Ontem eu toquei a campainha da casa dela. Meus joelhos estavam bambos. Minhas palmas suavam. Minha cabeça pesava. Eu não sai do lugar.
Ouvi seus passos na escada. Queria dizer que ela estava vindo na minha direção, mas naquela hora o som não me agradou. Eu podia ter ido embora, mas eu não sai do lugar.
A porta se abriu lentamente, eu lembro disso muito bem, e ali estava ela, o corpo magro coberto pelo seu felpudo e berrante roupão amarelo. O cabelo estava sujo, sujo de tinta. Nas orelhas, um par de brincos com formato de rabanete, mas isso não era surpresa. Os grandes olhos azuis me encaravam sem piscar. Uma imagem de mim mesmo correndo encheu minha mente e eu não sai do lugar.
"Boa noite" ela desejou e foram as únicas palavras que escaparam de seus lábios. Lábios que já haviam sido pressionados contra a minha orelha esquerda, contra os meus lábios, contra a minha pele…
Ontem eu tive vontade de chorar, ali mesmo na frente dela, feito um bebê. Ah, o amor! O amor é cruel! Porém - graças ao bom Deus que eu tenho como guia e graças a minha grande força de vontade – consegui manter o rosto impassível. Eu tinha um texto ensaiado, eu sabia o que dizer… Mas então me dei conta, para o meu próprio terror, que o enorme e romântico discurso desapareceu da minha cabeça.
Minha boca ficou seca e naquele instante eu tive certeza de que o que eu faria a seguir tinha o nome de improviso. Depois, fui descobrir que na verdade eu havia ficado nu.
Minhas calças estavam muito bem presas a minha cintura pelo cinto, minha camisa estava totalmente abotoada, meus sapatos estavam perfeitamente amarrados, e nenhum fio do meu cabelo loiro estava fora do lugar. Ainda assim, eu fiquei nu, ali mesmo, naquela rua, na frente dela.
Abri meu coração e despejei todos os meus sentimentos. Não foi simples, mas nada era desde que ela invadira minha vida.
Quando eu terminei, havia lágrimas em seus olhos e riso em seus lábios. (As mulheres complicam muito minha vida - ela estava triste ou feliz, afinal?) E então, subitamente, seu roupão caiu silenciosamente no chão.
Ontem, bem, e ainda hoje de manhã, ela não vestia qualquer outra peça. Agora eu sorrio para mim mesmo ao concluir que esse meu modo poético de interpretar a palavra nudez não é nada comparado com aquele simplório que ela me apresentou ontem.
