N/A: nada disso pertence a mim. Infelizmente.

Prólogo

O estridente relógio de madeira marcava meia-noite de um início chuvoso de segunda-feira. Suas badaladas percorreram os cinco andares da casa, cortando o silêncio que se estendia no local havia mais de uma hora. No assoalho de tábuas, a luz da lua encontrava-se fraca, e nada se podia perceber além da parcial escuridão. Nem os lampiões instalados em cada canto da casa encontravam-se acesos.

Do lado de fora, a garoa precipitava sem parar. A chuva batia sobre as janelas do andar superior como se fosse uma cascata de pequenas pedras. A construção, de aparência sólida, parecia tremer a cada sopro de brisa, e rangia impunemente. Londres estava submersa em uma tempestade fina e gelada.

As pálidas cortinas da janela do quarto pareciam dançar conforme o vento invadia o cômodo. Tocavam levemente a estante empoeirada, ofuscada pela escuridão que consumia o lugar. As trovoadas se refletiam no espelho, fazendo um contraste entre a inquietante calmaria e o som dos relâmpagos. Tudo normal estaria, exceto por uma cena que destoava da impecabilidade da casa: a meia dúzia de ratos que, com pressa e com fome, se amontoava por cima de um enorme e gordo homem estirado ao chão.


Do outro lado da Inglaterra, um vulto atravessava a Floresta Proibida. Cortava a brenha rapidamente, formando uma seqüência frenética de passos deixando o solo para trás. Naquela noite de inverno, a brisa era mais gelada, e nenhuma criatura ousou se aproximar. Assim como o homem, que determinadamente corria por entre as árvores, não se deixaria parar.

O contraste entre a escuridão da floresta e a intensa luz da lua cegou os olhos de Tom Riddle por alguns instantes, fazendo-o diminuir o passo. O vento mais forte o fez perceber que suas negras vestes estavam molhadas, e o quanto isso potencializava o peso sobre seu corpo. Aos poucos, sua visão tornava-se mais clara, e pode distinguir em poucos segundos a imagem de um imenso castelo de pedras diante de seus olhos. Havia chegado a Hogwarts.

Haviam-se passado apenas trinta minutos das fatídicas doze badaladas do relógio quando Tom Riddle pôs os pés no Salão Comunal da Sonserina. Tom caminhou até a rubra lareira, seguido por um rastro de lama que se desenhava pelo chão, e pôs-se a sentar no sofá verde-musgo em frente à mesma. Só então pode sentir o quanto o seu peito estufava a cada suspiro, enquanto seu coração parecia se debater - e não apenas pulsar - contra suas costelas. Riddle tremia.

Enquanto pousava sua cabeça sobre as costas do sofá, Tom fixou seus olhos no teto sonserino. Era claramente o salão mais bonito de toda a Hogwarts; o teto era áureo e seus adornos serpentinos davam uma incomparável elegância ao local. Por um instante, no entanto, Tom teve a sensação de que seus negros olhos estavam a queimar. Fechou-os com força, mas parecia inútil. O garoto, então, percebeu que experimentava uma sensação que há muito não ocorria: uma súbita vontade de chorar. Uma vontade devastadora, que potencializava o que sentia naquele momento.

Na madrugada do dia dois de Janeiro de 1944, Tom Riddle chorou. Enquanto chorava, porém, em seus lábios jazia um sorriso contraditório, um sorriso denunciador. Tom Riddle sentia dor, sim, mas uma dor recheada de prazer. Sentia-se desgraçado por dentro, mas, por algum motivo, sentia-se tão bem quanto jamais esteve. E ele nunca esqueceria aquela sensação, o instante em que os olhos do velho homem perderam o brilho enquanto caía surdamente no chão. Nunca esqueceria o incomparável brilho daquela luz verde quando surgiu da varinha que empunhava, como se saísse das suas entranhas, e desbocou no peito impotente do velho. Nunca esqueceria cada segundo daquela sombria noite de inverno. Tom Riddle nunca esqueceria a dor e a alegria, a pura sensação de matar pela primeira vez.