Capítulo 1: Nada mais.
Aquela noite de setembro levemente gelada era apenas mais uma noite como todas as outras desde que saí de casa. Um homem feito, 25 anos. Cabelos compridos; desisti de tentar domá-los e cortá-los, não dava jeito. Quanto mais tentava rebaixá-los com a minha navalha, mais revoltos e alvoroçados ficavam. Alvoroçados como pessoas em festas de solstício; alvoroçados como homens tentados pelos olhares das mulheres; alvoroçados como bruxas queimando na fogueira.
As labaredas crepitando, aquele grito agudo, e o desintegrar da pele feminina coberta pelo veneno do pecado eram coisas que não me modificavam mais. Talvez, a primeira experiência dessas pudesse ter sido marcante. Mas agora, essas cenas do inferno transfigurado em terra só faziam parte do agonizante caminho que escolhi para vingar a minha família.
As folhas laranjas do outono caídas pela estrada de barro no meio da mata faziam minha carruagem puxada por dois cavalos fazer muito mais barulho do que o habitual. Eu a guiava sozinho, sem cantarolar, e sem pensar muito, apenas me concentrava no som das rodas e dos galhos se arrastando na lateral da minha caríssima condução.
A sinfonia natural selecionada pelos meus ouvidos a mando de minha mente estava sendo emporcalhada pelas folhas caídas das árvores nuas daquela floresta. Aquele barulho atrapalhava meu momento de paz encontrado no silêncio do meu rotineiro caminho das madrugas adentrado nas estradas do velho mundo.
Irritei-me com aquele quebrar de folhas secas. Devia estar muito contaminado pelo barulho intenso que acabara de ouvir na vila em que deixei horas atrás. Certamente que precisava do mais puro silêncio para purificar minha alma daqueles grunhidos pérfidos emitidos pelas mulheres lascivas que queimei.
Puxei as arredias, amarrei Pesadelo e Meia-Noite a uma árvore e tirei de dentro de minha carruagem duas maçãs; uma para cada um. Corcéis negros como a cor de minhas vestes, com as crinas mais escuras ainda, assim como a cor de meus cabelos. Naquele dia, eu me achava igual a eles, um animal selvagem domesticado pela idade e amansado pela rotina.
Era a hora de fechar os olhos e esperar o sol nascer. Não chamava mais isso de dormir. Dormir é quando se fecha os olhos, se deita, se sonha, se descansa. Eu apenas fazia os dois primeiros; sonhar era coisa de criança e descansar é coisa de mulher. Crianças que tem esperanças, expectativas, têm sonhos. E mulheres que precisam descansar. Certamente ficam muito cansadas de satisfazerem os homens, são fracas demais para sentir o prazer que sentimos. Mulher com força de homem; isso não existe.
O que existe é mulher com força do demônio. Mulher com olhar de deus, sorriso de anjo, pele de seda, voz de sereia, que se mexe como cobra e que tem gosto de mel. Mulher Eva. Mulher dissimulada, promíscua, lasciva, venenosa e perigosa. Mulher bruxa. E é essa mulher que eu queimo. Mulher que arde na chama do homem que vem iluminar aqueles que foram cegados pelas magias e heresias delas próprias. Que mancham a cama do homem com sangue pútrido, e que ofuscam o brilho da alma do homem.
Tem um dito popular há muito já difundido "nem tudo é o que parece" e tem outro "quando a esmola é muito grande o santo desconfia", esses dois resumem o que eu penso a respeito das mulheres. Ao par que tive uma mãe a qual amei, também tive em mãos a primeira mulher que fiz gemer sem sentimento algum em meu leito.
Começamos a conhecer cada uma delas e nos esquecemos desses dizeres. E isso não é difícil. Se mulheres não fossem flores belíssimas, certamente muitos pecados não seriam cometidos. É claro, que tudo tem dois lados, como a moeda. Posso ter tomado o meu caminho sendo empurrado pelo senso da justiça divina, da salvação e de deus. Mas hoje em dia, essas coisas se tornaram parte da rotina, e o que me guia são as mesmas moedas que ganho ao torturar, afogar e queimar as mesmas mulheres pelas quais me fascino. Sim, me fascino.
Seria blasfêmia dizer que odeio as mulheres. Não as odeio, afinal, tenho noites de prazer indescritível graças a elas e suas formas. Meu sentimento frente a elas não é o ódio infantil, e nem o sentimento de frustração por alguma traição. É apenas desapego. Muitas das mulheres que fiz minhas nos mais diferentes lugares; fiz também sucumbir das mais diferentes maneiras. Não porque sou mal, porque sou vingador. Mas porque percebi a tempo que tipo de mulher eu me envolvi. Bruxa.
Não que eu só sinta atração por elas. Como eu disse, não matei a maioria, e sim, muitas de muitas. Um homem que cresceu vendo o irmão sendo seduzido por uma delas, certamente não tem as mesmas idéias infantis de um homem que cresceu vendo os pais felizes rangendo a cama à noite. Um homem que cresceu numa igreja sem pais, mortos pelo próprio irmão não veria o mundo da mesma maneira que uma bruxa risonha. Porém, mesmo criança, eu cresci sabendo do motivo pelo qual meu irmão fez isso, a partir dele, é que montei meu caráter e tomei meu rumo.
Afinal, sucumbir enfeitiçado pelos gracejos de uma mulher não é difícil. Todo o homem cai facilmente na armadilha de morder a maçã proibida oferecida pela mulher bruxa de Eva. Meu irmão no final foi só mais um fraco que mordeu a fruta. E o seu veneno fez ele fazer o que fez. Nada mais.
~ {Bom pessoal, antes que tirem meu couro pelos tempos que sumi, devo dizer que foi por uma boa causa, passei no vestibular, agora estou em duas faculdades públicas *--*
Sobre a outra fic parada, devo dizer que está muito difícil continuá-la do jeito que eu gostaria, então, peso que tenham mais um pouco de paciência.
Quanto a essa, será postado um capítulo por semana. Sem falta! Os capítulos são curtinhos e a história está praticamente toda pronta, então não vou correr riscos de deixar vocês na mão!
Obrigada por continuarem lendo, e desculpa não responder a cada uma das reviews, eu estou correndo muito, mas de coração, eu agradeço a todas.} ~
