All it takes is a roof
–Você é só mais uma inútil na minha vida! Sua vadia! - Michael disse enquanto dava tapas em mim. Pelos muitos anos de prática, eu aprendi a simplesmente aguentar quieta, sem abrir a boca ou derramar uma lágrima. Alguns minutos depois ele já tinha se cansado e ido dormir em sua cama, no quarto ao lado do meu, enquanto eu ainda me encontrava caída no chão da cozinha.
A lembrança de minha mãe, Amelia, ainda se fazia notar todas as vezes em que eu entrava nessa cozinha. O sorriso dela, o modo como ela cantarolava ao cozinhar... Mas na época eu nem sonhava com o que ela sofria por causa do meu pai, Michael. Minha mãe morreu sete anos atrás, no meu décimo terceiro aniversário. Os policiais declararam "hemorragia de causa desconhecida" como causa de morte, mas eu sabia a verdade. Michael havia simplesmente batido nela até a morte. Quando Amelia morreu, ele achou um "brinquedinho" novo, a filha indefesa que até então confiava cegamente no pai.
Tente imaginar uma menina bonita, popular, que tinha tudo o que queria sem precisar batalhar por nada, e você teria uma idéia básica do que eu costumava ser há alguns anos atrás. Quando Michael começou a me bater, meu corpo deixou de cicatrizar-se por completo, os hematomas iam se acumulando e logo comecei a sofrer com bulimia e auto-mutilação.
Sim, eu me cortava.
No dia anterior eu tinha decidido para com isso, parar de me cortar e me apoiar nas músicas que eu escrevia quase todas as noites. Elas eram minha válvula de escape e conseguiam expressar minha alma de um modo impossível em uma conversa normal... Então ele apareceu em casa bêbado mais uma vez e quebrou meu violão, justamente o meu primeiro violão e o que eu tinha ganhado de Amelia; começou a me bater mais do que o normal e falava coisas que me deixam com vontade de morrer.
Já tinha até perdido a conta de quantas vezes ele tinha feito isso comigo, mas eu tinha aprendido a aguentar e ficar quieta. Não sei explicar como ou por que, mas de repente eu senti meus sonhos se estilhaçarem no chão coberto com azuleijos verdes -escolha de Amelia- e minha última reserva de esperança tinha se esgotado. Sempre tive uma espécie de mantra: "Só mais uma vez, e alguém vem te salvar"... Naquela noite esse mantra tinha perdido seu significado.
Abri a porta da sala num ímpeto que nunca houve antes em mim e corri o mais rápido que pude. Corri o mais rápido que consegui mas não foi o suficiente. A dor que tomava meu corpo era maior do que palavras poderiam descrever e mentes poderiam imaginar, mas eu continuei correndo. Eu corri, mesmo estando com meu corpo inteiro coberto por cortes e pelo meu próprio sangue. A paisagem tinha se tornado familiar, o topo do antigo prédio da Rocker Records já tinha me abrigado em vários momentos de dor. Porém, nunca em uma decisão como essa.
Me aproximei da borda, de modo que um passo poderia terminar minha vida.
A dúvida que restava era: deveria eu dar o último passo?
