I RAN AWAY.

"As pessoas pagam pelo que fazem, e pagam ainda mais pelo que permitiram se tornar. O amor arranca as máscaras sem as quais temíamos não poder viver e atrás das quais sabemos que somos incapazes de o fazer. O amor não começa e termina do jeito que parecem pensar que sim. O amor é uma batalha, o amor é uma guerra, o amor é uma maneira de crescer."

James A. Baldwin.

Capitulo 1 – A Primeira Vista.

[Floresta Encantada]

Roland dormia profundamente em uma cama colossal, com uma respiração calma e sincronizada. A noite estava fria e uma longa cortina de neblina se estendia até o horizonte. Silêncio era tudo que se ouvia em cada parte da escuridão enquanto Robin assistia o monótono cenário da janela do palácio do Senhor das Trevas.

Ele, ao contrário, estava agitado, pensando em tantas coisas ao mesmo tempo, que às vezes esquecia-se de onde estava. A aventura de Neal em Neverland tomava a maior parte dos pensamentos; imaginando como tudo podia está acontecendo, quantos perigos uma terra estranha podia oferecer, principalmente quando se é um tipo de inimigo para o rei do lugar. Não seria fácil para Neal levar sua família de volta pra casa. Casa essa que ficava em outro mundo, o mundo da maldição da Rainha Má.

Estremeceu levemente ao tentar imaginar quão odiosa seria uma criatura egoísta o suficiente para acabar com a vida de um povo inteiro. Por sorte ele nunca pensava muito em toda aquela história, apesar de sentir pena das pessoas engolidas pela magia da bruxa, sentia-se grato que de alguma forma ela não estava mais no mesmo mundo que seu filho.

Talvez desse tudo certo, para o Neal e sua família híbrida de mundos. Pelo menos era algo para se lutar, uma espera. Uma esperança. Coisa que se tornava cada vez mais distante para Robin. Tudo que podia pensar por fim era que em algum lugar, em algum dos infinitos mundos, alguma coisa valia muito a pena e ele talvez nunca a encontrasse, ou pior, nunca se atrevesse a buscá-la.

Dormiu tristemente, sufocado, não pela monotonia, mas pelas infinitas possibilidades; encarando seu arco que um dia fora imponente, porém naquele instante, parecia-lhe tão limitado e inútil.

Na mesma noite um perfume agradável o acordou, não era floral nem amadeirado, não era cítrico nem doce, nada que ele houvesse sentido antes, era melhor. Quando abriu os olhos, enxergou uma silhueta feminina se aproximando. Uma imagem turva, mas magnífica, caminhando como se tivesse pés alados e debruçando-se delicadamente sobre ele - os cabelos dela eram escuros assim como seus olhos - chegando tão perto a ponto dele sentir seu hálito quente e a frequência de sua respiração, a visão fantasmagórica sussurrou com voz resoluta e triste em seu ouvido:

"Robin, não venha. Por favor. Isso acabaria... – ela fez uma pausa e tocou o rosto dele. – Eu já estarei morta quando você chegar. Esse é o fim que eu mereço. Você sabe! Eu te esperei por cada segundo da minha vida... Você veio e me salvou de todas as formas que uma pessoa pode salvar outra. Adeus."

Robin pulou da cama com a aflição de uma perda quando a visão se desfez. Sua certeza absoluta de não havia sido apenas um sonho o fazia repetir mentalmente de maneira quase maluca: eu senti a respiração dela.

- Quem é você? Para onde eu não devia ir? – Ele estava gritando sem perceber, os olhos lutavam contra o escuro em uma busca alucinada por seu fantasma.

O silêncio da madrugada o fazia parecer ainda mais lunático ao falar com as paredes. Robin estava desesperado, precisava saber de onde vinha aquela mulher, mas não conseguia lembrar-se do seu rosto, por mais que tentasse o rosto dela era ausente em sua memória.

Roland moveu-se na cama balbuciando alguma coisa, como se reclamasse do barulho, seu pai, sentado no chão contava a própria respiração, tentando não admitir para si que o maior de todos os seus medos, agora, era que aquela misteriosa aparição fosse apenas um sonho. Robin jamais sentira uma coisa assim antes. Ele nunca estivera tão vivo. Essa urgência que nada parecia com o seu amor por Marian o estava deixando louco.

As horas passaram como minutos e o sol ergueu-se no céu. Robin correu pelas escadas do palácio, o arco nas costas e a capa que o cobria da cabeça aos pés. Como previsto Helena o esperava à porta, quieta, de cabeça baixa.

Helena era irmã mais nova de Marian e sempre estivera por ali. A presença dela não era algo confortável, nunca fora, pelo menos não para Robin. A maior parte do tempo ela parecia estar com raiva, sempre tentando mapear os defeitos de qualquer um que se aproximasse. Do tipo de pessoa odiosa que deixava outras desconfortáveis, assim - mesmo sendo quase tão bonita como sua irmã - passava a maior parte do seu tempo escondendo-se. Entretanto agora estava mais presente, cuidando do pequeno Roland; sem muito carinho, ou disciplina. Na verdade, mal trocava duas palavras com a criança durante todo o dia. Robin, por sua vez, detestava deixar o filho com a cunhada, talvez porque acreditasse que a mulher fosse do tipo incapaz de mover um dedo para livrar a própria pele de qualquer perigo. Mas esteva enganado quanto a isso. Helena faria qualquer coisa por ele, tudo que o fizesse feliz. A jovem alimentava uma paixão platônica pelo cunhado, desde que o vira a primeira vez, se não fosse por Marian, talvez eles pudessem ter dado certo, era o que ela pensava a cada segundo, antes e depois de ter amaldiçoado o mundo e tudo que houvesse nele, tornando-se apenas uma figura indesejada na vida do homem que amava.

- Russell está pronto – a voz dela era tão gelada quanto à manhã. Robin acenou com a cabeça, apressado demais para respondê-la. Russell, o cavalo cor de chocolate ao leite, esperava a alguns metros e quase pode sentir a agitação de seu dono pela velocidade com que esse caminhou até encontrá-lo.

- Eu tive um sonho maravilhosamente estranho hoje, Russell. – Robin falou baixo enquanto tirava o pouco de neve que se aglomerava sobre o animal, depois sorriu com a própria ingenuidade de estar apaixonado por um sonho. – Não me olhe assim! Você não estava lá e não a viu.

Russell era um bom amigo, um tanto velho para um cavalo de aventuras, mas Robin evitava pensar em qualquer coisa que falasse pela substituição do seu grande companheiro de batalhas, roubos e fugas. Vitórias também: as vezes que jogara sacos de moedas de ouro e prata no meio da multidão, ou abrira portões de celeiros surtidos para alimentar o povo. Em todas aquelas vezes lá estava seu fiel parceiro. Agora não era diferente, enquanto cavalgava pela estreita estrada no meio da floresta congelada e ouvia ao fundo a natureza acordando com a pouca luz de um sol escondido por nuvens, lá estava Russell.

Mas não havia lugar para mais nada na cabeça do cavaleiro, além do cheiro, do toque, da voz dela e também o rosto, que mesmo não estando claro em sua memória, sabia que era tão perfeito quanto o sentimento de seu breve vislumbre. Parecia que a mulher de seu sonho ainda estava ali, bastava-lhe apenas fechar os olhos para vê-la ou sentir sua respiração novamente.

Robin sacudiu a cabeça tentando manter o foco na estrada e chegar são até seus companheiros. Foi mais ou menos nesse momento que uma intensa luz verde pareceu emergir no horizonte, vazando o denso paredão de árvores: um pequeno tumulto acontecia, aparentemente distante demais para ser audível e depois de meio minuto assim como veio, partiu, devolvendo a quase tranquilidade à floresta.

O arqueiro segurava forte a rédea de Russell, tentando conter a agitação do animal e a sua própria. Ponderou - com uma ruga de confusão na testa - por um instante, e seguiu na direção de onde a luz aparecera. Rápido, resolvido, ansioso por aventura.

O gosto amargo na boca e a dor latejante na têmpora esquerda ainda eram inacreditavelmente menores que a terrível ânsia provocada por uma viagem entre mundos. Duas respirações difíceis depois e o portal fechara. Regina não precisou se virar para saber, o silêncio gritava que ela estava só, em um mundo qualquer, longe de Henry.

Permanecer deitada não era uma opção, o chão estava congelado e seus dedos começavam a doer de uma maneira preocupante sobre o gelo. E só quando levantou percebeu que havia sangue por todo o lado esquerdo do seu rosto, explicando o latejar. Regina chutou a pedra pontuda suja de sangue - que provavelmente causara o corte - e sentiu vontade de gritar. Com uma raiva tão patológica que a fazia desejar ter alguém que pudesse matar. Alguma coisa viva que ruísse em sua presença.

O cenário era como o próprio inferno para ela. O sol fraco, a água escorrendo de cada pedra de gelo até alcançar o pequeno riacho, o cheiro de frio, a solidão.

"Ninguém nunca vai amar você. Não importa quão poderosa ou rica você seja. Não há perdão. Você é má e apodrece tudo o que toca. Henry será muito mais feliz com Emma. Nem a Morte te quer!"

Uma enxurrada de sussurros com vozes desagradáveis soou contra a quietude da floresta. Regina estremeceu ao ouvir e deu dois passos para trás - segurando de maneira firme o machucado de sua testa, tentando parar o dramático e fluido sangramento – em seguida olhou para frente e pode ver que abaixo daquela camada espessa de gelo havia uma população considerável de RubumtimoreO Visgo do Medo.

Rubumtimore basicamente tem o poder de encontrar os maiores medos de qualquer um que se aproxime, não importando quão profundo seja esses medos, ele sempre encontra e indiscriminadamente os verbaliza. Eram protagonistas das piores histórias de terror que narravam desventuras de pessoas perdidas na floresta e que enlouqueciam de tanto ouvir seus próprios pavores sendo repetidos por longas horas ou dias. Agora se tornaram tão raros que alguns afirmavam sua extinção.

"A solidão irá fazer sua alma sucumbir às Trevas até que..." – O Visgo foi interrompido por uma forte e gigantesca chama de fogo intenso.

- Não sejam repetitivos! – A voz de dela não parecia fazer parte do lugar, mas soou altiva e quase divertida ao mesmo tempo em que a plantação de Rubumtimorese transformava em uma fornalha vívida. Regina recolheu a chama à suas mãos e tentou inutilmente se livrar do sangue que cobria a maior parte delas. Depois reparou a postura, ergueu a cabeça e caminhou como se planasse elegantemente por cima das pedras escorregadias.

Aquela era a Floresta Encantada, ela reconhecera. Não só pela flora peculiar, mas por cada detalhe: o cheiro, as cores, a solidão profunda, o desespero agudo que sentia e até a maldita frequência do vento frio que batia em seu rosto, tudo ali era insuportavelmente familiar.

Embora não soubesse o que esperar, Regina seguiu pelo caminho mais curto até a estrada.

Não muito longe dali, Robin cavalgava pela estrada úmida pelo gelo em fusão: tudo ao redor estava coberto por uma camada fina de musgos verde-escuro, a luz do sol fazia parecer quase marrom na visão periférica do cavaleiro que seguia lembrando-se de algumas histórias que crescera ouvindo, lembrou-se, sobretudo de uma em especial:

A história de um rei que possuía uma chave de portal e o artefato valioso havia sido dado a ele por um mago, que antes fora seu mentor, ou algo parecido. Robin não lembrava todos os detalhes. Arthur - o nome era um fato importante a ser lembrado - um grande e poderoso monarca que comandava um vasto e abundante reino. Rezava a lenda que sua riqueza vinha de outros mundos pelos quais ele viaja livremente.

"Quando a chave do portal de Arthur abria passagem para outro mundo, uma luz verde e brilhante podia ser vista no céu. Até os habitantes mais distantes do reino sabiam quando seu rei começava uma viagem."

Robin podia lembrar o exato timbre de voz rouca de seu tio ao dizer essa frase pontuada com um leve pigarro de quem bebia e fumava demais. Uma pontada aguda e abrupta lhe subia a boca do estômago toda fez que imaginava a luz verde buscada agora, muito provavelmente por ansiedade, ou talvez a velocidade de Russell - corajosamente lançando-se a encoberta e quase findada trilha no meio das árvores - fosse o motivo da excitação por aquilo que começava a parecer uma grande aventura.

Dois minutos de corrida incessante à frente e não teria mais volta.

Regina sentou-se em uma rocha ao lado da estreita trilha, cansada demais para continuar. Havia uma pequena poça de água limpa logo abaixo da pedra - que agora era seu ponto de descanso – ela observou meio zonza, uma gota de sangue cair e dispersar como uma flor ornamental na pouca água da poça. De onde vinha todo aquele sangue? Era apenas um corte na testa! Foi o que pensou antes de revirar os olhos para sua própria situação, quando o fez, sentiu uma tontura arrebatadora e desejou lembra-se de algum feitiço curandeiro simples. Curar não estava no meio de seus dons, na verdade seu talento era o inverso.

Um som distante quebrou o silêncio de repente e ela levantou cambaleando, esconder-se não era opção. Não para uma Rainha, não para uma bruxa poderosa, não importava quão ferida estivesse, Regina virou-se em direção ao cavalgar furioso, estendeu as duas mãos para frente à altura de sua face - era o máximo que podia levantá-las sem que a tontura voltasse e a fizesse cair – e as manteve de palmas direcionadas ao cavaleiro que surgia por entre árvores.

Robin não acreditou naquela visão. Jogou o gorro imediatamente para trás para liberar completamente seu campo visual, enquanto lutava contra as investidas de Russell para voltar. O cavalo parecia desesperado, a ponto de derrubar seu dono. Mas o arqueiro mantinha os olhos fixos na imagem da mulher ensanguentada, como se uma piscadela pudesse fazê-la desaparecer.

- Russell! – a voz de Robin foi bruta e seu eco rasgou a floresta como uma faca.

Regina a ouviu e estremeceu com o som grave, sua cabeça latejava e até o leve feitiço que mantinha sobre o cavalo se tornou uma tarefa impossível. Ela respirou fundo tentando manter-se, um "TUMM... PIIIMM" e tudo girou, fazendo-a cair em uma morna e calma escuridão.

Os olhos de Robin arregalaram-se ao ver aquela cena que de muitas maneiras era desesperadora. A mulher que vestia uma roupa estranha de cor amarela viva, encharcada por uma borra bordo do sangue que lhe escorria da face, desfalecera de maneira elegante e quase teatral. Em uma reação instantânea ele se jogou do cavalo, aterrissando a frente do animal que parecia começar a se acalmar.

- Fique aí! – Robin gritou para Russell.

Em dois passos largos já estava ao lado dela. Olhando-a por um segundo sentiu seu coração parar e depois voltar, como um relógio sendo ajustado. Ela era a coisa mais linda que ele já vira. Uma respiração depois e Robin a tinha nos braços, impedindo que qualquer parte do corpo dela tocasse no chão - sua pele já estava fria demais – a levantou do chão com facilidade. Caminhando até Russell desejou que o cavalo não oferecesse nenhum tipo de resistência, não que isso o fosse impedir de salvá-la, não iria. Robin sabia que poderia correr todo o universo com ela nos braços.

- Não me decepcione, amigo. – ele encarou o cavalo e depois a posicionou delicadamente no colo enquanto subia no animal dócil.

Regina sentiu o movimento e despertou parcialmente, de maneira tão sutil a ponto de seu salvador não perceber. Um olhar. O rosto dele estava iluminado pela ainda alaranjada luz da manhã. E lá estava outro relógio sendo ajustado. Ela o observou pelo tempo em que conseguiu manter seus olhos em foco, depois, Regina não pensou em mais nada, exceto no fato da pele dele ter uma temperatura maravilhosa. Permitiu-se adormecer naquele colo. Nenhum de seus fantasmas podia alcançá-la ali.