Pequena introdução apenas para mostrar como será a narrativa.


Nosso mundo tem uma linha muito tênue e fraca entre mundo superior e inferior. O mundo superior é habitado por poderosas e bondosas criaturas de luz e amor. É um mundo onde não há sofrimento, onde tudo é belo, é o lar dos anjos e todas as criaturas benígnas que existem. O mundo inferior é o lar dos demônios e monstros. Lugar sombrio e temido, perigoso de várias formas. Cada mundo é dominado por uma poderosa entidade que está sempre tentando expandir seu próprio plano.

O plano do meio é o intermédio entre estes dois, um mundo calmo e tranquilo onde habitam os humanos e animais comuns. Volta e meia habitantes dos dois outros mundos adentram neste pacato plano, ora por vontade própria, ora a mando de alguém. Eu sou um humano normal do mundo do meio. Ao menos eu imaginava ser...

Desde pequeno eu sabia que era diferente. Diferente por dentro e por fora. Nasci e cresci como filho de todo camponês, mas eu podia sentir, podia sentir o tempo todo...

O sentimento alheio, mesmo que a pessoa se reprimisse e tentasse mentir pra si próprio, eu podia sentir suas vontades, seus anseios. No começo era só com sentimentos muito fortes, geralmente mais em garotas, que os deixavam mais visíveis em si próprias. Mas conforme eu crescia meu "dom" crescia comigo, se tornando algo quase insuportável. Chegou a um ponto em que tive de fugir. Não adiantaria contar isso para ninguém, eu bem que tentei, mas ninguém acredita em algo assim. Fugi para longe, levando comigo apenas minhas roupas, deixando para trás a velha fazendinha onde cresci, com seu minúsculo povoado cheio de pessoas reprimidas, de sentimentos gritantes e ensurdecedores.

Capítulo 1 - O livro de Mekanthus

Era difícil para mim ficar em cidades. Impossível me concentrar, pensar com clareza. Todos aqueles sentimentos vindo de todos os lados. Gostava de ficar em bibliotecas, lugares calmos, onde as pessoas eram tomadas por sentimentos muitas vezes tênues ou "épicos" durante a leitura, nada que me atrapalhasse. Eu mesmo comecei a ler e logo descobri a verdade sobre a vida, sobre o mundo, sobre os mundos.

Ler. Ter acesso ao conhecimento, hoje sei que é a maior fonte de poder que um homem pode ter. Um homem sábio e culto pode dominar o mundo. Foi lendo que descobri a origem do meu poder. Uma característica inerente de seres celestiais, de seres do mundo superior. Não qualquer um deles, apenas os do mais alto escalão, com maior poder, tinham esse dom. No entanto não sabia o por quê disso ter sido dado a mim. Talvez fosse um deles? Ou filho de um? Protegido? Quem sabe? Procurei as respostas, mas nunca as achei. Não havia relatos de humanos comuns com esse tipo de poder.

Mudei-me para uma cabana nos confins de uma floresta fechada. O silêncio era maravilhoso. Sentimentos? Só dos animais que vinham e iam, sentimentos amenos, puros, silenciosos. Animais não eram como humanos, com seus sentimentos barulhentos, mesmo na agonia da morte tudo neles tinha um quê de complacência, de aceitação.

Nunca parei de ler. E foi lendo que encontrei o livro de Mekanthus. Parece-me que este havia sido um habitante do mundo inferior que veio para o mundo do meio através de uma invocação feita por um humano. Ele descreve no livro como fora feito o ritual e como ficou preso pelo seu invocador. Mekanthus era um demônio sábio, mas escravo, seu mestre o obrigava a escrever sem parar segredos, truques, artimanhas, tudo o que sabia. O livro que eu tinha em mãos era a chave para o entendimento do meu poder.

Em algum tempo consegui todos os materiais necessários para a invocação. Se seguisse o mesmo ritual a risca acabaria invocando um demônio como o escritor do livro, então alterei partes que deveriam ao invés de invocar e aprisionar um demônio, fazê-lo com um anjo. Era algo complicado e que exigia tempo. Tempo era algo que eu tinha, então fiz tudo com muita calma, sem pressa, nunca fui uma pessoa afobada.

No fim de três dias de preparação, a parte final finalmente havia começado. O clima ao redor de minha cabana se tornara mais pesado, o ar se tornara palpável. Uma nuvem tempestuosa, de onde raios vermelhos e azuis saltavam no ar, se formou no centro da sala. Era uma minúscula nuvem em relação as verdadeiras, óbvio, não tendo mais do que dois metros de largura, mas ainda assim era o suficiente para amedrontar os animais ao redor e fazer uma ventania dentro do cômodo. Recitei as palavras do livro e a nuvem crescia de tamanho, descendo até o chão. Um estrondo se fez ecoar e o clima voltou ao normal. O clarão cegara meus olhos, assim que recobrara a visão vi, completamente assustado, o corpo de uma demônio avançando sobre mim.