Preciosa

Sasuke ouviu o suspiro de alívio dos seus subordinados quando ele diminuiu o passo. Ele não tinha mais tanta pressa assim: avistava os portões de Konoha mesmo através da escuridão da noite. O ritmo que ele ditou durante a viagem de volta para a vila fora frenético, rápido demais para os seus companheiros de equipe – mas não para ele. O condicionamento físico de Sasuke era infinitamente melhor do que o dos outros e, além disso, ele tinha um objetivo. Tinha que chegar em casa rápido.

"Entregaremos o relatório amanhã pela manhã. Estão dispensados." Foi assim que ele se despediu da sua equipe depois de passarem quase um mês convivendo juntos e de compartilharem experiências de vida ou morte. Ele não esperou por uma resposta.

Ele sentiu um peso invisível sumir dos seus ombros quando enfiou a chave da fechadura da porta da frente da sua casa. Ele perdeu as contas de quantas vezes os seus dedos se enfiaram no bolso da sua calça e acariciaram aquela chave durante a missão.

O canto da boca dele se ergueu em satisfação ao se deparar com a cena. A sua esposa e filha dormiam no sofá da sala, de frente para a televisão, as costas de Sarada aconchegada contra a frente de Sakura.

Ele fechou e trancou a porta o mais silenciosamente que pôde, mas a sua esposa era uma kunoichi – a melhor de Konoha, ele se lembrou – e despertou imediatamente.

Sonolenta, ela sorriu para ele, coçando os olhos para afastar o sono. "Seja bem-vindo de volta, Sasuke-kun," ela sussurrou, baixinho, para não acordar Sarada.

Ele retribuiu as palavras de Sakura com um beijo na testa dela. "Eu vou levar Sarada para o quarto."

Ele pegou a sua filha no colo com delicadeza e caminhou com ela até o pequeno quarto da garota. Sakura o acompanhou, levando os óculos vermelhos da menina. Sasuke esperou enquanto ela depositava o objeto no criado e arrumava os cobertores da cama para que Sasuke deitasse a filha deles.

Ele se ajoelhou ao lado dela e acariciou o cabelo da menina adormecida. Ele nunca sabia descrever a saudade que sentia dela toda vez que partia em missão. Por um momento ele desejou que ela estivesse acordada para que ele pelo menos pudesse tentar se expressar, mesmo sabendo que não conseguiria. Uchiha Sasuke nunca fora bom com palavras, mas tentava ser – pela sua filha.

Ele jamais imaginou que pudesse criar algo tão belo quanto a sua filha.

Ele não soube dizer por quanto tempo ficou observando o rosto dela. Há quase um mês ele ansiava por aquele momento. Ele enfim suspirou, beijou a testa da menina do mesmo jeito que fez com a sua esposa e foi se encontrar com ela no quarto deles.

Ela o esperava de pé ao lado da cama. Assim que o viu, sorriu um sorriso que também assombrou Sasuke durante toda a sua missão e o abraçou com força, enterrando os dedos no cabelo sujo dele. Ela não se importava.

"Por que demorou tanto?" ela quis saber. Sasuke a trouxe para mais perto, deslizando o nariz pelo pescoço dela. "Você deveria ter voltado uma semana atrás. Ficamos muito preocupadas com você, Sasuke-kun."

"Tivemos algumas intercorrências," foi o que ele respondeu. Ele sabia que devia uma justificativa melhor para a sua esposa, mas não queria falar delas agora. Tudo o que queria era saboreá-la de novo após tanto tempo.

Ela se afastou para encará-lo nos olhos, passando uma mão pela maçã do rosto dele. "Está tudo bem? Alguém se feriu gravemente?"

"Não. Está tudo bem."

"Você está bem? Tem algum ferimento que quer que eu trate?"

"Isso pode esperar," ele resmungou enquanto levantava a blusa dela.

"Sasuke-kun!" ela o repreendeu com um sorriso e um tapa nas mãos bobas. "Nós não podemos fazer isso enquanto você estiver machucado. E você precisa descansar. Parece que a sua missão foi mais exaustiva do que o esperado."

"Está duvidando das minhas capacidades?" ele perguntou com um meio sorriso.

Ela rodeou o pescoço dele com os braços, o trouxe para mais perto de si e deu um beijo longo e úmido no seu marido – que, mais uma vez, tentou tirar a blusa dela. "Você sabe que eu não tenho a menor das dúvidas quanto a sua capacidade. Mas você está cansado e machucado – e sujo, diga-se de passagem. Eu me sentiria melhor se você tomasse um banho, comesse alguma coisa e descansasse antes de retomarmos as nossas atividades."

Sasuke rolou os olhos. "Você é irritante demais, Sakura."

"Foi por isso que casou comigo." Ela deu leves batidas no peito dele. "Agora, vá tomar um banho enquanto eu preparo alguma coisa para você comer."

Ele quis parecer contrariado, mas ambos sabiam que um banho e comida quentes eram duas das coisas que ele também sentia falta quando passava muito tempo fora de casa.

"Como está Sarada?" ele quis saber quando reencontrou a sua esposa na cozinha.

Sakura interrompeu o ato de colocar a comida na mesa por um ínfimo segundo que não passou desapercebido por Sasuke. "Ela está bem, Sasuke-kun. Como sempre."

Ele se sentou na cadeira. "Como foi a prova dela sobre armas?"

Sakura o olhou com espanto por um breve instante. "Ela foi ótima, como era de se esperar. A nossa filha é muito estudiosa, Sasuke-kun. Ela não se contenta com nada menos do que a nota máxima. Fico feliz que tenha se lembrado."

"Eu me lembro de tudo o que a minha filha me diz. O que há de errado?"

Ela hesitou, ganhando tempo ao se sentar na cadeira de frente para ele para observá-lo comer. "Nada, Sasuke-kun. Está tudo bem –"

"Sakura." Ele a interrompeu. Conhecia-a bem demais para saber quando algo estava fora dos conformes e quando ela mentia. "Aconteceu alguma coisa com Sarada? Se for aquele moleque do Boruto eu juro que atiro ele de cima dos monumentos dos Hokages."

Sakura suprimiu um riso. Ela sabia exatamente de onde vinha esse desgosto de Sasuke pelo filho de Naruto. Ciúmes. "Não, querido. Boruto-kun não fez nada de errado. Ele é uma boa criança. Escandaloso como Naruto, sim, mas tem um coração tão grande quanto o do pai. Você poderia enxergar isso se não estivesse tão preocupado em cegar o pobre garoto toda hora que ele olha para Sarada-chan."

"Eu nunca vou gostar dele. E não mude de assunto. O que aconteceu?"

Ela suspirou. "Não é nada demais, Sasuke-kun. É só que... Sarada-chan tem sentido muito a sua falta."

Foi a vez de Sasuke respirar fundo antes de dar a primeira mordida na – deliciosa – refeição. "Eu também sinto falta dela. Eu não queria sair em tantas missões assim."

"Eu sei que não, mas ela não parece compreender isso muito bem. Eu acho que você deveria conversar com ela sobre isso."

"Eu vou."

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Sentado na mesa da cozinha, Sasuke esperava a sua filha e esposa descerem para o café-da-manhã que ele preparou. Sarada gostava da sua comida, para a irritação mãe dela.

O sorriso veio fácil no rosto eternamente sério dele ao ver as duas mulheres da sua vida entrando na cozinha.

"Bom dia, Sasuke-kun," Sakura o cumprimentou com um sorriso diferente do dele, apertado. "Obrigada por fazer o café."

Ele assentiu em reconhecimento e se virou para Sarada. "Oi, filha."

"Oi," ela resmungou e, de cara fechada, se jogou na cadeira ao lado da dele.

Sasuke sentiu uma pedra de gelo cair no seu estômago. "Você não vai me dar um abraço?"

Ela hesitou antes de descer na cadeira e ir para os braços dele. Ele a abraçou com força, colocando-a no seu colo, e beijou os cabelos dela. Ela, entretanto, não deu o usual beijo na bochecha que ele tanto gostava.

"Está tudo bem?" ele perguntou, e ela confirmou com a cabeça, fria. "Por que você está assim?"

"Nada," ela grunhiu, cruzando os braços e fazendo um beicinho.

Ele olhou de relance para Sakura. Ela parecia tão desapontada quanto ele.

"Você está com raiva de mim?" ele quis saber.

Os lábios dela tremeram em um clássico sinal de que estava prestes a chorar. "Não." Sarada desceu do colo do pai sem dar mais explicações e voltou para a sua cadeira.

Um silêncio tenso pairou sobre o trio. Sarada remexia na sua comida sem na verdade comer muito. O olhar triste dela era mais doloroso do que qualquer outro golpe que Sasuke já recebera na vida, e ele tinha certeza de que era ele a razão.

"Eu soube que você tirou nota máxima na prova," ele disse. "Estou muito orgulhoso de você."

Ela deu de ombros.

Sasuke começava a ficar irritado – não com ela, nunca com ela – mas consigo mesmo. Ele tinha que consertar aquilo, custe o que custasse.

"Você quer treinar arremesso de shurikens comigo quando chegar da escola?"

"Não."

Ela realmente estava brava com ele. Ela adorava praticar o que quer que fosse com Sasuke. Muitas vezes ela o importunava quando ele estava ocupado só para que ele a ajudasse – e ele tinha enormes dificuldades em recusá-la.

"Sarada, o que está acontecendo?" ele finalmente perguntou.

"Nada," ela murmurou, olhando para o prato de comida praticamente intocado.

"Você sabe que eu não gosto que minta para mim. Me diga o que aconteceu."

"Eu não estou mentindo!" Ela ergueu os olhos para encará-lo com raiva.

"Está sim. Eu sei quando mente. Me diga agora qual é o seu problema."

"Eu não tenho nenhum problema! É você que é o problema!" ela gritou, chorando.

Sasuke sentiu uma kunai atravessar o seu peito. Ela nunca falara com ele naquele tom, nunca o criticara, nunca reclamara dele, e agora ele era um problema?

Sakura pegou na pequena mão dela. "Filha, você não deve falar assim do seu pai –"

"Por que eu sou um problema, Sarada?" ele questionou com os dentes cerrados.

"Porque você é! Você nunca está em casa! Eu e a mamãe estamos sempre sozinhas por sua causa! Você nem estava aqui para me ajudar a estudar para a minha prova! Por que você sempre vai embora?" Grossas lágrimas escorriam pelas bochechas agora vermelhas dela.

"Eu sou um shinobi e esse é o meu trabalho, Sarada! Você sabe disso!" ele também gritou. "Você acha que eu gosto de passar tanto tempo fora de casa?"

"Eu acho que você gosta! Você prefere ficar viajando e – e trabalhando e brigando com os homens maus ao invés de ficar aqui comigo e com a mamãe! Você não gosta da gente! Se você gostasse você ia querer ficar aqui, mas você nunca está aqui! Eu odeio você!" ela gritou a plenos pulmões antes de correr para fora da cozinha.

Sasuke ficou paralisado em horror.

"Sarada, volte já aqui! Peça desculpas para o seu pai agora!" Sakura a chamou, mas a menina a ignorou. O corpo de Sasuke tremeu quando Sarada bateu a porta da frente com um estrondo.

Sasuke nunca achou que alguém podia feri-lo tão profundamente com palavras, especialmente vindas de uma criança. Eu odeio você. Aquela frase se repetia em sua cabeça, deixando em um estado de torpor. A minha própria filha me odeia. Ela poderia ter enfiado um chidori no meio dos seus olhos que ele se sentiria menos machucado do que naquele momento.

"Sasuke-kun." Ele sentiu a mão de Sakura no seu rosto. "Ela não quis dizer aquilo. Só estava com raiva. Você sabe que ela te ama."

Sasuke não conseguiu dizer nada. A sua garganta estava apertada e a sua mandíbula tensa em uma tentativa de conter a umidade nos seus olhos.

Sem dizer nada, ele se desvencilhou da mão de Sakura e também saiu de casa. Precisava pensar.

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Sasuke esperou pacientemente pelo término das aulas de Sarada na porta da academia. Ele observava os alunos saírem. Sarada apareceu logo depois, sozinha. Sasuke sabia que ela tinha dificuldades em fazer amigos. Ela não era tão extrovertida quanto a sua mãe, nem tão introvertida quanto o pai, mas era tímida.

O coração já partido dele se desfez em mais pedaços ao vê-la cabisbaixa, abraçada aos livros como se eles fossem um escudo. Ela não precisaria deles nem de mais nada para protege-la enquanto ele estivesse por perto.

Quando ela levantou o rosto e o avistou, Sasuke percebeu que os olhos dela estavam vermelhos e inchados – e a razão era ele.

"Posso conversar com você?" ele perguntou quando ela se aproximou.

Ela assentiu olhando para os pés.

Ele pegou os livros dos braços dela para caminhar por Konoha de mãos dadas. Em silêncio, ele a levou até um banco de um dos pequenos parques da vila. Estava relativamente vazio, e era um lugar que Sarada gostava.

"Eu entendo por que você está magoada comigo," ele começou a dizer. Ela ainda se recusava a olhá-lo, mantendo a cabeça baixa e as mãos brincando com a barra da saia – um dos hábitos que aprendeu com Sakura. "Eu sei que é difícil para vocês quando eu fico fora por muito tempo, mas também não é fácil para mim."

Ele esperou que ela dissesse alguma coisa. Quando ela não o fez, ele continuou.

"Eu não sei se você sabe disso, mas quando eu era mais novo eu passei vários anos longe de Konoha, e por muito pouco eu quase não voltei para cá."

"Por quê?" ela murmurou com a voz chorosa.

"Porque eu era estúpido e achava que não gostava daqui. Eu estava errado. Eu percebi que tudo de mais importante para mim estava aqui, e resolvi voltar. Eu me casei com a sua mãe e tivemos você."

"Você deu uma sementinha para ela comer e eu apareci, não foi?"

Sasuke pigarreou. "Exatamente. O que eu queria dizer, filha, é que depois que você nasceu, tudo de mais importante para mim ficou ainda mais importante. Você e a sua mãe são tudo para mim. Eu perdi toda a minha família uma vez. Por muito, muito tempo eu fui muito triste, mas agora que eu tenho vocês eu pude ser feliz de novo."

"Então por que você não fica com a gente?" ela perguntou, baixinho.

"Porque eu tenho que proteger vocês. É por isso que eu viajo tanto. Eu não consigo ficar tranquilo sabendo que existem homens maus lá fora que podem fazer algum mal para você e a sua mãe."

"Mas e se os homens maus fizerem alguma coisa com você? Quem vai te proteger?"

"Eu dou o meu jeito. Você não precisa se preocupar com isso."

Os olhos dela se encheram de lágrimas e ela voltou a fitar as próprias pernas. "O pai do meu colega também viajou e não voltou mais. Mamãe disse que ele tinha ido para o céu e que foi culpa dos homens malvados." Os lábios dela tremeram e o rosto dela se contorceu em tristeza. "Eu não quero que os homens malvados machuquem você, papai. Eu não quero que você nunca mais volte."

"Sarada, olhe para mim." Ele pegou o queixo dela para que ela o encarasse. Ele tirou os óculos dela para passar os polegares sob aqueles olhos idênticos aos seus, enxugando a umidade. "Ninguém vai me machucar. Eu sempre vou voltar para casa. Eu nunca vou deixar vocês duas sozinhas."

"Você promete?"

"Prometo."

Ela se levantou para passar os braços ao redor do pescoço de Sasuke. Quanto mais ela tremia e soluçava, mais forte ela o abraçava. Ele teve que se controlar para não deixar as suas próprias lágrimas caírem.

"Eu sinto muita saudade de você, papai. Eu queria que você ficasse em casa comigo," ela lamuriou com o rosto na pele dele.

"Eu vou tentar não viajar tanto mais, está bem?" ele sugeriu. Faria isso tanto por ele quanto por ela. "A gente pode construir a sua casa na árvore."

"Mas você falou que só ia dar para construir depois do meu aniversário..."

"A gente faz mais cedo."

Ela se desprendeu dele para encará-lo com os olhos molhados. "Eu sei que você não gosta que eu conte mentiras, mas eu menti, papai. Eu não odeio você. Eu te amo muito, muito, muito mesmo!"

Aquilo era música para os ouvidos dele. Se ele perdesse toda a memória do dia para noite e pudesse escolher uma só para se lembrar durante toda a eternidade, ele escolheria aquela.

"Eu também te amo."

Ele não dizia isso com frequência, mas nenhuma palavra mais verdadeira saiu da sua boca em toda a sua vida.

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A.N.: Bem, obviamente eu não resisti a tentação e escrevi esse one porque eu simplesmente estava louca por uma interação entre Sasuke e Sarada. Espero que tenham gostado!