Uma tangerina. Cinco biscoitos de água e sal. Três cenourinhas. Uma xícara de queijo branco em cubinhos. Dois biscoitos.
Sakura Haruno sorriu diante daquela maravilha de almoço, tudo arrumadinho sobre o guardanapo aberto em cima da escrivaninha.
Não estava conseguindo descascar a tangerina com aquelas unhas tão curtas. Vivia lutando para não roê-las, mas o hábito era forte demais.
Mas também, que importava isso? Suas mãos não serviam mesmo para anúncio de esmalte, e, além do mais, as unhas curtinhas possibilitavam-lhe maior velocidade no teclado do computador.
Sakura acabou por arrancar a casca da fruta com os dentes, submetendo-se ao sabor ácido e amargo. Com uma careta, voltou o olhar para seu projeto especial de fim de ano: cartões de Natal de todos os tipos amontoavam-se sobre o lado direito do tampo da mesa. Colocando distraidamente um cubinho de queijo na boca, tentou imaginar quantos daqueles cartões poderia usar para sua colagem de festas.
-Ah, menina, não faça a bobagem de deixar que ele a veja mexendo com esses cartões!
Sakura ergueu o olhar para Tenten, uma de suas colegas do pool de secretárias, que surgira ao lado de sua escrivaninha.
- Mas o Natal está chegando! - protestou ela.
- Não importa, o Sr. Uchiha não quer saber de enfeites pessoais na mesa de ninguém.
- Puxa, Tenten, não é possível que ele não faça uma exceção na época das festas!
- Muito bem, então - respondeu a outra moça - Vá em frente e recorte suas figurinhas. Mas depois não se queixe. Sabe quantas assistentes o Sr. Uchiha teve nos últimos cinco anos? - Sakura fez que não com a cabeça, havia apenas um ano que trabalhava nas Indústrias Uchiha. - Onze, minha querida - prosseguiu Tenten. - Onze! Tire suas próprias conclusões - finalizou, afastando-se em direção à mesa de Guren e colocando uma pasta de documentos na caixa de Entrada.
Guren Robinson, assistente executiva do sr. Uchiha, estava de férias até o dia 5 de janeiro. Com isso, todas as outras secretárias eram obrigadas a fazer horas extras. E Sakura estava tendo muito mais contato com o Sr. Sasuke Uchiha do que antes.
Ao pensar nisso, ela perdeu a noção de onde se encontrava. A pilha de cartões se desvaneceu de sua vista e, embora continuasse a comer, nem sentiu mais o sabor de coisa alguma. Tudo o que via à sua frente era Sasuke. Seu doce e incompreendido Sasuke...
A estridente campainha do interfone a fez voltar à realidade. Sakura levantou-se, apanhou seu bloco de anotações e passou correndo em frente à mesa de Guren, dirigindo-se à sala do sr. Uchiha. Antes de entrar, ajeitou a saia e o suéter, ambos comprados em uma liquidação, depois bateu delicadamente à imponente porta de madeira entalhada e abriu-a.
Fechou novamente a porta e, enquanto se aproximava da imensa mesa do chefe, viu que ele nem sequer levantara os olhos dos documentos que examinava. Mesmo assim, a cada passo silencioso que dava sobre o espesso carpete cinzento, Sakura sentia o coração bater cada vez mais forte e a respiração se acelerar.
-Pois não, sr. Uchiha.
Ele não respondeu nem ergueu o olhar por mais alguns momentos. Melhor, pois, assim, Sakura teve a oportunidade de encher os olhos com a imagem daquele homem maravilhoso. Sasuke Uchiha não tinha uma beleza clássica, suas feições eram rudes demais para tanto. O nariz ligeiramente aquilino, a pequena cicatriz na testa... Os olhos, entretanto, eram fantásticos: escuros como o breu da noite, penetrantes... Cativantes. E quando ele sorria, então! Seu sorriso iluminava tudo a seu redor. Sasuke era alto mas sem exagero, media pouco mais de um metro e oitenta. Seu corpo, porém, era maciço e vigoroso. Sakura já lhe vira os braços, certa vez em que ele enrolara as mangas da camisa. Eram fortes e musculosos, e desde então haviam passado a fazer parte dos sonhos dela.
- Preciso que a senhorita anote um texto para mim - declarou Sasuke afinal.
- Sim, senhor - respondeu ela, sentando-se na cadeira que ficava à frente e um pouco à direita da enorme escrivaninha. Cruzou discretamente as pernas, apoiou o bloco na coxa direita e dirigiu ao chefe o melhor de seus sorrisos. Sasuke nem viu, continuava de olhos baixos para os papéis que estava lendo.
- Por favor, anote exatamente o que vou lhe ditar: Konan Baskin, ex-aluna da Vassar, ligar para S. U.
Sakura ergueu os olhos para ele, a caneta ainda em posição sobre o bloco.
- Sim, senhor, pode prosseguir.
- É apenas isso. Por favor, digite esse anúncio e, amanhã cedo, leve-o à redação da revista Atitudes. Quero-o publicado na edição do dia 18 de dezembro.
- Na seção de classificados pessoais?
- Exatamente - confirmou Sasuke, dirigindo-lhe um rápido olhar de esguelha.
Por mais rápido que tivesse sido aquele olhar, no entanto, Sakura percebera a inconfundível paixão que brilhava naqueles olhos escuros. Era evidente que Sasuke a amava. Ele só não sabia disso, ainda...
Mas quem seria aquela tal de Konan Baskin? Por que Sasuke decidira mandar publicar um anúncio para encontrá-la? A revista Atitudes era sofisticadíssima, lida em todo o mundo pelas pessoas bem-sucedidas. Uma das seções que mais faziam sucesso era a chamada "Toque Pessoal", em que, duas vezes por mês, os leitores mandavam publicar anúncios para encontrar amores ou amigos, ou ainda para mandar amores ou amigos sumirem e nunca mais aparecerem.
Konan Baskin. Seria uma antiga colega de escola de Sasuke? Quem sabe do tempo em que ele estudara em Harvard... Ou talvez fosse uma ex-sócia nos negócios. E se fosse uma ex-namorada? Ah, meu Deus, isso não!
- Srta. Haruno?
- Sim, pois não?
- Por que ainda está aqui?
Sakura voltou subitamente à realidade. Com um sorriso constrangido, levantou-se e foi se afastando até se chocar de costas com a porta. O chefe continuou a fitá-la, enquanto ela lutava para girar a maçaneta, deixando cair o bloco de anotações, mas quando Sakura se abaixou para apanhá-lo, Sasuke já voltara a atenção para os documentos que lia.
Ela saiu atabalhoadamente da sala, fechando a porta atrás de si, e, a regressar para a sua escrivaninha, baixou o olhar para o nome anotado em seu bloco. Konan Baskin. Konan. Com sua personalidade firme e vigorosa, Sasuke precisava de uma mulher com um nome mais tradicional. Sakura, por exemplo. O telefone tocou e ela correu para atender.
- Recepção do Sr. Uchiha, pois não?
- Oi, Sakura.
- Ah, olá, Ino - ela respondeu, sentando-se. - Como vai?
- Estou ótima. Escute, estou ligando para avisar que vamos abrir mais um restaurante pouco antes do Natal. Não fica longe do seu trabalho.
- Ah, sei... - Sakura estranhou a ligação da irmã, que não costumava convidá-la para seus eventos repletos de celebridades. Ino e outras três modelos, cujas rendas anuais somadas dariam para acabar com a dívida interna do país, haviam aberto cinco restaurantes. E o tinham feito sem precisar da presença de Sakura, por que dessa vez seria diferente?
- E então, Sakura? - insistiu Ino. - Gostaria ou não de comparecer?
- Eu?
- É claro, sua bobinha. Já passou da hora de você ver o que tenho feito na vida.
- Fui à inauguração daquele seu outro restaurante em SoHo, lembra-se?
- Foi? Puxa, é mesmo... E o que achou dele?
- Achei bonito... Muito... moderno.
- Ótimo - respondeu Ino. - Então posso colocar seu nome na lista dos convites confirmados?
- Acho que sim. Em que dia vai ser?
- Vinte e três de dezembro, um domingo. E, Sakura, será que poderia pedir ao seu chefe para ir também? Como nosso convidado, naturalmente.
Sakura sentiu-se invadir mais uma vez pela decepção, sua velha conhecida, sua companheira de infância.
- O Sr. Uchiha está com a agenda cheia - respondeu por fim, esforçando-se para que sua voz não traísse seu desapontamento. - Você sabe, ele é um homem muito ocupado.
- Mas será que você não poderia ao menos perguntar? - insistiu Ino. - Ele é o tipo de cliente de quem estamos precisando. Se gostar, pode voltar outras vezes, e levar os amigos dele.
- Não, o Sr. Uchiha não vai poder ir. Acabo de consultar sua agenda, ele estará viajando.
- Ora, mas que droga...
- Mas pode deixar que na volta da viagem eu falo a ele do novo restaurante.
- Muito obrigada - disse Ino em tom aborrecido, e Sakura quase podia ver o muxoxo de contrariedade que a irmã estava fazendo. Aquele "biquinho" de menina mimada costumava deixar ainda mais bonita a lindíssima Ino, cujo rosto perseguia Sakura a cada esquina, em outdoors por toda Manhattan. - Bom, Sakura, tenho um milhão de coisas para resolver. A gente se fala em breve, está bem?
— Está b... - Sakura tentou responder, mas a irmã já havia desligado. Não que Ino fosse indelicada de propósito, é que possuía uma visão um tanto distorcida do mundo. Nicolau Copérnico que fosse para o espaço: o verdadeiro centro do universo era Ino Haruno. Bem, ao menos quando não estava na presença das outras duas irmãs.
As fantásticas irmãs Haruno... A mais velha, Temari, acabara de concluir uma triunfante turnê de concertos com a Orquestra Sinfônica de Boston, havia alguns dias, Sakura lera uma matéria sobre ela na revista Times.
Depois vinha Hinata. Dois anos mais jovem que Temari, e já fazia parte da lista dos maiores autores de bestsellers dos Estados Unidos. A romancista de nossa geração, segundo a revista People. Tudo o que Sakura sabia era que Hinata não respondera às suas últimas três cartas.
Ino vinha em seguida. Começara a trabalhar como modelo aos quatorze anos, depois fizera aquela capa para a Sports Illustrated e logo se tornara uma das mais famosas topmodels do mundo.
Três garotas incríveis, lindas e talentosas... E, finalmente, vinha a caçula, Sakura. Sakura, que não tinha o menor ouvido para a música. A moderadamente atraente Sakura. A medíocre Sakura, cuja maior fama na sociedade novaiorquina era a de não ser uma de suas irmãs.
Com um profundo suspiro, Sakura abandonou as reminiscências familiares e voltou a ocupar o pensamento com Konan Baskin. Quem seria essa Konan Baskin, meu Deus? Por que será que Sasuke não tinha o número de telefone dela? E que papel teria desempenhado no passado dele?
Sakura digitou o anúncio, imprimiu-o e, lendo-o pela milésima vez, chegou à conclusão de que o texto estava totalmente inadequado. Sakura jamais se sentiria tentada a responder a um apelo tão frio e sucinto.
Os dedos hábeis voavam por sobre o teclado, enquanto ela digitava e deletava, digitava e deletava até chegar ao texto perfeito para o anúncio. Em seguida ligou para a redação da revista Atitudes, a fim de pedir o endereço e horário de atendimento, Sasuke lhe dissera para ir lá pessoalmente, e era isso que ela iria fazer.
Depois ligou para a telefonista lá na recepção, para avisar que no dia seguinte chegaria ao escritório com mais ou menos uma hora de atraso. Finalmente guardou na bolsa os dois anúncios, o de Sasuke e o dela, ainda tinha pela frente toda uma tarde de trabalho.
Enquanto esperava ser atendida, Sasuke lia o anúncio que redigira, depois o de Sasuke, depois o dela e novo, vezes e vezes sem conta. O texto que escrevera era poético, sincero, tocante; o dele era seco e frio.
Quando, por fim, foi chamada ao balcão, ainda não chegara a uma conclusão definitiva: qual dos dois mandaria publicar?
- Eu quero publicar um classificado pessoal, por favor.
- Você o trouxe por escrito? - perguntou a atendente, com visível mau humor. Sakura fez que sim com a cabeça, consciente de que chegara o momento de tomar uma decisão. - E então? - insistiu a outra. - Vamos, mocinha, não tenho o dia todo.
Sakura sabia com absoluta certeza que o anúncio que escrevera traria Konan de volta para a vida de Sasuke.
Então entregou à atendente o outro, o do texto frio e impessoal. Afinal de contas, não era nenhuma idiota.
?
O índice Dow Jones caíra cinco pontos e, ainda por cima, Sasuke estava com dor de cabeça.
Ele tomou três aspirinas, apagou a luz e voltou para a cama, recomeçando a ler o contrato de Riverside.
Não fazia cinco minutos que voltara a se concentrar e o telefone tocou. Com um suspiro, Sasuke lembrou-se de que havia no mundo somente duas pessoas capazes de ligar a uma hora daquelas: ou Naruto, ou sua mãe, do navio no qual fazia um cruzeiro pelo Caribe. Desejou que fosse Naruto.
- Ah, querido, você nem imagina!
- Oi, mamãe. O que foi?
- Eu ganhei, Charles! Eu ganhei!
- Ganhou o quê?
- O concurso de fantasias - respondeu a sra. Uchiha. - Foi um sucesso! Todo mundo me aplaudindo... Ah, meu filho, você devia estar aqui para ver!
- Eu gostaria muito, mamãe - disse Sasuke, desistindo de terminar o exame do contrato, no dia seguinte acordaria meia hora mais cedo e pronto. - Conte-me como foi - pediu, em fingido tom de interesse, recostando-se nos travesseiros.
Sua mãe não se fez de rogada, contando tudo de forma irritantemente detalhada. Sasuke teve de ouvir a descrição do vestido que ela usava, da bolsa, dos sapatos, dos pratos que comera no jantar do navio. O relato parecia não ter mais fim e, quando ela fazia uma pausa, ele emitia um ou outro monossílabo apenas para confirmar que ainda estava escutando.
Seu pensamento, porém, encontrava-se longe, na decisão que tomara na última sexta-feira. Enquanto sua mãe tecia elogios à lagosta, ele tentava imaginar o que aconteceria se lhe contasse o que decidira...
O que sua mãe não entendia era que Konan era exatamente o que ele precisava. A moça era sofisticadíssima e suficientemente bem informada para participar com sucesso de qualquer conversa durante um jantar de negócios. Era muito bonita e vinha de uma ótima família. O que Sasuke não conseguia lembrar era o exato motivo de seu rompimento com Konan, havia alguns anos. Devia ter sido algo relacionado à morte do pai dele, uma época muito difícil em sua vida. Ele, porém, conseguira sobreviver, assumira a direção da empresa e os cuidados com sua mãe. E agora chegara o momento de iniciar uma nova fase em sua existência. Uma esposa, filhos. Ele logo completaria 32 anos e, quando isso acontecesse, queria já ter resolvido aquele assunto de casamento.
Tudo dependia de se Konan ainda lia aquela maldita revista. Sasuke não sabia por que ela não deixara endereço ou número de telefone com seu último senhorio. Seus pais haviam morrido havia vários anos, e ela não tinha irmãos nem irmãs. Ele tentara localizá-la por meio do centro acadêmico da faculdade, da associação de ex-alunos, mas nada conseguira.
A única informação que obtivera fora a de que Konan estava morando no exterior. Quem sabe ela já tivesse voltado para os Estados Unidos... Mesmo se não tivesse, no entanto, Sasuke sabia que Konan continuaria a assinar a revista Atitudes em qualquer lugar do mundo.
- Sasuke, querido?
- Sim, mamãe?
- Você não respondeu à minha pergunta. O que está fazendo, lendo o Wall Street Journal enquanto eu fico aqui falando sozinha feito uma boba?
- Não, claro que não - ele se apressou a responder. - É que estou com um pouco de dor de cabeça.
- Já tomou algum remédio?
- Já tomei algumas aspirinas, não se preocupe.
- Ah, meu filho, você deve estar pensando que eu não passo de uma velha escandalosa... Imagine só, vencer um concurso de fantasias na minha idade!
- Que mal há nisso? Você merece o direito de se divertir, mamãe.
- É, acho que sim - concordou ela. - E não precisa se preocupar, querido, Kim e Sasame estão tomando conta de mim direitinho. - Charles franziu a testa com desagrado, não era para sua mãe ter percebido que ele contratara as duas para ficar discretamente de olho nela. - Ora, meu filho - prosseguiu a Sra. Uchiha -, pare de fazer essa cara feia que eu sei que está fazendo, achou mesmo que eu demoraria muito a descobrir? Agora, Sasuke, vá dormir, você precisa descansar.
- Está bem, mamãe, boa noite.
- Boa noite, querido, volto a ligar em breve.
Sasuke desligou e se levantou para ir escovar os dentes, depois ajustou o despertador para as quatro e meia em vez de para as cinco.
Ao se ajeitar sob as cobertas, recomeçou a tentar recordar por que, afinal de contas, rompera o relacionamento com Konan. Sabia apenas que a iniciativa partira dele, mas, por mais que tentasse, não conseguia se lembrar do motivo. Não devia ter sido nada de muito importante, tinha certeza de que ela daria uma mãe maravilhosa para seus filhos, que seria uma esposa muito eficiente. E, se não lhe falhava a memória, o que não faltava a Konan era eficiência na cama.
Sua esperança era de que ela não demorasse muito para responder ao anúncio, senão, ele teria de contratar um detetive particular. Sasuke queria se casar o mais depressa possível e, se não conseguisse localizar Konan, teria de sair à procura de outra. Estremeceu só de pensar nisso.
As coisas seriam muito mais fáceis para ele se a Sra. Robinson não estivesse de férias. Seu trabalho continuava a ser feito, mas sem a ajuda de sua assistente, ele tinha de dedicar muito mais de seu tempo a cada tarefa. Ainda bem que aquela moça... Como se chamava? Sakura? Ainda bem que era boa conhecedora da língua inglesa, e ele não precisava ficar revisando o que ela digitava.
Uma boa notícia no final das contas.
