Darcy passou a mão pelos cabelos, nervoso. Andava de um lado para o outro em frente ao cortiço, sem conseguir entrar, sem conseguir subir as escadas. Segurava a carta de Elisabeta, a maldita carta de Elisabeta, que atrapalhava seu sono e sua vida desde que chegara a suas mãos.
Mal podia acreditar naquelas palavras. Não era possível que depois de tudo o que ela havia dito, de todo o amor que havia demonstrado, Elisabeta simplesmente acabasse o relacionamento dos dois como se não fosse nada.
Tivera a audácia de dizer que desfrutara de sua amizade. Darcy não era seu amigo, e não queria ser amigo de Elisabeta. Não apenas amigo, ao menos. E agora nem sabia se queria ser alguma coisa. Estava furioso, não apenas com Elisabeta, mas com toda aquela situação infernal que vivia.
Elisabeta dissera que a noite deles fora agradável. Agradável era tudo o que ela tinha a dizer sobre a noite mais importante de sua vida, a noite me que o prazer se uniu ao mais nobre dos sentimentos. Um sentimento que Darcy nunca vivera, e agora abria seu coração apenas para tê-lo partido em mil pedaços.
E sequer podia pensar sobre a vontade de Elisabeta de experimentar novas frutas e sabores, experimentar outros homens. Ele não precisava ler sobre aquilo, e não precisava das imagens que se materializaram em sua mente desde a primeira vez que leu a carta. Agora não podia pensar em Elisabeta sem imaginá-la com outro.
E não podia pensar em nada além de Elisabeta, o que implicava em imaginá-la com outro homem em todos os momentos de seu dia. E a ideia o enlouquecia, o corroía, e Darcy já não sabia mais o que fazer. E por isso agora tentava engolir o que restava de seu orgulho para ao menos confrontá-la.
Sabia que doeria ouvi-la dizer aquelas palavras, mas era melhor que fosse de uma vez. Que visse o olhar de desdém dela em relação a tudo o que viveram, sua empolgação ao falar sobre as novas oportunidades, sua coluna no jornal, seus novos amores. Isso se estivesse em casa, e não procurando suas novas experiências.
E foi por esse pensamento que Darcy finalmente tomou coragem de entrar no cortiço e subir as escadas. Rumou para o quarto de Elisabeta, batendo na porta de forma mais dura do que pretendia. Demorou alguns segundos para Elisabeta abrir a porta, e Darcy não esperou um convite para entrar.
- Eu vim saber o que significa isso. – ele segurou a carta dela na mão.
Elisabeta o encarou atordoada. Não esperava vê-lo ali, não esperava vê-lo mais. Ele a fitava com uma expressão enraivecida, e Elisabeta de repente sentiu seu sangue ferver. Não era possível que Darcy estivesse ali para cobrar alguma coisa dela.
- O que? – ela cruzou os braços.
- Esta carta! – ele balançou o papel.
- Acho que está tudo claro, Darcy. – Elisabeta fingiu indiferença.
- Então é verdade? – Darcy amassou o papel nas mãos, o último fio de esperança de que fosse uma brincadeira se esvaindo.
- Darcy, por favor, você já leu o que eu tinha pra dizer. Vai embora daqui. – ela segurou as lágrimas de tristeza e raiva.
- Eu só vim aqui porque eu tinha esperança que fosse um engano, que você fosse diferente. – ele disse, deixando-a confusa. – Mas se é o que você quer...
Darcy jogou o papel amassado na lixeira ao lado da escrivaninha de Elisabeta. Olhou em seus olhos uma última vez e caminhou derrotado até a porta.
- Eu também considerei agradável a nossa noite. – ele disse, de costas. – E espero que você seja feliz com tantas frutas e sabores. Seu novo cabelo deve ajudar nisso.
E com isso Darcy bateu a porta atrás de si. Elisabeta observou Darcy sair de seu quarto, com uma sensação de que havia perdido alguma coisa. Darcy não fazia sentido, e embora ela não se surpreendesse mais, não depois da carta dele, a curiosidade foi mais alta, e retirou a carta do lixo.
Elisabeta levou longos minutos para absorver as palavras que lia. Cada frase era mais assustadora que a outra, e nenhuma linha daquele papel fora escrita por ela. Como Darcy poderia acreditar que ela escreveria tantos absurdos? A letra era uma cópia da sua...
Ela abriu a porta do quarto com pressa, descendo correndo as escadas, com a esperança de que Darcy ainda estivesse por ali. Avistou o carro de Darcy virando a esquina e tentou em vão gritar por ele. Alguma coisa estava muito estranha nessa história, e precisava desvendar o quanto antes.
Mas a noite já caia e ela tinha muito o que pensar. No dia seguinte procuraria Darcy e o questionaria a respeito daquela carta. Pelo menos era o seu plano, até que, horas mais tarde, uma batida na porta a tirou do começo de seu sono.
- Ema, não é possível que você tenha esquecido a chave... – disse, abrindo a porta e vendo os olhos vermelhos de Darcy a encarando.
- Por que? – ele perguntou, simplesmente, e Elisabeta sentiu o cheiro forte de álcool.
- Darcy, o que você está fazendo? - Elisa foi em direção a ele, ajudando-o a manter o equilíbrio.
- Cadê ele? – Darcy adentrou o quarto, segurando-se em Elisabeta. – Ela é minha! – ele gritou.
- Pelo amor de Deus, Darcy, do que você está falando? – ela tentou empurrá-lo em direção a cama.
- Eu sei que ele está aqui. – disse, decidido. – Por que você precisa de outros homens, Elisabeta? – Darcy a encarou de repente.
- Eu não preciso. – Elisabeta começou a se irritar. – Mas você precisa de uma boa noite de sono.
- Eu só preciso de você. E você não me quer. Você mentiu dizendo que me amava. – ele a acusou, sentando-se na cama. – Aqui mesmo, nessa cama.
- Não foi o que a sua carta sugeriu. – revirou os olhos, incapaz de ter aquela conversa com Darcy sob efeito de álcool.
- A minha carta? Está aqui a minha carta. – ele tirou um guardanapo rabiscado do bolso.
Elisabeta segurou o papel, tentando ler as palavras escritas. Havia seu nome, obviamente, e mais algumas palavras ilegíveis.
- Não saia daqui, eu vou chamar os seus amigos para cuidarem de você. – ela bufou.
- Eu vou ficar aqui. – ele disse, aninhando-se no travesseiro dela. – Você não vai poder ficar com ninguém aqui, ouviu? Nenhum sabor novo pra você, Elisabeta.
Darcy acordou no outro dia com sua cabeça estourando. Olhou em volta e para seu espanto estava no quarto de Elisabeta, com Ernesto o encarando divertido.
- Trago bom, inglês. – ele zombou.
- O que eu estou fazendo aqui? – Darcy levantou-se rápido.
- Você achou que era uma boa ideia visitar Elisabeta após beber metade do estoque do bar. – Ernesto riu.
- Meu Deus. O que foi que eu fiz? Onde está Elisabeta?
- Acalme-se, ela está no quarto de Jane. Eu vou chama-la.
Darcy tentou arrumar o que pode de seus cabelos e suas roupas enquanto aguardava. Lavou o rosto com um pouco de água que encontrou em uma garrafa. E então Elisabeta entrou em seu próprio quarto, com uma expressão irritada.
- Eu espero que você tenha uma ótima explicação para chegar aqui desse jeito, depois de tudo o que você fez. – ela disse.
- O que foi que eu fiz? – Darcy perguntou, confuso. – Além de aparecer nesse estado no seu quarto, obviamente.
- Não se faça de desentendido, Darcy. Eu li a carta que você enviou para Camilo. – Elisa cruzou os braços.
- Que carta, Elisabeta? Do que você está falando?
- A carta em que você diz que eu me entrego aos meus desejos, e que sugere que eu estava planejando uma gravidez para tirar o seu dinheiro. – ela despejou as palavras, as lágrimas chegando à seus olhos.
- O que? – ele perguntou, atordoado. – Elisabeta, eu fui ao Vale do Café prometendo a você que iria voltar, e então você me envia uma carta absurda.
- Por favor, Darcy. Está aqui, eu peguei a carta da casa de Jane e Camilo. – ela entregou o papel para ele.
Darcy começou a ler as palavras, surpreso com o quanto a letra era parecida com a sua, e chocado com o teor daquela carta.
- Mas como diabos você pode achar que eu escreveria isso, Elisabeta? – ele questionou, irritado e enojado com o que lera.
- Você não achou que eu havia escrito que queria provar todas as frutas e sabores? Que tipo de mulher você pensa que eu sou? – ela irritou-se.
Tivera tempo o suficiente para elaborar tudo aquilo, e ficava cada vez mais claro que alguém havia armado a situação. E poderia apostar que Susana era a responsável por cada uma daquelas palavras.
- Era a sua letra! – ele defendeu-se.
- Era a sua também. – ela devolveu.
E então os dois trocaram um olhar mordaz, irritados com toda a situação em que estavam envolvidos, e irritados um com o outro.
- Eu deveria ter desconfiado que você não seria capaz de dizer que a nossa noite tinha sido apenas agradável. – ele sorriu de lado.
Sem dar chance para que Elisabeta respondesse, se aproximou dela e a beijou. Ela pensou em resistir, mas saberia que seria em vão. A maior parte dela estava apenas aliviada que Darcy não era o responsável por palavras tão duras. Sabia que havia muito para conversar, mas as palavras poderiam esperar. Era hora de Darcy cobrar cada um dos beijos que não haviam trocado.
