Zootopia e seus personagens não me pertencem.
*Vê se não some, Cenourinha*
As fotografias pregadas no quadro de evidências pareciam zombar da oficial Judy Hopps, que as fitava com máxima atenção.
E com máxima aflição.
Após um suspiro profundo, a primeira coelha a seguir carreira de policial em Zootopia correu os olhos violáceos pela imagem pregada no centro do quadro branco, que mostrava uma bela coelha de beca e capelo, seu pelo cinzento brilhando sob a luz do sol e dentes brancos e grandes expostos num sorriso enorme. A segunda fotografia, afixada um pouco abaixo da primeira, mostrava uma outra coelha de pelo igualmente cinzento, mas que trajava um jaleco branco e levava um estetoscópio pendurado no pescoço. Outras duas fotos estavam pregadas ao lado dela, uma mostrando uma coelha de pelo mais escuro, quase preto, vestida num grande e surrado macacão, enquanto a outra era de uma coelha de pelo branco e olhos cor de âmbar, que sorria ao posar próxima a um belo jardim florido.
E o que essas quatro coelhas tinham em comum? Todas estavam desaparecidas há dias, e o Departamento de Polícia de Zootopia não tinha uma única pista sobre o caso.
— Cenourinha! O que está fazendo aqui até essa hora? Já tinha que estar em casa aproveitando suas férias.
Judy olhou para trás ao ouvir a voz jovial da raposa Nick Wilde, seu parceiro na luta diária contra o crime há um pouco mais de dois anos, e tentou sorrir ao vê-lo, mas seus lábios tremeram e o sorriso que tanto queria mostrar a ele mal chegou a se formar em seu focinho.
— Ei, Judy. O que houve? — Perguntou ele, aproximando-se enquanto segurava uma caneca de café. Seus olhos verdes viajaram do rosto triste da coelha até as fotografias, e a raposa exalou um sopro de ar. — Eu sei que esse caso tem te consumido, mas isso não é mais sua preocupação. Você está oficialmente de férias há — Ele fez uma pausa para consultar o relógio de pulso. — exatamente 48 minutos. Já tinha que estar bem longe do DPZ.
Judy abaixou um pouco a cabeça, seu semblante bastante cabisbaixo.
— Essas coelhas estão desaparecidas há dias Nick. Semanas, até. E nós não temos ideia de quem as levou, do motivo pelo qual as levaram e nem do paradeiro delas. Não sabemos nem se ainda estão vivas. E eu me sinto péssima deixando o DPZ sabendo que... ...que elas precisam de ajuda — Ela virou um pouco o rosto, tornando a fitar as fotografias. — Tentei pedir ao chefe que reprogramasse as minhas férias, mas...
— Epa, epa, epa! — Interrompeu a raposa, erguendo a pata. — Cenourinha, você não tira férias desde que começou a trabalhar, e isso tem, sei lá, uns três anos. Eu sei que você está se sentindo mal por essas coelhas, mas não se esqueça de que tem uma equipe com os melhores agentes trabalhando nesse caso, inclusive eu, fofa! Então, tente deixar só um pouquinho de lado esse seu comportamento obsessivo e workaholic e tenha mais fé nos seus colegas, está bem?! E aí? Temos um trato ou não?
Ela suspirou e abriu um sorriso que era pequeno e fraco, porém sincero, porque Nick tinha esse poder mágico de sempre conseguir colocar um sorriso no focinho dela, por pior que a coelha estivesse se sentindo.
— Você tem razão — Concordou a policial. — Vou acompanhar o jornal todos os dias... e espero ver uma notícia boa sobre esse caso. Vocês têm a obrigação de achar essas coelhas.
A raposa também sorriu, e o sorriso que enfeitou o seu focinho era gentil e paciente, bem diferente do sorriso dissimulado que geralmente exibia.
— Vai dar tudo certo, sua coelha boba. Nós vamos encontrá-las — Prometeu ele enquanto bebericava um pouco do café. — Você vai ver.
Judy lançou ao parceiro – que era, acima de tudo, um amigo – um olhar agradecido e sentiu uma vontade forte de abraçá-lo. Ao invés disso, contudo, optou por permanecer bem onde estava, porque sabia bem que ele jamais perderia a oportunidade de provocá-la e chamá-la de emotiva, e apenas falou:
— Vou para a casa dos meus pais, amanhã de manhã — Revelou ao amigo. — Daqui a uma, duas semanas, no máximo, será época de colheita de mirtilos, e papai vai precisar de ajuda na fazenda.
— Colher mirtilos — A raposa falou num tom quase sonhador. — Esse deve ser o trabalho mais delicioso do mundo.
Judy riu e logo prosseguiu, suas bochechas, de repente, um pouco coradas.
— Estive pensando se você não gostaria de ir até as Tocas passar um final de semana com a gente. Posso pedir ao Gideon para fazer aquela torta da qual você tanto gosta.
Nick colocou a pata sob o focinho e fez um ar pensativo.
— Deixe-me pensar... Você está sugerindo que eu gaste a minha folga para viajar até as Tocas, passar um tempo com a sua família e muito provavelmente ser obrigado a ajudar o seu pai a colher mirtilos? — Perguntou ele, bem sério. Mas sua seriedade não durou nem uma fração de segundo, porque, instantes depois já sorria de orelha a orelha. — Nem se eu fosse doido eu recusaria um convite desses! Mas fique você sabendo que, dessa vez, não vou levar presentes para os seus irmãos. Eu gastei todo o meu salário com eles daquela última vez que fui a sua casa.
Judy cobriu a boca com as patas para evitar uma gargalhada.
— Comprar presentes para os meus irmãos foi ideia sua, Nick. Nem tente jogar a culpa sobre os meus ombros que isso não vai rolar — Ela brincou e riu baixinho ao vê-lo cruzar os braços e murmurar algum resmungo qualquer. — E nada de presentes dessa vez. Só a sua presença será suficiente.
— Ora, ora, Cenourinha — Disse ele num tom meio preguiçoso e meio convencido. — Não sabia que você valorizava tanto assim a minha presença — Ele deu uma piscadinha atrevida para a pobre Judy, que lutava para não corar mais do que já estava corada, e correu as patas pela camisa do uniforme azul da polícia.
— Não seja tão convencido, sua rapos-
— Ei, Wilde! — O vozeirão do oficial McHorn, o carrancudo rinoceronte que seria parceiro de Nick durante os trinta dias de férias de Judy, interrompeu a voz pequena da coelha, calando-a de vez e fazendo tanto que ela e Nick encerrassem a conversa naquele momento. — Deixe a oficial Hopps em paz e vá logo se arrumar. Está na hora da patrulha.
O rinoceronte se afastou logo após dar o recado, e Nick e Judy e entreolharam após a saída do gigantesco mamífero.
— Então, — Murmurou a raposa, um pouco sem jeito, coçando o pelo da nuca. — tenho que ir, Cenourinha. O dever chama.
— Eu percebi — Respondeu ela com um sorriso triste e um quê de antecipação na voz. — Seu novo parceiro não parece ser muito simpático, então não o provoque muito, está bem? Não quero retornar de férias e descobrir que meus próprios colegas do DPZ mataram o meu parceiro. Comporte-se, está bem, Nick? E também não discuta muito com o chefe... por favor.
Ele colocou a mão sobre o peito e fingiu um olhar magoado.
— Você fere meus sentimentos desse jeito, parceira. Eu sempre me comporto bem. E o chefe Bogo me ama! E por que não amaria? Afinal de contas, eu sou um funcionário exemplar.
Judy revirou os olhos e resfolegou bem baixinho.
— Nick, apenas... apenas se cuide e... e me ligue quando estiver de folga e quiser dar uma passada lá na roça — Mais uma vez, a coelha sentiu uma vontade muito grande de abrir os braços e jogar-se sobre o amigo, enlaçando-o num abraço muito apertado. E, dessa vez, foi isso mesmo o que fez. — Até mais. E boa sorte.
Nick a abraçou de volta de tanta força quanto. Quando falou, sua voz estava baixa, meio rouca e até mesmo um pouco triste.
— Até mais, Cenourinha — Murmurou enquanto afagava a cabeça dela com muito carinho. — E vê se não some, tá? Mande notícias quando chegar na casa dos seus pais.
~Zootopia~
Judy resmungou, grunhiu e xingou baixinho quando lançou um olhar ao relógio-despertador que ficava sobre o batente da janela, ao lado da sua cama.
Já era meia-noite, e ela mal tinha começado a arrumar as malas para a viagem.
— Bem feito pra você, coelha boba — Recriminou-se. — Ninguém mandou ficar pensando no caso das coelhas desaparecidas ao invés de se preocupar em arrumar suas coisas. O Nick está certo... você não é a única policial do DPZ.
Resmungou um pouco mais enquanto dobrava algumas blusinhas e as ajeitava num cantinho da mala. Depois, enrolou algumas calças jeans e estava dobrando uma toalha felpuda quando ouviu uma batida na porta.
— A essa hora da noite? Quem poderá ser? — Caminhou um tanto quanto desconfiada até porta e, por um segundo ou dois, até mesmo cogitou a ideia de ser Nick quem estava ali, do outro lado.
Sinceramente, não acharia nada mal se a raposa aparecesse para se despedir mais uma vez.
Girou a chave a fechadura e abriu a porta um mínimo, arregalando um pouco os olhos ao ver o misterioso visitante. Ao contrário do que tinha imaginado, não era Nick quem estava ali, parado na frente da porta, embora o desconhecido também fosse uma raposa de pelo vermelho.
— Oi — Disse Judy. — Está tudo bem?
— Olá — A raposa a respondeu numa voz gentil e mansa. — Peço perdão por incomodá-la a essa hora da noite, mas percebi que a sua luz estava acesa e imaginei que ainda não estivesse dormindo.
Judy olhou para trás, na direção da mala ainda desarrumada e, ao tornar a fitar a raposa, sorriu.
— Acho que não vou dormir tão cedo — Brincou ela. — Mas... você está precisando de algo?
—Ah, quanto falta de educação! — A raposa estendeu a pata na direção de Judy. — Sou Sam. Me mudei há três dias para o prédio.
— Muito prazer, Sam — Judy o cumprimentou. — Sou Judy. E seja muito bem-vindo. Espero que esteja gostando da vizinhança.
Sam deixou escapar um suspiro desanimado.
— É... mais ou menos — Ele coçou os pelos da nuca, um gesto que fez com que Judy se lembrasse imediatamente de Nick, embora aquela raposa não fosse muito parecida com o seu parceiro.
Apesar do pelo vermelho, as semelhanças com Nick Wilde terminavam por aí, pois Sam tinha olhos escuros feito piche e trajava uma roupa que era formal demais para se usar em casa.
— Ainda estou me acostumando com tudo. A vida aqui em Zootopia é muito agitada e, às vezes, me sinto meio perdido — Ele desabafou, e Judy assentiu devagar, prestando atenção na história dele e, até mesmo, se identificando, uma vez que os seus primeiros dias na cidade grande também foram extremamente agitados. E sofridos. — Me mudei para cá porque consegui um emprego num escritório de arquitetura.
Os olhinhos da coelha se arregalaram.
— Você é arquiteto? Isso é muito legal!
— É, é uma área legal e eu gosto muito do que faço, embora seja um serviço bem cansativo. Eu precisei ficar no escritório até mais tarde hoje e nem assim consegui concluir o que estava fazendo — Isso explicava o motivo da roupa social, Judy logo pensou e prosseguiu em silêncio, atenta à narrativa do sujeito. — Trouxe o material para casa, porque queria terminar o serviço ainda hoje, só que a minha lâmpada queimou e... eu não tenho nada. Lâmpada reserva, lanterna, velas, luz de emergência. Estou completamente no escuro. Será que você teria algo para me emprestar, senhorita Judy?
— Você deu muita sorte — Disse ela, com um sorriso vitorioso estampado no focinho. — Tenho uma lâmpada reserva guardada no armário.
A raposa suspirou, aliviada.
— Sério? Isso é muito bom! Você salvou a minha vida, senhorita Judy. De verdade!
Ela riu e deu as costas à raposa para procurar pela lâmpada.
— Não precisa ser tão formal e me chamar de senhorita — Comentou sem olhar para Sam, puxando uma gaveta do seu armário e vasculhando o seu interior. — Pode me chamar apenas de Judy. Afinal, nós somos vizinhos e possivelmente seremos colegas! Até amigos!
— Claro. Como quiser, Judy — Ele respondeu, e Judy se arrepiou toda ao ouvir a voz dele bem pertinho do seu ouvido. O hálito quente contra o seu pelo. As garras afiadas roçando o seu braço e fazendo o seu corpo estremecer e se retesar.
Não fazia ideia de que ele tinha entrado no seu quarto.
Muito menos que ele tinha se aproximado tanto a ponto de encurralá-la.
Pensou em gritar e atacá-lo, empurrando-o para bem longe, todavia, não conseguiu fazer nada, porque antes mesmo de ter a chance de mover qualquer músculo que fosse, Judy sentiu alguma coisa gelada e pontiaguda espetar a lateral do seu pescoço e um líquido que era quente e horrível e que parecia queimar suas veias foi injetado em seu corpo.
E ela perdeu os sentidos ali mesmo.
