Justificativas

Estava havendo uma discussão daquelas no clã Hyuuga. Neji simplesmente odiava tudo aquilo. Não fazia sentido algum. Desde que Hinata-sama assumiu a liderança, as coisas só tinham melhorado para todos. Provavelmente era por isso que os anciãos da souke viviam implicando com a nova líder que, com toda calma e mansidão, ouvia aqueles absurdos e permanecia impassível e decidida.

Realmente, ela era digna daquela posição. Aahn, se ele tivesse uma só chance de ser o lider, com certeza não aguentaria tudo com compostura. Enfim, como ele não era o lider de clã nenhum, o melhor era sair logo dali.

Começou a caminhar sem rumo. Normalmente, ele iria para o campo de treinamento. Treinar era, praticamente, a solução para quase tudo. Mas, naquele dia, ele não estava com vontade. A tarde estava cinzenta e nuvens pesadas de chuva se aglomeravam acima da vila. Uma tempestade se aproximava.

Enquanto caminhava, não prestava muita atenção nas coisas ao seu redor. Perdido em pensamentos, retribuiu vagamente o cumprimento de uma atarantada Sakura que corria para mais um plantão no hospital de Konoha. De fato, aquela era uma kunoichi digna de sua gratidão e consideração, já que ela o consertara incontáveis vezes após missões quase suicidas. Entretanto, outra kunoichi dominava os seus pensamentos e ele não entendia o por que. Pior ainda, não entendia por que estava parado na porta da casa dela.

Já chovia há, pelo menos, vinte minutos. E faziam trinta minutos que ele permanecia parado de frente a casa dela. Não se importava em estar encharcado. Queria bater na porta, mas o que ia dizer? Que sentiu falta dela durante essa semana que ela esteve fora em uma missão? Que ficou irritado com a Hokage por não tê-lo enviado junto com ela? Não. Ele não diria nada disso. Só de pensar em uma situação assim, sentiu um calafrio. Ele nunca foi bom com palavras. Seu orgulho, fundamental para que ele chegasse aonde chegou na sua carreira shinobi, o impedia de dizer simples palavras, demonstrar um pouco de sentimento.

Porcaria. Já que não sabia o que dizer ou fazer, por que não ia embora logo? A vontade de vê-la era tão grande assim? Era. Tão grande que rendeu a ele uma semana sem dormir direito só pensando se ela estaria bem. Então, sem pensar no que diria depois ou como explicaria sua presença ali, ele bateu na porta.

Alguns segundos de espera. Nenhuma idéia do que dizer ou fazer. Finalmente, Tenten abriu a porta. Com os cabelos soltos e um olhar surpreso, ligeiramente assustado, ela perguntou:

- Neji?! Aconteceu alguma coisa? Tá tudo bem?

- Na verdade não... bem... ahn... Eu estava só passando e me perguntei se você já tinha retornado... Resolvi bater... Enfim... – balbuciou ele.

- Cheguei faz umas duas horas... Ande, entre! – Convidou cordialmente.

- Não... Obrigado... Eu... Você deve estar cansada... Não quero te incomodar... É melhor eu ir andando...

- Não estou cansada! Vamos, entre logo. Você está encharcado e não quero que fique doente...

Neji não teve tempo para responder. Ela o puxou pela mão e o conduziu para dentro da pequena casa.

- Estou molhando sua sala. – Resmungou ele.

- Não se preocupe. – respondeu ela, conduzindo-o para o banheiro. – Acho que tenho um roupão que te serve. Esepere um minutinho que vou trazê-lo. Vou pegar também toalhas limpas e sabonete. É melhor você tomar um banho quente, antes que congele...

- Não precisa se incomodar, é melhor eu ir...

Tenten revirou os olhos. Como se ela fosse morrer por ceder seu banheiro e uma toalha. Às vezes Neji tinha uns surtos de idiotice que ela não entendia. Então disse num tom um pouco mais autoritário:

- Primeiro: você não está me incomodando. Segundo: não faço idéia do por que, mas você não está com cara de quem está com vontade de voltar para casa agora. E terceiro: tome logo esse banho!

Dizendo isso e sem esperar resposta, ela saiu para pegar as coisas. Ao chegar a seu quarto, ela se pôs a refletir quão inédita era a presença de Neji Hyuuga em sua humilde residência. Ela não pode deixar de sorrir. Colega de time, talvez até amigo, mas, acima de tudo, o homem que amava. Um amor contido, escondido, e que ela custara a admitir para si mesma. Não queria amá-lo, pois tinha certeza que jamais seria recíproco. Ele era demais para ela. Bonito demais, inteligente demais, orgulhoso demais. Tinha que se contentar em ser sua colega de time. Ponto. Era melhor se apressar. Pegou um sabonete novo, duas toalhas brancas e um roupão masculino da mesma cor, que Lee usou uma única vez, quando ela tomou conta dele após uma missão.

Ao voltar para o banheiro, ela encontrou Neji sem a parte de cima da roupa. Rapidamente ela lhe entregou as coisas e disse:

- Fique a vontade. Tem alguns shampoos ai dentro, use o que quiser. – e saiu em direção à cozinha, enquanto ele murmurava um "obrigado".

Na cozinha, Tenten procurou se ocupar com o jantar e não pensar muito sobre o gostosão que estava tomando banho em seu banheiro. Droga. Estava pensando nele mesmo assim. Afinal, por que ele foi até sua casa? Na verdade, ele disse que só estava passando... De toda sorte, ela já estava acostumada com o jeito dele, e provavelmente o Hyuuga não lhe daria explicações de nada. Era melhor se ocupar com o jantar mesmo.

Depois de um tempinho, Neji apareceu na cozinha. Ele estava se sentindo um idiota completo. De roupão, na casa de sua colega de time, enquanto ela preparava o jantar, e ele nem ao menos tinha dado uma justificativa decente para aparecer daquele jeito. Sem graça com a situação, ele disse em voz baixa:

- Quer ajuda?

- Ahn, não precisa Neji, obrigada! – respondeu ela. – Aceita um pouco de chá, enquanto o jantar não fica pronto?!

- Sim. Por favor.

Imediatamente, ela serviu o chá em duas xícaras e entregou uma a ele. Realmente, ela sabia preparar um chá maravilhoso. Fitando o conteúdo da xícara, ele disse inesperadamente:

- Estava tendo outra discussão no clã. Por isso resolvi sair. Não tenho tanta paciencia como Hinata-sama.

- Huum, entendo...

"Neji Hyuuga dando explicações?! Mais inédito impossível" – riu ela, em pensamento. Normalmente, ela não se importava com o silencio que sempre havia entre ela e Neji. Tempos atrás, ela sempre tentava manter uma conversa, mas ele, prático como sempre, só respondia o necessário. Então, ela percebeu que era mais agradável conversar com suas amigas ou até mesmo com Lee. Mas, naquele dia, de algum modo, ela sentia que ele queria conversar, mas não sabia como manter o diálogo. Por isso, ela resolveu perguntar:

- E como está Hinata-chan?

- Bem... Aturando alguns desaforos dos anciãos do clã e se saindo bem das dificuldades.

- É... Hinata-chan mudou muito... Acho que ninguém imaginava que ela conseguiria se sair tão bem no comando do clã.

- Uhum...

- Então... Conte-me como foi que você sobreviveu uma semana a mercê de Gai-sensei e Lee? – Ela perguntou, rindo.

Neji deu um pequeno sorriso e respondeu:

- Tive que usar toda a concentração que possuo... E também todo meu auto-controle para não apagar aquele maldito fogo da juventude...

Ela riu com gosto. Ele não pode deixar de reparar como ela ficava bonita rindo.

- Não acredito que você ainda não se acostumou com eles! – ela disse.

- Acho que nunca vou me acostumar. – resmungou ele.

- Duvido! A alegria deles meio que é contagiante, e de certa forma até aprendi a gostar disso, menos quando eles exageram...

- Mas eles sempre exageram...

- Ôh, nem sempre! As missões são mais divertidas com eles... Fizeram falta nessa missão... Na verdade, senti falta de todos vocês. – ela completou ligeiramente corada e se virando para se ocupar com as panelas.

- Hum. Também senti sua falta...

"QUÊ? ELE SENTIU MINHA FALTA?" ela pensou, com o coração acelerando.

"O QUE FOI QUE EU DISSE?" pensava ele horrorizado. Como teve coragem pra dizer aquilo? Rapidamente, ele emendou:

- ... nos treinos.

- Ahn, claro... Imaginei. – retrucou, com uma pequena nota de tristeza na voz.

Pronto. Agora sim ele se sentia o ser mais idiota do universo. Ela ficou triste. Talvez até ofendida. Será que não teria sido melhor dizer que tinha sentido falta da amizade dela ou coisa assim? Ótimo. Ele só estava dando mais razões para ela julgá-lo insensível. Ele só parecia insensível, mas não era. Tudo bem. Ele agia como um insensível, mas só fazia isso por que não sabia se expressar. Às vezes ele sentia certa inveja de Naruto, pois este falava o que vinha na cabeça, sem medo do julgamento alheio.

Após esse momento de constrangimento, Tenten quebrou o silêncio.

- O jantar está pronto! – disse ela, como se não tivesse ocorrido nenhum mal estar. – Espero que goste...

Então eles jantaram em silêncio. Quando terminaram, ele tomou coragem e disse:

- Estava ótimo. Você cozinha muito bem.

- Oh, obrigada! – ela respondeu surpresa com o elogio.

Então ela começou a arrumar a cozinha e Neji se pôs a ajudá-la, embora ela tivesse dito que não precisava. Enquanto lavava os pratos, ele tentava pensar em algo para iniciar uma conversa. Por fim, ele se deu conta que ainda não tinha perguntado a ela como tinha sido a missão. Bom. Era um começo. Suspirou de leve e perguntou:

- Ahn... como foi sua missão?

- Ahh, foi até tranquila – respondeu um pouco surpresa com a pergunta. – Minha função foi, basicamente, avaliar alguns armamentos, sabe... Verificar se eram de boa qualidade. Ficamos preocupados na volta, pois adquirimos uma boa quantidade e o valor é considerável... Mas os caras que nos atacaram não eram dos melhores... Demos conta!

- Hum...

De fato, ele estava curioso para saber sobre os shinobis que fizeram parte da equipe para essa missão, mas ele preferiu não perguntar. Ia parecer que ele estava com ciumes. Na verdade, ele estava com ciumes, porém, jamais admitiria. Bendito orgulho.

Quando terminaram de arrumar tudo. Os dois se dirigiram à sala. Mesmo com as cortinas fechadas, os clarões dos relâmpagos iluminavam o ambiente. A chuva estava cada vez mais forte e o barulho dos trovões eram, de certo modo, assutador. Ele se sentou no sofá maior, enquanto Tenten procurava um livro na estante. Era uma estante muito bonita, repleta de livros do chão ao teto. Quando ela encontrou o livro que queria, se acomodou no sofá menor e se dirigiu a ele dizendo:

- Se quiser ler alguma coisa, fique à vontade!

- Acho que eu devo ir embora – disse em voz baixa.

- Nessa chuva? Nem pensar...

- A chuva não vai parar tão cedo...

- É só dormir aqui.

Ele lançou a ela um olhar incrédulo.

"Como assim ela está sugerindo que eu durma aqui? Isso não é adequado. O que vão pensar dela, e de mim também, quando eu sair daqui só amanhã? E agora? E o pior de tudo, é que eu quero dormir aqui. Por Kami, o que é que eu estou pensando?" ele pensou.

Diante da mudez dele, ela continuou:

- A casa é pequena, mas tem outro quarto. Você pode dormir lá tranquilamente. Além do mais, prometo que não vou atacá-lo durante a noite! – concluiu ela dando risadas.

- Nem se você quisesse, conseguiria me atacar... – resmungou enquanto ela ainda ria. Logo em seguida ele se levantou e foi até a estante procurar algo para ler.

Realmente, Tenten tinha bom gosto para literatura. Havia diversos clássicos, bem como incontáveis livros sobre poesia. Engraçado, ele não sabia que ela se interessava por poesia. Resolveu pegar um cujo título era Memórias. Após a leitura de algumas páginas, Neji concluiu que os poemas tinham sido escritos para o grande amor da vida do autor. Virou-se para Tenten com o objetivo de fazer algumas perguntas sobre o livro e percebeu que ela adormecera com o livro aberto sobre seu corpo.

Ele passou a observá-la. Nunca tinha se dado conta de como ela tinha um corpo bonito. Nem de como ela ficava encantadora de cabelos soltos. Na verdade, ele sempre se perguntava por que o coração dele só disparava quando a via. Ele não entendia. Aparentemente ela não tinha nada de especial. Não era tão doce como a Hinata, nem tão sensual quanto Ino ou tão determinada quanto Sakura. Então, por que ela o atraia daquela forma?

Num ato de cavalheirismo, Neji decidiu carregá-la para o quarto. Ela devia estar exausta da missão. Antes de pegar a moça no colo, retirou delicadamente o livro das mãos dela. Ao olhar a capa, percebeu que era do mesmo autor do livro que ele tinha começado a ler. O que estava com Tenten se intitulava Razões. O rapaz decidiu olhar o ultimo verso do livro, que dizia "não há nada que justifique o amor, ele simplesmente acontece".

Enquanto carregava-a até o quarto, ele refletia sobre essa frase. Depois de acomodá-la na cama, ele obeservou o quarto dela. Era cuidadosamente arrumado e organizado, porém, o que mais lhe chamou atenção, foi um enorme mural de fotografias pendurado na parede. Havia inúmeras fotos dela com as amigas, com o Lee e Gai-sensei. Entretanto, a foto que ocupava o centro do mural era a do time. A única foto em que ele estava presente.

Finalmente, ele compreendeu. Compreendeu que para amá-la não precisava de justificativas. Bastava apenas o sentimento real e puro. E esperava de todo o coração, que aquela foto significasse reciprocidade. Agora, ele tinha que aprender a se expressar e tomar coragem para dizer a ela tudo o que sentia. Obviamente, ele não faria isso de uma vez. Mas em breve, eles enfim, pertencerão um ao outro.