- ... bem? – a voz o pegou desprevenido, fazendo-o erguer o rosto de súbito e procurar de onde havia vindo. A sua frente, Hermione Granger o olhava com certa apreensão, as sobrancelhas franzidas e os olhos queimando em sua face, o que o fez torcer o nariz em desgosto, desviando o olhar rapidamente e voltando a encarar o... Não havia mais professor. Na verdade, percebeu atônito, ao virar a cabeça para todos os lados, que não havia ninguém na sala além dos dois. Draco deixou sua boca entreabrir um tanto com aquela constatação, o que fez com que a menina ao seu lado soltasse uma risadinha mal abafada com a mão que não segurava uma pilha de livros – Malfoy, você não parece estar nada bem.

O rapaz soltou um xingamento qualquer enquanto começava a colocar suas coisas dentro da mochila preta, se embaralhando com os pergaminhos e quase deixando um tinteiro cair no chão, sendo aparado por um gesto hábil da morena, que o colocou de volta na mesa sem esperar por um agradecimento, e ele realmente não veio. Sua expressão se suavizou um pouco, embora ainda apresentasse um irritante sorriso de canto. Assim que deixou o objeto sobre o granito, voltou a observar o sonserino, que tentava a todo custo colocar diversos livros, pergaminhos e alguns ingredientes dentro de uma mochila que claramente não comportaria tanta coisa sem um feitiço de extensão. Ela abriu a boca para falar algo, mas foi cortada antes que pudesse começar. Não era só porque ele estava levemente distraído nas últimas semanas que deixaria que ela fizesse qualquer tipo de comentário fastidioso – Não ouse, Granger, não ouse.

Ela bufou, empinando o nariz arredondado e arregalando os olhos com total descrença para o menino que, mais por persistência do que por habilidade, tinha conseguido fechar sua mochila e agora estava colocando-a no ombro, sentido seu maxilar doer onde antes apoiava a mão fechada. Não sabia por quanto tempo tinha simplesmente desligado durante a aula, e não queria saber, muito menos pela sangue-ruim. Colocou-se de pé em um pulo, começando a andar para fora das masmorras. Por um único momento de felicidade pensou que ela não o seguiria, mas estava terrivelmente errado. Escutou os passos apressados e pequenos de Hermione ao seu lado, parecendo um elfo doméstico qualquer querendo saber qual era a próxima ordem. Merlin, aquela menina era insuportável.

Ele continuou a andar pelos corredores escuros e vazios, afinal todas as aulas tinham acabado e as pessoas já deveriam estar rumando para os lugares que realmente queriam estar: biblioteca, salão comunal, para as margens do lago, para onde quer que fosse que as pessoas desaparecessem após as aulas, e ele só queria sair de perto dela, mas não era nem um pouco do feitio de Hermione Granger fazer algo que o agradasse. Pelo menos ela estava em silêncio... – Sabe, Malfoy – fora cedo demais para cantar sua felicidade parcial, e ele suspirou, revirando os olhos e simplesmente fingindo que ela não estava ali – eu estava pensando em você ultimamente, não de qualquer forma inoportuna, se é que me entende, eu só estava pensando mesmo, e percebi, você sabe que eu percebo muito as coisas, bom, percebi que está muito desatento e isso é estranho vindo de você, já que sempre foi um aluno tão bom, tão dedicado, e por isso eu resolvi te perguntar se...

Quanto mais a grifinória falava, menos ele escutava, ficando pouco a pouco surdo a toda e qualquer palavra que ela pudesse deixar escapar de seus lábios pequenos e aparentemente incansáveis. Quanto tempo uma pessoa podia falar sem que sua língua caísse? Existia um feitiço para fazê-la cair de fato, e calar a boca daquela criatura? O loiro concentrou-se naquela possibilidade encantadora de fazer a língua da sangue-ruim cair e passou a usar aquilo como incentivo para prestar ainda menos atenção no que ela dizia, embora vez ou outra uma palavra como "NIEMs", "poções" e "professores" chegasse aos seus ouvidos e ele não fizesse a menor questão de entender o contexto. Só queria chegar à biblioteca rápido, para parar de aturá-la e, portanto, continuou andando por todos os corredores possíveis, pegando atalhos, subindo escadas e descendo-as outra vez, sempre com a irritante presença de Hermione ao seu encalço, tagarelando e tagarelando. Ele nem sabia que existiam tantas palavras no mundo para que ela pudesse falar por tanto tempo. Língua, língua... Existia sim algum feitiço que tirava a língua da pessoa e...

- Malfoy! – ela gritou de repente, fazendo-o dar um salto com o susto e levar a mão ao peito. Os olhos azuis do menino a olharam como se perguntando o que diabos ela estava pensando ao gritá-lo daquela forma, e ele sentia seu coração bater acelerado, tentando acalmá-lo pouco a pouco e retornar sua respiração ao normal. A única coisa maravilhosa de ter sido assustado daquela forma era que a menina, finalmente, tinha calado a boca – Malfoy, para onde você está indo?

O sonserino revirou os olhos e franziu os lábios, pronto para lhe responder, e começou lentamente, como se explicasse para uma criança burra – Ora, obviamente estou indo para a bibli... – o menino deu a volta ao redor do próprio corpo, observando o corredor onde estavam, e deixou os ombros eretos caírem pouco a pouco. Ele não fazia a menor ideia do lugar aonde tinha ido parar, sem reconhecer àquelas portas e janelas, o que o fez morder o lábio inferior com força e cerrar os olhos, frustrado. Ficara tão focado em tentar saber qual feitiço que poderia retirar a língua de Hermione que se distraíra do caminho habitual para a biblioteca e fora parar em um corredor completamente desconhecido, povoado apenas por algumas armaduras enferrujadas e quadros sem habitantes. Nem mesmo as pinturas gostavam de estar ali, pelo visto. Ele praguejou qualquer coisa inteligível e tentou fazer o caminho de volta, dando um encontrão proposital no ombro da menina enquanto se virava. Ela lhe xingou de algo, mas, persistente, continuou a segui-lo com sua conversa, como se nunca tivesse parado de falar.

- Então, é por esse tipo de coisa que penso que deve estar muito ocupado, e provavelmente não está dormindo bem, pelo tamanho de suas olheiras e como seu cabelo está um pouco... – prosseguia ela, irritando-o cada vez mais, seu rosto pálido tomando pouco a pouco um tom avermelhado. Era como se ela pudesse falar por dias, sem freio, como é que não se cansava daquilo? Draco olhava para os corredores a procura de algum que lhe fosse familiar, mas era inútil: estava fora da área que costumava frequentar, e não sabia como retornar para os corredores principais, ainda mais sendo distraído pela voz aguda e constante de Hermione às suas costas.

Quando ela completou o décimo quinto minuto falando, o rosto do Malfoy já estava tão vermelho quanto a gravata que ela usava, e ele não mais aguentou aquilo. Virou-se para ela de repente, fazendo com que a menina trombasse em seu tronco e deixasse todos os livros que tinha na mão caírem, e nem assim parou de falar, reclamando incessantemente de como ele fora rude ou algo do tipo, encarando-o com aqueles pequenos e irritantes olhos castanhos. O menino, então, tomou o rosto dela com ambas as mãos grandes e albinas, puxando-o para si até que seus lábios se encontrassem.

Isso. Silêncio. O mais delicado e imaculado silêncio que poderia querer. Ele chegou a suspirar, aliviado por conseguir escutar seus próprios pensamentos, alheio aos olhos arregalados da garota ou a seu coração que simplesmente resolveu ribombar tão alto que parecia ecoar por suas orelhas vermelhas de vergonha, e só a soltou quando, finalmente, conseguiu se concentrar outra vez - Por Merlin, Granger, cale a boca.

E, dizendo apenas isso, virou-se de costas e continuou seu caminho para dentro dos corredores, procurando uma saída para aquele labirinto como se nada tivesse acontecido, deixando-a estática, com os lábios entreabertos e todos os livros de poções caídos aos seus pés no meio do corredor. De sua boca, não saía nenhum ruído. Definitivamente, Draco Malfoy não estava nada bem.