Olhei pela janela. O dia estava cinzento e frio, características cada vez mais comum nessa região. Disseram que antes do meu nascimento não haviam dores, tristezas e a natureza estava sempre em equilíbrio. Gostaria de ter vivido nessa época para conhecer o calor do sol, a alegria da vida brotando em cada pedaço de terra, a verdadeira amizade e o amor.
Infelizmente tive de me acostumar com a solidão e com as trevas!
Decidi caminhar entre a mata para tentar vislumbrar algum vestígio de alegria. Vesti-me como o verdadeiro príncipe que era e, aos poucos, comecei a me afastar do meu quarto. Avancei pelo castelo e me aproximei da saída. Os empregados se ajoelhavam diante a minha aproximação, mas não interferiam em meus movimentos. Eu me acostumara a isso, mas no fundo nunca entendia a razão. Me respondiam que eram os costumes, a tradição. Eu era um príncipe e, como tal, devia ter o mundo aos meus pés.
Atravessei o jardim e logo cheguei ao que um dia foi uma farta floresta, mas hoje não passava de um conjunto de árvores secas e mortas. Suspirei perante a cena deprimente e sentei-me recostado no tronco da mais grossa delas. Cerrei os olhos e deixei a fraca luz ambiente tocar em minha face.
– É triste, não acha? – comentou uma voz feminina.
Abri os olhos e olhei ao meu redor. Não demorou para que uma jovem de cabelos cor de fogo e olhos de um breu angustiante tivesse começado a se aproximar. Seus cachos perfeitamente moldados enfeitavam o rosto redondo e deixavam a alva tez ainda mais pálida. Se eu acreditasse em lendas, diria que era um fantasma ou um vampiro, mas sabia que esse tipo de ser não existia. Aliás, isso era uma invenção dos bruxos, os malditos seres que corromperam a mente da minha mãe e destruíram a minha vida. Por isso eu os odiava!
– Um pouco, mas não sei ao certo. – respondi num timbre calmo – Desde que me conheço por gente essa floresta é assim.
– Você é Hades?
Franzi o cenho e surpreendi-me com a falta da palavra 'lord' antes do meu nome. Era assim que todos sempre me tratavam! Entretanto, sempre achei impessoal demais e me enervava com o extremo respeito e com o pouco contato das pessoas ao meu redor. Às vezes eu me sentia como um portador de alguma doença infecto-contagiosa.
– Sou eu mesmo! – Respondi, estendendo a minha mão – E você é...
– Sou Helena. – sorriu delicadamente, sentando-se ao meu lado e ignorando a mão estendida.
– É a primeira pessoa que não me chama de lord... – prossegui, recolhendo a minha mão – Na verdade, acho que é a primeira pessoa que vem conversar comigo desde a morte da minha mãe. Quer dizer, além do meu pai...
– Eu sei o que é viver num mundo solitário, por isso vim conversar contigo.
– Você comentou sobre a floresta, mas não parece ter idade suficiente para tê-la visto em seu auge. – afirmei encarando seus olhos ofuscados por algo que não consegui identificar.
– As aparências enganam... – sorriu e levantou-se, batendo o pó de sua roupa – Acho que já o incomodei demais! Se me dá licença, o deixarei a sós.
– Não! Espere... – pedi num salto – Eu sei que não sou acostumado a conversar, mas percebi algo estranho em seu olhar. Há algo que posso fazer?
– Ainda não, mas quando chegar o momento certo...
– Momento certo? Como assim?
Ela afastou-se e começou a correr em ziguezague. Era rápida demais, ágil demais! Chamei pelo seu nome, mas não consegui alcançá-la. O céu começou a escurecer num rompante. Iria chover novamente e eu precisava voltar ao castelo.
Balancei minha cabeça negativamente e virei num ângulo de 180 graus. O vento fazia com que os curtos fios do meu cabelo de um intenso negrume esvoaçassem. Caminhei rapidamente em passos firmes e, tão logo atravessei a porta, as primeiras gotas precipitaram-se do céu, tocando o solo. Um vento descomunalmente frio adentrou a porta e me arrepiei por completo.
Tranquei-me em meu próprio quarto, pensando nas palavras da jovem Helena. Quem seria ela? E por que eu ainda não estava preparado para ajudá-la? Deixei meu corpo cair na cama, cerrei os olhos e por um segundo senti sua presença ao meu lado. Sorri.
§ o §
– Majestade... – Um homem de 1,92m de altura, cabelos dourados e olhos da mesma cor ajoelhava-se perante o rei, que estava sentado em seu trono.
– E então, alguma novidade, sir Hypnos?
– Sim, senhor! Eu fiz o que vossa alteza me ordenou, da forma mais discreta possível.
– E então, quais foram os resultados?
– Segundo meus subordinados, ele continua com a mesma mania.
Os lábios do rei se arqueiam num gesto de desgosto. Hypnos percebe os nós das mãos de seu senhor ficando brancos, tamanha a força imposta na hora deste ter fechado o membro em questão. Em seguida, ouviu-se o som de um golpe certeiro contra um objeto de madeira maciça. Palavras impróprias são pronunciadas e então, de um tom raivoso e autoritário, parte a ordem:
– Mande Hades vir aqui, agora!
– Sim, vossa majestade. – o cavaleiro respondeu respeitosamente, baixando a cabeça e, somente ao receber o gesto que o autorizava a levantar-se cumpriu a ordem que lhe fora imposta.
§ o §
– Boa tarde, senhor meu pai! – Hades cumprimentou em pé, baixando a cabeça num gesto curto.
– Com quem esteve falando hoje, antes da tempestade? – perguntou num tom ríspido.
– Com a jovem Helena.
– E quem é Helena?
– Não sei... Não lembro de tê-la visto anteriormente, mas sei que conhece a floresta...
– Não me interessa que ela conheça a floresta! Por acaso tem noção do perigo ao qual está se expondo, os males que isso pode lhe causar?
– Eu não fiz nada demais! – esbravejou – Estou cansado de viver rodeado de pessoas e não conseguir conversar com ninguém. Desde que a mamãe morreu...
– Você resolveu colocar a corda no pescoço e se enforcar.
– O que quer dizer com isso?
– Não seja inocente, Hades! Você é meu filho, é o príncipe. Tem deveres, obrigações e não pode ficar se dar ao luxo de errar.
– Se está falando do meu compromisso de casamento...
– Não é só do seu compromisso de casamento, mas de tudo! Sabia que, só nesse mês eu já tive que matar 6 pessoas e prender mais umas 17 pelos crimes de injúria e difamação ao príncipe? Você sabe o que o povo anda comentando e as conseqüências desses boatos?
– Eu não pedi para matar ninguém e não estou interessado em saber o que os outros pensam a meu respeito, pois eu sei que ninguém me conhece verdadeiramente! Além do mais, posso estar comprometido com a princesa Perséfone, a herdeira do reino do Vale da Primavera, o maior e mais rico da atualidade, mas...
– Mas o quê? Quer colocar tudo a perder?
– Não, não quero! Eu vou assumir o meu compromisso... não se preocupe. Só que, antes de ser um príncipe, eu também sou um ser vivo. Preciso de alguém para convers...
– Ah sim! – responde, de forma irônica e levanta-se de seu trono – Estou cansado de suas brincadeiras, cansado de suas irresponsabilidades, cansado de proteger-lhe... Vá imediatamente para o seu quarto e só saia de lá quando eu ordenar. Reflita sobre seus últimos atos e não repita tal insanidade.
– E desde quando conversar com uma jovem comum é um ato de insanidade? – encarou-o – Se quer saber... Eu percebi que fui seguido. Vi sir Hypnos no meu encalço e não fiz nada, pois sei que ele estava fazendo a minha segurança. Achei que isso bastasse...
– VÁ PARA O SEU QUARTO, HADES!
– Sim... "senhor"! – respondeu frizando a palavra senhor, como se estivesse deixando claro que não conseguia satisfazer-se de se sentir um mero súdito do seu próprio pai. Não era a primeira vez e ele sabia que não seria a última que seria chamada a sua atenção. Talvez por esse motivo, mesmo não gostando de sua prometida, aguardava ansiosamente pela data do casamento. Seria a única chance de libertar-se verdadeiramente!
Continua...
