Fanfic – Mu & Aiolia

Retratação: Todos os personagens pertencem a Massami Kurumada, direitos autorais reservados etc.

Nota da autora 1: Muita coisa na cronologia de cavaleiros não bate corretamente. Pelas fichas oficiais Mu tem 20 anos de idade quando da invasão das 12 casas. Mas ele ficou 13 anos fora do santuário. Ou seja, tinha apenas 7 anos quando partiu! Tá, o fofucho pode ser um prodígio, mas ainda assim eu estranho que ele tivesse terminado seu treinamento (que dura em média 5 anos, então ele teria começado a treinar com 2 ou 3 anos!!), e que tivesse tamanho discernimento.

Lembrem-se de que no mangá, mais precisamente no volume 12, o grande mestre diz que dois cavaleiros participaram da "traição de Aioros" 13 anos atrás. Não dá né gente. Então, para os devidos propósitos, alterei a idade para que Mu tivesse 16 anos.

Nota da autora 2: partes em itálico: lembranças ou pensamentos do personagem.

Boa leitura.

"Me escute, Mu, como seu mestre ordeno que permaneça longe do santuário." – Dizia a voz grave de Shion. O patriarca dos cavaleiros há alguns meses andava com o semblante carregado, a expressão preocupada. Suas visões em Star Hill permaneciam um grande mistério até mesmo para Mu, seu discípulo, e cavaleiro de ouro de Áries nomeado alguns anos antes.

Mu escutava atentamente seu mestre, estranhando a excessiva preocupação contida em sua voz. Shion nada lhe dissera, pois sabia que se contasse ao jovem tudo o que sabia sobre o destino dos cavaleiros, especialmente sobre o seu próprio – de ser assassinado por Saga, cavaleiro de gêmeos, Mu buscaria intervir diretamente em auxílio de seu mestre, e terminaria por mudar bruscamente o destino que lhes era imposto.

"Mestre! Por que quer que eu deixe o santuário? Não é a função dos cavaleiros de Athena permanecer aqui aguardando sua chegada?" – Mu não era capaz de compreender as ordens de seu mestre, e raras foram as vezes em que teve a petulância de questioná-las.

"Sim, Mu. Mas a situação pede cautela. Quero que você retorne a Jamiel e dedique-se ao conserto das armaduras sagradas pois a batalha que se aproxima exigirá de você todo o conhecimento e habilidade." – Shion não ficava satisfeito em manter seu pupilo longe do santuário, mas a situação pedia que houvessem cavaleiros longe da influência do patriarca que se seguiria no comando.

Mu levantou os olhos na direção do imponente Shion, mestre dos cavaleiros de Athena, do local onde permanecia ajoelhado em reverência, e com lágrimas nos olhos acatou a ordem. Não tinha vontade de retornar para Jamiel, em meio ao deserto gelado das montanhas sempre enevoadas e silêncio sepulcral.

"Mu... mais uma coisa: Muito irá se suceder enquanto estiver fora. Não importa o que aconteça, não retorne ao santuário, a menos que seja para garantir a segurança de Athena. Tenho esperanças de não haver falhado em seu treinamento. Use seu bom senso para saber quando é a hora certa de retornar". – Disse o Patriarca levantando-se a fazendo sinal para que Mu deixasse o recinto.

Novamente aquele sonho, seu mestre lhe dizendo para saber a hora certa de voltar para proteger a Deusa Athena.

Há quanto tempo? Há quanto tempo sentira o cosmo de Shion deixar para sempre este mundo? Exatamente um ano naquele dia. Sentiu a saudade preencher-lhe o vazio que o consumia nos últimos meses.

Nove meses após a morte de Shion, o homem que ocupara seu lugar tentara matar a Deusa recém nascida, que foi salva por Aioros, o cavaleiro de ouro de sagitário, e seu amigo pessoal.

Repensou as ordens de seu mestre enquanto relia o comunicado vindo do santuário, que ordenava seu imediato retorno, para evitar que novos "traidores" tentassem assassinar a Deusa.

Mu sabia que o bebê que era a encarnação de Athena estava a salvo em algum lugar do oriente, e que tudo não passava de uma trama sórdida do 'Mestre'. Ninguém havia notado a mudança, pois o cosmo que ocupara o lugar de Shion era quase tão poderoso quando o do mesmo, mas para Mu, que fora um discípulo atencioso e muito próximo de seu tutor, os dois eram tão diferentes quanto água e vinho.

Diversas vezes pensou em retornar e fazer o impostor pagar pela morte de seu mestre, mas sempre que se decidia a pôr novamente os pés no santuário, tinha esse sonho que o relembrava do último desejo de Shion.

Fitou as estrelas sentado no beiral da janela, no alto da torre onde havia se isolado do mundo. A constelação de sagitário estava fosca. Sentia como se ela quisesse lhe enviar uma mensagem, como se o finado Aioros não tivesse conseguido descansar em paz.

Sentiu um frio percorrer-lhe a espinha, fazendo-o instintivamente abraçar o próprio corpo e encolher os joelhos para junto do peito. Lembrou-se que uma vez fizera uma promessa para Aioros: ele cuidaria de seu irmão menor, Aiolia, caso alguma coisa acontecesse. Mu jamais achou que teria de cumprir essa promessa, mas naquela noite ela se reacendeu com intensidade, fazendo-o ficar agoniado como jamais se sentiu antes.

Pediu perdão a Shion, antes de pegar a urna da armadura dourada de Áries e rumar para o santuário. Seu mestre havia lhe dito para ficar longe, mas algo lhe dizia que a proteção de Aiolia era mais importante do que a ordem vinda do Grande Mestre.

Mu chegou às proximidades do santuário em poucos instantes. Escolheu um lugar isolado para se materializar após o teletransporte. Não queria ser identificado logo na chegada.

Calmamente andou pelo vilarejo onde a maior parte dos aprendizes de cavaleiros vivia. Observou por instantes que um pequeno Aiolia adentrava uma casa modesta na região. Mu focou sua concentração no ambiente, e partiu-lhe o coração saber que o pequeno estava sozinho da residência. Realmente ninguém parecia se importar com o destino do pequeno, afinal, ele era o irmão do "traidor".

Sim, Aioros salvara Athena, e morrera por isso. Ninguém jamais saberia da verdade, pois a única testemunha que poderia apontar quem era o cavaleiro por trás da máscara do Patriarca era o finado Aioros. "Traidor" foi o termo utilizado para identificá-lo e esclarecer a Mu o que havia acontecido no santuário em sua ausência.

Aquilo estava consumindo toda a sua calma, mas ele não podia dar a entender que sabia que o mestre era um farsante. Naquele instante entendeu a mensagem de Shion em seu sonho. Mu não podia declarar guerra ao patriarca, pois caso ele morresse, o que fatalmente aconteceria vez que todos os cavaleiros de ouro se voltariam contra ele, não seria de grande utilidade para Athena ou, mais momentaneamente, para o pequeno Aiolia.

Com a consciência pesada dirigiu-se para as doze casas. Por sorte o seu templo era o primeiro, então não importunaria ninguém com sua passagem, e se mantivesse seu cosmo camuflado, não seria importunado até a manhã seguinte. Aí então pensaria no que dizer ao falso Mestre sobre a razão pela qual não atendeu a primeira ordem.

Mais um dia amanhecia no santuário, e logo as pessoas começavam a se agitar, servos passando atarefados, aspirantes a cavaleiro iniciavam seus treinos e Mu apenas observava. Não havia dormido na noite anterior pensando em Aiolia. Como aquela criança estava sobrevivendo em um ambiente que lhe era hostil? Como se alimentava? Com quem conversava? Essas dúvidas massacraram sua mente durante toda a madrugada. Chegou a chorar de aflição, ao pensar em todas as provações e privações pelas quais o pequeno estava passando.

Lembrou-se do amigo Aioros. O irmão mais novo era seu orgulho, e nada o deixaria mais feliz do que vê-lo tornar-se o cavaleiro de ouro de leão. Iniciara os treinamentos do menino há algum tempo, dois anos e alguma coisa. Mas, por fatalidade não chegaria a terminá-lo. Mu sabia que Aiolia tinha um grande potencial. Notara isso no instante em que o vira entrar em casa, sozinho, algo que assustaria a maior parte das crianças da idade dele. O garoto era dono de um espírito determinado. Só precisava de um guia na jornada. Mu estava determinado a ser este guia.

Foi interrompido em seus pensamentos quando sentiu duas presenças na casa. Shura, cavaleiro de ouro de Capricórnio, acompanhado de outra energia que ele não conhecia.

Pensar em Shura o fez encher-se de rancor. Este foi o cavaleiro que desferiu o golpe fatal em Aioros. Aquele, que consciente ou não, ajudara o falso mestre a concretizar sua farsa de protetor de Athena! Tudo isso se passou pela cabeça de Mu em um segundo, mas controlou-se. Devia manter seu disfarce. Não sabia em quem podia confiar. Uma vez Shion havia falado sobre o único cavaleiro em quem Mu poderia confiar cegamente, Dhoko, o mestre ancião que vivia nos cinco picos sagrados de Rozan, na China, outro que se recusava a retornar ao Santuário.

Olhou para os dois cavaleiros que adentravam seu templo, e Shura espantou-se ao vê-lo.

"Mu! O que o traz de volta ao Santuário?" – Perguntou como se fosse alguma surpresa vê-lo defender seu templo.

"Bom dia para você também, Shura." – Mu respondeu com um sorriso singelo. Corroeu-se por dentro de vontade de esganar o espanhol, mas tinha de ser assim, teria de ser falso e fingido com todos. Vestir sua melhor máscara de cinismo e submissão ao patriarca em nome da 'missão' que impusera a si mesmo.

O cavaleiro que andava ao lado de Shura sorriu. Prezava os bons modos e em nada lhe agradava as atitudes um tanto quanto rudes do espanhol. Shura, um tanto desconcertado pela resposta ríspida mas doce do ariano, coçou a cabeça rindo e emendou não muito contente:

"Bom dia! Mu! Que surpresa! O que o traz de volta ao santuário?"

"Cínico!" - pensou Mu desgostoso. "Não precisa ser cínico, um 'bom dia' basta. E respondendo a sua pergunta, a convocação do mestre foi o que me trouxe de volta. Quem é o cavaleiro de aquário?" – Questionou Mu, olhando para o outro rapaz.

"Há, sim. Apresentações." – disse Shura. – "Kamus, este é Mu, cavaleiro dourado de Áries. Mu, este é Kamus, cavaleiro de ouro de aquário."

Kamus adiantou-se e estendeu a mão a Mu em cumprimento. "Muito prazer, Áries".

Mu aceitou imediatamente o cumprimento, trocando um aperto de mãos com Kamus, respondendo a mesura: "Igualmente, aquário".

"Como sabe qual a minha constelação?" – questionou Kamus, um tanto intrigado, mas antes que Mu pudesse dizer alguma coisa Shura interveio.

"Kamus é novato, veio da França recentemente, recebeu a armadura de aquário, há alguns meses. Você já não estava mais no santuário. Foi na mesma época em que Aioros nos traiu..." – enquanto Shura concluía a sentença Mu não sabia se toleraria aquelas blasfêmias, mas tinha de se manter calado.

Shura concluía sua explanação para Kamus: "O cavaleiro diante de você conhece todas as constelações por causa das armaduras. Ele é o ferreiro dos trajes sagrados." – Mu pôde ver os olhos de Kamus, que lhe pareceram tão frios à princípio, arregalarem-se levemente à menção de que ele era o ferreiro das armaduras.

"Mas... não é lhe faltando com respeito, Áries, mas achei que o ferreiro dos trajes sagrados fosse alguém mais... idoso. Achei que era o mestre que vive nas montanhas na China."

"Poderia ser, concordo. Mas, quis o destino que meu mestre passasse o ofício para mim." – Mu disse isso com certo pesar, que não passou despercebido por Kamus.

"Mu é discípulo direto do Grande Mestre, quando este era conhecido como Shion de áries." – Disse Shura, fazendo Kamus ter nova expressão de assombro. - "Quando foi que chegou?" – questionou Shura voltando-se para Mu.

"Ontem à noite." – Mu respondeu seco, mas aliviado por evitar que fossem feitos novos comentários e perguntas sobre a identidade do mestre, as quais Mu não estava inclinado a responder. A presença daquele cavaleiro estava criando uma situação insustentável.

"E já foi falar com o Mestre?" – Se shura tinha algum defeito além do orgulho, era a curiosidade.

"Eu pretendia ir agora " – "mas você está aqui me enchendo o saco!" – completou a sentença em pensamento. Kamus, muito observador apressou Shura para fora do templo, despedindo-se de Mu de forma cortês.

Mu suspirou fundo, antes de iniciar a longa e penosa subida até o salão do grande mestre.

Aiolia estava sentado nas escadarias das arenas, observando os treinos. Tempos atrás ele era um forte aspirante a detentor da armadura de leão, mas agora fora renegado pelos demais aprendizes por ser irmão de um traidor.

Pensar em seu irmão o enchia de saudade e a esse sentimento se misturava a raiva. Seu irmão havia traído Athena, havia quebrado a promessa que lhe fizera de terminar seu treinamento para que, assim como Aioros, ele também fosse um cavaleiro de ouro respeitado por todos.

Agora tinha de viver ouvindo calado às piadas dos demais cavaleiros e pior, daqueles que como ele eram meros aspirantes. Cerrou os punhos e bateu-os contra a chão, machucando as mãos ainda frágeis de criança. Segurou o grito de dor ao perceber que Shura o observava junto com o cavaleiro de aquário, sua sombra nos últimos meses.

Correu para longe das arenas, isolando-se nos arredores do santuário, sentando-se nas pedras dos rochedos que circundavam o Cabo Sounion. Ao perceber que estava sozinho, e quando realmente sentiu-se sozinho, permitiu-se chorar. Um gosto que jamais daria aos demais de vê-lo fazer.

Abraçou os joelhos, com os dedos ainda sangrando e fitou o horizonte, imaginando o que fazer de sua vida dali em diante, agora que provavelmente não teria nenhuma chance de se tornar um cavaleiro.

Mu chegava na sala do Patriarca. Um dos guardas anunciara sua chegada, e quando foi autorizado a adentrar o grande salão, engoliu em seco. Teria de usar toda a frieza, calma, sobriedade e cautela para não avançar sobre o maldito homem que matou seu mestre; para que sua fúria não lhe fizesse perder a razão.

Parou hesitante à porta, e lentamente adentrou o recinto, encontrando o patriarca sentado na cadeira que um dia foi ocupada por Shion, vestindo uma imponente túnica azul escuro com detalhes em vermelho, usando a máscara escura juntamente com o elmo, conveniente para esconder seu rosto. Uma imagem respeitável que cairia por terra se soubessem do farsante que se encontrava debaixo de tanta realeza e magnitude.

"Venho atender seu chamado, Grande Mestre" – Deveria ter cuidado para que estas palavras não soassem tão amargas quanto Mu as sentia em seu coração.

"Mu! Que bom que voltou. Qual a razão para ter demorado tanto a atender um chamado do Santuário?"

Mu sabia que aquele homem lhe faria tal pergunta. Ajoelhando-se perante o impostor em sinal de reverência, como todos os demais cavaleiros faziam e respondeu: "Peço perdão Mestre dos cavaleiros e meu mestre, mas algumas armaduras que tinha sob minha guarda requereram um pouco mais de estudo para seus reparos, e isso me tomou mais tempo do que desejei. Mas agora, com todas as fileiras de cavaleiros com suas armaduras devidamente restauradas retorno ao santuário conforme me foi ordenado." – Mu são sabia que podia mentir tão bem. Aquele era um jogo perigoso. O menor deslize significaria a morte. Mas quanto mais perto da ameaça, talvez mais longe do perigo. Queria fazer o "mestre" crer que Mu acreditava que aquele era mesmo o seu mestre. Mas para isso deveria conversar com ele como costumava fazer antes, como se nada tivesse acontecido.

Saga permaneceu imóvel, sentado, como o grande mestre. Aquele era Mu, cavaleiro de Áries e discípulo direto do grande Shion. Pensou que talvez tivesse sido um erro trazê-lo de volta, mas... se Mu desconfiasse da farsa estaria ele tão sereno diante de si? Parecendo tão submisso quanto costumava parecer diante de seu verdadeiro mestre? Mu nunca demonstrou que fosse hábil em dissimular seus sentimentos, até porque, quando eram menores Mu era sempre aquele que queria que as coisas fossem postas em pratos limpos logo. Ele não teria estômago para tanto.

"Mu... pretende ficar desta vez?" – Questionou o falso Mestre.

"Perdão, mas, o que Vossa Excelência quer dizer com isso?" – questionou Mu, atento ao homem.

"Há cavaleiros para serem treinados, e preciso de cavaleiros como você para isso. Após a traição de Aioros, que era um cavaleiro de ouro, tivemos de reforçar a segurança de Athena, e precisamos de cavaleiros bem treinados. Tenho confiança de que te treinei bem, e quero que você passe isso aos novos aspirantes."

Mu fechou os olhos por instantes. Aquela seria a mais dura das provações por que teria de passar. Aquele, definitivamente não era seu mestre. Shion jamais foi presunçoso quanto ao treinamento que havia aplicado em Mu, por melhor que fosse; aquele homem não sabia de sua amizade com Aioros. Aioros, ouvir que ele era um traidor despertava a cólera do pacato ariano, que reconhecia nestes momentos a verdadeira natureza de seu signo, e lutava contra ela para não se denunciar em um momento de impulsividade.

"Certamente Mestre". – respondeu ele, ainda de cabeça baixa. Reverenciou-o mais uma vez e quando foi autorizado a deixar o salão alguns cavaleiros de ouro entravam.

Shura vinha acompanhado de Kamus de aquário e de Máscara da Morte, como era conhecido o cavaleiro de câncer.

Mu os cumprimentou novamente, mas parou ao ser chamado pelo Patriarca.

"Espere Mu! Já conhece o novo cavaleiro de aquário?"

"Sim, Mestre. Fomos apresentados hoje de manhã, antes que eu subisse até aqui." – Respondeu Mu, finalmente olhando diretamente para o grande mestre, encobrindo seu asco com o mesmo sorriso singelo que oferecera a Shura naquela manhã. Kamus não tinha nada a ver com seu problema, até o momento, pelo menos.

"Bem... posso saber qual o motivo dessa reunião inesperada em meu salão?"

"...meu salão... MEU SALÃO!!" – novamente uma característica que seu mestre não tinha: egoísmo. Shion jamais se referira a nada no santuário como sendo seu, além da armadura de Áries. Isso já estava tornando-se um fardo maior do que Mu pensou que poderia carregar.

"Mestre! O que devemos fazer com Aiolia?" – perguntou Shura, bufando visivelmente.

Mu observou o mestre se remexer na cadeira discretamente.

"Maldição! Se Mu não estivesse aqui ordenaria que se livrassem do pirralho. Mas tenho que continuar bancando o mestre que ele conheceu" – pensava o mestre, por debaixo de sua máscara. – "O problema é que não sei exatamente como Shion agia nessas situações. Terei de esperar para saber o que o fedelho que ele treinou tem a dizer sobre isso."

Mu podia sentir a agitação do farsante. Sua presença ali tirara dele todas as sórdidas opções de que ele lançaria mão naquele momento. Shura e Máscara da Morte o obedeceriam sem hesitar, mas Mu também achava que a presença de Kamus o deixara sem opções. Afinal ele era o novato que ainda achava que o grande mestre era uma quase divindade, e um homem justo.

"Mestre?" – Shura ficou intrigado ante a ausência de resposta. Mu pensou que esta seria sua deixa para se oferecer a mestre do garoto, mas antes que dissesse qualquer coisa observou os demais. Para seu alívio Kamus fez a pergunta:

"Perdão por intervir, Grande Mestre, mas não entendo porque Shura tem tanta aversão ao menino."

"Porque ele é o irmão menor do traidor. Determinadas características são herdadas por toda a família." – Irrompeu o espanhol, antes que o Mestre pudesse explicar toda a história novamente.

"Perdão Shura, mas devo discordar de você. O traidor era o irmão dele, e não ele." – defendeu Kamus, que começava a subir no conceito de Mu.

"Antes de mais nada, o que foi que ele fez?" – Saga rezava para que a resposta fosse algo grave, que ensejasse desaparecer com aquele garoto, reconhecê-lo como uma ameaça.

Mu observou de soslaio o mestre. Aquele homem era bem tático. Se fazia parecer com um homem bondoso e justo, que gostava de ouvir antes de sentenciar.

"O pirralho insiste em permanecer nas arenas de treinamento. Ele não é mais um candidato à armadura de leão!!" – Shura gesticulava enquanto falava, como se a presença inofensiva de um garoto pudesse mudar o curso dos treinos.

"Perdão, Mestre... mas o garoto chegou a iniciar os treinamentos para ter acesso às arenas?" – Perguntou Mu, fazendo-se de inocente, e desconhecedor da resposta.

"Sim, ele treinava com o irmão mais velho, o traidor, mas em razão da morte deste ele ficou sem um mestre". – respondeu Kamus, crendo-se o mais racional para explicar tudo o que acontecia a Mu que 'desconhecia' a história.

"Mas... se ele iniciou o treinamento é porque tem as aptidões necessárias para ser um servo de Athena, e sabemos que a seleção é rigorosa. Sinceramente não vejo razão para que ele não seja treinado por outro cavaleiro para disputar a armadura de leão." – Concluiu Kamus, um pouco tímido, por ser um novato, dando palpites nas reuniões entre cavaleiros mais experientes.

"O que você acha, Mu?" – Mu sentiu sua alma gelar quando ouviu a pergunta feita pelo Grande Mestre. Essa seria sua única oportunidade, mas não podia deixar transparecer que tinha interesse em treinar o jovem aspirante. Pensou por um segundo antes de responder:

"Mestre, sei que Vossa Excelência é misericordioso, e é por isso que é tão adorado e respeitado pelo povo do santuário. Acredito que o senhor, assim como Kamus e eu, crê que a pena não deve ser aplicada a outra pessoa senão a do condenado. Aioros traiu Athena, e foi severamente punido por isso, como era de se esperar" – Mu sentia o coração sangrar enquanto proferia essas palavras – "mas o jovem Aiolia é uma pessoa diferente, e não vejo razão para que ele não receba treinamento para disputar a armadura sagrada". – Disse Mu cauteloso recebendo um olhar de aprovação de Kamus, que até então pensava ser o único cavaleiro em sã consciência naquele ambiente, e que o Mestre realmente era um homem bom e justo em permitir que o garoto, apesar de ser irmão do traidor, fosse defendido por outros cavaleiros. Um juiz consciente.

"Mas e quanto ao fato dele ser irmão do traidor?" – questionou Máscara da Morte, que até então não tinha se manifestado.

Mu e Kamus viram todos os olhares voltarem-se para eles, mas foi Mu quem respondeu:

"Grande Mestre, creio eu, que Aiolia deseja ser um servo de Athena, pelo fato de ele permanecer próximo às arenas de treinamento ainda que sem um mestre. Pelo fato de ser irmão do traidor, penso que isso somente aumenta sua vontade de limpar o nome da família, tornando-se um dos servos mais leais. Porém, é Vossa Excelência quem decidirá o futuro do jovem, e não algum de nós. O senhor é o mais sábio, e por isso é o Grande Mestre. Nós, cavaleiros de ouro confiamos em sua sabedoria."

Mu não sabia de onde tirara forças para ser tão submisso e mostrar alguma coerência. Kamus afirmava sua concordância com o que Mu havia dito. Julgar o caráter de alguém pelo de outra pessoa era um erro que ele não acreditava que o Grande Mestre fosse capaz de cometer.

Saga se viu sem saída. Os argumentos apresentados por Mu e Kamus eram mais fortes do que a implicância de Shura. Deveria agora mostrar toda sua misericórdia, e permitir que aquele pirralho fosse treinado para disputar a armadura de leão.

"Pois bem. Diante de tudo o que me foi dito, asseguro à vocês que cada um de seus argumentos foi severamente ponderado, e por fim, decido que Aiolia tem direito à um novo mestre que o treine para ocupar o templo de leão. Mas quero saber qual de vocês dois" – disse ele virando a máscara na direção de Mu e Kamus – " será o mestre dele. Entendo que já que o defenderam sentem-se à vontade para treiná-lo. Espero que compreendam que não posso impor esta tarefa a Shura ou Máscara da Morte, que tem desavenças com o menino." – Saga tinha de demonstrar alguma justiça naquela decisão. Não lhe restavam muitas opções.

Mu e Kamus se entreolharam por instantes e Mu percebia que Kamus,apesar de ser um cavaleiro de ouro muito astuto, ainda era inexperiente, justamente por ter se sagrado cavaleiro há pouco tempo, então Mu se ofereceu para a tarefa.

O Mestre parecia satisfeito com a resposta. Assim, Mu ocuparia seu tempo com o menor e deixaria de permanecer muito tempo em sua companhia, diminuindo o risco de ser descoberto pelo enxerido discípulo de Shion.

Enquanto descia as escadarias de volta à casa de Áries, Mu sentia que um grande peso havia sido tirado de seus ombros. Agora ele sabia que Aiolia estaria seguro, sob sua proteção. Ele cumpriria a promessa feita a Aioros.

Aiolia retornava para casa, onde passaria mais uma noite sozinho. Estava desgostoso com sua vida. As pessoas o ignoravam, não tinha mais amigos, não se tornaria cavaleiro. Parecia que somente lhe aguardava esperar o que a vida havia lhe reservado. Ainda tão criança ele era obrigado a pensar em como se sustentaria agora que não tinha mais o irmão. Pensava em Aioros com desgosto. Por que dentre tantas pessoas logo ele tinha de ser o irmão do traidor de Athena? Por que a vida era tão injusta com ele?

Ainda podia sentir o olhar fulminante de Shura ardendo contra ele. Angustiava-o o desprezo que sentia vindo dos demais aprendizes. Todos o olhavam com desdém, e isso ele não podia suportar. Ainda não sabia a razão disso, mas isso o feria. Entrou em seu quarto, no fundo da casa humilde onde morava na vila, deitando-se pesadamente na cama e chorando descontroladamente, até que o sono lhe veio. Não tinha mais ânimo para fazer nada, queria apenas dormir. Dormir para sempre.

Acordou na manhã seguinte e lentamente se dirigiu à cozinha. Foi quando ouviu batidas à porta. Temeroso aproximou-se mas hesitou ao tocar na maçaneta. Esperou por alguns segundos, mas as batias se repetiram com a mesma calma de antes.

O garoto abriu a porta devagar e cauteloso olhou para fora, vendo que um rapaz de cabelos muito longos cor de lavanda e olhos verdes esperava pacientemente. Aiolia olhou-o tímido pela fresta.

"S...sim." – perguntou ele, receoso.

"Você é Aiolia? Irmão de Aioros?" – Perguntou Mu, sorrindo levemente.

Aiolia estranhou. Aquele rapaz não o olhava com o mesmo desprezo que Shura, ou com a pena que via nos olhos do cavaleiro que o acompanhava. Aqueles olhos demonstravam algo diferente, no verde cristalino Aiolia podia ver respeito, aquele rapaz o olhava diretamente e de forma terna.

Aiolia terminou de abrir a porta, e percebeu, espantado, que aquele homem carregava uma urna de armadura coberta, que estava depositada na soleira de sua porta.

"Senhor..." – disse ele, com a voz infantil embargada por uma angústia que partia o coração de Mu em milhares de pedaços. – "... em que posso ajudar."

"Vim procurar por você, jovenzinho." – explicou Mu, agachando-se até ficar próximo da altura do menino.

"Perdão, senhor?" – Aiolia não estava entendendo. O que alguém, um cavaleiro a julgar pela urna de armadura que carregava, poderia querer com ele. Arregalou os olhos por um instante.

"Perdão, senhor! Desculpe pelos meus modos! Por favor, entre!" – disse ele baixando a cabeça em reverência e abrindo caminho para que o homem entrasse.

Mu passou pelo menino, carregando a urna da armadura, entrando na humilde residência. Observou ao ambiente. Aioros havia morrido há poucos meses, mas o local se mantinha limpo e organizado. Certamente pelos esforços do garotinho. Mu sentiu um nó apertar sua garganta em pensar que uma criança estava vivendo sozinha e desprotegida naquele lugar, e ainda assim o mantinha habitável.

"Perdão mas... quem é o senhor?" – perguntou Aiolia tímido. Sentia que aquele homem não lhe faria mal algum, mas queria saber quem era ele.

"Eu que lhe peço perdão por não me apresentar. Meu nome é Mu." – Respondeu, olhando o ambiente em volta. "Quem mais mora com você, Aiolia?" – Mu sabia que a resposta daquela pergunta era dolorosa para os dois, mas tinha que parecer que ele desconhecia o garoto. Era uma questão de tempo até que falso mestre enviasse Capricórnio ou Câncer para sondar seus passos.

Aiolia baixou a cabeça, triste. "Ninguém, senhor."

Se Mu não estivesse de costas Aiolia teria visto todo o sofrimento que se passou rapidamente pelo semblante do cavaleiro de Áries. Mu fingiu surpresa ao virar-se para o garoto.

"Você é quem arruma essa casa?" – Aiolia assentiu, ainda tímido no local onde estava. – "Hum... organização. Gosto disso em um discípulo." – disse Mu sorrindo de leve e voltando a atenção para o ambiente ao seu redor.

Aiolia balançou a cabeça, não tinha entendido bem. Aquele homem havia dito 'discípulo'?

"O que foi?" – Mu voltou a atenção ao pequeno que o olhava com espanto.

"Me desculpe senhor, mas não entendi o que disse." – Aiolia não queria parecer impertinente.

"Por ordem do Grande Mestre eu, Mu, serei seu mestre, para te treinar como aspirante a armadura de outro de leão." – Aquelas palavras soavam estranhas para Mu. Ele estava sendo obrigado a passar uma falsa imagem de veneração à 'benevolência' do Grande Mestre.

Os olhos de Aiolia brilhavam de emoção e excitamento. Não se conteve ao se lançar contra Mu num abraço desesperado, com medo que aquilo tudo fosse apenas um sonho. Sentiu seu abraço ser retribuído de forma carinhosa, chorando contra o ombro homem a quem abraçava com toda a sua força, temendo que ele se desfizesse em cinzas, e quando acordasse de seu sonho estivesse completamente sozinho.

Mu se apartava do abraço de Aiolia, que relutava em separar-se daquele rapaz que passaria a ser seu mestre. Mu o olhava com carinho, quando reparou nos punhos do jovenzinho. Estavam muito machucados e esfolados.

"Onde machucou seus punhos deste jeito?" – perguntou ele, segurando as pequenas mãos do outro. Aiolia baixou os olhos por um momento, tímido em responder.

"Ontem... eu os bati contra o chão perto das arenas." – respondeu em voz baixa.

"Por que fez isso?" – Mu perguntou. Precisava saber o máximo que pudesse sobre o que se passava na mente do garoto para que pudesse iniciar os treinos.

"Fiquei com raiva..." – Aiolia respondia tentando conter as lágrimas.

"De quem? E por que?" – quanto tempo ele gastaria com perguntas curtas?

"Do Senhor Shura... o cavaleiro de ouro de capricórnio. Ele não gosta de mim... por que... porque eu sou o irmão do traid..." – parou a frase no momento em que ia dizer o que lhe contaram sobre seu irmão, mas parou gelado. E se o cavaleiro diante de si soubesse que ele era irmão do traidor o que faria? Iria abandoná-lo? Arregalou os olhos e olhou para o homem ainda agachado diante de si, mas não conseguiu ler sua expressão. Era como se ele não tivesse dito nada de mais.

"Eu sei quem você é, e sei quem era seu irmão. Não precisa ter medo de me dizer. E se arrebentar contra o chão das arenas por causa da raiva que tem de Shura não é muito sábio. Não muda o que ele sente por você, pelo contrário."

Aiolia ouviu Mu chamar Shura somente pelo nome, sem o 'senhor' na frente. Todos os que conheciam Shura o tratavam como 'senhor', exceto pelos outros cavaleiros de ouro...

"O senhor é um cavaleiro de ouro?" – Questionou, buscando olhar a caixa da armadura encoberta, era estranha, não se parecia com as urnas douradas. Era de cor diferente.

"Sim... sou o cavaleiro de Áries, mas esta é uma armadura de bronze que eu tive de recolher para consertar." – respondeu ele, segurando novamente as mãos do garoto entre as suas, elevando seu cosmo e fazendo as feridas desaparecerem.

Aiolia lembrou-se de uma coisa que seu irmão havia dito há muito tempo, sobre o cavaleiro do primeiro templo ser o responsável pelo reparo das armaduras sagradas, um cavaleiro muito poderoso, treinado pelo próprio mestre do santuário.

"Você é o ferreiro das armaduras?" – perguntou de certa forma aterrorizado, por saber que as armaduras eram consertadas utilizando o sangue dos cavaleiros que as portavam.

"Sim, e não me olhe assim. Muito do que você já deve ter ouvido sobre mim é mentira. Não se deve acreditar em tudo o que se ouve." – respondeu Mu, sorrindo novamente para ele.

"Mas, dizem que você precisa do sangue dos cavaleiros para reparar os trajes..." – perguntou olhando novamente a urna.

"Não estamos aqui para falar de mim, hoje. Depois eu te conto um pouco mais. Mas por hora quero saber sobre você. Seu mestre foi seu irmão Aioros, certo?".

Mu chamou seu irmão pelo nome, não se referiu à ele como traidor, como todos os demais faziam.

"Sim..."

"E até que ponto ele te treinou?"

"Como assim?"

"Ele iniciou treinos de controle da energia cósmica com você, ou somente treinamentos físicos?"

"Condicionamento físico e um pouco sobre a filosofia de operação do cosmo. Ele disse que eu era muito pequeno para aprender a manipular a energia."

"Sei... quantos anos você tem?"

"Nove" – respondeu ainda abobalhado de ver que as feridas em suas mãos sumiram com o mero toque do cavaleiro.

"Então já está mais do que na hora de aprender. Mas já vou avisar que sou exigente e rigoroso com meus alunos, e que o treino para ser um cavaleiro de ouro é muito mais árduo do que os treinos para as fileiras de prata ou de bronze, que são os aprendizes que ficam nas arenas. Ainda sim que ser tornar um cavaleiro de ouro?"

"Sim..." – respondeu com o brilho mais cristalino nos olhos. Aquela inocência deixava Mu encantado. Aiolia seria um grande cavaleiro de ouro.

"Bom. Primeiro, comece por não aparecer mais nas arenas de treinamento. Lá não é o seu lugar. Você vai ser um cavaleiro de ouro e nós não treinamos junto com os demais. Daqui há algum tempo você entenderá a razão. Segundo, deixará esta casa e virá comigo para os doze templos sagrados onde você será treinado. Terceiro, como serei seu mestre, eu decido o que, como e quando você fará suas atividades, mas sinta-se a vontade para me fazer perguntas quando julgar necessário. Entendeu?"

"Sim." – Aiolia assentia, pronto para o início de sua nova vida. – "Posso fazer uma pergunta?" – Questionou acanhado, mas a permissão concedida por Mu para que ele prosseguisse deram-lhe mais coragem.

"O Senhor foi mesmo treinado pelo Grande Mestre?"

Mu sabia que aquela pergunta viria. Todos que o conheciam tinham, sempre, que questionar coisas sobre o Grande Mestre. Já não se sentia a vontade em respondê-las quando o mestre era Shion, agora então...

"Sim, eu fui treinado por ele. Não me entenda mal, pequeno Aiolia, mas eu não costumava responder questões sobre o Meu Mestre. Além do mais, agora ele não é mais o Meu Mestre, e sim, o Mestre de todos os cavaleiros, por isso eu não posso ficar dizendo coisas que eu sei sobre ele. É como se ele fosse uma pessoa diferente agora. Entendeu?". – Estranhamente não tinha como explicar tudo o que se passava no momento, mas aquela constatação traduzia perfeitamente a verdade. Aquele não era mais o seu mestre, era outra pessoa.

Aiolia pegou algumas coisas e seguiu com o cavaleiro de Áries para os doze templos, onde iniciaria seu treinamento.

CONTINUA ...

Inicialmente era para ser uma one shot, mas foi ficando maior do que eu imaginava, e optei por dividir em 2 ou, no máximo, 3 capítulos.