British Way

Ela virou de costas, sabendo que jamais colocaria novamente os pés naquele lugar. Ao menos não antes que o cortejo funeral a levasse para o mausoléu de sua família. Cada passo que dava para longe do cemitério era como se toneladas saíssem de seus ombros, as lembranças finalmente se perdendo no tempo como tanto tinha desejado nos últimos quase vinte anos. Little Hangleton era pequena demais, isolada demais, fofoqueira demais para que se sentisse a vontade, para que deixasse de sentir a cada visita que fazia aos seus pais o quanto ainda pensavam nela como a tola garota abandonada.

Com mais de trinta anos, Cecília não era mais uma garota, tola, ou abandonada.

A grossa aliança de ouro unida ao imenso diamante de noivado a proclamavam como uma mulher bem-casada, muito acima de qualquer coisa que a pequena cidade poderia oferecer. As roupas sérias e delicadas, os filhos bem cuidados demonstravam que era perfeitamente normal, obrigada.

Mas eles ainda olhavam e viam a abandonada noiva de Tom Riddle, trocada por uma garota feia e esquisita filha dos Gaunt; novamente repudiada pela desconfiança que Thomas tinha desenvolvido de mulheres naqueles seis meses nebulosos. Escurraçada, humilhada em praça pública, considerada quase uma prostituta que se oferecia meramente por cumprimentá-lo.

Quase como um filme, ela ainda podia ver os passeios a cavalo, os chás de erva-cidreira com biscoitos amanteigados, a voz firme e charmosa de Thomas pronunciando seu nome com cuidado que a fazia deliciar-se. As pequenas piadas comedidas, o pedido de casamento, a festa de noivado, sua primeira aliança (ainda a tinha guardada em algum lugar na casa de seus pais, supunha que agora seriam levadas para sua casa, como todas as outras coisas).

Seu marido a chamava de Cecília, pois até hoje ela não conseguia sequer suportar a palavra querida. Fora uma mentira, claro, como todos os jovens homens contam quando querem alguma coisa -- e todos querem a mesma coisa, como sua mãe sempre disse.

Mas ela tinha gostado de Tom e sempre sido a favor dele, pobre mãe. Seu coração realmente não resistira a vergonha da filha -- que Deus a tenha, pensou.

E agora seu pai tinha ido também, e ela podia nunca mais voltar a Little Hangleton, nunca mais reviver aqueles momentos, nunca mais pensar no maldito Tom Riddle.

- Meus pêsames - a voz tão conhecida soou ao seu lado, mas não havia sequer falso pesar nela. Talvez um pouco de desprezo, talvez estivesse imaginando.

Ela virou-se, sem encará-lo diretamente, os olhos baixos por trás do pequeno véu do chapéu; como convinha a uma mulher de luto por seu pai.

- Obrigada - respondeu secamente, mas seu marido já se adiantava sendo simpático, Nicholas tinha uma natureza amável demais.

As palavras passaram por ela quase sem tocá-la "velho amigo da família", "sinto muito", "ótima pessoa", "me ensinou a andar a cavalo".

- Talvez devesse passar em nossa casa a próxima vez que estiver em Londres, Sr. Riddle - disse a voz calorosa de Nicholas, chocando-a inevitávelmente. - Antigos amigos são sempre bem vindos.

Os dois a olharam, como se esperando que falasse algo, mas com um suspiro que não deixou escapar, Cecilia respondeu:

- Certamente, seria bom.

Seu sorriso era cortês e sabia que não queria vê-lo nunca mais. Mas como boa mulher britânica, se ele aparecesse, faria chá, biscoitos e sorriria como se não houvesse nenhuma mágoa.

- Maldito seja - sibilou, quando ele se afastou, retomando seu caminho. - Maldito seja, Tom Riddle.

Mas ele nunca viria.

Tom Riddle morreu aquela noite, acompanhado de seus pais.

Cecília nunca soube.