Prólogo
Draco sorriu e deixou seu dedo fino e alvo correr pela pele mais morena que a sua, traçando uma linha imaginária pelo peitoral definido e pelo braço magro e rígido, encontrando a mão do outro e entrelaçando-a à sua. Seus olhos se ergueram para o rosto à sua frente e ele teve que abrir um sorriso. Adorava ver aqueles olhos verdes encarando-o. Harry Potter nunca parecera tão lindo quanto agora. Malfoy teve que reunir ar nos pulmões para falar o que vinha atormentando-o há semanas.
- Nós temos que parar com isso, você sabe, não é? - ele disse, a voz embargada. - Alguma hora nós teremos que parar com isso.
- Por quê? - instou Harry, o sorriso que figurava em seu rosto desaparecendo instantaneamente. - Eu te a...
- Nós não podemos ficar juntos, Potter. - chamá-lo pelo sobrenome sempre surtia algum efeito negativo e Malfoy precisava daquele efeito agora. - Não podemos ficar nos esgueirando por cantos escuros e nos encontrando assim sempre. Além disso, meu pai começou a reclamar do fato de eu não ter nenhuma namorada... Nós não podemos ser um casal.
- O que nós seremos então? - perguntou Harry, rolando para o lado da cama e cruzando os braços sobre o corpo nu.
- O que nós éramos antes disso tudo. Amigos... Colegas de classe? Inimigos? Eu não sei, mas algo que não seja um casal. - sua visão enturvou com as lágrimas que começavam a se formar e ele sentou-se na cama ao lado do outro, afastando seu corpo dele e se arrependendo muito do que estava dizendo - Eu realmente sinto muito, Harry. Mas não podemos, você não entende?
- Não, eu não entendo. - A voz de Harry estava pesada, de alguma forma. Malfoy deitou-se novamente ao seu lado e selou seus lábios finos aos dele, recebendo como resposta uma língua úmida e quente, procurando a sua.
- Eu sinto muito - ele disse, ao se separarem. - Você não tem idéia de como eu realmente sinto muito!
Capítulo 1
10 anos depois...
Deixou que o fogo queimando na lareira exercesse um papel hipnotizante em sua mente, em uma tentativa inútil de livrar-se de seus pensamentos e esvaziar sua consciência. Durante alguns minutos, sua tática funcionou; os olhos cinza-escuros perdidos no crepitar laranja. Girou um dedo dentro do copo de uísque cheio de gelo e levou a bebida aos lábios, tentando esquecer o gosto amargo do álcool e concentrar-se apenas em seu efeito anestesiante. Anestesia: era isso que desejava.
Queria poder dormir; queria rasgar seu terno preto que o lembrava do funeral do qual acabara de sair. Queria apagar por um ano e acordar em uma vida completamente diferente. E Draco odiava saber que aquilo não era possível.
Pousou o pequeno cálice com líquido âmbar pela metade no porta-copo, estrategicamente localizado na mesinha de cabeceira ao lado de sua poltrona de couro belga, e ergueu-se de chofre, andando pelo cômodo até a alta mesa de mogno. Sua bolsa fora largada ali, horas antes, e ele enterrou a mão branca e trêmula dentro dos compartimentos dela, procurando por um maço de Malboro light.
Ele parara de fumar há cinco anos, desde que sua filha Hara nascera. Tomando como motivo um teste pessoal, quisera provar a si mesmo que conseguia andar com um maço diariamente e resistir ao vício, mas aquela era, decididamente, uma emergência. Danem-se seus pulmões pretos e maculados de alcatrão e nicotina, precisava daquele cigarro.
O filtro amarelo foi envolto pelos lábios finos e ele puxou uma grande quantidade de fumaça, tragando-a para a garganta e depois a soltando para o ar fechado do ambiente. Sua pressão baixou quase instantaneamente e o relaxamento se estendeu por todos os membros do corpo. Malfoy abriu um sorriso triste, lembrando das vezes em que ele e sua mulher Emmeline haviam compartilhado cigarros na cama, depois de fazerem amor. Ela nunca fora o grande amor da vida dele. Seu casamento fora uma fuga para ambos - para ele, um jeito de livrar-se da culpa do passado e ter um casamento abençoado por sua família; para ela, uma forma de escapar da ditadura de seus pais e poder viver a sua própria vida. Apesar disso, depois de todos aqueles anos juntos, Emmeline acabara se tornando a sua melhor amiga e uma grande companheira de vida.
Apagou o cigarro em um cinzeiro de vidro onde batera as cinzas e tirou a aliança de ouro branco da mão esquerda, pousando-a na superfície lisa do tampo da mesa. As lágrimas que ele tanto evitara começaram a deslizar pelo seu rosto e Malfoy não se deu ao trabalho de contê-las.
Ficou parado com a cabeça recostada nos braços sobre a mesa durante algum tempo, sua mente sem conseguir se aquiescer. Então, levantou-se da poltrona, deixou o copo de uísque no porta-copos e arrastou-se silenciosamente para seu quarto, ignorando o corredor longo e lotado de quadros que se mexiam; alguns, pestanejavam curiosos, para a figura de Draco insone. Ao cruzar a porta do quarto, ele fechou-a atrás de si e curvou-se pesadamente para a cama de dossel, sem se incomodar em trocar de roupa ou mesmo tirar o sapato.
Seu grau etílico se elevara e ele queria aproveitar aquela sonolência momentânea e dormir enquanto podia (e conseguia).
***
Harry encarou o corpo masculino nu caído em sua cama, há alguns metros de si e abriu um sorriso débil e triste. Aquela cena se repetia há algum tempo e ele estava cansado daquilo! Já haviam se passado anos demais e era hora de revê-lo. Esquadrinhando o resto do cômodo, seu olhar esverdeado fixou justamente no pequeno envelope pardo que ele evitara olhar a semana inteira, esquecido quase que casualmente em sua escrivaninha de carvalho.
Havia uma única folha dentro dele. Ele a lera rapidamente, sem acreditar, há uma semana e esquecera-a ali (ou pelo menos, fingia esquecer). Era o resultado de um exame. Não entendia muito bem as palavras de significado médico que encontrara ali, mas o telefonema ansioso e preocupado do Dr. Kensington não deixara dúvidas de que era algo grave e agora, a palavra que ele falara badalava como um relógio antigo e quebrado, incessantemente, em sua consciência.
Câncer.
