Título: Ganância

Autoria: FireKai

Sumário: Rafaela e Diogo são dois jovens que querem a todo o custo ficar ricos. Uma herança inesperada faz com que fiquem mais perto do seu objectivo, mas também lhes traz inimigos da família do falecido. No final, irão eles conseguir ficar ricos como querem?

Ganância

Capítulo 1: O Testamento

O sol brilhava no céu naquela manhã de terça-feira. O aeroporto da cidade Guarlispo estava cheio de pessoas de todos os géneros e feitios. Várias pessoas chegavam dos seus voos, outras partiam, outras aguardavam pelos seus voos ou por familiares e amigos que estivessem a chegar.

Prestes a entrarem para a área de espera para embarque, estavam algumas pessoas. Um velho de cerca de setenta anos, Romeu Lamares, estava a despedir-se de uma jovem com cabelos castanhos pelos ombros, de nome Rafaela Oliveira. Deu-lhe um beijo na boca e a jovem sorriu.

"Faz boa viagem, querido." disse ela, ao velho.

"Farei. Ligo logo que chegar." disse ele.

"E enquanto viajas, pensas no pedido que te fiz, sim?"

"Claro, claro. Vou pensar seriamente em comprar aquele apartamento que tanto queres e dar-to de presente." disse Romeu. "Adeus querida. Até breve. Prometo que terás surpresas agradáveis quando eu voltar da viagem."

O velho afastou-se e Rafaela acenou-lhe, sempre com um sorriso na cara. Quando Romeu ficou fora de vista, o sorriso desapareceu da cara de Rafaela.

"Estúpido velho de um raio." pensou ela, aborrecida. "Nunca mais me dá o raio do apartamento. É mesmo parvo. Deve pensar que eu ia estar com ele porque estou apaixonada por ele. Patético. É um velho decrépito e quando conseguir tudo o que quero dele, deixo-o. Uh, ter de o beijar é um nojo."

Rafaela começou a afastar-se, para sair do aeroporto.

"Ai, ai, tenho de ficar rica e depois poderei fazer tudo o que quiser. Para já, lá terei de aturar o velho por mais um tempo. Mas estou quase a conseguir o meu primeiro objectivo, o apartamento." pensou Rafaela.

Pouco depois, Rafaela entrou num táxi e foi embora. Enquanto esperava para que o chamassem para embarcar no avião, Romeu ia pensando.

"Ah, querida Rafaela. É uma jovem adorável e vê-se logo que gosta de mim." pensou ele. "Claro que lhe vou dar o apartamento, como ela quer. Mas não posso dar-lhe logo tudo. Tenho de a ir recompensando pela sua dedicação. E mal ela sabe que a incluí no meu testamento. Bom, não vai saber disso até eu morrer e isso ainda vai ser daqui a muito tempo."

Ganância

O táxi parou à beira do passeio. Rafaela pagou a corrida e saiu, suspirando. Rafaela vivia num prédio já bastante velho, onde a pintura já estava bastante apagada, o elevador funcionava mal e as escadas tinham lâmpadas que iluminavam muito pouco. Abanando a cabeça, Rafaela achou que não queria voltar para o apartamento de imediato, pelo que foi dar uma volta. Cerca de uma hora depois, voltou e acabou por entrar no prédio.

Torceu o nariz ao ver uma vizinha coscuvilheira a lançar-lhe um olhar curioso e ignorou-a. De seguida, subiu as escadas até ao terceiro andar, já que não confiava muito no elevador. Tirou um porta-chaves em forma de coração da mala e usando umas das chaves, abriu a porta do apartamento e entrou.

O apartamento estava decorado de forma escassa e também pouco uniforme, com móveis de coloração diferente e alguns bibelôs bastante feios. À porta da sala surgiu um jovem de cabelos pretos e expressão séria. Trazia vestidas umas calças de ganga bastante gastas e uma t-shirt branca.

"Então, já levaste aquela carcaça velha ao aeroporto?" perguntou o jovem. "Demoraste imenso tempo."

"Sim, Diogo, já levei o Romeu ao aeroporto e ele prometeu que ia pensar seriamente em dar-me um novo apartamento." respondeu Rafaela. "Também já está na altura de mo dar. E demorei-me mais porque apeteceu-me dar uma volta antes de voltar aqui."

Diogo Rodrigues era o companheiro de casa de Rafaela e colega em esquemas para poderem os dois subir na vida o mais rapidamente possível. Enquanto Rafaela rondava os vinte e cinco anos, Diogo era um pouco mais velho. Os dois entraram na sala e sentaram-se num sofá velho e já roto de um dos lados.

"O meu esquema com o velho rico está a funcionar às mil maravilhas." disse Rafaela, satisfeita. "Quer dizer, poderia estar a andar mais depressa, mas está a andar. E tu, quando é que arranjas maneira de ficarmos ricos? Não posso ser eu a fazer tudo!"

"Ora essa, eu estou a esforçar-me!" exclamou Diogo, zangado. "Mas ao contrário de ti, que passas os dias atrás daquele velhadas, eu tenho de trabalhar para poder sustentar-nos, portanto, não fico com muito tempo para poder andar à procura de vítimas a quem possamos sacar algum dinheiro."

Rafaela hesitou, mas abanou a cabeça, em assentimento.

"Pronto, está bem, tens razão. Mas estás a trabalhar num restaurante neste momento. Pode ser que qualquer dia vá lá alguma ricaça e consigas meter-te com ela." disse Rafaela. De seguida, suspirou. "Tudo teria sido diferente se eu tivesse conseguido concluir o meu curso universitário. Mas não, o meu irmão estragou-me a vida!"

"Rafaela, já ouvi isso mil vezes..."

"Pois ouves mais uma! Estava eu na cidade de Torrisa a estudar e o meu irmão virou os meus pais contra mim, a dizer que eu andava a fazer o que não devia. Era mentira! Bem, era mentira nessa altura. Deixaram de me pagar o aluguer do apartamento, as propinas, a comida... fiquei sem nada!"

Diogo revirou os olhos. Já ouvira aquela história tantas vezes que já enjoava. Pegou no comando da televisão e começou a fazer zapping, enquanto Rafaela continuava a falar, sem estar realmente estar cercar a perceber que Diogo não a estava a ouvir.

"Tentei arranjar emprego, mas não me consegui aguentar. Tive de deixar os estudos de lado. Mas jurei que isto não ficaria assim. Jurei que iria dar a volta à minha vida e ficar rica e vingar-me do meu irmão!"

Diogo parou de fazer zapping quando uma notícia lhe chamou a atenção. Tocou no braço de Rafaela, para fazer com que ela se calasse. Ela não se calou logo, mas ao terceiro toque, olhou para Diogo.

"O que foi, Diogo? Deixa-me acabar de falar!"

"Ora, cala-te e ouve-me. Olha lá, estás a ver esta notícia do avião que caiu?" perguntou ele. "Diz que ia para a Alemanha. Era o voo 508. Não há sobreviventes... hum, não era onde ia o velho caquéctico?"

Rafaela demorou uns segundos a processar a informação e a lembrar-se do número do voo. Depois levantou-se do sofá, horrorizada.

"Raios! Era o voo onde ele ia! Ele não pode ter morrido!" exclamou ela. "Não agora que eu lhe estava a conseguir dar a volta!"

"Pois, logo agora que ele te ia dar o apartamento… ou pelo menos pensávamos que sim." disse Diogo, também ele aborrecido. "Que azar. Tantos aviões que podiam ter caído, mas não, tinha de ter caído aquele em específico."

"Bolas, bolas, bolas!" exclamou Rafaela, começando a andar pela sala. "Eu estava tão perto de conseguir o apartamento e depois conseguiria muito mais coisas. Afinal, fiquei apenas com uma bracelete de prata e um fio de ouro que ele me deu. Umas misérias. Não valem nada! Não é justo!"

Diogo levantou-se também.

"Pronto, o avião caiu, supostamente com uma falha mecânica e o velho foi-se. Agora não podemos fazer nada, a não ser andar em frente e conseguir outro alvo."

"Estás demasiado optimista, Diogo. Sabes bem o tempo que eu demorei a conseguir encontrar o Romeu, a conseguir dar-lhe a volta e conquistar-lhe a confiança." disse Rafaela. "E o dinheiro que gastei a dar-lhe soporíferos quando ele me queria levar para a cama. Ah, adormecia sempre antes de chegarmos a alguma parte horrorosa... huh, só de pensar que alguma vez teria de me deitar com aquele velho baboso, dá-me arrepios."

"Pois, mas agora não terás de te deitar com ele. Nós concebemos os nossos planos sempre arranjando hipóteses para não fazermos nada extremo, como termos de ter sexo com velhos e velhas horrorosos."

Rafaela acabou por se sentar novamente no sofá e Diogo fez o mesmo. Rafaela acabou por se acalmar um pouco e suspirou.

"Estamos de volta à estaca zero outra vez." disse ela. "Não temos sorte nenhuma. Porque é que isto nos acontece? Uns estão na política e roubam descaradamente, mas corre-lhes tudo bem. E nós, que estamos a tentar enganar as pessoas honestamente, sai-nos tudo ao contrário…"

"É verdade." concordou Diogo. "A única coisa boa que nos aconteceu foi termo-nos conhecido na net, depois pessoalmente e juntarmos as nossas mentes para os nossos planos."

"Pois, mas olha que a nossa junção de mentes não está a resultar nada bem." disse Rafaela. "Bolas, estou desgostosa, portanto vou comer alguma comida calórica e que faça mal, para me vingar... na vida. Sim, vou fazer isso."

Diogo e Rafaela passaram as horas seguintes a comer batatas fritas de pacote, gelados e comidas com molhos, que mandaram vir de um take-away. Na televisão, continuava a passar a noticia do acidente de avião e de que nenhum dos passageiros tinha sobrevivido.

"Não tenho pena do velho, mas coitadas das famílias dos outros passageiros." disse Diogo. "Espero que ao menos tenham feito algum seguro de vida para aqueles que morreram."

"Pois é, também acho... quer dizer, não! Lá estamos nós a ser sentimentais. Já devíamos ter aprendido que preocuparmo-nos com os outros não leva a nada." disse Rafaela. "Portanto, vamos só pensar em nós e não nos outros. Que se lixem todos. Nós é que importamos! Aqui as vitimas somos nós, que ficámos privados de um apartamento novo."

Pouco depois, um jornalista começou a entrevistar alguns psicólogos que tinham aparecido para consolar os familiares das vítimas, que tinham surgido no aeroporto. Uma das psicólogas acabou por parar para falar com os jornalistas. O seu nome era Catarina Melo. Era alta e tinha cabelo ondulado e pintado de ruivo.

"Nós viemos para prestar todo o apoio possível aos familiares, que estão muito abalados devido a esta tragédia." disse a psicóloga. "Faremos o nosso melhor por ajudar todos aqueles que necessitam do nosso apoio. Agora, com licença, não posso falar mais."

Catarina afastou-se, com os jornalistas atrás dela e dos restantes psicólogos. No seu apartamento, Rafaela abanou a cabeça, incrédula. Mordeu uma batata furiosamente e engoliu-a sem mastigar.

"Não posso acreditar. Aquela é a Catarina." disse ela.

"Conhece-la?"

"Sim, claro que conheço. Foi minha colega na escola e minha amiga. Foi, mas já não é. Foi para a universidade tirar psicologia e parece que se conseguiu formar. Pirosa!" exclamou Rafaela, furiosa. "Depois de eu ter de desistir da universidade, nunca mais me atendeu os telefonemas."

"Esquece-a. Não importa nada agora." disse Diogo. "E não precisas de estar sempre a queixar-te de não teres acabado o teu curso. Eu sei. Mas eu também não fui para a universidade."

"Problema teu e opção tua." disse Rafaela. "Tu é que foste burro que nem uma porta e não quiseste continuar a estudar."

"Em vez disso, tive de andar por aí a trabalhar imenso. Não te esqueças que os meus pais foram à falência. A culpa também foi da minha irmã. Roubou o dinheiro todo e fugiu para o estrangeiro. Tive de me agarrar a todo o tipo de empregos para sobreviver." disse Diogo. "Se eu a apanho, aperto-lhe o pescoço!"

"Raios partam as nossas vidas, é o que eu digo!"

Ganância

Passaram-se uns dias e Rafaela ficou surpreendida quando recebeu uma carta registada em seu nome. Em princípio, não a queria assinar, pensando ser alguma conta que não queria pagar, mas depois o carteiro convencera-a de que não era o caso. Depois de a carta, Rafaela entrou de rompante no quarto de Diogo, que estava a ler um livro e mostrou-lhe a carta.

"Mas o que foi? Porque é que estás tão excitada?" perguntou ele, agarrando na carta. "E não bates à porta antes de entrares?"

"Ora, lembras-te da última vez que bati à porta do teu quarto? Está tão velha que quase caiu, portanto agora não bati à porta. Esquece isto. O importante é esta carta!"

"Ok e porque é que essa carta é tão importante, Rafaela?"

"É uma convocatória para a leitura do testamento do Romeu!" exclamou ela. "Estão a convocar-me a mim e sabes o que isso quer dizer?"

"Hum, não exactamente..."

"Ora, quer dizer que ele me deixou alguma coisa, senão não era convocada, não achas? Ai, ainda posso vir a ser rica. A esperança renasceu!"

Diogo sorriu de seguida, também ele agora esperançoso.

"Isto quer dizer que vais ter de ficar frente a frente com os familiares dele." disse Diogo. "Que devem desconhecer por completo a tua existência e o teu envolvimento com o velhote de um raio."

Rafaela abanou a cabeça.

"Não quero saber. Que se lixem eles todos. Eu quero é saber o que é que o Romeu me deixou. Espero que tenha sido algum dinheiro! Ou pelo menos, que me tenha deixado o apartamento que eu queria."

Ganância

Três dias depois, Rafaela estava a dirigir-se para o escritório do advogado que estava a tratar do testamento de Romeu Lamares. Diogo tinha insistido em ir com ela, apesar de provavelmente não poder estar presente quando o testamento fosse lido.

"Espero que o velho me tenha deixado imenso dinheiro." disse Rafaela. "Ou imensas jóias ou terrenos. Sei lá, coisas com imenso valor."

"No outro dia dizias só algum dinheiro e o apartamento, agora já queres jóias e terrenos…"

"Claro, com o passar dos dias, a minha ambição foi subindo. Quero tudo e mais alguma coisa."

"A tua ganância é que foi subindo, Rafaela, mas para falar verdade, também quero que ele te tenha deixado o máximo possível, para que a partir de agora tenhamos uma vida desafogada." disse Diogo. "Se bem que acho estranho que ele te tenha deixado alguma coisa sem dizer nada. Claro que andavas com ele há uns meses, mas o velho era bastante ocupado e até conseguiste escapar a intimidades com ele..."

"Ok, é estranho ele ter-me deixado algo em testamento, quando em vida nem sequer me deu o apartamento que eu queria, mas posso afinal ter mais sorte do que pensava." disse Rafaela, sorrindo. "Não me podem só acontecer coisas más e surgirem dívidas para pagar. Alguma vez tinha de ganhar alguma coisa."

Quando chegaram ao escritório, uma recepcionista recebeu-os e indicou que os restantes beneficiários do testamento já tinham chegado e estavam com o advogado, Lourenço Laurentino, na sala de reuniões.

"Pode vir comigo. Quanto a si, peço que aguarde aqui, uma vez que não é beneficiário do testamento." disse a secretária, olhando para Diogo.

Ele encolheu os ombros e sentou-se numa cadeira, pronto a aguardar, enquanto a secretária levava Rafaela até à sala de reuniões. Bateu à porta e a voz do advogado mandou entrar. O advogado Lourenço Laurentino era baixo, encorpado e com espesso cabelo castanho. Indicou uma cadeira a Rafaela, para ela se sentar e ela assim fez. Os olhares das outras pessoas presentes na sala caíram sobre ela.

"Mas quem é esta?" perguntou uma mulher, a mais velha presente na sala.

Apesar de não ter conhecido pessoalmente nenhuma das pessoas presentes na sala, Rafaela reconheceu alguns de fotografias e de ter ouvido falar. Percebeu obviamente quem era o advogado. A mulher que falara, uma mulher baixa, de cabelo castanho e já por volta dos sessenta anos, era sem qualquer dúvida Juliana Lamares, a esposa de Romeu.

Ao lado dela estava sentada uma jovem que teria cerca de trinta anos e cabelo castanho comprido. Era Amélia, a filha de Romeu. Ao lado dela sentava-se um homem que seria um pouco mais velho que ela e tinha cabelo loiro. Era Rodrigo Gouveia, o marido de Amélia.

A última pessoa presente na sala, um rapaz de tamanho médio, com cabelo castanho e olhos escuros, era desconhecido para Rafaela, nem se lembrava de o ver nas fotografias que tinham saído nos jornais, já que Romeu era um empresário de sucesso e por vezes saiam noticias sobre ele e a família.

"Eu chamo-me Rafaela Oliveira." respondeu Rafaela, olhando para a viúva Juliana.

"Mas o que está aqui a fazer? Não a conhecemos de lado nenhum. O meu pai não pode ter-lhe deixado nada." disse Amélia, aborrecida.

"Sobre o que ele me deixou, também estou curiosa." disse Rafaela, olhando de seguida para o advogado. "Então, o que é que diz o testamento?"

O advogado ajeitou os óculos, pegando no testamento.

"Irei resumir o conteúdo da melhor forma possível, para que possam entender com facilidade." disse ele. "Portanto, o senhor Romeu Lamares, agora falecido, deixou cinquenta por cento de todos os seus bens, em acções, terrenos, moradias e dinheiro à sua esposa, Juliana Lamares."

Juliana acenou afirmativamente, enquanto Rafaela não parecia muito satisfeita.

"Claro que o raio da velha tinha de ficar com a maior parte dos bens." pensou Rafaela. "Eu já sabia que devia ser assim, mas agora que a conheço pessoalmente, ainda me parece mais antipática e seca do que nas fotografias que vi ou no que o Romeu me falou."

O advogado continuou a falar sobre o testamento.

"Deixou o seu ferrari, bem como cem mil euros ao seu sobrinho Gonçalo Lamares, filho do seu falecido irmão."

O rapaz de cabelo castanho acenou afirmativamente e Rafaela lembrou-se que Romeu tinha falado dele vagamente. Tinha dito que era filho do seu irmão e que tinha ido viver com a família do tio há uns anos, depois da morte dos pais.

"O senhor Romeu Lamares deixa trinta por cento de todos os seus bens à sua filha, Amélia Lamares Gouveia e a presidência da empresa Lamares Lda ao seu genro, Rodrigo Gouveia."

Juliana acenou afirmativamente e Rodrigo ficou visivelmente satisfeito por assumir a presidência da empresa, que tanto desejara.

"Por fim, o falecido deixa vinte por cento dos bens totais a Rafaela Oliveira."

Rafaela não conseguiu evitar sorrir. Vinte por cento, considerando o grande património que a família Lamares tinha, era bastante. Mas de imediato, Juliana e Amélia encararam Rafaela, furiosas.

"Mas o que vem a ser isto? Como é que o meu marido lhe deixou vinte por cento dos bens? Não faz sentido nenhum." disse Juliana.

"Exactamente. Quem é você, afinal?" perguntou Amélia.

Rafaela revirou os olhos e levantou-se, sem deixar de sorrir. Olhou para todos, um por um. O advogado estava impassível, Gonçalo estava intrigado, Rodrigo não parecia surpreendido, Juliana e Amélia estavam a ficar cada vez mais zangadas.

"Acho que não é preciso fazer um desenho para perceberem, pois não? Eu fui amante do Romeu Lamares. Foi por isso que ele me deixou bens no testamento."

Juliana pareceu bastante chocada, como se a ideia nunca lhe tivesse passado pela cabeça e começou a ofegar, com a mão no peito. Amélia e Gonçalo rodearam-na rapidamente.

"Mãe, está bem?" perguntou Amélia, preocupada.

"Respire fundo." disse Gonçalo. "Tenha calma, tia."

Juliana acabou por se acalmar um pouco. Lourenço estendeu-lhe um copo com água e Juliana bebeu-a rapidamente.

"Veja lá se não bate as botas também. É que hoje em dia os funerais estão muito caros e é um incómodo imenso. Não gosto de funerais." disse Rafaela. "Foi por isso que não fui ao funeral do Romeu."

"Não fale mais do meu marido, sua lambisgóia!" exclamou Juliana, furiosa.

"Como queira." disse Rafaela, levantando-se. "Já soube o que queria saber sobre o que me calhava no testamento. Portanto, só preciso de saber quando é que vou ter acesso aos bens que agora me pertencem."

"Poderá demorar uns dias e..." começou o advogado por dizer.

"Nós não vamos deixar que você fique com nada que tenha pertencido ao meu pai e que pertence à família por direito." disse Amélia, encarando Rafaela. "Vamos interpor uma acção em tribunal, para revogarmos a sua parte no testamento."

Rafaela cerrou os punhos, furiosa.

"Não pode fazer isso. Os bens agora são meus!" exclamou Rafaela.

"Lamento, mas a verdade é que a família pode interpor essa acção, que será analisada, mas levará algum tempo." disse o advogado Lourenço. "Até lá, não pode mexer nos bens do falecido."

Rafaela ficou ainda mais furiosa. Amélia lançou-lhe um olhar frio, tal como Juliana. Gonçalo não sabia bem o que pensar e Rodrigo queria apenas saber do facto de ter sido promovido a presidente da empresa graças ao testamento.

"Não posso mexer, nem ter acesso a nada?" perguntou Rafaela, olhando para o advogado.

"Bom, na verdade, não pode mexer nos bens monetários, nem vender nada, mas pode usufruir de coisas em que não tenha de realmente mexer, como a mansão onde a família vive." respondeu o advogado.

"Não devia estar a dizer-lhe isso!" exclamou Amélia, olhando para o advogado.

"A minha profissão exige que responda com a verdade às perguntas que me fazem em termos de âmbitos legais." disse o advogado, com uma expressão séria.

"Então quer dizer que, apesar de eu não pode mexer no dinheiro para já, posso usufruir da mansão, pois já é um bem adquirido. Tenho direito a utilizar vinte por cento da mesma. É isso?" perguntou Rafaela.

O advogado acenou afirmativamente.

"Muito bem. Então, vou andando. Obrigado pela resposta, senhor advogado. Quanto aos outros, preparem-se, pois vão ter uma nova hóspede na mansão."

Rafaela saiu da sala de reuniões, sorrindo maliciosamente. Juliana estava perplexa e virou-se para o advogado.

"Temos de impedir aquela mulher de vir viver para a mansão!" exclamou ela.

"Lamento, mas quanto a isso, não há nada a fazer." disse o advogado. "O que podem fazer agora será interpor a acção judicial, se assim o quiserem."

A família deu de imediato seguimento ao pedido da acção judicial. Enquanto isso, Rafaela estava já para sair do escritório. Diogo viu-a e levantou-se, aproximando-se dela.

"Então, o que é que o velho te deixou?" perguntou ele.

"Deixou-me vinte por cento de todos os seus bens, o que seria óptimo, se eu pudesse mexer neles, mas aparentemente não posso. Pelo menos, não para já."

"Não estou a perceber."

"Vamos andando. Eu explico-te a caminho do apartamento."

Rafaela explicou a Diogo a situação. Ele não ficou satisfeito também. Quando chegaram ao apartamento, Rafaela indicou que ia já começar a fazer as malas.

"Vou mudar-me o mais rápido possível." disse ela. "Quero usufruir dos luxos que a mansão tem para dar. Finalmente, vou viver num lugar ao meu nível. A mansão deve ser linda, enorme, com um jardim esbelto, uma piscina e o meu quarto será muito confortável, com toda a certeza."

"Mas vai ser complicado, com os familiares a viverem lá também."

"Não estou preocupada. Eu chego bem para eles todos e não podem fazer nada para me tirar de lá." disse Rafaela.

"Eu tenho de ir trabalhar, mas depois faço também a minha mala."

"Para quê?"

"Ora, para ir contigo. Se tu tens vinte por cento da mansão, de certeza que isso abrange pelo menos dois quartos. Não vou ficar aqui, neste apartamento decrépito."

"Pois eu estava a pensar em mudar-me sozinha."

Diogo ficou subitamente sério.

"O quê? Nós estamos juntos nisto. Não podes deixar-me aqui e ires para o bem bom. Nem penses, ouviste?"

"Ora, fui eu que tive de seduzir o raio do velho. Tu não fizeste nada."

"Estive a trabalhar para ganhar dinheiro e nos sustentar! Senão, não terias tempo, nem dinheiro para comprares esses cremes todos e não o terias conquistado." disse Diogo.

Os dois ficaram a encarar-se.

"Rafaela, ouve, eu sei muita coisa sobre ti e se tu me deixas para trás, vais ver do que eu sou capaz."

"Estás a ameaçar-me, Diogo?"

Continua…

E assim, terminou o primeiro capítulo da história. Irão o Diogo e a Rafaela zangar-se de vez e ficarem um contra o outro? E a família Lamares, como irá lidar com a presença de Rafaela na mansão? Na próxima parte irá haver as respostas a estas perguntas. Até lá.