Ursa nunca aceitaria. Bani-la foi um jeito de obrigá-la a não interferir, não só apenas nisso, mas no que deveria ser, segundo o príncipe, o destino daquelas crianças. Ozai precisava daquela aliança e não se importava se os métodos eram considerados o que fossem. Ruins ou bons. Inaceitáveis e dignos de repudio. Pecado ou milagre...

Azula corria pelas varandas do térreo, separadas do jardim apenas por uma cerca fina e pilastras de dez em dez metros. Sorria, os braços voltados pra trás, sem medo de cair de cara no chão. Eu vou te alcançar custe o que custar. O pensamente focado em apenas uma coisa como sempre, vitória.

Os passos ecoavam no assoalho de madeira, os sapatos de pontas finas se desgastavam no atrito. Nada durava muito nas garras de Azula. Quase nada...

"Haha!" As risadas de Ty Lee ecoavam pelo jardim central. Assistir à disputa entre Azula e Mai era simplesmente seu passatempo favorito. Elas não cansavam de competir, por mais que Mai fosse precocemente madura o suficiente ao, toda vez que Azula perdia, não jogar isso na cara da mais nova.

Azula era orgulhosa e quebrar com aquilo simplesmente não estava nos planos de ninguém, nem soava como algo certo a ser feito. Mai não era exceção em tentar fazê-la se sentir a vontade. Ganhar a confiança dela era como se aproximar de um filhote arisco. Era justamente quando ela estava mais próxima que as chances de fazê-la se afastar eram maiores.

"Há!" Azula pulou a cerca com certa dificuldade devido ao vestido, alcançando o passo de Mai e a derrubando no chão. As duas se atracaram e rolaram pela grama com o impulso da colisão. As risadas ecoaram no começo, mas eis que Mai quem termina por cima. As mãos segurando os pulsos de Azula. O rosto da princesa era de pura surpresa, os olhos grandes como pratos.

"Gr!" Se debateu, tentando se soltar. Primeiro nem Mai acreditara na vitória e segurou a amiga firme no chão pra depois libertar seus braços e deixá-la sair. Sorria. "Você perdeu, zula.". A voz contente e calma, ou como muitos preferiam dizer, entediada, todavia, o sorriso em seus lábios era inquestionável.

Azula rosnou, massageando os pulsos. A saia da roupa levemente rasgado no meio. Levantou-se, sacudindo a poeira com as palmas das mãos. A mãe que observava de longe, logo chamou as três para um lanche, as brincadeiras delas não podiam ser mais paradas? Achava aquele jeito de se divertir um tanto violento. Azula a cada dia mais quebrava coisas ou rasgava suas roupas.

Porém, pra Ozai, as coisas eram vistas sobre outro aspecto. A cada dia Azula aprendia mais sobre sua força e a cada dia conseguia controlá-la melhor. O ambiente e as pequenas coisas que a cercavam que teriam que se adaptar, aliás, assim que ela se tornasse mais experiente em dobra de fogo, lhe daria sua própria vestimenta de batalha. Uma em que ela tivesse total proteção e locomoção acordadas com suas capacidades.

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"Eu não quero ela aqui. Não assim... Não de noite."

"Você não tem que querer."

"Você sabe o que eu penso disso."

"Já basta, Ursa. Ela vai ficar por que eu mando que fique."

Azula escutava com o ouvido grudado na porta. Era astuta e raramente deixava algo passar.

"Não há mal." O sorriso nos lábios do pai se estreitava. Mal... Era quase irônico. Ozai deixava seus olhos correrem para porta vez ou outra. Suas expectativas eram tão grandes sobre sua filha e ela as atendia tão bem que ele podia jurar às vezes em que ela estava apenas escutando o que ele dizia.

"Eu gosto disso nelas." E ele falava propositalmente.

Ursa rosnava, indignada Ozai minava a visão negativa e de asco que ela dava ao assunto. Se sua filha não tivesse sua opinião contrastante, seus planos jamais dariam certo. Não poderia forçá-la àquilo de qualquer forma, mas podia muito bem deixar o caminho livre para o que via acontecer diante de seus olhos. Uma mera questão de estratégia em longo prazo.

Azula sorri, desgrudando o ouvido da madeira e vai correndo de volta pra sala de jantar onde sua mãe a deixara, Ty Lee e Mai. "Você vai poder dormir aqui, Ty." Diz, o tom de voz inconfundível, aquele jeito vitorioso e ao mesmo tempo debochante de contar algo. Mai uniu as sobrancelhas, queria ficar também, mas Ozai não forçara seus pais e ela viajaria ainda àquela noite.

Ty Lee sorri, batendo palmas. "Noite no quarto da Azula!!" Azula revira os olhos, mas não esconde o sorriso, voltando a comer de onde parara pra ir bisbilhotar os pais.

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Ty Lee não cansava de pular na cama de Azula enquanto a mais nova ficava na penteadeira, desembaraçando os cabelos negros. Ty Lee parou de pular e se sentou na beirada do colchão, observando a amiga. "Quer ajuda?" Azula parou, olhando pra Ty Lee pelo espelho. "Quero." Ó, sim, quando ela era menor, era muito mais fácil escutá-la dizer algo assim. Ou quem sabe fossem as paredes ao seu redor que reservassem as palavras cálidas a poucos.

Ty Lee não era tão jeitosa quanto Mai pra cuidar das madeixas de Azula, mas não era nenhuma negação. Era rápida e ágil, diferente de Mai que alisava com calma e carícias cada fio.

"Pronto." Ty Lee sorriu, erguendo as mãos. Azula se olhou no espelho com uma cara neutra. Levantou-se, indo pra cama, Ty Lee largou a escova na penteadeira e a seguiu animadamente. O leito de Azula era enorme, ainda mais pra duas crianças. Azula se deitou de lado, virada pro centro da cama, Ty Lee se deitou exatamente na mesma posição, mas espelhada.

Os olhos grandes observavam o semblante fingido de adormecido de Azula. Ty Lee sabia, tinha certeza que a garota não dormia. Ainda criança, suas tentativas de enganar os outros eram muito óbvias, quando crescesse, seria mestra nessa arte, mas ainda era só um a menina de nove anos que só foi abrir os olhos, surpresa, quando sentiu algo quente em seus lábios.

Ty Lee era a mais saidinha das três, a mais voltada aos instintos. Tinha seus doze anos e não se importava em ser explícita. Tanto pra Mai quanto pra ela, Azula exercia uma atração magnética. Vê-la tão calma, deitada ao seu lado, era mais do que ela queria conter. Ty Lee, diga-se de passagem, nem tentava se segurar.

Foi a vez de Azula de observar os olhos cerrados da amiga, o sorriso já maroto enquanto não desgrudava os lábios. Azula sorriu pra só depois se empurrar pra trás, o cenho franzido e uma sobrancelha erguida. "O que ta fazendo?"

Ty Lee sorriu, passando as costas das mãos na boca. "O mesmo que vi você fazer com a Mai outro dia." Diz, vitoriosa. "Eu ia voltar pra desejar boa noite pra vocês, mas vocês pareciam ocupadas." Azula corou e franziu o cenho, derrotada. Mas logo sorriu maldosa. "Antes ela que v-" Ty Lee foi mais rápida e matreira, não queria ouvir aquilo e nem ia deixar Azula proferir aquelas palavras. Mais um selinho e ela ficaria de boca fechada.

Azula odiava perder o controle, mas lhe era agradável ser pega de surpresa em algo aprazível. Era raro, e ficava a cada dia mais. Entretanto, esse era um desses momentos.