7:12
Quando o sol começou a surgir no horizonte, pintando o céu de amarelo e vermelho, iluminando a areia que percorria todo o horizonte de norte a sul, alguns carros começaram a parar na estrada de acesso, alguns metros antes.
Toda a praia começou a ser iluminada e enchida ao mesmo tempo. O céu estava limpo. Não havia uma única nuvem atrapalhando o sol que ascendia no horizonte.
Tonalidades de azul, amarelo, vermelho e laranja brincavam no céu, se misturando em uma única linha que determinava o limite quase inexistente entre céu e oceano. O grande oceano que se iluminava, revelando uma imensidão de azul e pequenas ondas que enfeitavam a paisagem.
10:45
A praia encheu rapidamente nas últimas três horas. Era impossível andar dois metros sem esbarrar em alguém. Banhistas, farofeiros, crianças e qualquer tipo de pessoa que se possa imaginar. Todos estavam ali no número crescente de pessoas na praia.
Atrás delas havia um grande campo de capim alto e maltratado, que se estendia tanto quanto a areia da praia, e na rua de terra entre os dois, milhares de carros estavam estacionados, e alguns ainda conseguiam estacionar de forma milagrosa.
Era o primeiro dia sem chuva em mais de uma semana, e os moradores de toda a região com certeza estavam aproveitando.
Em algum ponto, uma mão passava bloqueador em seu filho, o puxando com força para ele não sair no sol que queimava todos os outros desprevenidos.
Em outro ponto mais afastado, um grupo de três senhoras tentavam voltar à juventude estragando sua pele, deitadas em toalhas na areia, sem proteção alguma.
Alguns muitos metros dali, um pequeno grupo de três garotos e uma garota tentavam jogar vôlei, sem muito sucesso.
Todos realmente estavam aproveitando o dia. Todos.
13:50
Por toda a areia, pessoas começavam a se preocupar em comer alguma coisa, para reabastecer as energias para toda a tarde que se seguiria.
E eles precisavam. Realmente, eles precisavam.
Vendedores ambulantes começavam a fazer lucro, e as pequenas barraquinhas entre a areia e a estrada de terra começavam a ficar movimentadas. Os salva-vidas ficaram mais alertas, acreditando no que suas avós lhes diziam: Não entre na água logo depois de comer ou você vai morrer.
A cada quinhentos metros na areia havia uma pequena torre, montada com cimento puro, contendo apenas uma porta e uma janelinha, de onde os salva-vidas observavam toda a área.
Não. Eles não usavam vermelho. E por mais que houvessem pedidos, eles também não corriam em câmera lenta. Eles apenas observavam a manhã monótona na praia, em quem ninguém se afogava para os dar o que fazer.
Pequenos espetos e pedaços de papel e plástico eram jogados na areia, apesar das centenas de avisos espelhados pela praia.
A mãe e seu filho agora estavam sentados em baixo de seu guarda-sol, enquanto comiam pequenos sanduíches preparados em casa.
As três senhoras sentaram em uma mesa protegida por um guarda sol, e apesar de todas terem mais de quarenta anos, babavam por três garotos, com no máximo dezoito anos, sentados na mesa ao lado, e invejavam a garota que os acompanhavam.
"E vocês queriam ficar jogando buraco hoje." Uma disse enquanto dava um pequeno gole em sua cerveja.
"Sim, sim. Ainda bem que nós viemos, não é? Olhe só que paisagem maravilhosa." Outra disse errando as batatas fritas de sua boca, enquanto olhava fixa para o lado.
"Quietas, estão atrapalhando o show."A terceira disse sem se preocupar em pegar parte do lanche na sua frente, em cima na mesa. Isso vai tudo direto para as cochas. Preciso manter a forma. Ela diria.
"E aquele marido irritante meu queria vir também." A primeira voltou a falar enquanto pegava algumas batatas.
"Eu dispensei o meu a muito tempo. Não sei como você ainda agüenta. Maridos, os seres mais irritantes que existem." A segunda a interrompeu enquanto pegava mais algumas batatas.
"Será que eu tenho roupa para lavar hoje?" A terceira complementou, assustando suas amigas.
15:18
As ondas pararam. Todas, por completo. Até as minúsculas que davam vida ao oceano. Os surfistas voltaram para a areia, desapontados. Os pássaros que sobrevoavam a praia começaram a voar para longe.
O vento parou. As pessoas pararam. Menos as crianças. A maioria aproveitava que as ondas não as atrapalhariam e começaram a brincar com mais facilidade na água.
O filho que há pouco estava observando o mar com sua mãe saiu correndo da proteção do guarda-sol em direção à água.
A garota do pequeno grupo se ajoelhou na areia molhada, onde um minuto atrás o mar subia e descia em ritmos alternados, mas agora estava ali só a areia se secando. Ela observava o horizonte. Seu coração disparou do nada. Ela olhou para ele e viu seu peito saltando com as batidas dele.
As senhoras estavam sentadas em suas toalhas, agora com o protetor passado em suas peles quase-enrugadas. Elas também estavam olhando o horizonte. O coração de uma delas começou a bater mais forte também. A mais baixa.
Um dos garotos chegou perto da garota ajoelhada e se agachou ao lado dela, segurando seu ombro.
"O que foi?" Ele perguntou preocupado.
"Eu não sei... Meu... Meu... Eu acho que... Vai..."
A mãe do garotinho berrava por ele, preocupada como sempre foi. Ele brincava na água, mergulhando e observando os peixes agitados que nadavam cada vez mais para longe. A mãe começou a andar rápido em direção á água, passando por cima de várias pessoas despreocupadas.
15:20
A mãe agarrou seu filho pelo braço, e logo depois tropeçou no nada e caiu.
"O que foi, mamãe?" O menino perguntou.
Ao longe, alguns guarda-sóis caíram, sem ninguém estar perto deles. Algumas mais pessoas tropeçaram e a areia em alguns pontos escorreu um pouco pela leve inclinação da praia.
"O que foi isso?"
"O que está acontecendo?"
Pessoas por toda praia se perguntaram.
Os salva-vidas se levantaram de suas não-confortáveis cadeiras e passaram a observar a praia com mais atenção.
15:21
Na linha entre a água e o céu, imóvel até agora, uma pequena turbulência ficou visível. Ela cresceu rapidamente. A própria água do mar parecia estar se revirando por cima dela mesma, formando um topo espumoso a alguns milímetros de altura.
A turbulência cresceu rapidamente, e logo preencheu todo o horizonte da praia e além. O topo alguns milímetros de altura subiu par alguns centímetros acima do mar, e logo ficou acima de um metro, ainda subindo rapidamente. Passou a dezenas de metros, e logo centenas me metros de altura.
Um berro único e demorado cortou o silêncio que se formou.
Várias mães correram para tirar seus filhos da água, e alguns adultos começaram a sair desesperadamente.
Caos.
Alguns foram atropelados. Outros pisoteados. Os salva-vidas por toda a praia berravam de cima de suas pequenas torres para todos se acalmarem. Inútil.
Guarda-sóis foram derrubados, e um grande aglomerado de pessoas se formou perto da estrada. Todos os vendedores das barraquinhas tentavam sair inutilmente, tentando empurrar todos que tentavam fugir do que se seguiria.
Caixas de isopor foram largadas pela areia, junto com algumas toalhas que pessoas não se preocuparam de pegar e guarda-sóis esquecidos. Apenas algumas pessoas permaneceram na areia, observando a turbulência crescente no horizonte.
Não estava no horizonte mais. Ela se aproximava mais rápido do que crescia, e já estava a centenas de metros acima do mar. Seu topo espumoso dava uma volta quase completa e crescia proporcionalmente com o resto da onda.
A mãe não saiu dali. Estava ajoelhada, paralisada, agarrando o braço do seu filho que chorava pela mãe.
"Mãe! Levanta! Ta todo mundo correndo! Mãe! Levanta!"
Ela permanecia imóvel. Ela sabia que correr era inútil. Nada. Nada podia ser feito quando a natureza resolvia se vingar dos humanos pelos mal-tratos que ela recebe. Ela sabia disso. Toda sua vida temera que seu filho caísse nos males do mundo. Todo seu trabalho fora inútil. Toda sua preocupação não significou anda. Esse era o fim. Ela riu nervosamente, um riso que assustou a criança.
As senhoras estavam sentadas no chão, se abraçando como fizeram no ultimo reveillon, celebrando mais um ano que se passou, todas com vida. Agora aproveitavam os últimos segundos juntas depois de uma vida inteira.
A garota chorava baixinho. O garoto que fora a consolar pouco antes agora puxava seu braço até os outros dois, que estavam ao pé de uma torre salva-vidas.
"Não dará tempo de correr! Vamos entrar aqui!" Um deles berrou.
O salva-vidas da torre tentou expulsá-los inutilmente. Os três garotos o empurraram para fora, quando ele deixou claro que não os deixaria entrar, e entraram com a garota. Lacraram a porta. Com a cadeira
O salva-vidas permaneceu deitado na areia onde caíra. Pessoas o chutavam enquanto tentavam correr para seus carros.
"Hei, eu vi um negócio. Venha por aqui!" A senhora mais alta chamou as outras quando olhou por cima do ombro de uma delas, e começou a as puxar.
"Mamãe, vem logo!" O garotinho puxou a mãe com mais força do que ele poderia ter. A mãe voltou a si. Ela olhou para o filho e o abraçou. Lágrimas escorriam por seu rosto. Ela apertou o filho, e logo em seguida eles começaram a correr. "Não mãe, por aqui, eu vi gente entrando ali!" Ele berrou para a mãe que tentava puxar o filho para o carro.
Todos os salva-vidas, menos o que fora expulso de sua torre, tentavam berrar para o povo manter a calma. Muitos haviam entrado em seus carros e tentavam dirigir pelo tumulto da rua. Muitos outros ainda corriam por entre a grande mata da área aberta.
Por que eu vim a uma praia tão afastada? Muitos pensavam.
Disseram que aqui tinha as melhores ondas. Esse pensamento passou ao mesmo tempo por todos os surfistas.
As senhoras corriam pela praia. A mãe e seu filho corriam pela praia. O grupo de jovens observava toda a correria da areia e a monstruosa onda que se formava pela janelinha da torre.
Paf. Paf. Paf. Alguém bateu na porta da torre.
15:23
A onda desmoronou. A pouco mais de dois metros areia, a onda caiu, fazendo um barulho ensurdecedor. Ela desabou subitamente, caindo como água em uma catarata gigantesca. As ondas formadas pelo choque da água foram maiores do que a original, e muito numerosas.
Elas começaram a engolir a areia e tudo que estava nela. Toalhas, guarda-sóis, bolas, redes, mesas, cadeiras, lixos, placas. Tudo foi engolido com velocidade pelas ondas raivosas que se formavam.
Segundos antes, o grupo de jovens abrira a porta e deixara passar as três senhoras que arfavam e tremiam, e uma mãe que carregava um menino de no máximo seis anos, e selaram a porta mais uma vez. Agora estavam todos grudados à parede da janela, tampando a respiração e de olhos fechados.
A água invadiu a torre com velocidade e força, rachando as paredes.
A água percorreu toda a larga área da areia em menos de dois segundos, e invadiu a estrada, levando os carros e pessoas. Muitos foram arremessados para frente com o impacto da água, que continuava pela terra como um monstro faminto, devorando tudo em seu caminho.
Carros foram levantados e jogados, esmagando pessoas e até outros carros. Todas as barracas foram completamente destruídas completamente, e seus acessórios, juntos com os vendedores que se escondiam, foram levados pelas ondas. Várias atingiam a área sem descanso.
Mais uma vez água entrou na torre, com mais força ainda, aumentando as rachaduras. A garota agarrou o braço dos dois garotos que estavam do lado dela. A mãe apertou o filho, e teve a ação retribuída por ele. A senhoras estavam de mães dadas.
O choque de ondas continuou, arrasando todo o mato da área depois da praia, e acertando todos que tentavam correr, e os empurrando para longe, para pouco depois, os engolir novamente.
Mais uma vez a água entrou na torre. Agora havia mais rachadura do que parede. A criança apertava a mãe, não conseguindo mais segurar a respiração. As senhoras e a mãe iam pelo mesmo caminho. Estavam quase em seu limite.
Mais um choque de água. A criança afrouxou as mãos, soltando a mãe. Ela berrou, fazendo o barulho oco invadir as cabeças dos outros que estavam ali.
Mas um coque de água entrou na torre, e a criança foi jogada para a parede oposta. A água começou a ficar avermelhada, e a mãe começou aboiar na água que perdia o nível, descendo pelas rachaduras.
O corpo da criança se virou, revelando uma área em que não havia mais cabeça, apenas cérebro exposto, e sangue que invadia a água.
Uma das senhoras tentou berrar, mas foi impedida por um dos garotos, que esticou o braço e tapou sua boca e seu nariz. Fizeram o mesmo com a garota.
Uma parte da parede se soltou, bem atrás de um dos garotos, e empurrou sua cabeça, o jogando para frente como se ele tivesse sido atropelado por um carro. Seu pescoço desgrudou do resto do corpo, e toda a água em volta dele ficou vermelha.
A garota berrou. Quem fora atingido era quem estivera a segurando para não berrar por causa do garoto e da mãe. Ela soluçou dentro da água. Havia engolido o líquido.
Mais uma vez a torre do salva-vidas foi atingida por uma onda, com mais raiva que as anteriores, e se despedaçou por completo. A escada que levava até a portinha já não estava ali, e os mastros de ferro que seguravam a torre se partiram em três.
O cimento da torre se esfarelou com a força da água e todos que estavam ali foram levados pelas ondas que continuaram atingindo a praia. Todas as torres começaram a cair ao mesmo tempo, misturando pedaços de pedra na água que arrastava as poucas coisas que permaneciam em pé.
Mais nas extremidades da praia onde a cidade estava próxima ao mar, o mesmo aconteceu.
As fortes ondas levaram sinais de trânsito, carros, pessoas, barraquinhas, jornaleiros, bicicletas, motos. A água entrou nos apartamentos de toda a região virados pêra a praia, e sua força descomunal destruiu as paredes dos prédios e partiu suas vigas de metal.
A onda não parou. Não parou mesmo. Ela entrava pela cidade, passando pelos e por entre os prédios. Algumas janelas eram despedaçadas enquanto cuspiam a água do mar. Buracos goram feitos nos prédios, e muitos começaram a desabar e serem levados pelas gigantescas ondas intermináveis.
A água entrou no metrô, entupindo as escadas e derrubando qualquer um que estava no caminho. Rapidamente toda a área superior do metrô foi preenchida por água, que começou a cair com toda a força para aparte inferior, afogando todos que entravam e saiam no trem que estava parado.
A água entrou nele, facilmente o derrubando, e enquanto mais ondas chegavam até ali, mais a água ali em baixo era empurrada e ficava mais forte, passando pelos túneis e destruindo qualquer metrô que estivesse no caminho, e enchendo qualquer estação por qual ela passava, afogando todos que esperavam pelo metrô.
As ondas continuaram adentrando pela cidade, destruindo tudo no caminho. A estação de metrô perto da praia não foi a única atingida diretamente pelas ondas, que continuaram até o centro da cidade.
Janelas explodiam, ajudando a água a ser jorrada pelas ruas. A maioria dos prédios parecia verdadeiras cataratas, a água caindo deles em cima das próprias ondas que já invadiam as ruas, levando mais carros e pessoas consigo.
As ondas continuaram até um grupo de montanhas que cortava a cidade, mas mesmo elas não impediram que parte da água escorresse por elas, inundando casas e ruas na região, que alguns segundos depois foi atingida por uma série de ondas que veio de outra parte da praia que envolvia grande parte da cidade.
As ondas continuaram até o limite da cidade, mas não foram impedidas por ele. Invadiram as estradas sem piedade, ainda com força o suficiente para arrastar os carros, ônibus e caminhões que passavam por elas.
Nas estradas ainda, as ondas foram impulsionadas pelo chão liso, e por, em sua maioria, estarem entre duas montanhas, mas mesmo assim, a água passava por cima delas.
Até a área rural foi atingida, acabando com o campo, salgando toda a terra e destruindo as propriedades mais humildes da região.
15:42
As ondas finalmente pararam, e agora o único movimento de água restante foi das águas que escorriam pelos prédios, seja pelas janelas destruídas ou por buracos formados pelo impacto, e a água que lentamente retornava para o oceano.
20:27
Todas. Todas as ruas da cidade foram atingidas. Ninguém se salvou. A água entrou em cada prédio, cada casa, cada construção. Todas as janelas viradas para o oceano foram quebradas, e a maioria que não era virada para ele, também foi quebrada pelo impacto e força da água.
Em diversas regiões pilhas gigantescas de carros e outros veículos se formaram, com escombros dos prédios destruídos. Algumas áreas das ruas estavam pintadas de vermelho, esparramado, em geral, perto de algum bloco grande de cimento descolado de algum prédio ou de um carro, que caiu em cima de alguém.
Havia também algumas pilhas de corpos. Centenas de pessoas mortas empilhadas naturalmente pela água.
Dentro das casas a perda foi quase total. A maioria tinha pessoas com a cabeça estourada, grudada em uma parede rachada. Molhados. Tudo molhado. A cidade inteira molhada. Uma onda desse tamanho fora um evento único na história do planeta.
A maioria dos prédios que não desabaram com o impacto das ondas acabariam caindo com o tempo, pelo desgaste. Nas últimas horas do dia, várias construções desabaram.
Toda a área agriculturável em volta da cidade fora salgada pela água do oceano, que agora penetrava pela terra até os lençóis freáticos.
Não havia vida na cidade. Nem de um inseto. O que antes fora uma grande cidade, uma área de comércio e indústrias agora era um cemitério. Lixo e corpos espalhados por todo o lado, boiando na pouca água que restava nas ruas, que se esvaziava cada vez mais devagar para o oceano.
Dos que viram tudo isso acontecer, nenhum permaneceu vivo. Todos ali rezaram para qualquer entidade religiosa que eles acreditavam, enquanto suas casas eram repletas de água, e eles jogados contra as paredes de onde eles estavam, e se afogavam.
Todos que conseguiram sobreviver ao primeiro seguindo da tsunami, com certeza sabiam que o amanhã virou nada mais que um sonho.
