O rouco do motor potente era a única coisa que se podia ouvir durante o percurso. Os prédios e as lojas de grife da 5th avenida não eram mais do que um simples borrão ao se olhar pelo vidro fume, já que o ponteiro no velocímetro indicava que o carro andava à mais de cento e sessenta por hora. O motorista estava disperso sobre as possíveis consequências que poderiam surgir ao dirigir de modo imprudente pela larga rua. Inconscientemente, ele desejava que algo realmente desastroso acontecesse.

As fortes gotas da chuva caiam e envolviam o automóvel, dificultando ainda mais a visão do homem que a cada minuto sentia as lágrimas amargas se acumularem. Desejava que elas não caissem, mas por desobediência as mesmas se multiplicavam, fazendo um percurso rápido até sumirem por dentro de sua camiseta regada.

A mão esquerda era mantida firme no volante do carro preto enquanto a outra estava ao redor da garrafa de 750ml de puro Whisky Chivas Regal 18 anos.

Bebida
, esse era o único remédio para tentar esquecer as imagens de horas atrás.

Tentar. O verbo nunca foi tão amaldiçoado por ele até aquele momento.

Levou rapidamente o gargalo da garrafa até os lábios rosados e finos, virando-a e despejando o líquido de sabor esfumaçado. Deixou escorrer por sua garganta uma quantidade suficiente para abalar seu organismo, deixando-o cada vez mais inconsciente do que fazia e para onde iria. Ele esperava que isso o ajudasse a esquecer tudo.

Pisou no acelerador, o motor denunciando com seu rouco que estava em seu limite. Nem ao menos sabia para onde estava indo, só queria ficar longe. Longe o suficiente.

Novamente a bebida cara foi despejada para dentro de seu corpo cansado e logo após a garrafa foi jogada no banco do passageiro, não se importando com o restante do líquido sendo derramado no tecido. Com a mão liberada, levou-a até o encontro do volante.

Com a máxima força que sua musculosidade permitiu apertou o condutor entre os dedos, tentando fazer com que a raiva que predominava em seu corpo fosse transmitida para o objeto. Era preciso que o sentimento roedor minimizasse antes que o homem fizesse algo impulsivo, como sempre acontecia.

Respirou fundo levando o ar até os seus pulmões, pensando coerentemente. Precisava de um lugar onde encontrasse tranquilidade para libertar sua mente e, talvez, permitir a ele mesmo aceitar a cruel realidade.

Lembrou-se do mirante que geralmente ia quando mais jovem. Ele era seu local preferido, longe de todos, vazio e acolhedor.

Como se sua vida dependesse do ato, correu ao seu encontro, acelerando o carro mais uma vez, conhecendo pela primeira vez a velocidade máxima de seu automóvel.

Raiva. Ódio. Mágoa. Dor. Era tudo o que sentia.

Diferente de todas às vezes, chegou em menos de dez minutos no local, que como sempre, estava vazio. Parou o carro e saiu de seu interior descontando toda sua raiva ao chegar a porta.

Já presente no mirante, respirou fundo passando os dedos pelos fios de cabelo de modo desesperado, logo depois, fechando as mãos em punho, fez com que elas se encontrassem fortemente com o teto de seu Chevy Impala 67. Abaixou a cabeça, apoiou-a no antebraço esquerdo e fechou os olhos.

Por que tudo isso está acontecendo?, pensou angustiado.

Mal sabia ele que ninguém poderia responder...

Com toda a raiva que lhe angustiava, levantou a mão direita e fez com que ela voltasse a se encontrar com teto novamente, com força. O barulho alto que se produziu com o choque quebrou o silêncio que estava no mirante. Fechou seus olhos ainda mais, sem levantar a cabeça, preocupando-se com um quase amassado no teto, entretanto no segundo seguinte a vontade de desmurar novamente surgiu. Talvez desse modo ele poderia alcançar a calma.

Levantou a cabeça, olhando o Impala que fora de seu pai, mas que antes de sua morte ele teria lhe entregado. Aquele caro era relíquia, não deveria sequer sofrer uma arranhão por conta da ira que sentia daquela vagabunda.

Respirou fundo sentindo o ar puro adentrar seu organismo mais uma vez. Essa era a hora que pensaria coerentemente. Agora se entregaria a dor.

Levou a mão direita até os olhos, esfregando um com o polegar e o outro com o indicador fortemente, para logo depois esfregar verticalmente e horizontalmente o rosto, ofegando alto. Sua mão pesada ficou encostada em sua boca enquanto seus olhos admiravam um lugar qualquer.

Ele ainda não acreditava.

Percebeu que em seu interior não estava nada além do vazio. Parecia que um buraco estava aberto em seu estômago, era uma sensação jamais sentida. A dor estava intensa que até o impedia de derramar as lágrimas. Seu olhar oco, os movimentos mecânicos. Nunca pensaria que ficaria neste modo por conta de uma única mulher.

Suspirou.

O charmoso homem andou até a parte frontal de seu carro, sentando-se sob o capô. Flexionou os joelhos e apoiou neles seus braços visivelmente fortes. Admirou do alto do mirante a cidade de New York. De lá tudo parecia tão normal. As luzes terrivelmente fortes que iluminavam a cidade, os prédios extremamente altos e luxuosos, o vento frio, o pequeno borbulho, o ar puro...

Observando do alto parecia que aquela cidade grande era um dos sinônimos de perfeição. Mas, pessoas que se encontravam na mesma situação em que ele, descreveria a cidade como um palco de várias desavenças. Talvez as piores, talvez não. Como dizem, tudo depende do ponto de vista de cada um. Porém, na dele, aquele estava sendo o pior dia de sua vida.

Continua...


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