Epitaph

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Remus não sabia o que pensar quando ouviu o grito de Harry chamando por Sirius. Na verdade, a situação toda parecia gritar que não era permitido pensar em coisa alguma e, sendo assim, ele se rendeu ao instinto básico de não deixar o garoto se aproximar do perigo.

Harry, seguro por uma força que em outra ocasião poderia tê-lo sufocado, também não podia, e certamente não quereria, pensar, e tampouco podia ver os olhos de Remus vidrados no véu que ainda tremia, como se uma corrente de ar tivesse passado por ali. Se não estivesse no lugar em que se encontrava agora, talvez tivesse podido ver que nos olhos de Remus e em cada ruga prematura ao redor deles estavam os anos que se passaram. Não saberia Harry, talvez, que esses anos mencionados não se tratavam apenas de uma medida de tempo, e que para Remus o próprio tempo tinha se dobrado e se formado sobre os momentos em que ele e Sirius estiveram juntos.

Sirius, por sinal, não deixara pra trás um corpo que pudesse ser enterrado ou cremado. Remus, com os olhos secos como sempre estiveram, tratou de encontrar objetos que pudessem ser enterrados sob a lápide com o nome do amigo quando finalmente pôde pensar nisso. Ao lado do túmulo dos Potter, a centenas de quilômetros do mausoléu dos Black, alguns passantes mais atentos viram um homem sozinho cavar a terra do cemitério com as mãos. Talvez houvesse um senso comum que os impedisse de interromper um bruxo que cavasse com as mãos em um cemitério, e por isso desviaram o olhar e julgaram tratar de uma ilusão de ótica causada pela névoa.

Remus não podia imaginar que apenas alguns anos depois o afilhado de Sirius também abriria uma cova da mesma forma, e no seu gesto não tinha nenhum simbolismo ou referência a um regime milenar de escravidão. Ele apenas tinha entrado mais uma vez naquele estado automático em que o pensar não existia, e para tanto a magia também não podia existir naquele momento. Esquecia-se da varinha e do poder como às vezes os trouxas se esquecem da vida ao se dar conta da morte.

Na pequena cova aberta com a força de um desespero sem lágrimas, Remus depositou o mais respeitosamente que pôde com as mãos sujas de terra o bauzinho com os pertences de Sirius. Deixava lá dentro, à disposição do tempo e dos vermes, uma foto tirada quando tinham dezesseis anos e eram as pessoas mais felizes do mundo que tinham criado pra si, uma foto recente de Harry, a gravata de Gryffindor que Sirius nunca atava direito e uma carta escrita há muito tempo e nunca entregue. Com o menor sorriso que um dia já dera na vida, Remus notou que enterrava as coisas que gostaria que Sirius se lembrasse, e que ele nunca poderia se lembrar de nada, pois estava morto e a morte não tem memória. Aquelas coisas apenas se deteriorariam e já não serviriam de nada. Concluiu então que era justo que assim acontecesse; apenas mais uma prova de que nada tinha o direito de permanecer intocado pra sempre.

A cova fora aberta com as mãos e com as mãos foi fechada. Sentado ao lado da lápide de James, e pouco a pouco recuperando a vaga noção de que o mundo não tinha deixado de existir, e que morte alguma alteraria esse fato, Remus chorou. Chorou como apenas Sirius poderia tê-lo feito chorar, e assim, como último tributo ao último dos Black, deixou no cemitério de Godric's Hollow metade da vida que já não tinha.