua função na Família e sua personalidade impossibilitavam de vê-lo como um tio ou um primo. Entretanto, desde que ele e Giuseppe quebraram as formalidades, permanecer a sós com o ruivo tornou-se um martírio. O peso em sua consciência era quase palpável e não havia um segundo que ele não temesse ouvi-lo mencionar que sabia de tudo. Aliás, aquele era um de seus maiores medos e todas as vezes que tinha tal pesadelo nunca conseguia voltar a dormir.

"Sobre Giuseppe..."

Os passos cessaram e Francesco sentiu como se houvesse desaprendido a andar. Seu olhar foi diretamente para Mario e ele não sabia se seu rosto estava corado ou mortalmente pálido.

"O-O quê?"

"Ivan me disse que você se prontificou a ir para a Inglaterra em seu lugar," Mario não pareceu notar suas reações, voltando a andar, "eu fiquei surpreso quando ele me contou o motivo."

"Por quê? É natural que você passe o dia com seu irmão." Francesco sentiu-se tão aliviado ao saber que Mario estava ali por outro motivo que por um instante esqueceu-se que aquele assunto também o constrangia. A tranquilidade em sua voz não condizia com seus joelhos vagamente trêmulos e seus passos incertos.

"É natural, mas não para você." O ruivo continuou ao ganharem o caminho de pedra. "Você não é naturalmente altruísta, Francis, nenhum dos Cavallone é."

"Obrigado pelo elogio." A língua afiada do Braço Direito nunca deixava de surpreendê-lo.

"Você sempre fez questão de passar os aniversários de Giuseppe ao seu lado, mas confesso que fiquei abismado com a sua decisão. Você está crescendo, Francesco."

Mario parou de andar e pousou uma das mãos em sua cabeça. O ruivo era mais alto cerca de um palmo e parecia sempre olhá-lo com certo sarcasmo. Naquela noite ele vestia seu usual meio sorriso, porém, seus olhos verdes pareciam sinceros e agradecidos.

"Mas eu irei à Inglaterra com Ivan, nós decidimos esta tarde e eu tomei a liberdade de comunicá-lo."

"Por quê?" Ele tentou não sorrir.

"Porque é isso o que Giuseppe quer," Mario deu de ombros, "quando Ivan disse que você planejava viajar em seu lugar unicamente para que eu permanecesse, meu irmão ficou desapontado."

"M-Mesmo?"

"Há algum tempo Giuseppe não faz questão da minha presença em seus aniversários." Mario soou como Mario, mas havia um pouco de tristeza em sua voz. "Talvez seja melhor dessa forma."

"Eu acho que você está enganado." Eles haviam chegado à entrada da mansão e Francesco parou de andar. Seu interlocutor, que estava à frente, parou no primeiro degrau e inevitavelmente o olhou de cima. "Giuseppe quer te dar espaço para que não se sinta culpado quando for a Roma visitar Giulio. Ele quer que você seja feliz, Mario."

O ruivo conservou-se quieto e em seu rosto não houve nenhuma expressão que denunciasse seus sentimentos, no entanto, quando retomou a fala, Mario soou um pouco embaraçado.

"Ele te disse isso?"

"N-Não, eu apenas percebi. Giuseppe é muito discreto e reservado." E é o amor da minha vida, como eu não seria capaz de compreender até mesmo seus silêncios?

"Entendo." Ele passou as mãos pelos cabelos, jogando-os para trás. "De qualquer forma, lembre-se de avisar que você ficará por aqui. Giuseppe está na casa."

Francesco meneou a cabeça em positivo, não por concordar, mas tentando esconder sua própria timidez. Se Giuseppe sabia de sua tentativa de altruísmo certamente comentaria e imaginar tal conversava fazia seu estômago dar voltas. Eu não queria que ele soubesse que a ideia havia sido minha.

O ar dentro da mansão estava quente, contudo, não fora isso a levar uma coloração avermelhada ao seu rosto. A grande porta foi aberta e antes mesmo de dar o primeiro passo ele notou que tinha companhia. Giuseppe vinha da sala de jantar, a mesma expressão bondosa e sem esboçar nenhuma reação além da natural alegria em vê-lo.

"Boa noite, Francesco."

"Boa noite..." Ele sorriu, mas tinha certeza de que parecia nervoso.

O Braço Direito aproximou-se e somente quando estavam próximos foi possível notar certa inquietude em seus movimentos.

"Eu vou acompanhá-lo até o quarto, porque acredito que precisamos conversar."

Francesco não sabia o que fazer além de aceitar aquele convite. Os dois subiram em silêncio e foi muito difícil vê-lo adentrar seu quarto sem sentir-se feliz, independente das circunstâncias. As botas foram retiradas ainda na porta e deixadas em um canto para não sujarem o tapete com barro. O colete marrom que estava por cima da camisa creme foi aberto sem pressa e aqueles breves segundos foram responsáveis por acalmá-lo, se não totalmente, pelo menos o bastante para deixá-lo à vontade.

"Francis..."

Seus olhos vagaram para a direção da voz, encontrando seu interlocutor encostado na escrivaninha e foi impossível não se surpreender. A postura parcialmente indiferente de Giuseppe havia desaparecido e a pessoa que o encarava tinha olhos brilhantes e bochechas coradas. Seu nome foi chamado mais uma vez, mas com menos força e muito mais embaraço.

"Você realmente não precisa dizer nada." Francesco tirou o colete e virou-se enquanto desabotoava a manga da camisa. "Eu não fiz nada que mereça agradecimento."

"Como você espera que eu permaneça apático? Você sabe melhor do que ninguém que eu não poderia fazer isso."

"Acho que você desapontou um pouco seu irmão."

"Eu não pude evitar..." O louro aproximou-se. "Eu não esperava essa viagem, não..." houve uma pausa e os dois ficaram frente a frente, "eu não esperava passar esse dia longe de você, não agora que estamos..."

"... Juntos?" Francesco sorriu largamente. Seu peito tornou-se aquecido e havia borboletas em seu estômago.

"S-Sim, digo, eu não me importo com aniversários, e agora mais do que nunca a ideia de ficar mais velho soa negativamente inconveniente, mas imaginar ficar longe de você nesse dia me deixou um pouco triste."

"Qual o problema em ficar mais velho?" Você não faz ideia de como eu queria crescer, embora eu nunca vá conseguir diminuir esses quase dez anos entre nós.

Giuseppe desviou os olhos por um momento e não respondeu.

"De qualquer forma, eu me sinto mal por não ter conseguido disfarçar meu leve desapontamento na frente de Mario, mas estou orgulhoso de você, Francis."

"Por que ninguém acredita que eu posso agir sem ser egoísta?" Ele soou falsamente ofendido.

"Bem, você não é a pessoa mais desinteressada do mundo."

"Mario me disse a mesma coisa e eu não entendo o motivo! Eu sou bondoso com aqueles que gosto, especialmente você."

"Eu sei e por isso eu sou muito agradecido. Trocar de lugar com meu irmão me deixou realmente orgulhoso, portanto, obrigado por pensar em mim."

"Eu sempre estou pensando em você." Francesco juntou as sobrancelhas. Ele acreditava que aquilo já fosse óbvio. "Você é uma das pessoas mais importantes para mim e farei o que estiver ao meu alcance para te fazer feliz. Se ficar com Mario era o que você mais queria de aniversário, eu não hesitaria em viajar no lugar do meu pai." Sua mão direita acariciou o rosto do amante. "Você deveria se acostumar com isso, Peppe, porque eu estou disposto a abrir mão de qualquer coisa por você."

A escolha de palavras foi proposital e Francesco sabia que havia sido compreendido. Aquele assunto nunca fora, de fato, conversado entre eles e todas as vezes que houve qualquer menção a outra parte desvencilhava-se, mudando de tópico ou simplesmente calando-se. Era fácil perceber que aquela era a forma que Giuseppe encontrava de mostrar que ainda não estava pronto para sentar e discutir seriamente sobre o rumo daquela relação. De sua parte, Francesco respeitava e concordava com aquela decisão silenciosa. Enquanto seu pai respirasse o título de Chefe da Família não seria passado adiante e Ivan Cavallone era a pessoa mais forte e saudável que ele conhecia.

"... está tudo bem." Ele sorriu ao ver Giuseppe perder-se nas palavras e sabendo que exigir uma resposta imediata seria crueldade. "Sobre a viagem, eu ficarei com você, se é o que deseja. Vamos pensar em algo para fazermos, mas aviso que Catarina provavelmente vá querer te monopolizar por algum tempo. Eu não me oponho desde que não seja durante a noite. Não, não! Sua noite é minha!"

Os olhos azuis se arregalaram e se o futuro herdeiro não estivesse se esforçando para soar maduro teria certamente abraçado-o forte ao vê-lo reagir daquela forma.

"E sobre o outro assunto, é cedo para darmos esse passo, porém, peço que pense a respeito. Um dia nós teremos de contar para todo mundo, meu pai, Alaudi, Cat e... Mario," a menção do nome do ruivo fez Giuseppe engolir seco.

"Eu sei..." A voz soou baixa e por alguns segundos ele calou-se, encarando o tapete e parecendo pensativo. Francesco suspirou, dando um passo à frente e roubando sua atenção propositalmente ao envolvê-lo pela cintura. De nada adiantaria perder tempo imaginando situações e criando expectativas que talvez nunca se concretizassem. "O-O quê?"

"Eu não te vi ontem e me sinto um pouco solitário."

"Nós nos vimos durante boa parte de ontem, meu jovem." Os olhos de Giuseppe se tornaram pequeninas fendas.

"Mas eu continuo solitário..." Ele sorriu e inclinou-se à frente. A diferença de altura havia diminuído naqueles seis meses e os dois eram basicamente da mesma estatura. "Meu banheiro é muito grande e eu apreciaria companhia. É muito triste tomar banho sozinho."

"Oh, mesmo?" Giuseppe fingiu surpresa e ofereceu um largo e cativamente sorriso que não condizia em nada com as palavras que vieram em seguida. "Seus brinquedos estão no porão, Francesco. Se quiser eu posso pegá-los, assim você não se sentirá tão só."

"B-Brinquedos?!" Francesco deu um passo para trás. Ele se recusava a assumir que, até três anos atrás, ele vivia com um urso de pelúcia que o seguia como uma sombra. "Eu estava falando de você!"

"É muito cedo para você tentar me seduzir, Francis." O louro suspirou e deu meia-volta, caminhando na direção da porta. Entretanto, ele não deixou o cômodo de imediato e por alguns segundos Francesco encarou aquelas costas, cujos músculos ele conhecia sem precisar vê-los diretamente. "Mas eu estou ansioso por meu aniversário," Giuseppe virou-se e exibiu um tímido sorriso, "especialmente a noite."

A porta foi fechada e Francesco sentiu-se aliviado por não haver plateia para vê-lo jogar-se na cama enquanto ria como um garoto feliz.

x

O futuro Chefe da Família Cavallone sentia-se receoso quando o assunto era destino.

Na verdade, naqueles curtos quinze anos ele não havia pensado a fundo sobre o assunto e acreditava que tudo o que acontecia em sua vida era uma sucessão de escolhas corretas. Claro, certos eventos estavam completamente fora de suas mãos, mas no geral ele era uma pessoa que não dava aos acontecimentos muita ênfase, preferindo aproveitar o que lhe era oferecido e vivendo intensamente cada dia. Parte daquele pensamento derivava de sua pouca idade e experiência limitada, que poderia ou não mudar algum dia.

Independente de suas crenças pessoais, naquele começo de setembro Francesco entenderia que às vezes coisas boas simplesmente aconteciam. Aquela valiosa lição aconteceu três dias após a conversa em seu quarto e foi preciso muita força de vontade para esconder suas verdadeiras emoções. Ele sorriu e corou, gaguejou e sentiu como se fosse a pessoa mais feliz do mundo.

"Você está me dizendo que Alaudi e Catarina irão com você à Inglaterra?" Ele repetiu o que acabara de ouvir apenas para ter certeza de que sua mente não lhe pregava peças. Talvez eu esteja focado demais no assunto e comecei a delirar.

"Sim, Catarina quis ir e Alaudi disse que não achava seguro e decidiu acompanhá-la." Ivan pousou a xícara de café sobre o pires e lançou um complacente olhar na direção do filho. "Desculpe por deixá-lo sozinho, Francis."

Francesco precisou apertar o guardanapo que estava sobre seus joelhos ou teria se levantado e dançado na larga sala de jantar. Catarina disse uma ou duas coisas, que ele não escutou, e de repente o café da manhã perdeu completamente o sabor. Ele queria ir direto a Giuseppe para contar sobre a novidade e o inegável fato de que estariam sozinhos.

Os preparativos para o aniversário de Giuseppe caminhavam a passos de tartaruga, mesmo estando a poucos dias do fatídico 14 de setembro. Nem ele e nem Catarina chegavam a um consenso sobre a divisão do tempo e todas as iniciativas de acordo terminavam em brigas. Todavia, com aquela nova notícia ele teria o amante para si então seria muito mais fácil seguir com seus planos. Francesco terminou a xícara de café com leite e limpou o canto da boca, pedindo licença e levantando-se. Ivan estava sonolento demais para perceber que ele não permanecera mais do que dez minutos sentado e Catarina parecia inquieta com seus planos mirabolantes para a viagem.

A pessoa que ele procurava estava em frente ao grande chafariz em forma de cavalos alados. Giuseppe conversava com alguns dos subordinados da Família, instruindo-os sobre alguma coisa referente aos veículos, mas cuja conversa terminou assim que o herdeiro se aproximou. Os subordinados o cumprimentaram animadamente e receberam sorrisos largos e brilhantes. Naquele dia ele sentia como se o mundo inteiro sorrisse.

"Bom dia, Francesco," O louro usava uma trança naquela manhã. "Você parece bem humorado."

"Bom dia!" Ele coçou a bochecha esquerda. "Caminhe comigo."

Os dois seguiram lado a lado pelo caminho de pedra batida, até tocarem a verde grama do jardim. A propriedade dos Cavallone era gigantesca e toda sua extensão só poderia ser percorrida por carro ou após quase duas horas a cavalo. O jardim principal cercava a mansão por todos os lados e terminava no vasto pasto. Havia também árvores frutíferas e flores. Cerca de meia dúzia de subordinados era responsável pelo jardim e não havia um pedacinho que estivesse abandonado ou malcuidado.

"Você soube sobre Alaudi e Catarina?"

"Sim." Giuseppe tinha as mãos atrás de suas costas. O sol refletia em seus cabelos dourados e o fazia parecer ainda mais angelical. "Mario não gostou da ideia, mas provavelmente por causa de Alaudi."

"Eu sinto por Giulio. Ele ficará sem o amante e o amigo."

"Giulio ficará responsável pela Sede de Polícia, então não acredito que terá tempo para saudades."

"Você tem razão," Francesco sorriu e deu um passo à frente, "diga, Giuseppe, o que você quer fazer no seu aniversário?"

O Braço Direito parou e o olhou confuso. Sua cabeça meneou levemente para o lado e ele se manteve alguns segundos em silêncio antes de responder.

"Eu não sei, honestamente." As bochechas pálidas se tornaram rubras. "Não há nada que eu queira fazer, ou lugar que eu gostaria de ir, m-mas se você quer realmente saber..." Seus olhos se desviaram e ele apertou as mãos. "Desde que seja com você, eu não me importo."

Os dois permaneceram em silêncio. A timidez foi mútua e Francesco arrependia-se de ter decidido conversar em um local tão aberto e que tornava completamente inviável qualquer contato físico. Internamente ele queria, não, ele precisava abraçar Giuseppe até fazê-lo sentir metade do que se passava por seu coração. Ele é adorável.

Ouvir que sua presença seria o melhor presente não foi inédito. Durante todos aqueles anos o louro sempre se recusava a escolher bens materiais e tudo o que ele já o presenteou havia sido por vontade própria. Porém, dessa vez aquelas mágicas palavras tiveram outro peso e significado e ele tinha certeza de que era decorrente da mudança naquela relação. Aqueles não eram somente Chefe e Braço Direito, mas duas pessoas que se amavam e cujo julgamento ou reflexão de si mesmos jamais poderia ser feito sem levar em consideração o outro.

Sozinhos, cada um deles possuía diferentes funções sociais e pontos de vistas; juntos, eles se completavam e sentiam como se não houvesse nada no mundo capaz de detê-los.

"Eu entendo," Francesco deu um passo à frente e esticou a mão, tocando a do amante discretamente, "vamos pensar juntos no que faremos."

"Eu gosto da ideia." Giuseppe apertou seus dedos contra os dele. "Mas se me permite apenas uma exigência, eu gostaria que passássemos a noite em minha casa."

Controlar suas emoções previamente havia sido uma tarefa difícil, no entanto, dessa vez foi impossível omiti-las. A casa do amante era um território pseudo-proibido, e em seis meses de relacionamento eles nunca haviam passado a noite naquele local. Giuseppe sempre pernoitava na mansão, e as noites de intimidade aconteciam quando um deles fugia sorrateiramente para o quarto do outro. Francesco poderia ser um garoto de quinze anos, cujas decisões e escolhas eram regidas por hormônios, contudo, até mesmo ele sentiu-se intimidado com a ideia, pois sabia que aquela noite envolveria muito mais do que uma mera noite casta de sono e a responsabilidade por envolver Giuseppe em sua própria cama o deixou levemente pressionado.

"Você não gostou da sugestão?"

"N-Não, eu adorei a ideia, mas você tem certeza? Você sempre foi contra por causa de Mario."

"Mario vai estar muito longe para nos atrapalhar."

As palavras o calaram. Como eu pude ser tão idiota? Giuseppe desviou o olhar, mas naquele rápido instante ele pôde ver claramente o desejo e a ansiedade projetados. Isso é algo que ele deve ter passado horas ponderando. Francesco sorriu e levou a mão do amante até seus lábios, beijando-a ternamente. Aquele era o único contato que eles poderiam ter naquelas circunstâncias, mas foi suficiente para selar aquele acordo.

O restante da semana passou rápido, principalmente em decorrência da viagem do Chefe da Família.

Catarina era de longe a mais animada, distribuindo entusiasmo por ser sua primeira visita à Inglaterra. Aquele era seu assunto ao acordar, durante as refeições e basicamente enquanto permanecesse de olhos abertos. Entretanto, ela não escondia sua tristeza por não estar ao lado de Giuseppe em seu aniversário e fez milhares de promessas a respeito dos presentes que traria e que no próximo ano passaria o dia inteiro ao seu lado. Eu espero que não, Francesco pensava todas as vezes que ouvia a irmã fazendo seus planos, porque ano que vem eu também vou querer monopolizá-lo.

No dia da partida Francesco acordou cedo para despedir-se, recebendo um apertado abraço do pai. Alaudi, que sempre foi mais reservado com demonstrações de afeto, tocou o alto de sua cabeça como sempre fazia. Naquele momento ele não pôde deixar de notar que muito em breve acabaria encarando seu segundo pai de cima. Alaudi é um pouco mais alto do que Peppe. Giulio não apareceu para se despedir de Mario e parte dele torcia para que o motivo fosse a Sede de Polícia e não uma nova desavença entre o casal.

Em certos termos, sua vida amorosa dependia da felicidade de Mario.

Quando o ruivo e Giulio brigavam, o que acontecia, diga-se de passagem, com frequência, Giuseppe não passava as noites na mansão e seus momentos sozinhos, mesmo que fosse para um passeio de mãos dadas ou discretos beijos na biblioteca, estavam suspensos. Com a ida de Mario à Inglaterra eles teriam duas semanas para se esquecerem do mundo e se focarem unicamente neles mesmos. As aulas só recomeçariam no fim do mês, então Francesco tinha certeza de que aquela pausa serviria unicamente para fortificar seu relacionamento, mais um degrau na longa escadaria que os levaria ao final feliz.

Continua...