Alguma vez você sentiu que não sabia quem era? Eu sim, literalmente falando...
Hoje eu acordei numa cama de hospital e não me lembrava de quem eu era, nem sequer o meu nome, apenas tinha uma estranha sensação de algo estava errado.

Havia uma panqueca no meu prato, provavelmente meu café da manhã, e uma mulher me olhando com ares de preocupação.
Pelo que eu podia ver, do lado de fora do meu quarto havia um caos: pessoas, muitas pessoas, andando, correndo, chorando... Foi então que vi como estava o ambiente fora do hospital, e por pouco não entrei em pânico; havia carros destruídos por toda parte, ambulâncias e nuvens de poeira, parecia até um cenário pós-guerra ou um desastre nuclear. Algo definitivamente não estava bem lá fora, e havia algo terrivelmente errado comigo.
– Ei, você acordou! – disse a mulher interrompendo os meus pensamentos. Aliás, ela parecia estar muito feliz com o fato de eu ter acordado.
Eu estava prestes a dizer que não me lembrava de nada, mas um médico entrou no quarto e eu fiquei quieto.
O médico me disse que eu tinha sofrido um acidente de carro, mas já estava me recuperando. Eu achei estranho ele ter falado apenas comigo e não com a mulher que estava ao meu lado, mas decidi ignorar o fato. Ele me chamou de Reg e também de doutor, o que me pareceu muito estranho.
Antes que eu pudesse dizer alguma coisa, algo começou a apitar e o medico saiu da sala correndo.
Depois disso eu me virei para perguntar o que estava acontecendo para a mulher que estava do meu lado, mas ela tinha sumido. Havia um monte de perguntas martelando em minha cabeça, tais como: Quem eu sou? Meu nome é Reg ou Reg é diminutivo de algum outro nome como Reginald, Reggie? Eu sou um médico? Se não, por que o médico teria me chamado de doutor? Quem era aquela mulher que estava do meu lado...? Tantas perguntas e nenhuma resposta. Comecei a comer a panqueca e decidi que quando acabasse de comê-la dormiria um pouco. E assim foi.
Os meus sonhos estavam confusos. Eu não chegava a ter uma imagem concreta, eu apenas ouvia. E sempre havia duas vozes que mais apareciam, discutindo comigo, falando em um tom calmo, me elogiando...
Acordei quando um médico entrou no quarto.

Antes que ele pudesse dizer qualquer coisa, eu falei:
– Eu não me lembro de nada, nem mesmo o meu nome.

O médico não pareceu surpreso, o que acabou por me surpreender.
– Não me surpreende. Você sofreu um acidente de carro, que envolvia uma casa. Uma viga caiu em cima de você. A memória vai voltar sozinha com ajuda dos remédios e repouso.
Contei sobre a visita do outro médico, e ele me disse que nenhum médico tinha ido ao meu quarto. Depois me perguntou:
– Você viu mais alguma coisa estranha?
– Não – eu respondi, mas eu não sabia se isso era verdade.
– Vamos fazer uma RMI em você para ver se encontramos alguma anomalia. E um exame toxicológico.
– Tudo bem.
Depois disso fizeram os exames e encontraram uma pequena massa no meu cérebro que estava comprimindo o hipocampo (N/A: centro da memória), além de altas quantidades de um remédio chamado Vicodin.
Quando o remédio começou a sair do meu corpo comecei a sentir uma dor forte na perna. Os médicos me deram analgésicos e a dor melhorou.
O estranho era que desde que a mulher fora embora, ninguém, a não ser os médicos e aquela mulher, veio me visitar.
Essa situação continuou pelo que eu acho que foi um mês. Eu continuei sem perguntar nada sobre o cenário de destruição, mas aos poucos ele foi sumindo, e eu conclui que fora uma alucinação. Também não perguntei nada sobre a mulher que vinha me visitar. Não sei por que, mas eu estava com medo que ela fosse uma alucinação também. De algum jeito eu desejava que ela não fosse. O mais angustiante de tudo era que eu não sabia por quê.
Um dia eu tomei coragem e perguntei a ela:
– Quem é você?
– Você sabe quem eu sou, House, que pergunta é essa? Achei que a sua memória estava melhorando.
E então eu tive um choque. Vários flashes de memórias do que tinha acontecido vieram à minha mente. Ainda eram vagas, mas de repente eu me dei conta de quem eu era. Eu me lembrei também de que ela era a minha chefe, mas não lembrava se ela tinha chegado a ser algo mais importante.
– Cuddy, é você?
– Já estava na hora, House.
– Você esteve aqui o tempo todo?

– Mais ou menos. Eu tenho um hospital a chefiar. Não posso ficar no Princeton General o tempo todo.
Desde aquele dia ela não voltou mais, mas eu tive a visita do que provavelmente tinha sido o meu melhor amigo.
Com exceção desses dois incidentes, as minhas duas últimas semanas no hospital foram um verdadeiro tédio.

Quando me deram alta, Wilson, o meu melhor amigo veio me buscar:

– Wilson – eu disse – antes de sair, eu quero saber, a Cuddy foi a minha namorada ou alguma coisa do gênero?
Surpreso, Wilson respondeu:
– Você não se lembra dela? Ela foi a sua chefe por sete anos. No ano passado vocês começaram a namorar, mas tudo deu errado... – e Wilson parou, como se estivesse escolhendo as palavras para continuar a falar.
– Como deu errado? – indaguei. Pelo que eu me lembrava não tinha acabado bem, mas será que fora tão grave?
Então Wilson me contou tudo o que eu tinha feito e me explicou o porquê de não ter me visitado – tinha medo da minha reação com relação à perda de memória – e o resto. Quanto mais ele avançava com a história mais eu ficava estupefato com tudo o que eu tinha feito.
No final ele deu uma pausa e me perguntou:
– Mas no final de tudo o que ela queria era distância de você. Ela se mudou faz meses. Você não viu ela, viu?
– Não – eu menti. Mas não era um problema, eu já tinha mentido antes. Todo mundo mente.

FIM