Título da Fic Perdido na Escuridão

Anime: Weiss Kreuz

Casal: Aya x Omi/Yohji x Ken/Schuldich x Nagi

Classificação: Yaoi/ Lemon/ Angst/Suspense/Romance.

Autora: Lady Anúbis.

Beta: Samantha Tiger Blackthorn

PERDIDO NA ESCURIDÃO

Capítulo I – Adormecido

"Meu espírito está dormindo em algum lugar frio

Até que você o encontre lá

E o traga de volta pra casa."

Não sabe dizer a quanto tempo está parado ali, a chuva fina molhando seu cabelo, pingos delicados de água escorrendo pelos fios cereja. Levanta a gola do sobretudo preto para proteger-se da baixa temperatura que já o faz tremer, mas isto nem se compara ao frio que tomou conta de sua alma. Não sabe se esta sua idéia vai dar certo, mas não vê mais opções. Ou confia no maldito alemão ou... Não pode se conformar em perdê-lo... Aqueles olhos... Aquelas safiras... Apagadas, sem expressão alguma... Uma forte dor oprime seu peito, uma dor indescritível.

"Gostaria muito de fazer o tempo voltar... Conseguir segurar sua mão... Dizer Te amo!" – Volta a pensar aquilo que o vem atormentando nos últimos tempos.

Está consciente que não pode voltar atrás, pois não há como suportar a idéia de simplesmente retornar e encontrá-lo sentado naquela poltrona diante da janela, como faz dia após dia, seu olhar perdido no vazio. Está se arriscando, pois o Schwarz não é nada confiável, mas... Tem alguma escolha?

Cada detalhe daquele dia lhe vem à memória, cada erro cometido, cada omissão... Talvez se tivesse deixado de lado seu medo de sentir, talvez ele não tivesse se fechado, fora do alcance de qualquer um deles. Muitos 'talvez', mas que nada significam depois de tudo ter acontecido. Agora está consciente dos sentimentos que dividiam sem saber, por sua culpa, que sempre o manteve afastado. E apesar de ter olhos apenas para ele, só muito tarde percebeu a profunda depressão que se escondia por trás daquele eterno sorriso. A dor que se ocultava por trás da máscara.

"Sou o culpado... Tenho que trazê-lo de volta para a vida."– Seus olhos se fecham, suas lágrimas se misturam à água da chuva que escorre por seu rosto.

"Mitleiderregend... Patético!" – Esse pensamento passa pela mente do ruivo de olhos azuis que o observa a certa distância, mas de onde pode vê-lo e captar seus pensamentos. – "Esse sentimento o torna fraco... Humm... Isso vai ser mais divertido do que pensava!"

ooOoo

Omi se movimenta na pequena cozinha com rapidez, esse trabalho se tornou parte da sua rotina e não se incomoda de cozinhar de manhã, antes de sair para a escola. Arruma a mesa com presteza, enquanto as torradas e os ovos ainda não ficam prontos. É uma refeição um tanto pesada para a hora, ainda mais no Japão, mas sabe que seus amigos não têm horário certo para o almoço e precisam de algo que os sustente. Está mais para um breakfast americano, mas assim não fica na escola preocupado se eles comeram algo, não que não tenha deixado o almoço já pronto, o que faz sempre enquanto prepara o jantar, mas o movimento da Koneko nem sempre possibilita essa escapada para esquentar o prato pronto no microondas.

"Nossa! Eu seria uma ótima dona-de-casa!" - Mas se este pensamento até o faz sorrir levemente, nada mais traz alguma alegria aos olhos cor de safira.

Sua vida não tem sentido... E há muito tempo! Quando pôde dizer que foi feliz? Não se lembra de sua vida antes do seqüestro, por mais que tente. Somente vislumbres de olhos como os seus, de um sorriso emoldurado por lábios pintados por batom cor-de-rosa, um perfume suave de rosas... Que lembra o aroma de Aya. Mas será que não está misturando as coisas? Não sabe dizer. Só se lembra dos anos em que foi treinado para ser um assassino.

"Que bela lembrança!"- Pensa sarcástico.

Não se lembra de alguém que já o tenha amado... De verdade. Seus amigos têm sido sua família e dariam a vida para salvá-lo, mas... Gostaria de ter alguém que ansiasse por ele, que sorrisse ao vê-lo, que o abraçasse nas noites frias e o amasse... Mesmo sabendo toda a verdade sobre quem é. Em resumo... Deseja que Aya o ame, mas sabe que a realidade é outra... E essa maldita realidade sempre foi sua inimiga. Tudo que sempre desejou sempre esbarrou nesta maldição, que sempre estivera contra ele e precisa se conformar com isso.

"Quem sabe um dia... Eu também consigo ser feliz..."– Seus olhos se enchem de lágrimas, enquanto metodicamente retira as torradas, coloca-as empilhadas em um prato e as posiciona no centro da pequena mesa.

Percebe que os ovos estão começando a queimar e corre para o fogão. Sorte que os rapazes gostam deles levemente tostados, mas assim mesmo esse pequeno deslize em suas atividades diárias sempre perfeitas rouba o controle das emoções que mantém com tanta maestria. Coloca a frigideira sobre o balcão e se curva sobre ele, chorando como há muito não faz. Não sabe explicar... Seu autocontrole não tem funcionado como de costume. Sente uma grande tristeza, um desespero se apossando dele dia a dia.

"Queria muito ser salvo pelo meu herói." – Omi ri da sua própria idiotice ao pensar isso. É tão realista e não consegue parar de pensar como um adolescente romântico cheio de hormônios!

- Tudo bem, Omi? – A voz de Ken soa atrás dele, parado na porta da cozinha.

O moreno chegara há poucos minutos, mas o suficiente para vê-lo debruçado sobre o balcão e chorando como uma criança. Nunca o vira assim e isso o deixa assustado. O chibi é o coração da equipe, sempre o otimista que vê constantemente o lado bom das coisas... E o que presenciou na atitude do garoto, que está neste momento paralisado de costas a sua frente, não combina com aquele que é seu melhor amigo.

- Tudo ótimo... Eu me queimei, mas... Agora já estou bem. – Ele diz se voltando, um de seus mais largos sorrisos estampado no rosto.

A surpresa fica clara no rosto de Ken, pois percebe como a mudança fora rápida, o pequeno arqueiro passando de pura frustração para alegria, como se estes dois sentimentos fossem iguais... E imediatamente pensa em todas as vezes que este sorriso surgiu no rosto bonito do adolescente e se não foi uma máscara para esconder seu verdadeiro estado de espírito.

- Sente-se. O café da manhã está pronto. – Coloca a caneca de chocolate diante do lugar onde o ex-jogador costuma sentar.

Rapidamente Hidaka percebe que Omi não deseja falar na razão de sua crise de choro e pretende respeitar sua vontade. Senta-se, toma um gole do leite com chocolate que o loirinho faz exatamente como ele gosta e olha fixamente para o garoto, tentando decifrá-lo, enquanto toma mais um gole.

- E o Yohji, ainda está dormindo? – O loirinho diz enquanto termina de lavar a louça que sujou, tentando deixar a cozinha impecavelmente limpa, como sempre.

- Ele estava dormindo tão gostoso que não tive coragem de acordá-lo. – Um sorriso maroto surge em seus lábios ao lembrar da bela criatura que deixara deitada na cama que dividem.

- ...! – Omi senta-se diante dele, um olhar curioso sobre o amigo, querendo afastar a tristeza que ainda o aflige.

- Ken... Você é... Feliz? – Seus olhos se umedecem, esperando que pelo menos alguém possa sentir-se diferente dele.

O outro pára um instante e fica pensando em sua vida. Tudo o que vivenciou até agora parece tão distante ao se lembrar das tórridas noites que tem passado ao lado do seu loiro e... Isso o faz sorrir. Mas imediatamente percebe um vislumbre de decepção passar por aqueles olhos azuis que o observam.

- Graças a você! – Sabe que o amigo não lamenta por sua felicidade, mas talvez por sua própria solidão. Nunca parou para pensar em como o pequeno se sentia, como faz agora. – Se não tivesse me incentivado a abrir meu coração... Estaria até hoje amando platonicamente aquele playboy.

O garoto lamenta em seu íntimo não ter a mesma coragem que tanto incentivou no amigo. Mas seus casos são diferentes! Percebera que o amor entre eles era recíproco, apenas faltava um dos dois confessar isso, só que no seu caso não há saída. Aya não sente nada e nunca sentirá... Ponto final!

- Sabe... Acho que você devia se divertir mais. – Ken deixa o chocolate de lado, tentando dar toda a atenção para o problema que acredita ver naquele rosto. – Ser um adolescente normal e sair com os amigos.

- Sair?! Mas... – O rosto do garoto se contrai ao pensar na possibilidade de se enturmar fora do contexto escolar.

- Claro! Você sai cedo pra escola, volta pra trabalhar na loja e depois se tranca no quarto pra estudar. – Seus olhos verdes demonstram o carinho que Ken sente por ele. – Você devia sair com gente da sua idade, se distrair... Mudar um pouco a sua rotina.

O arqueiro pensa seriamente nestas palavras, mas isto só serve para deixá-lo ainda mais chateado. Levanta-se abruptamente, ficando uns instantes de costas para o moreno. Cerra as mãos, sentindo uma profunda revolta ao ver-se encurralado como nunca antes. Volta-se para o atônito rapaz que o observa preocupado.

- Certo Ken... E o que eu tenho em comum com eles? – Jamais usara esse tom de voz. – Enquanto eles vão ao cinema ver filmes de gangsters e assassinos... Eu vivo essas histórias em live action. Não sou um adolescente normal!

Um incômodo silêncio se instala entre eles, fazendo o moreno abaixar os olhos, sem saber o que dizer e rapidamente o garoto percebe como perdeu o controle, se esforçando para mudar sua expressão para aquela sempre feliz.

- Desculpa... – O sorriso novamente surge, mas dessa vez desfocado aos olhos de Ken, que sabe que é apenas um truque de ilusionismo usado para enganá-lo. – Fiquei estudando até tarde... Dormi pouco.

- Sem problema... Sei que é difícil relaxar quando levamos uma vida dupla, mas... – A preocupação fica ainda mais acentuada com as desculpas que mascaram a verdade. – Tenta se divertir... Como quando você era criança...

- Preciso ir... Vou entrar mais cedo! – A menção a sua infância inexistente o faz sentir a necessidade de fugir, não pode mais encarar o jovem moreno. – Avisa o Aya que vou me atrasar... Tenho um trabalho pra fazer.

Ele sai tão rapidamente que não dá chance para Ken dizer nada, apenas observá-lo pegar os livros e sair. Yohji entra logo em seguida, enlaçando o namorado por trás, curvando-se e encostando o rosto no seu.

- Devia ter me acordado! – Deposita um beijo delicado em seu rosto, mas logo percebe sua distração, sentando-se diante dele. – O que houve?

- O Omi... Ele... – Ainda tenta processar tudo que testemunhou em palavras que resumam o que passou por sua cabeça.

- O que tem o Omi? – Aya diz entrando na cozinha e ficando de pé ao lado dele.

- Ele... Vai chegar mais tarde. – Não sabe exatamente por que omite parte da verdade neste momento, aquela que se refere à confusão presente no coração do chibi, porém algo na expressão do ruivo o intimida.

Volta a concentrar sua atenção no chocolate, observando o creme batido sobre ele se desmanchando, formando redemoinhos dentro da caneca... Tanta atenção do Omi para todos eles nestes pequenos detalhes, mas nunca lhes dando a chance de retribuir.

ooOoo

Aya havia acordado perturbado. Sonhara novamente com ele... Mais um daqueles delírios tórridos onde o pequeno o levava a loucura. Despertara assustado, temendo que os outros ouvissem seus gemidos enquanto se masturbava para aliviar toda a tensão que se apossava de seu corpo depois desses... Sonhos! Mas são apenas sonhos e isso começa a deixá-lo frustrado.

E o início do relacionamento entre Yohji e Ken não facilita muito sua vida, pois o loiro não é das criaturas mais silenciosas e os dois juntos o perturbam ainda mais. Mas ele não pode se dar ao mesmo luxo, pois é o líder, deve proteger o chibi, não desejá-lo. E decidiu não amar mais ninguém, não quer mais sofrer e ponto final! Porém seu corpo e sua mente custam a entender esse seu raciocínio e os sonhos vão se repetindo noite após noite.

Desce as escadas para a cozinha, percebendo algo estranho nas atitudes de Ken, que parece muito preocupado com algo. E o nome de Omi é sussurrado entre suas poucas palavras perdidas em pensamentos. Percebe a falta do garoto, que deveria estar sentado junto deles, contando suas coisas da escola ou das garotas que infestam a Koneko, entre risos, modo de ser que para o ruivo é apaixonante. E isso faz algo se apertar em seu peito... Uma espécie de premonição de que algo está muito errado. Mas apesar de perguntar, só recebe uma resposta evasiva do moreno, decidindo deixar para mais tarde a conversa e abrir a floricultura.

E como sempre o dia é igual, a rotina solitária de costume, onde o ruivo se refugia na mesa de arranjos, fazendo o possível para ficar bem distante das meninas que adoram tocá-los. Sorte que elas já notaram o namoro dos outros dois e agora parecem ficar ainda mais agitadas junto deles.

"Não sei por que as garotas gostam tanto de dois homens juntos! Parece uma coisa do outro mundo e que as deixa mais excitadas que o normal... Se isso é possível!" – Ele pensa observando duas garotas grudadas em Yohji, que tenta entregar um buquê para uma terceira.

Toda essa agitação o intimida. Não se lembra se gostava disso no passado, mas... Aya gostava! Ela amava festas e dançar. Costuma pensar que sua irmã é a grande razão de não querer amar, só que isto é muito injusto para com ela. Aya seria a primeira a empurrá-lo e chamá-lo de covarde por não se declarar. O fato de Omi ser um Takatori... Definitivamente isto também nem arranha a verdade. Não sabe dizer exatamente o porquê e todas as explicações que tenta explorar para justificar... Todas esbarram no vazio de sua própria covardia. Quem diria!

"Por que é bem mais fácil matar do que amar?" – Pensa enquanto dá um profundo suspiro.

Enquanto corta o caule de algumas rosas para mais um buquê, Omi entra na loja... Acompanhado! Um rapaz moreno, alto, estilo de atleta, o segue quando passa pela porta, vestindo um uniforme igual, provavelmente um colega de escola. Isso chama a atenção de Aya, que olha fixamente para o corado Omi e o exibido moreno. Seus olhos se estreitam, tentando entender as intenções dessa incomum visita.

- Decidimos fazer o trabalho aqui em casa... – Seus olhos evitam os violeta que o encaram. – A biblioteca estava muito lotada. Algum problema?

- Claro que não! – Ken diz animado, percebendo que o garoto pensara em tudo que conversaram e está tentando.

Mas ao passarem pelo ruivo, sua falta de concentração e... Ciúmes... Sim, é isso mesmo... Cobram seu preço do espadachim, que acaba cortando a palma da mão com a afiada faca com a qual trabalha e rapidamente seu avental se mancha de sangue. A dor é incrível, segura por reflexo o local do ferimento, mas os olhos procuram instintivamente o pequeno que o observa, ainda mudo. Um silêncio estranho se estabelece no ambiente, como se tudo estivesse em câmera lenta.

- Aya! – Omi então se aproxima dele, puxando sua mão para si e verificando o corte fundo que marca a mão ensangüentada.

- Calma! Estou bem. – O ruivo puxa a mão, perturbado pela proximidade e pelo suave perfume dos cabelos dourados. – Foi um corte de nada.

O incômodo colegial puxa Omi pelo braço, uma intimidade que faz os olhos violeta faiscarem de raiva.

- Ele está bem. – Os olhos castanhos do garoto encontram os de Aya e um profundo entendimento da situação se estabelece. O ruivo sabe qual é a intenção do rapaz e o outro fica ciente do papel do homem na vida do chibi. – Não podemos demorar. Você não tem um compromisso à noite?

- Ah... É mesmo. – A visão do sangue de Aya o fizera esquecer da urgência deste trabalho, tendo de ser conciliado à missão que teriam mais tarde. Quase arrastado o garoto passa pela porta de comunicação para a casa, deixando o espadachim tentando conter o sangue e a raiva que o faz tremer.

ooOoo

Os dois garotos estão sentados no chão do quarto de Omi, em volta de uma grande cartolina onde têm de escrever slogans publicitários para divulgar um produto fictício. Essa não é uma das tarefas que o chibi mais goste, pois tem intimidade com a lógica e o raciocínio. Isto requer criatividade e o garoto acha que isto está longe dos seus talentos. Não se considera criativo. Para isso precisaria de imaginação e... Acostumara-se a pensar nas coisas de forma prática. Preferia fazer esse trabalho sozinho, como costuma fazer todos, mas a professora insistira e...

"Essa mestra e sua mania de colocar os nerds e os... Não posso ficar pensando assim... Isso é preconceito!" – Mas infelizmente tem de concluir que essa didática não funciona muito bem.

Acabou com o capitão do time de futebol. Não que Kaoru não seja um garoto legal, mas... Duvida que ele vá ajudar. Prefere trabalhar sozinho. Quem sabe não tivesse a ajuda de Yohji... Ele tem uma mente criativa. Percebe que a presença de Kaoru coloca qualquer criatividade sua em OFF... E ainda tem a sua preocupação com Aya. Aquilo não foi um pequeno ferimento, podia ver o sangue saindo em profusão... Mas o espadachim é durão demais para admitir que sente dor... Que sofre... Que ama...

"Droga! Se eu continuar a pensar no ruivo não termino essa porcaria de slogan nunca." – Omi se repreende mentalmente ao pegar-se pensando em Aya novamente.

- Fiquei surpreso com seu convite pra fazer o trabalho na sua casa. – Kaoru está diante dele. – Há tanto tempo estudamos juntos e você sempre evitou se aproximar dos colegas fora da escola.

- É que... – O que dizer ao garoto? Que não tem amigos por que leva uma vida dupla? Que à noite mata pessoas?

Mas Kaoru não lhe dá tempo para qualquer explicação, já tendo tirado suas próprias conclusões sobre a mudança de comportamento do loirinho. O rapaz se aproxima ainda mais, segurando o rosto assustado do garoto, tomando-lhe os lábios sem pedir licença. Omi tenta reagir, mas o moreno rapidamente força seu corpo sobre o dele, fazendo com que se deite no chão e o peso do capitão do time é sentido, enquanto ele ainda o beija, sua mão descendo por seu peito, passando por baixo de sua camiseta e tocando sua pele. O garoto não quer essa invasão, mas não consegue empurrar o rapaz mais forte e demonstrar como isso o incomoda.

- Desculpe... – Uma voz forte vem da porta entreaberta, os dois voltando os rostos e se deparando com Aya parado. – Mas se queriam fazer isso... Deviam ter fechado a porta.

O ruivo diz isso já saindo, sua mente fuzilando de ressentimento e mágoa.

"Todos os pudores que eu sempre tive... E ele... Ali... Com aquele rapaz que nunca vi e de quem nunca ouvi falar..."– A mente do ruivo está em fogo enquanto caminha pelo corredor.

O arqueiro dessa vez se arma de toda a sua habilidade e empurra Kaoru com toda a força. Sente nojo dele e do que tentara fazer. Levanta depressa, deixando o outro desconcertado para trás, ainda sentado no chão, tentando disfarçar a excitação que já está aparente. Corre pelo corredor, conseguindo alcançar o ruivo quase na escada, segurando seu braço com força, fazendo com que este se volte e o encare.

- Não é o que parece... – Ele tem lágrimas nos olhos, temendo que o homem a sua frente faça mau-juízo dele.

- Tem razão. – Há algo de furioso em sua voz e em seus olhos, o que assusta o pequeno, que solta seu braço. – Você não é o que parece.

O espadachim desce a escada sem nem sequer olhar para trás, deixando um garoto paralisado atrás de si.

- Eu quero sumir! – As palavras saem em desespero, pela mente de Omi passando todas as coisas ruins que lhe aconteceram e como seu destino nunca está em suas mãos.

Tudo se precipita e desmorona quando se sente seguro... Novamente a dura realidade mostrando sua verdadeira face. Ele se encosta à parede, suas pernas tremendo, a respiração descompassada, leva as mãos à cabeça, sabendo que ainda tem que despachar o garoto em seu quarto, temendo que a raiva de Aya não seja passageira. Se coloca completamente de pé, respirando fundo, os ombros caídos, um sentimento de derrota minando sua resistência. Uma profunda tristeza, maior do que tudo que já sentiu, toma conta de sua mente, algo que não tem controle, que vem naturalmente, mas que o curso dos eventos só faz piorar. Entra no quarto, se deparando com Kaoru ainda sentado no chão.

- Sinto muito... – O rapaz se levanta, aproximando-se dele devagar. – Como você nunca... Achei que estivesse interessado em mim.

- Você poderia ter conversado comigo, mas... – O loirinho se afasta da mão que o moreno estende para tocar seu rosto. – Preferiu forçar a barra sem saber se eu queria.

Não há nada mais a ser dito, Kaoru abaixa a cabeça e se retira, sabendo que não há condições de concluir o trabalho, deixando Omi sozinho no quarto, o olhar perdido na lembrança daquele último olhar reprovador. Uma forte dor no peito o faz se sentir oprimido, sozinho e sem futuro.

ooOoo

As luvas sem dedos vão sendo vestidas devagar, há um silêncio profundo no quarto, na penumbra olhos azuis tristes observam o vazio. Há uma sensação estranha passando por todo o seu ser, como se pressentisse que algo está para acontecer esta noite.

"Como se não bastasse tudo que já aconteceu nessa porcaria de dia." – Veste os casacos, primeiro o branco de capuz, depois o preto, verificando os dardos e a besta, o equipamento que planejou usar nesta missão. Na verdade, não é uma das mais complicadas, com todos os detalhes calculados milimetricamente por ele, prevendo os possíveis imprevistos e tendo soluções para todos eles, mas aquela sensação persiste... Sempre vindo em sua mente que algo vai dar errado.

Vê então o ruivo passando diante da sua porta aberta, parando diante dela, de lado, a cabeça baixa e o olhar se lançando até ele devagar, como se quisesse dizer algo, mas não tivesse coragem. E este olhar brilha, nervosamente, sem deixar claro o que sente com relação aquilo que presenciou. Aya encara aqueles olhos tristes, e não havia notado, mas agora se dá conta... Quando fôra a última vez que o vira sorrir daquela forma que tanto ama ou parecer realmente feliz com algo? Sente-se mal, pois como dizer que sente algo por alguém e não reparar em suas sutis mudanças? Devia ter percebido a diferença entre Omi e a máscara que ele vinha usando ultimamente. Só agora...

- Omi... – Não sabe muito bem o que dizer. Talvez seja melhor deixar para mais tarde e então dizer o que sente de verdade... Mesmo que o garoto simplesmente diga que não gosta dele dessa forma. É um risco que corre, mas não pode mais viver assim.

Os olhos de safira se voltam para ele, esperando algo, não sabendo muito bem o que, mas já com a certeza que é uma esperança vã.

– Já está pronto? – Aya desvia de seu olhar. – Precisamos ir.

ooOoo

Os olhos violeta continuam a encarar o corpo do homem que acabou de matar, caído no chão, sobre uma poça de sangue. Por mais que tenha aprendido a superar, sempre observa uma última vez, para não esquecer este rosto. Todos eles devem ser lembrados, pois não se tira a vida de alguém como se ele não fosse nada. Deve pelo menos isso a eles, mesmo que não mereçam. Permanece atento a tudo, pois Bombay continua ali, fazendo a sua parte, puxando todas as informações do computador do traficante de mulheres. Com seu laptop pode descobrir todas as casas onde estão as garotas, trazidas principalmente da Ucrânia, que abastecem o mercado de prostituição de todo o país. Essa informação é vital, pois pode significar a vida ou a morte para muitas delas, e será enviada anonimamente para a polícia.

Balinese e Siberian já neutralizaram os capangas e a fuga será fácil, mas devem evitar as câmeras de segurança que ficam nas entradas. Entraram pela clarabóia do local, descendo por uma corda, e sairão pelo mesmo local. Tudo limpo e sem serem vistos pelos possíveis sócios ou cúmplices desse importante chefão. Assim que o download é concluído, o chibi apaga qualquer sinal de que as informações foram acessadas e faz sinal para o líder dos Weiss. Podem e devem partir antes que notem algo de errado e mais capangas venham verificar esse armazém, guarda seu laptop na mochila e a coloca nas costas, saindo correndo logo atrás de Abyssinian, na direção do ponto de encontro.

Sem trocar qualquer palavra, os quatro se aproximam da corda, ainda no mesmo local onde haviam deixado. O espadachim vai primeiro, preparado para qualquer surpresa que possa estar esperando por eles quando chegarem ao telhado. E subindo pela corda algo o perturba, mas não consegue dizer o que... Aquele mesmo pressentimento que o vem deixando preocupado o dia todo. Ao chegar ao fim da corda, sai pela clarabóia com cuidado, verificando qualquer movimento suspeito e convencido de que é seguro faz um sinal para que os demais o sigam com rapidez.

O playboy sobe pela corda com dificuldade, afinal, são dez metros de altura para escalar! Odeia fazer isso, pois esse tipo de exercício não é o seu forte. Para sair o ruivo lhe estende a mão, esquecendo-se completamente que está ferida e o esforço para puxá-lo faz com que volte a sangrar. Aproxima-a do peito, tentando suportar a dor, mas ao mesmo tempo fica atento ao garoto que já sobe pela corda.

Omi vai subindo com facilidade, apoiando os pés na corda, acostumado que está em se colocar em locais altos para conseguir melhores alvos para suas armas. Segurando-a com as luvas tem mais firmeza e avança rápido. Ken segura a ponta em baixo, emprestando-lhe ainda mais agilidade. Sua maior dificuldade está na mochila, que pesa em suas costas e teima em escorregar de seu ombro.

Quando está próximo do fim, a alça da mochila cede perigosamente, correndo o risco de cair, colocando em perigo toda a informação inestimável que contém. Ele solta uma das mãos, procurando ajeitar melhor a bolsa, colocando-a em segurança. Só que ao voltar-se vê um capanga sobrevivente aproximando-se de Ken por trás.

- Siberian... – Seu grito ecoa por todo o armazém vazio. – Cuidado!

Mas seu movimento o desequilibra, perdendo o contato dos pés com a corda, ficando seguro apenas por umas das mãos.

- Omi! – Ken percebe rapidamente o apuro em que o amigo está sem poder fazer nada, pois tem que rapidamente se defender do ataque do capanga, que o ataca com uma barra de ferro. A luta entre os dois vai se desenrolando, quase alheia ao que acontece no alto da corda.

Aya estende a mão para o garoto, seus olhos se encontrando, o medo de ambos claro em suas pupilas. O pequeno tenta alcançar a mão estendida com a sua livre, sentindo que aquela que o segura na corda está escorregando. Chega a tocar os dedos finos do espadachim por várias vezes, mas estes sempre lhe escapam. Sente então que consegue segurá-los, sorrindo para o seu herói, mas... A mão que o sustenta finalmente se solta, deixando-o pendurado apenas pela mão fina.

Vê que Yohji segura o corpo de Abyssinian, os dois o puxam com toda a força que têm, mas a gravidade e todo o equipamento que carrega aumentam seu peso. A expressão de dor no rosto do ruivo é terrível, o sangue de sua mão começando a escorrer pelo braço de Omi... E este mesmo sangue vai tornando o contato entre suas mãos escorregadio, os dedos pequenos lutando para se segurar, mas não conseguindo. Os olhos dos dois não se desviam, os violeta em desespero, tentando transparecer calma para não alarmá-lo, mas... O medo está presente.

- Omi... Por favor... Não solta. – A voz soa súplice, marcada por um toque de dor, enquanto tenta segurá-lo com sua outra mão também, já que Balinese apóia seu corpo, porém sem sucesso.

A terrível realidade novamente vem cobrar seu preço, é a única coisa que o garoto consegue pensar. Seus olhos se enternecem com a visão daqueles violetas que parecem sofrer mais do que poderia esperar. Ele... O herói que sempre quis para salvá-lo... Salvá-lo da vida que levam e da solidão que o oprime. Mas agora... É o fim de tudo.

Yohji olha por cima do ombro do amigo, vendo um atônito Ken lá embaixo, ainda lutando com o capanga, mas logo desferindo um golpe com as suas armas que praticamente abre o peito do oponente. Fica uns segundos parado, ofegante, ainda sem saber muito bem o que fazer em seguida.

- Ken... Tenta subir pela corda... – O loiro desperta o seu namorado.

Então o moreno percebe que agora pode subir sem desequilibrar ainda mais o garoto, pois no momento ele já não segura mais a corda. Prontamente o jovem atleta começa a subir, o mais rápido que consegue, aproximando-se do garoto a ponto de conseguir tocar seus tênis.

- Omi... Não... – Aya grita ao perceber que os dedos vão escapando completamente de sua mão.

- Desculpa... Te amo... – Os olhos azuis tristes vão se afastando enquanto ele cai, passando por Ken que não consegue segurá-lo.

O líder dos Weiss fica paralisado, seus olhos fixos no garoto caído no chão do armazém. Aquele maldito pressentimento... Isso o impede de se mover, pensando em que sempre protelara tudo para mais tarde, mas agora ele pode não existir mais. Toda a movimentação de seus companheiros parecendo em câmera lenta, sua mão no ar, ensangüentada, guardando ainda a impressão dos dedos que nos sonhos o deixavam ensandecido. As últimas palavras... "Te amo"... Ecoando em sua cabeça, sofrendo por tudo que poderiam ter se não fosse tão covarde.

ooOoo

Koneko no Sume Ie - Um mês depois.

- E o que o médico disse? – Diz Manx parada na porta do quarto de Omi.

Observa a triste cena, o garoto sentado em uma poltrona observando a janela, ou pelo menos parece observá-la, pois seus olhos estão apagados, vazios de sua essência. O ruivo está sentado no chão a sua frente, segurando-lhe a mão pequena, como se esse toque pudesse trazê-lo de volta.

- Ele está catatônico, em algo que o médico chamou de estupor. – Yohji fala a seu lado, uma expressão abatida. – Não é nada físico, mas a pancada na cabeça, aliada à depressão... E nós notamos como ele andava triste e... Não fizemos nada!

Há uma culpa carregada nestas palavras. Culpa... O sentimento que os vêm assombrando desde aquela noite no armazém.

– O doutor acha que ele se fechou na própria mente para se manter seguro. – Sua voz fraca, um pouco trêmula, sempre pensando que se Aya não o tivesse ajudado a sair, não teria aberto o ferimento na mão do ruivo e este conseguiria segurar o chibi. A culpa... De novo.

Somente agora a moça olha atentamente para o loiro. Sua beleza incomum ainda está ali, mas apagada por uma sensação de derrota. Sabe como os três vêm se desdobrando para cuidar do garoto e sente-se comovida com isso.

- E não tem um remédio pra isso? – Ela pergunta, mas já sabendo que se houvesse eles já teriam usado.

- Como é psicológico... – O playboy lança um leve olhar para os dois no quarto praticamente no escuro. – O médico queria interná-lo numa instituição, mas... O Aya o pegou no colo e saímos de lá no meio da noite.

- E vocês estão tentando trazer ele de volta... – Ela também olha para Omi, custando a crer que aquele 'boneco' sem vida já foi o sorridente chibi.

- O garoto obedece aos estímulos mecânicos... Senta, deita, come, mas... – Estas palavras soam com toda a tristeza que a moça acredita que os atingiu. – A consciência dele... Sua essência não está presente.

Ela nem sabe muito bem o que dizer, pois numa situação dessas, palavras são desnecessárias. Já estão nisso há algum tempo, todo esse esforço cobrando dividendos no estado físico e emocional deles. A organização nada pode dizer, pois os Weiss continuam a desempenhar a sua função, tão eficientes como sempre, somente lhes faltando a precisão, que era trabalho do Omi.

- Preciso pedir que vocês tomem um cuidado redobrado nas próximas missões. – Manx diz, puxando Yohji para o corredor. – Depois que entregaram aquelas informações à polícia...

- Informações que o Omi salvou com o próprio corpo... – O amigo não esperaria nada menos que isso vindo do chibi.

- Pois ele salvou muitas garotas... Mesmo que o preço tenha sido alto. Mas... – Manx não tem muito tempo e precisa alertá-los. – A rede de prostituição foi desmantelada, mas os russos viram vocês nas câmeras...

- Não podíamos tirar o garoto de lá pela corda! – Yohji sente a necessidade de justificar a decisão perigosa que tomaram naquele momento.

- Eu sei disso... – Ela toca a mão fria do loiro. – Mas aqueles caras estão atrás de vocês, querendo vingança. Tomem muito cuidado... Por favor.

A moça abaixa a cabeça, sentindo uma profunda aflição, querendo poder fazer mais, mas sabendo que, como eles, nada pode fazer. É o tempo que dirá se o garoto vai voltar, mas neste caso sabe que pode ser permanente. Sai sem nada dizer, descendo as escadas e cruzando com Ken saindo da cozinha. Passa a mão pelo rosto cansado do moreno e vai embora.

Ele fica alguns minutos, parado ali, encostado ao batente da porta sentindo um profundo cansaço, sem conseguir lembrar quando foi a última vez em que não se sentiu assim. Sobe as escadas devagar, encontrando Yohji ainda parado no corredor, encostado na parede. Pára diante dele, encarando o exausto loiro, que levanta devagar os olhos verdes, um raro sorriso surgindo em seus lábios. Ken o puxa para si, abraçando-o apertado, sentindo-se plenamente correspondido.

- Não sei como eu enfrentaria tudo isso sem você. – O playboy diz, os lábios tocando de leve o pescoço do moreno.

Os lábios dos dois se tocam, primeiro de forma doce, logo se tornando ainda mais apaixonado, seus corpos se aproximando em uma urgência, uma ânsia de sentirem-se juntos e seguros. Mas se afastam rapidamente, pois sabem que Aya está ali no quarto e... Yohji toca o rosto amado do seu atleta, adorando todos os detalhes que o fizeram se apaixonar por ele, seus belos olhos, a boca sensual, a expressão inocente, intocável, apesar da vida que levam.

- Não podemos deixá-lo ficar o dia todo ali. – Ken diz preocupado.

Os dois entram devagar no quarto, juntos, percebendo um suave movimento do olhar do espadachim para eles, mas que rapidamente volta a encarar o rosto juvenil sem expressão. Os amigos observam-no aflitos, pois ele está mais magro, olhos encovados, expressão triste. Este sentimento ele tem sido incapaz de disfarçar com a frieza. Eles sentam na cama, ficando de frente para Aya sentado no chão.

- Você precisa dormir e comer. – Ken diz quase em um sussurro.

- Estou bem. – Ele diz sem olhar para os dois. – Não temos nenhuma missão hoje... Vou ficar por aqui.

- Deixa disso... – Yohji se levanta, pois tudo isso o faz sofrer ainda mais. Precisa trazê-lo a razão, pois ele é o líder e tem de se manter de pé. – Todos estamos sofrendo, mas nossa vida têm de continuar.

Fala exaltado, como o namorado nunca o vira, pois ver o amigo assim o deixa doente.

– E se ele nunca voltar? Você vai morrer junto? – Suas palavras atingem o ruivo como tiros, fazendo-o levantar e encarar o rapaz. Seus olhos faíscam de raiva, parecendo um animal ferido, anda até o loiro e fica tão perto que este tem de recuar alguns passos, pois a expressão do rosto magro o deixa com medo.

- Eu devia te socar agora... – Aya parece nem respirar.

- Chega! – Ken se coloca entre eles, temendo que a briga entre os dois seja inevitável. Encara os olhos violeta bem de perto. – Apesar de nenhum de nós desejar isso... O Yohji está certo. Você precisa reagir... Talvez o Omi precise de você pro resto da vida.

A derrota se estampa no rosto do ruivo, como se as palavras do amigo o ferissem, tirando toda a esperança de seu coração. Afasta-se deles, encostando-se junto à janela, observando as pessoas passando pela rua, apressadas e sem noção do drama que vive.

- A culpa foi minha... – Aya diz tão baixo que os outros quase não o escutam.

- A culpa não foi sua! – Yohji reage, ainda exaltado.

- Claro que foi. – O ruivo se volta para ele, dessa vez fala tão alto quanto o loiro. – Eu fui incapaz de segurar a mão dele. A única vez que podia ter feito algo por ele e...

- Quer falar de culpa? – Novamente os dois parecem sair do controle. – Se eu não fosse preguiçoso e tivesse treinado mais subir a corda... Eu reabri o seu ferimento... Fui eu o culpado.

- Vamos parar os dois! – Ken sabe que tem de ser a voz da razão neste momento, apesar dele também se sentir culpado por não ter subido na corda assim que se livrou do capanga. – Nossa culpa foi tão somente não ter percebido a depressão do chibi e... Termos nos deixado enganar pelo eterno sorriso de 'tudo bem' dele.

Omi curvado sobre a bancada da cozinha chorando não sai da memória de Ken, que senta na cama, ainda lembrando que deveria ter dividido essa sua constatação com os amigos naquela manhã e o garoto nem teria ido com eles naquela missão.

- Eu era a causa da depressão dele. – Os olhos violeta voltam a observar as opacas safiras que encaram a janela. – Covarde! Covarde! Amei o Omi desde o primeiro instante em que o vi, mas... Tinha tanto medo.

Ver o heróico espadachim admitir seu ponto fraco, aquilo que ele tentava disfarçar com a eterna frieza e mau humor, é muito triste. Sua 'armadura brilhante' se torna tão opaca quanto os olhos de Omi.

- Ele me amava... – Abaixa os olhos, procurando esquecer as safiras tristes se afastando tão depressa. – E fui tão duro com ele naquele dia...

O ciúmes o inflamara de tal forma ao vê-lo deitado no chão com AQUELE... Não gosta nem de lembrar, mas... Se tivesse parado para pensar teria percebido que Omi não estava retribuindo o beijo do colega, sendo claro que...

"Fui um idiota! E o meu desprezo!" – Nem gosta de pensar em como aquilo deve ter afetado ainda mais o já deprimido garoto.

- Todos temos nossa parcela de culpa, mas... Não vai adiantar nada ficarmos revivendo isso pra sempre. – Yohji diz um pouco mais calmo. Na verdade, dói demais ver Aya desse jeito. – Se houvesse uma forma de entrarmos na cabeça dele nós podíamos trazê-lo de volta, mas... Não há.

Os olhos violeta se erguem e o encaram arregalados. Aquelas palavras fazem com que Aya perceba a resposta óbvia. Há sim uma forma de entrar na mente do Omi e fazê-lo sair... Uma forma extremamente perigosa, mas a única possível.

- Tem sim. – Ele sussurra olhando para Yohji, mas sem realmente vê-lo.

- Ahn?! – Os dois amigos dizem em uníssono.

- Tem uma forma de entrar na mente do Omi. – Dessa vez ele realmente os encara, a decisão clara em seus olhos.

Os dois se entreolham sem compreender, mas, de repente, os olhos verdes de Yohji se voltam para o espadachim, finalmente entendendo suas palavras.

- Não acredito que você está cogitando em... – Há descrença em sua voz. – Só pode estar brincando!

- É a única forma. – A decisão parece irredutível, como se fosse a 'tábua de salvação' que tanto procurava.

- Do que vocês estão falando? – Ken fica se sentindo excluído, pois ainda não consegue entender.

- Ele não é de confiança. – O loiro se perde em lembranças dolorosas. – Você sabe que eu quase enlouqueci quando ele entrou na minha mente quando os enfrentamos da última vez. Ainda tenho pesadelos terríveis até hoje.

Finalmente Ken percebe do que os dois estão falando, sabendo muito bem que Yohji acorda suado e assustado toda vez que sonha com Schuldich e seus jogos mentais. Olha para Aya sem acreditar que ele teria coragem de confiar uma tarefa dessas ao telepata alemão.

- Você quer deixar o miserável entrar na mente do Omi?! – O moreno nem quer ouvir a resposta, pois isso o revolta profundamente.

- Não vou deixá-lo entrar sozinho! – Sabe que a preocupação deles é legítima, mas... Não tem escolha. – Eu vou com ele.

- O quê?! – Dessa vez a indignação volta ao rosto do loiro. – E como pretende que ele aceite isso? Acha que vai querer nos ajudar?

- Tenho um bom dinheiro guardado. – Encosta-se à parede, cansado demais. – Ele é um mercenário e só recebe depois de concluído o serviço... Mesmo que não der certo.

- Não sei não... – Yohji passa a mão pelos cabelos dourados do garoto sentado na poltrona. – É perigoso demais.

Aya volta a se aproximar da janela, sabe que os dois têm razão, pois o Schwarz é uma das pessoas mais traiçoeiras e perigosas que conhece, tendo um especial prazer em brincar com a mente dos Weiss. Fez isso com Omi e torturou Yohji naquela fracassada missão que todos não conseguem esquecer, mas ele é o único que tem poder suficiente para entrar na mente do garoto levando-o junto. Olha para o rosto sem expressão, lembrando de seu sorriso e alegria, coisas que não existem mais. Isso lhe dá forças.

- Vale a pena. – Seus olhos se enchendo da esperança de ver novamente o brilho dessas safiras. – E se acontecer algo comigo... Não me importo.

Os amigos desejam lhe dizer mais alguma coisa, convencê-lo a desistir de sua idéia maluca, mas não têm coragem. Como podem tirar dele esse momento de esperança que se tornara tão raro na vida do espadachim? Yohji chega a levantar, decidido a demovê-lo dessa decisão, mas então a campainha toca lá embaixo... Talvez Manx tenha esquecido alguma coisa. Ken já se ergue, porém Aya anda até ele e segura seu braço.

- Deixa que eu vou. – Ele diz quase em um sussurro, já saindo, sua figura exausta assustando os dois companheiros.

Desce as escadas devagar, sem muita vontade de ver ninguém, mas precisando sair um pouco do quarto do Omi para poder pensar melhor em seu plano. Chega até a porta e a abre, paralisando ao ver Kaoru, o garoto moreno que beijou o chibi, bem ali na sua frente.

- O-oi... Sei que o Omi está doente... – O rapaz está profundamente sem graça ao perceber o olhar satânico do ruivo a sua frente. – Ensaiei... Ensaiei... E decidi vir vê-lo.

- Você não tem um pingo de vergonha nessa sua cara mesmo, não é? – Aya diz isso tão baixo que é quase inaudível.

- Ahn? – Kaoru pensa em sair correndo, mas suas pernas parecem congeladas.

- Por sua causa eu o fiz sofrer. – O ruivo tem consciência que a maior culpa foi sua, mas não pode perder a oportunidade de acabar com o miserável que tentou forçar o Omi. – E isso me dá uma vontade louca de te fazer sofrer também.

- O quê? – Os olhos do rapaz se arregalam, pavor tomando conta de todo o seu ser. Percebe que aquele rosto demoníaco seria capaz de fazer o que diz.

- Furar seus olhos... Quebrar suas pernas... – Os olhos de Aya parecem percorrer uma lista imaginária de possibilidades. – Ainda não decidi o que fazer...

- Não foi por mal... – Suas mãos segurando na barra da jaqueta para que o outro não perceba a tremedeira.

Aya se aproxima ainda mais do garoto, tão perto que este pode sentir o hálito quente em seu rosto, dando uns passos para trás, desejando correr, mas sabendo que não consegue. O espadachim o segura pela camiseta.

- Eu amo o Omi e ninguém... Você ouviu bem? NINGUÉM machuca o meu chibi. – Tenta se segurar para não bater no rapaz. – Se afasta dele ou... Posso ser MUITO perigoso.

- ...! – Kaoru engole em seco.

- E... Some daqui. – Solta o garoto e fecha a porta em seu rosto. Encosta nela e sorri, sentindo uma satisfação indescritível, mas... Lembra da expressão vazia do chibi e se sente culpado por esse momento em que se sentiu feliz com a vingança. Isso só faz com que tenha ainda mais certeza de sua resolução. Vai salvá-lo a qualquer custo.

ooOoo

- Bela noite para um encontro! – A voz rouca e de sotaque alemão faz Aya se voltar.

Os dois homens se encaram. O cabelo ruivo do espadachim está completamente molhado ao encontrar o telepata, emprestando-lhe uma aparência ainda mais feroz do que de costume. Schuldich veste um sobretudo branco, deixando-o aberto, a camisa de seda preta quase completamente desabotoada. Há uma clara atitude de enfrentamento entre eles, mas com a cautela de quem sabe o quanto o outro é perigoso.

- Não venha com gracinhas! – Os olhos violeta se estreitam, cada vez mais desconfiados. – Temos negócios a tratar.

- Você é muito sem graça, Weiss... – O enfado carregando ainda mais sua voz. – Muito bem. Do que se trata? É por causa do garoto?

- Como você... – O espadachim o olha com raiva, pois ouvir Schuldich falar do seu chibi lhe revira o estômago.

- Ora, ora... – Há certa satisfação em mostrar ao inimigo o quanto os Schwarz são melhores que eles. – Não há nada que vocês façam que nós não saibamos.

Ele circula o local onde o líder dos Weiss está parado, querendo intimidá-lo ou irritá-lo, a primeira coisa que acontecer. É assim que desarma suas vítimas antes de penetrar em suas mentes, mas percebe que a expressão dele permanece imutável, mantendo sua mente fechada para seus joguetes. Só que sabe que seu ponto fraco está ali, esperando que o telepata o encontre e use para enfraquecê-lo.

- E como ele está? – Sorri sarcasticamente. – Soube que o gostosinho está doente! Pena... Sempre tive deliciosas fantasias com ele.

- Cala a boca! – Aya perde o controle e segura Schul pela gola do sobretudo.

Um sorriso vitorioso surge no rosto germânico, sabendo que o atingiu da forma que desejava. Ele fica alguns minutos ali, saboreando os sentimentos do Weiss com relação ao garoto. Cada detalhe do seu amor... Da culpa... Das noites de sonhos eróticos... Do medo de sentir... Isso lhe fala mais de Fujimyia do que tudo que sabe sobre sua vida.

Mas rapidamente Aya percebe o seu ardil e se afasta, acalmando-se e assumindo sua habitual frieza, fechando sua mente por completo e com isso bloqueia a intromissão do homem a sua frente, expulsando-o de seus pensamentos, afastando-o de seus sentimentos.

- Chega de enrolação. – Fala de forma forte e decidida. – Então se você sabe do caso... Não preciso perder tempo explicando. Aceita a proposta ou não?

- Sua oferta é muito tentadora... É muito dinheiro! – Os olhos azuis parecem analisar cuidadosamente a noção de ter tanto dinheiro em suas mãos. – Claro que Crawford pode não gostar que eu lucre free-lance...

- E ele precisa saber? – Os olhos de Aya se tornam maliciosos.

- Claro que não. – Sorri tão malicioso quanto o outro ruivo... Não! Muito mais... Como somente ele consegue ser. – Vou ajudar a resgatar o seu garotinho...

Enquanto os dois deixam o local, Aya sendo seguido de perto por Schuldich, desaparecendo na noite escura e chuvosa, os orbes azuis se voltam para trás. Ali, na obscuridade, onde estivera antes de se aproximar do Weiss, brilhantes olhos azul-escuro encontram com os dele. O telecinético sente satisfação porque os planos deles seguem como o programado, mas não há contentamento nenhum pelo que pretendem fazer.

ooOoo

Os dois ruivos seguem pelo corredor escuro. Schul se incomoda com o cheiro de mofo, não sabendo qual a necessidade deles terem trazido o garoto para cá, quando os Schwarz estão cansados de saber que moram na floricultura. Seguem por aquele lugar fétido, um prédio abandonado nos arredores da cidade, se aproximando de um dos quartos do velho hotel, onde podem ver uma luminosidade tênue. Aya entra primeiro, encontrando Yohji ainda com Omi no colo, enquanto Ken arruma uma velha cama com lençóis limpos. O alemão pára na porta, logo atrás dele. O estado do pequeno Weiss impressiona... Seus olhos azuis estão parados, sua expressão vazia.

- Vocês capricharam nas acomodações! – Diz olhando para o quarto iluminado por muitas velas.

- Por quê? – Yohji fala com a voz carregada de puro ressentimento. – Queria um hotel cinco estrelas?

Os dois se encaram. Schul sente que o último encontro deles não foi superado e... Nota algo mais. Sorri malicioso olhando do loiro para o ex-jogador.

- Nós temos novidades! – Solta uma risada libidinosa que faz a expressão de Ken fechar no mesmo instante. – Dois Weiss brincando juntos... Que bonitinho!

- É bom você calar a boca... – Aya já está cheio das provocações do Schwarz. – Ou o acordo está desfeito.

- Ok, ok. – Encosta-se à parede. – O problema de vocês é a falta de senso de humor.

Yohji acomoda o pequeno sobre a cama, seus olhos ainda abertos, mas destituídos de qualquer sentido. Tira o cabelo de seu rosto e se afasta, ainda temeroso do resultado deste plano insano de Aya. Ajuda então Ken a colocar duas poltronas que trouxeram, lado a lado, encostadas à cama.

- Está tudo pronto! – Yohji olha para Aya, desejando que o amigo desista.

- Muito bem... – O ruivo líder dos Weiss se volta para o alemão. – Agora você comanda o espetáculo.

Schuldich assume uma postura altiva, até meio esnobe, sabendo que agora realmente é sua vez. Coloca-se diante deles, olhando mais uma vez para o pequeno ausente. De certa forma, não gosta de vê-lo assim, pois... Essa mente sempre é tão divertida!

- Acho que primeiro devo explicar como funciona a coisa. – Parece um professor falando. – O que vou utilizar é uma técnica muito complicada. O mais fácil seria entrar sozinho na mente do chibi, mas...

Os olhos dos dois ruivos se cruzam, percebendo que em absoluto Aya deixaria que penetrasse na mente do garoto sem supervisão. No que faz muito bem... Tem que admitir que não é muito confiável.

– Então vou usar essa técnica antiga... Chamam de 'elo mental'... – Há todo um clima de suspense provocado por sua explicação. – Eu uno minha mente com a sua e nos levo para dentro da mente do garoto. Mas há alguns poréns...

- O QUÊ?!? – Yohji se incomoda demais com esses 'poréns'.

- Calma! Como tudo na vida... Há imprevistos. – Olha para o loiro com um sorriso sarcástico, sabendo como isso o incomoda. – Temos seis horas para voltar, senão nossos danos cerebrais podem ser irreparáveis.

- Aya... Tem certeza que quer continuar com isso? – Dessa vez é Ken que parece aflito.

O ruivo nem sequer responde, pois já haviam discutido muito sobre isso antes de saírem de casa, não pretende estender esse assunto ainda mais. Continua a olhar para o homem que tenta explicar a situação.

- Se vocês dois me deixarem terminar... – Olha para os dois namorados, que estreitam os olhos com raiva do tom de suas palavras.

- Continue... – O espadachim diz com frieza.

- Muito bem. – Engole em seco, pois esse olhar do Weiss afeta qualquer um. – Bem... Precisamos encontrar o chibi dentro da própria mente e convencê-lo a sair. Se o pequeno não quiser... Infelizmente teremos que desistir... Está preparado pra desistir se ele preferir ficar?

A pergunta cai como uma avalanche sobre o ruivo, seus olhos violeta encontrando os de Schul. Não havia ainda cogitado a idéia de Omi simplesmente preferir não voltar, mas o alemão tem toda a razão. É uma possibilidade e deve refletir sobre sua atitude quanto a ela.

- Se ele não quiser voltar... – Abaixa os olhos tristes, o Schwarz então percebendo a fragilidade do Weiss neste momento. – Vou respeitar a vontade dele.

- Humm... Tem algo mais...? – Os olhos azuis parecem procurar em sua própria memória cada detalhe a ser esclarecido. – Ah! Isso é muito importante! Como a mente do garoto tem suas defesas... Se algo acontecer com um de nós lá dentro... Este não voltará.

- Como assim?! – Yohji se aproxima dele, o olhar desconfiado.

- Simples... Se a mente do Omi matar o Weiss, por exemplo, eu volto sozinho. – Encara os olhos verdes do loiro. – O subconsciente dele tem que se proteger e vai tentar nos atacar. Deu pra entender?

- E se for você? – Ken o encara de perto.

- Como a minha mente está fazendo o 'elo'... – Ele se aproxima tanto do rosto de Ken que o faz recuar em atitude defensiva. – O seu líder ficará preso por lá para sempre.

Os dois rapazes tremem, todos os seus temores claros em seus rostos, não podendo deixar de olhar para Omi e depois para Aya, pensando na possibilidade de perder para sempre os seus dois amigos e 'irmãos'.

- Vamos começar logo com isso. – Os amigos tentam dizer algo mais, só que Aya ergue a mão pedindo para não falarem nada. – Não temos tempo a perder.

Aponta para as poltronas, indicando que o alemão se sente. Puxa os amigos pela camisa e faz com que se aproximem.

– Fiquem de vigília, pois nada impede de tudo isso ser uma armadilha dos Schwarz. – Olha para o outro ruivo, que sorri para ele, ouvindo muito bem o que dizem. – E se ele voltar sozinho... O matem!

Essas suas palavras surpreendem o outro, que faz menção de levantar-se, mas a mão que o espadachim pousa sobre o seu ombro o impede. Senta-se ao lado dele e os dois se encaram.

- Mas... E se for um imprevisto? – Há certa raiva em seus olhos.

- Schuldich... Eu te conheço. – A voz de Aya é calma, quase um sussurro. – Se não houver imprevistos... Você tratará de criá-los. Isso é só um estímulo pra você cuidar muito bem de mim.

A expressão do telepata é maldosa, quase vingativa, sabendo que o Weiss irá se arrepender em breve dessas palavras.

- Não se assustem com ferimentos e sangramentos que forem aparecendo em nossos corpos, pois... São apenas reflexos do que acontece conosco. E se um de nós morrer... – Suspense para que sejam suas as últimas palavras. – Vocês perceberão.

Sem mais nada a dizer, os dois se aproximam, o ruivo germânico tocando a cabeça de Aya com uma das mãos e com a outra a cabeça loira sobre o travesseiro. Fecham os olhos, a comunhão das mentes dos homens se iniciando. No começo com alguma dificuldade, pois a mente do Weiss é forte demais para se entregar com facilidade à invasão necessária, mas logo uma expressão serena substitui a de dor que marcava seus rostos. Os olhos de Omi também se fecham, parecendo sentir que não está mais sozinho.

ooOoo

Os olhos violeta vislumbram aquilo que representa a mente do seu garoto. Um imenso labirinto de sebe viva, coberto por um céu muito nublado, emprestando ao local uma aparência funesta. Para qualquer um a mente dele deveria parecer uma biblioteca, com todo o conhecimento que o pequeno gênio tem armazenado de forma organizada, pois Omi sempre acessa as informações rápido demais, mas Aya acredita que esse labirinto condiz mais com a realidade, sendo o seu chibi cheio de mistérios e sua mente muito complexa. Um labirinto... Imagem perfeita!

- Hoho... O bonitinho tem um labirinto! – Schul diz olhando em volta, para o ambiente ameaçador. – Nunca vi isso... Apesar de que combina com ele.

- Mas por que esse céu obscuro? – O espadachim encara o nevoeiro escuro que se apossa de todo o ambiente.

- É assim que o subconsciente dele se sente... – Olha para o céu cheio de nuvens negras. – Temos que encontrar o consciente... Só assim ele pode voltar.

"Como você pode ver através dos meus olhos

Como portas abertas?

Levando você até a minha essência.

Onde estou tão entorpecido... Sem alma."

"A voz de Omi" - Pelo menos é isso que Aya sente no mais profundo do seu ser. Ele ouve aquelas palavras... É uma melodia. Mas por que a ouve ali? Aquilo vem... De Omi?

- É o subconsciente dele recitando algo... – O alemão presta atenção. – Acho que é uma música! Ela talvez tenha um significado pra ele.

Aya pensa nesta música. Não é estranha para ele... Talvez tivesse... Claro! Omi a vinha ouvindo à exaustão nos últimos tempos. Yohji até pedira um dia para ele trocar de música, mas... Ele a ouvia quando estava sozinho no quarto, pois o ruivo escutava a melodia conhecida cortando o silêncio da noite. Agora se pergunta se a letra dessa música não era um indício do que ele já vinha sentindo, da depressão em que se afundava.

Logo que se movem na direção da entrada do labirinto, o tempo começa a clarear... Um imenso sol aparece no céu, todas as nuvens se dissipando como por milagre, os raios solares iluminando tudo. Toda a natureza parece renascer, com pássaros e borboletas azuis circulando por todos os cantos... Uma mudança radical!

- Uau! Ele parece ter percebido sua presença. – O alemão olha para Aya com uma expressão alegre, o que assusta o líder dos Weiss. – Vamos aproveitar e entrar.

Apesar da claridade o labirinto se mostra claustrofóbico, como estes costumam ser, muitas vezes dando em becos sem saída, outras vezes simplesmente se abrindo para que passem... E quanto mais ele facilita a caminhada dos dois, mais o Weiss fica nervoso. Omi jamais facilitaria para alguém ter esse acesso a ele... O poder de vê-lo em sua essência, enxergar o que existe por trás dos olhos azuis, por isso seguem com cautela. Cada passo é muito bem estudado, milimetricamente, sempre esperando que o subconsciente prepare alguma armadilha a fim de proteger o consciente ali refugiado. Os dois seguem em silêncio, tão perturbador quanto aquele emaranhado de paredes vegetais que parece não levar a lugar nenhum. Às vezes Aya lança um olhar para trás, preocupado com os atos de Schul, sempre achando que este pode fazer algo traiçoeiro, mas esta sensação vai passando conforme a aflição por encontrar Omi aumenta. O tempo está se esvaindo e nenhuma pista, somente essa imensidão verde sem fim. Só pensa nele... Em como mostrar para o pequeno que vale a pena voltar para casa.

- Então você o ama mesmo... – O alemão diz isso de forma desinteressada, como se apenas quisesse manter uma conversa para afastar o tédio.

- E isso te interessa? – Sempre na defensiva, Aya responde dessa forma, mas se arrepende logo depois. – Sempre amei, mas...

- Entendo melhor do que pensa. – Há um toque solitário em suas palavras. – Há um par de oceanos profundos que me escravizam...

- Nagi?! – Nunca havia pensado em Schuldich amando alguém.

- Ele povoa minhas noites e meus dias... – O alemão fala como se dissesse tudo isso para si mesmo.

- E você já teve coragem de dizer isso a ele? – Aya lança um olhar quase simpático para o ruivo que o segue, nunca o tendo visto por este ângulo.

- Pra quê? – Os olhos germânicos ficam marejados instantaneamente. – Acredito que um dia ele possa sair dessa vida... Eu já estou perdido pra sempre.

Rapidamente Schuldich pára, percebendo o que está acontecendo... Sua ligação mental com Aya é uma via de mão dupla. A reação agressiva do Weiss, tipicamente sua, e sua própria reação sentimentalóide ao pensar no quanto ama também o pequeno Nagi... Isso vem diretamente do tolo a sua frente. Esquecera-se em seu plano que o espadachim tem uma mente poderosa. Precisa acabar logo com isso e por seu ardil em prática, antes que seja afetado demais por essa mente ligada a sua.

Aya se volta, temendo que o alemão tenha percebido algo que ele não vira. Seus olhos se cruzam, um belo raio de sol brilhando sobre eles, este instante parecendo tenso, antecipando algo que irá acontecer. Os orbes violeta percebem que há uma rápida mudança no outro, algo de maléfico surge em sua expressão, o velho inimigo voltando à cena, dando a certeza a Aya de que caiu em uma armadilha.

O alemão, sabendo dominar seus dotes mentais, com uma força avassaladora, avança contra o espadachim, enlaçando-o pela cintura e empurrando contra a sebe, que cede um pouco com o impacto. Toma os lábios do Weiss com luxúria, apesar de toda a resistência deste, sua língua freneticamente penetrando a boca que tenta impedir-lhe o avanço, mas que falha ante a sua força sobre-humana. As mãos logo podem soltar o jovem espadachim, o peso de seu corpo o mantendo imobilizado contra a parede de plantas, que parece ajudar a segurá-lo, enroscando-se em suas roupas e cabelos. Os ágeis dedos abrem em frenesi o sobretudo preto, invadindo-o, passando para as costas com pressa alucinada, indo por baixo da camisa, também preta, sentindo-se livres para tocar na pele macia.

- Sempre quis ter você assim... Submisso em meus braços. – Schul se afasta levemente, encarando os olhos violeta ainda surpresos com sua investida.

Ataca o pescoço alvo, seus lábios percorrendo-o violentamente, deixando uma trilha molhada e vermelha. Uma de suas mãos volta aos botões, agora da camisa, enquanto a outra lhe segura firmemente as costas, trazendo-o cada vez mais para perto de si. Sua boca vai acompanhando o movimento dos dedos, a pele sendo revelada e atacada sem pena por seus lábios e dentes.

O tempo volta a se fechar, nuvens negras e pesadas escondendo o sol, pássaros belos sendo substituídos por enormes aves negras que circulam, como se estivessem em busca de presa. Relâmpagos cortam o céu, um vento frio percorrendo o labirinto, balançando a sebe de forma assustadora.

- Não! – O Weiss consegue empurrar Schul ligeiramente, afastando-o de seu corpo. Seus olhos faíscam de ódio, mas estranhamente não tem forças para impedir o ataque.

- O que é?! – Um sorriso maligno marca a boca bonita do alemão. – Você não desconfiou de nada? O tão esperto e poderoso líder dos Weiss caiu inocente no meu engodo?

- Eu... – Ele está certo. Nunca deveria confiar sua segurança e a de Omi a um inimigo, mas... Seu desespero o tornou fraco.

- Você vai morrer aqui dentro... – Sua voz é baixa e rouca, combinando com o ambiente ameaçador. – E nos livramos de dois Weiss ao mesmo tempo... O Brad sempre quis fazer isso com você...

A malícia escorrendo em suas palavras, divertindo-se com a expressão vazia de Aya.

– Oh, sim! Ele te acha um tesão... Com toda sua coragem... Não vai acreditar em como foi fácil. – Sua boca toma a do espadachim novamente, dessa vez com fúria, uma de suas pernas se colocando entre as dele, o abraço forçado impedindo o movimento dos braços. Nesse momento todo o ressentimento fluindo por suas veias, um profundo desejo de humilhar o inimigo, quebrar seu espírito antes de destruí-lo.

A resistência de Aya vai diminuindo, não porque aceitasse ou cedesse a esse avanço, mas algo dentro dele o torna vulnerável... Uma tristeza imobilizadora que o faz sentir que pouco se importa.

"Por que me sinto assim agora? Não entendo de onde vem isso... Perdi o Omi por minha culpa... Perdi minha família... Perdi minha irmã... Por que continuar?" – As mãos de Schul descem por suas costas e quadril, deliciando-se em seu corpo, fazendo-o sentir-se... Pior.

Seus lábios doloridos já não resistem às investidas cada vez mais avassaladoras, abrindo-se para que a língua do alemão o penetre, sem qualquer sinal de emoção. Seu rosto está tão vazio quanto o de Omi... Mas algo desperta dentro dele, não sabe muito bem por que, talvez por lembrar do seu loiro. Percebe que simplesmente ficar ali, pode ser conveniente já que está cansado de tanto lutar, mas está ali para salvar o chibi, que precisa dele neste momento. Não pode falhar com o loirinho novamente. Sente como se algo do chibi chegasse a ele, como uma força, um 'poder' para afastar aquele que o ameaça e pode ferir o próprio garoto.

O subconsciente parece zangado com eles, e os relâmpagos revelam isso, mas também sabe que é Aya que precisa vencer esse combate de mentes. Tirando forças do amor que sente pelo garoto, tenta empurrar o Schwarz, mas percebe que ainda não consegue, então, morde o lábio deste, que se afasta depressa, encostando-se na sebe.

A reação de Aya é inesperada, deixando o alemão atordoado. Sua mente o enfraquecera, tentara destruir sua vontade, o privara do desejo de lutar simplesmente explorando suas fraquezas: sua família, sua irmã e seu amor por Omi. Só que isto também é o que o faz forte, mas o combate entre os dois não terminaria assim, apenas afastando-os fisicamente. Sente claramente quando a mente do Weiss o repele violentamente, resistindo como se tivesse a katana na mão. Limpa o lábio, que sangra profusamente, tentando pensar no próximo passo a seguir.

- Você pensa que pode me vencer? – Diz com raiva. – Não irá sair daqui...

- Se eu não sair... – Aya fica de pé, se recompondo do ataque que o desestabilizara. – Você sabe o que acontecerá.

- Os seus amigos?! – Ele ri de forma assustadora. – Já tratei disso...

E antes que o Weiss possa reagir de alguma forma, Schul se retira, decidindo protelar esse confronto para outro momento, depois de se recuperar do impacto da resistência da mente de Aya. Olha ainda para trás, um sorriso maldoso, sabendo que pensou em todos os detalhes e finalmente superou completamente os inimigos. Seu plano derrota todos os Weiss de uma única vez e Brad terá que se render a sua inteligência.

Aya sente as pernas tremerem, sentando-se para não cair. Em sua ânsia por salvar o Omi, pode ter destruído os Weiss... Pior... Pode ter colocado em perigo seus amigos, sua nova família. Encolhe as pernas junto ao corpo, apoiando a cabeça nos joelhos, os braços caídos ao longo do corpo. Está tão cansado e... Parece que tudo que tenta fazer piora a situação. Entende muito bem a razão desse ataque do alemão, isso está claramente presente na mudança do tempo. O subconsciente de Omi percebeu muito bem o que aconteceu e ficou raivoso... Provavelmente de ciúmes. Mas como fazê-lo ver que não teve culpa, sequer ficou excitado, apesar de tudo o que o outro fizera? Sente então um toque molhado em seu braço direito, o que o faz voltar o rosto e encarar uma pequena raposa que lhe encosta o focinho úmido.

- Uma raposa...? – Levanta a cabeça e estende a mão para tocá-la, mas esta se afasta ligeiramente.

- Kitsune! – O pequeno animal fala com indignação. - Respeito, por favor...

O ruivo levanta em um pulo, afastando-se do animal falante, já pensando que este lugar começa a afetar sua mente, fazendo-o ter alucinações, mas a kitsune o observa com um ar intrigado, sem entender o porquê de todo aquele alarme.

- Mas você fala...! – Aya nem acredita que tenta manter uma conversa com uma raposa.

- Claro que falo! Sou uma kitsune, uma criatura benévola do folclore. – Ela se aproxima dele. – Ele ouvia minhas histórias quando criança...

- Então você faz parte da imaginação dele?! – O rapaz se agacha a sua frente, tentando novamente tocá-la, mas dessa vez sendo permitido. O pêlo da criatura é macio e sedoso, essa sensação trazendo certo conforto ao Weiss. – Então pode me ajudar a encontrá-lo?

- Isso não... Você tem de encontrá-lo sozinho. – Ela diz numa voz suave, fazendo movimentos com a cabeça, demonstrando estar adorando os afagos. – Mas posso ajudá-lo ao longo do caminho.

- Não tenho idéia do que fazer. – Olha para o céu escuro, repleto de perigosos relâmpagos. – Ele está magoado comigo...

- Pra você tentar chegar ao fim, tem de entender o começo. – Olha para ele, esperando que entenda. Afinal, seres míticos devem falar de forma enigmática.

Aya se levanta e pára um instante para pensar. Para encontrar Omi e convencê-lo a voltar, precisa entender porque ele estava tão deprimido. Claro que o espadachim e sua covardia tiveram um grande papel para agravar o seu estado, mas havia algo mais... Sempre houve. O passado e toda a dor que este ocultava, do qual o garoto não gostava de falar.

- Se eu preciso entender a razão dele ter tanta tristeza guardada a ponto de se fechar... – A raposa sorri para ele, satisfeita por este ser alguém disposto a entender. – Como conseguirei isso?

- Me siga. – Ela diz já dando as costas a ele e caminhando pelo labirinto trevoso a sua frente.

O ruivo a segue de perto, temendo perdê-la de vista diante da escuridão que fica cada vez pior. A mente de Omi está realmente furiosa e teme que a qualquer momento possa ser atingido por algum raio.

"Aquele Schwarz adoraria isso! Pouparia o seu trabalho."– Pensa, mas logo se repreende por pensar no telepata, quando deve se concentrar em sua missão.

A kitsune pára então e uma estranha luminosidade deixa entrever uma enorme porta dourada fechada com muitos cadeados imensos. Ela lhe parece familiar! Sim... Muitas vezes o observara sentar diante da TV, o que acontecia em raríssimas ocasiões, apenas porque amava esse anime. Fullmetal Alchemist era o único contato de Omi com uma vida de adolescente normal, além da escola e ele só o perdia quando tinham alguma missão. Adorava vê-lo rindo e chorando de forma tão natural, uma emoção que o fazia amá-lo ainda mais.

"E essa era a Porta da Verdade ou coisa do gênero."– Pensa tentando se concentrar no que veio fazer.

- Aqui você entra sozinho... – Aya olha para a pequena companheira parada a seu lado. – Mas cuidado...

Ele pensa em perguntar por que, mas prefere ficar calado. Sente que terá de enfrentar tudo aquilo que Omi sempre escondera, aquilo que guardava para si e raramente deixava aparecer... Aquilo por trás da máscara. Sabe que amá-lo só vai tornar isso mais difícil. Ver tudo que o fez e faz sofrer... Seus segredos mais negros e dolorosos... Precisa tentar manter a sanidade ou não será capaz de salvá-lo.

- E como abro os cadeados? – Diz observando os sete cadeados diante dele.

- Toque a porta... – A raposa diz em um sussurro. – Ele o deixará entrar.

Os próximos passos são difíceis, sendo lentos e preocupados. Aproxima-se e observa a porta ricamente entalhada, exatamente como vira no anime. Estende a mão e toca-a devagar, primeiro com a ponta dos dedos, temendo que a mágoa do garoto o possa repelir, mas depois seu toque é suave, como um carinho. Um ruído mecânico começa, quando um a um os cadeados vão se abrindo e, em seguida, a própria porta se abre, dando apenas espaço para que Aya entre, fechando-se a suas costas.

ooOoo

Yohji observa a rua, através da janela, atento a tudo, mas ao mesmo tempo muito preocupado. Gostaria de ter impedido o ruivo! Mas quem é capaz de deter um coração apaixonado... Ainda mais quando a pessoa que ama está em risco? Ele faria o mesmo por Ken? Pensa em como sua vida era tão solitária antes de confessarem um ao outro o que sentiam. Usava a eficiente 'máscara' do playboy, percorrendo as boates de Tóquio em busca de algo que... Estava ao seu lado. Olha para trás, vê o namorado sentado na cama, cabeça baixa, tão preocupado quanto ele.

Mas seus olhos também vislumbram a cabeça de cabelos de fogo e um tremor passa por todo o seu corpo. É impossível não lembrar daquele dia... Ficara para trás, capturado pelos Schwarz, enquanto os demais cumpriam a missão importantíssima. Crawford e Schuldich ficaram um bom tempo somente observando, enquanto Farfarello o torturava, mas isso era suportável. Não seria uma tortura que o faria dizer onde os outros atacariam logo em seguida, então o telepata se adiantou e olhou sadicamente para ele, dando-lhe a certeza que não havia como resistir. Já bastante ferido fisicamente, não conseguiu impedir que o ruivo o invadisse, que penetrasse em sua mente sem pedir licença, colocando nela pensamentos perturbadores. Era o triste enterro de seus pais e a morte de Asuka, resgatados de suas lembranças mais infelizes, mas também a imagem de seus amigos todos mortos, completamente mutilados.

"Eles foram para uma armadilha... Só você pode salvá-los."– Era o pensamento que o alemão imprimia em sua mente. – "Só você pode impedi-los de morrer. Você é o culpado!"

E com essas palavras sendo repetidas diversas vezes, Yohji quase cedeu, mas quando percebia que fraquejava, se fechava novamente, tendo mantido o segredo do destino dos Weiss até que estes o resgataram.

Ken percebe a expressão sofrida de Yohji enquanto vigia a rua. Sabe muito bem no que está pensando, pois muitas vezes já o vira assim, ainda torturado por tudo que o Schwarz fizera com ele. Levanta-se da cama e anda em sua direção, abraçando-o por trás carinhosamente. Yohji sorri ao toque e puxa Ken para frente, envolvendo-o forte em seus braços, aconchegando a cabeça morena em seu peito. Não é preciso ser dito nada entre eles. Sente o conforto e a força que o ex-jogador tenta lhe passar e se sente agradecido por tê-lo em sua vida. Estreita o abraço como se o quisesse proteger do mundo para sempre, mas Ken então fica em estado de alerta, afastando-se do loiro.

- Ouviu isso? – Ele olha para a porta e se aproxima da janela. – Um ruído...

- Eu... Bem... – Yohji estava perdido demais nos próprios pensamentos para perceber qualquer coisa.

O moreno anda na direção na porta, olhando para o telepata instintivamente, vendo sangue escorrendo de seus lábios, mas prefere ignorar esse fato, observando o corredor escuro e fétido... Algo está acontecendo com certeza, seus sentidos nunca o enganam.

Continua...

ooOoo

Mitleirregend patético

Agradeço de coração à minha querida beta Samantha Tiger, que sempre tinha palavras de incentivo a cada passo da confecção, mesmo quando eu desesperava e pensava em desistir. BEIJOS AMORE.

Essa foi uma das minhas fics mais trabalhosas, pois requereu muita pesquisa. Adorei tudo que descobri sobre a Mitologia Japonesa, catatonia e katanas. Material muito bom pra próximos trabalhos.

A música que povoa o subconsciente do Omi é "Bring me to Life" do Evanescence, que encaixava perfeitamente naquilo que o nosso chibi sentia. A música/poema que ele canta para o Aya foi psicografada e é de autor desconhecido. Pareceu até composta para aquele momento.

De novo agradeço à mestra Suriya e Evil (Private Dancer foi a minha primeira) por me apresentarem a esse mundo das fics, que me tornou uma pessoa realizada, recém-saída de 10 anos de bloqueio total de inspiração. BEIJOS QUERIDAS.

Espero que gostem e COMENTEM!!!!!!

06 de Setembro de 2007

1:28 PM

Lady Anúbis