Ensaio Sobre a Cegueira.


O cansaço é um conjunto de músicas de dois minutos e quarenta e seis segundos, o fim abrupto de uma tarde sem sol. Tu tatuaste as lágrimas nas pestanas, e elas não escorrem nunca, nunca, nunca, mas também nunca, nunca, nunca te abandonam. O tempo não existe, é uma verdade intocável, e tu não sabes se o hoje é o mesmo dia que o ontem foi, tu simplesmente não sabes, porque há muito tempo que não sabes nada.

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O teu primeiro cigarro é o retrato de uma loucura que tentaste negar. Mordeste os lábios, sentiste o medo e sentiste o nojo, e lá fora, num universo paralelo, a chuva forte e dolorosa e amarga apagava todas as estrelas. Não voltaste atrás. Um. Princípio e fim de todas as coisas, travo amargo do seu beijo na tua boca. Substituição infinita do insubstituível.

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As pessoas sorriem-te, e tu vês dentes mais ou menos amarelados morderem o teu ombro. Sentes o cheiro da nicotina, ópio de vida. Ouves o grito que ficou preso na tua garganta. Queres fugir, outra vez, de todas as vezes, de todas as malditas vezes, mas as tuas pernas estão presas num emaranhado de pânico. As pessoas sorriem-te, e tu vês a pena no seu olhar, sempre que te pousam a mão no ombro e repetem, repetem porque nem elas acreditam, que tudo está bem, que tudo está bem, que ele não mais te magoará.

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Tu sonhas com as cicatrizes de Lavender Brown todas as noites, desenha-las com as unhas no teu peito. Tentas não acordar Ron, mas ele não dorme, já não consegue dormir. E ele diz o teu nome, três vezes, infinitas vezes, abraça-te com força quando gritas, e parece sempre a ponto de desistir, mas também não desiste. Nunca. Num laivo de consciência tu perguntas-te, tu perguntas-lhe, o que fizeste de bom para o merecer, e ele sussurra: existes. E então adormeces, e por instantes, esqueces o pesadelo que é estar acordada.

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No tribunal, ele não te olha, não responde a nenhuma pergunta, deixa o silêncio imperar. Tu sentes-te muito sozinha. Escutas, parece que todos murmuram para que não o faças, ao longe, tão perto, que está louco, que não aceitou o fim do mundo que desprezava mas que era o único que conhecia, que não será condenado. Não será condenado, diz o juiz por fim, e, pela primeira vez em três meses e seis dias, tu choras.

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É o fim.

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Não sabes se o corpo de Draco Malfoy irracional e violento dentro de ti foi o teu mal ou a tua cura. Estás cansada. O cansaço é um conjunto de músicas de dois minutos e quarenta e seis segundos, o fim abrupto de uma tarde sem sol.


N/A: A minha primeira Draco/Hermione nasceu após muita vontade e poucas tentativas, triste, insana e absurdamente normal, numa tarde também ela de chuva. Não gosto particularmente de explicar o que escrevo, daí esconder-me tanto em metáforas, mas espero que se percebam as minhas ideias.

É dedicada, de coração, à Pérs, a quem mais, que tanta força me deu desde o início. Amada, espero mesmo que gostes. Não é nada ao nível daquilo que tu própria escreves, menos ainda ao nível daquilo que mereces, mas é o que posso oferecer.

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