THE BEST I EVER HAD

ShiryuForever94

Totalmente Reformulada

Nota: inicialmente, era o presente de Natal de Akane de nem sei quantos anos atrás. Não consegui terminá-la e resolvi apagar do site. Agora, revisada e refeita em várias partes, finalmente terminada, é meu presente de Natal, novamente, para uma escorpiana leal, forte e sempre presente na minha vida.

Feliz Natal Akane, porque sem você a vida não tem um quinto da alegria.

Gênero: Yaoi/Romance/Angst

Beta Reader: Midnight Desire (Muito obrigada, querida, por ter feito esse trabalho tão especial)

Em Capítulos

Personagens: Radamanthys de Wyvern e Valentine de Harpia como protagonistas e quantos mais der vontade de colocar. Casais? Ah, não querem que eu estrague as surpresas não é mesmo?

Direitos Autorais: Saint Seiya não me pertence, mas nem por isso podem ficar pegando meus argumentos sem citar não é mesmo? Se gostou de alguma cena especial ou de algum personagem novo, use à vontade, apenas cite de onde veio a inspiração ok?

Fanfiction de conteúdo adulto, contendo relações homoafetivas masculinas. Se você tem menos de 18 anos, ou não suporta yaoi e relacionamentos entre homens, procure algo mais adequado à sua faixa etária e gosto. Aviso dado, me poupem de flammers mal educados que tenho mais o que fazer. Quanto aos casais que costumo retratar, são do meu gosto pessoal. Se não gostar de algum, por gentileza não desmereça todo o meu trabalho por isso. Todos têm direito a seus gostos e preferências. Boa leitura.

UM

Passado e Presente

Poderia ser um dia igual aos outros, mas havia um peso indescritível, uma tristeza abissal, perceptível por aqueles que habitavam a desolação de campos e campos de terra batida sem vida, muitas pedras, gelo ou apenas rios de sangue.

O meikai jamais seria um local "turístico" ou interessante. Era lugar de expiação, de dor, de perdas e sensação de horror. A cor do céu era estranha, não se podia delimitar dias e noites, havia sempre murmúrios, gemidos, gritos de dor e restos humanos por todos os lugares. Sem falar que em algumas ocasiões, tudo o que era sentido por qualquer um ali era apenas um cheiro tétrico de podridão,

Era o inferno, afinal. Sem lindas pradarias, sem sorrisos, sem flores, sem lagos de água cristalina nem motivos pelos quais alguém pudesse se alegrar por estar ali. Não era um lugar de repouso, era de eterno desespero que as moléculas que ali estavam se alimentavam. E havia desespero o bastante para enlouquecer qualquer ser vivo, ou morto.

Num dos ambientes do Meikai, coberto de gelo, de frio cortante, ventania eterna e solidão, um homem, se é que se poderia chamá-lo assim, caminhava quase sem esforço dados seus poderes e obrigações. Asas presas nas costas do traje quase negro, pés recobertos por metal esmigalhando a neve e afundando no que poderia parecer um lindo campo gelado.

Enterrados até os ombros, seres, almas, humanos, o que fosse, pediam clemência enquanto sua carne, ou a ideia que eles tinham do que fosse sua carne, era devastada, queimada, carcomida pelo gelo intenso e enganadoramente trajado de branco, como se pudesse haver alguma paz por ali. Havia tristeza, lamentação e desespero.

Lamentação. A estrela de Valentine de Harpia, guardião do Cocytes, parecia ditar o ritmo da "vida" que havia por ali. O homem ruivo e esguio, de argutos olhos verdes sentia que, pelo clima depressivo que se espalhava por todo o seu domínio – o tal do Cocytes ou inferno gelado – já sabia que almas de muitos que haviam se voltado contra seus superiores estavam pressentindo a chegada do Natal. Era sempre assim.

Para os humanos, ou melhor, os vivos, o Natal era uma celebração de vida, amor, alegria, mas ali? Nada mais enganador que pensar que o Natal pudesse ser algo feliz por ali.

Valentine tinha algumas poucas lembranças de seus natais, quando estava vivo. Agora? Bem, era apenas um espectro... Não deveria ter memórias.

Só que se lembrava das festas, das comemorações, das árvores e, principalmente, das crianças. Sentia falta da alegria doce e inocente dos pequenos humanos. Não havia quase nenhuma criança no Meikai e as que havia... Oh sim, havia crianças... Tão maléficas que assustariam até mesmo a um padre exorcista.

Eram seres tão perfeitos, pequenos demônios, repletos de maldade, bem longe das pessoinhas de olhos sinceros e alma bondosa de que Valentine se lembrava. Isso o fazia ficar um tanto deprimido, embora alguns humanos achassem que sentimentos ou sensações não devessem existir no inferno. Só que existiam...

Harpia já era notavelmente solitário e tremendamente calado por decisão própria e o Natal... Bem, não havia Natal algum no meikai, nem poderia haver. Era a salvação e, segundo as crenças, era algo bom e bonito e cheio de esperança.

Não havia nada de bom, nem de bonito, nem de esperançoso no inferno. Nem deveria haver, afinal de contas era lugar de expiação e não de felicidade.

O fato de saber era bem diferente de aceitar. Os ruivos fios que corriam um pouco abaixo dos ombros se soltaram do elmo e voaram nos ventos gelados. Valentine gostava do vento. Amava a sensação de solidão e liberdade daquelas planícies brancas. Pelo menos aquela neve do inferno gelado o fazia sorrir um pouco.

Não era exatamente questão de ser feliz ou não, mas apenas de aceitar as coisas como eram. E o espectro de Harpia já estava no meikai há tempo suficiente para saber que uma decisão errada podia fazer toda a diferença.

Quando chegara, ainda um perfeito pós-adolescente, oriundo do Chipre, ficara intimidado pelos demais espectros, ficara sem graça com tantos homens, se é que ainda eram homens, todos juntos, quase amontoados, como se fosse uma apresentação para algum exército. Descobriu que a missão de todos ali não seria algo fácil, teriam o dever inóspito de guarnecer o final de todas as vidas, cuidar de almas. Só que era o inferno, cuidar poderia significar torturar almas.

Na verdade, Valentine era estóico quanto ao trabalho que fazia e ao destino que lhe coubera, o que significava que ele permanecia impassível em face da dor ou infortúnio. Não havia sido escolhido sem motivo, tinha certeza que sua alma antiga tinha algum pecado a expiar, ou não estaria ali. No entanto, por pior que tudo parecesse, havia alguma nobreza em sua alma perdida e teimava em buscar a luz em meio à danação.

Uma luz dourada não seria nada mau. Um sorrisinho leve e um longo suspiro. Não podia se distrair ou poderia custar-lhe a tal "vida" que possuía por determinação de Hades.

O ruivo afastou o pensamento e vagou um tanto pela infinidade de caminhos gelados. Somente ele conseguia ficar ali, somente ele era senhor do Cocytes. Bem, não era como se ele disputasse com Hades algum domínio, e sim que apenas se sentia feliz, ou o que significasse a sensação de ter aquela vastidão branca somente para si, inóspita, abandonada e cheia de gemidos dos que penavam pela eternidade.

Não, Valentine não era sádico, não era isso. Só que acreditava um pouco em destino; tinha que acreditar, ou não conseguiria entender grande parte do que vivenciava todos os dias por ali.

Não era qualquer um que podia ser um espectro. A súrplice era pesada, atemorizante e cruel. Quando Harpia andava, tal como muitos outros espectros, eram criados buracos no chão de gelo. Como um corpo que possuía algum caráter humano poderia aguentar aquilo? Era encargo das estrelas maléficas que torciam, mutavam, destruíam sem piedade, deformavam, qualquer que fosse, quem quer que fosse, o seu hospedeiro, de forma que ele pudesse envergar os trajes.

Valentine se lembrava de algumas coisas. Sua estrela era a da lamentação e por vezes se perguntara por que justamente aquela o haveria escolhido. Talvez por sua natureza quieta e pensativa? Ou pelo lamento da alma que tivera um dia?

Lembranças. O problema de todos os espectros fora o mesmo quando haviam sido abduzidos. Seus corpos e mentes tiveram que se dobrar, praticamente serem possuídos, para que pudessem suportar as dores mortais de pensamentos negros, cosmos poderosos e destrutivos e poderes sobre humanos.

Ao contrário dos cavaleiros, eles não haviam passado a infância sendo preparados, não era nada disso.

As súrplices eram como uma segunda pele, não apenas isso, eram uma espécie de possessão maligna e cruel e eles com o tempo se acostumavam àquela simbiose. Tanto era verdade que, por vezes, sentiam dor ao tirá-la e Valentine quase enlouquecera quando sentira aquela coisa fria, metálica, nefasta, colada na sua alma e em seu corpo.

Até que tivera sorte, seu corpo não fora transformado em alguma aberração como ocorrera com vários outros. Sim, tivera sorte, mesmo no inferno. Além do mais, recebera um apoio que fizera toda diferença. Seu superior, seu juiz. Não teria suportado tanto se não fosse por Radamanthys.

Um longo e fundo suspiro e Valentine pensou no seu general. O inglês era o Kyoto de Wyvern, o escolhido pela Masei da Ferocidade, um homem impressionante não apenas por sua aparência. Alto, loiro, traços anglo-saxônicos, corpo moldado em treinos insanos – mesmo sem precisar, pois a súrplice cuidava da resistência de seu "eleito" – voz de comando e olhar de atemorizar qualquer um. Esse era Wyvern.

Valentine tinha total devoção por ele, no sentido absoluto e maníaco da palavra. Sentia-se bem apenas perto dele, sentia-se vivo quando Radamanthys estava por perto e não questionava jamais uma ordem daquele ser. Era uma estranha relação.

O exército de Hades merecia esse nome, pois tal como num quartel, a cada Kyoto cabia o seu exército e Valentine era do exército do Kyoto loiro e alto. E de olhos dourados como âmbar que podiam ser sarcásticos, cruéis ou apenas sem sentimentos. No entanto, Valentine sempre enxergava preocupação quando se entreolhavam em alguma situação adversa. Como deveria ser; mas era outra história, para mais tarde.

Havia muito o que se pensar sobre o juiz Radamanthys. Era cruel, fantasticamente sádico e torturador nato. Tinha todas as habilidades necessárias para um Kyoto, e era um homem especialmente impressionante. Muitos arriscariam dizer que era sedutor e bonito, mas Valentine tinha certeza que ele assustaria até a morte qualquer ser vivo na face da terra.

Eram três os juízes, a força máxima de Hades. Cada qual com sua vestimenta especial, cuja mera aparência já era difícil de encarar. Cada kyoto tinha sua majestosa armadura de tons negros e roxos. As mais pesadas de todo o meikai, as que exigiam mais dedicação, mais subserviência e mais força. As que causavam mais dor e destruição da natureza humana que pudesse restar nas almas destinadas a servir em nome de Hades.

A admiração de Valentine tinha motivos. Radamanthys de Wyvern não era qualquer homem, nem poderia ser. Um guerreiro impressionante, um general tático que Valentine admirava mais que a qualquer outro no inferno. E fora dele. Lembrou-se de toda a história deles dois.

Não era noite, nem era dia. Era algum horário impossível de saber. Um imenso campo sem vida, de solo vermelho, pisado, estéril e sem nenhum sinal de vida. Um grande campo árido e avermelhado, por trás de um castelo enegrecido, assustador e digno de estar nos contos de horror da Transilvânia. Foi a primeira vez que Valentine sentiu medo depois de chegar por lá. E onde era o tal "lá"?

Meikai. Inferno. Morada dos perdidos. Reino de Hades.

Junto dele, Valentine, havia outros. Tão ou mais assustados, ainda não vestidos de súrplices, apenas com malhas pretas justas na parte de baixo do corpo. Não usavam blusa alguma, e como era frio aquele lugar! Mal sabia Valentine de seu destino. Talvez nem quisesse saber. O gênio do cipriota era até calmo, não era de se revoltar com nada, mas estava com medo. Era como estar no meio da perdição. Talvez porque fosse mesmo a perdição.

Um homem alto, de olhar oculto por um elmo esquisito, asas longas e pontudas saiu sabia-se lá de onde e impôs silêncio sem dizer palavra alguma. Simplesmente todos sabiam que deviam obedecê-lo e respeitá-lo. Era como um chip no coração de todos dizendo que deviam apenas ficar quietos. Terror e admiração, numa mistura difícil de entender.

Valentine sentiu o olhar dele sobre cada um dos seus recrutas, somente para usar a analogia militar e, de repente, uma sensação horrível de medo e dor se apoderou de sua alma. Sentiu mais que viu quando uma luz roxa e uma sensação de torpor e morte circundaram seu corpo.

Radamanthys observou enquanto cada súrplice dos membros de seu exército encontrava seu dono. Estava totalmente tomado por seu dever e seu destino e aguardou pelos gritos que não tardaram. Sabia bem a dor e desespero que a veste quase negra podia causar. Levara dias para se recuperar do poder de sua estrela maléfica da ferocidade. O sangue que escorrera de seu "corpo", a dor em sua alma, o desespero. Tivera que aguentar ou apenas seria tragado para o nada. Não era de sua índole desistir.

Cada súrplice escolhera seu dono de acordo com a estrela maléfica a cada alma destinada. Cada súrplice reagira com o corpo do escolhido, transformando sua natureza para que aceitasse e suportasse o uso da armadura. Radamanthys, como bom general, sabia toda a história, sabia tudo que fosse preciso e entendia que eram apenas marionetes de Hades, meras ferramentas para que as súrplices cumprissem seus papéis. Ao mesmo tempo, tinha compaixão por aqueles que chegavam e nem faziam ideia de quão horrorosos eram seus destinos.

Sabia ainda mais; para alguns escolhidos, não apenas a alma seria moldada, mas o corpo seria distorcido para que a súrplice deixasse surgir sua verdadeira natureza. Viu o jovem que recebera a Súrplice de Papillon gemer em agonia. O destino dele era cruel. As vontades daquela vestimenta eram dolorosas e por vezes nojentas. Suspirou pensando que até que a sua não era tão ruim.

Ele se importava? Bem, talvez porque Radamanthys tivesse sentimentos humanos e reações de alguém que podia se lembrar. O juiz já se pusera a raciocinar que se não pudessem sentir, nem pensar, seria bem mais simples, acarretaria menos dor.

Só que estavam no inferno, ou seja, dor era apenas um detalhe a mais.

O inglês de pronunciado sotaque e jeito altivo observou atentamente, vendo que alguns de seus recrutas desmaiavam ao mero contato do metal asqueroso na pele nua. Viu semblantes cheios de dúvidas serem substituídos por outros, mais malévolos. Era o domínio sendo dado à vestimenta negra. Todos iriam ceder, de uma maneira ou de outra.

Andou por entre vários deles, observando, avaliando, precisava conhecê-los para liderá-los, ou assim achava que seria o mais certo. Parou à frente de um deles. A súrplice de Cíclope, Estrela Celeste da Violência. O homem gemia desesperadamente e a súrplice o rondava, tentando encaixar-se nele e a cada vez, era repelida e avançava com mais fome e violência. Sim, as súrplices podiam ser cruéis, tanto quanto aqueles que as vestissem.

"Seu nome?" A voz era metálica e fria. Wyvern era sobretudo senhor de si e de seu exército.

"Giganto!" O homem respondeu com voz tremida, lágrimas correndo pelo rosto.

"Aprume-se, sua estrela é a da violência, não pode fraquejar ou perderá sua pouca humanidade restante. Vamos!" Wyvern segurou o jovem pelos ombros e puxou-o para cima, fazendo-o erguer-se e detendo a súrplice dele com um gesto. A súrplice de Wyvern era superior às dos espectros e súrplices sabiam obedecer.

Os olhos cor de âmbar do juiz se inflamaram, disparando um cosmo roxo incômodo e assustador. O jovem estremeceu um pouco, mas parou de chorar.

"Vamos, Giganto, aceite. Apenas aceite e deixe-se dominar, ficará menos doloroso. Sei que até pode ter bom coração, mas súrplices não se enganam, você não é, ou era, tão bom assim."

"Sim, senhor!" O rapaz alto, de quase dois metros de altura, pareceu um menino perto da firmeza do Kyoto. Apenas obedeceu. A súrplice o cobriu e ele logo respirava mais calmo. "Obrigado."

"De nada. Agora se perfile e me faça orgulhar-me do meu exército!" O Kyoto se afastou sem esperar resposta e postou-se atrás deles todos, vendo olhares curiosos. "Olhem para a frente! Perfilem-se. O exército de Radamanthys de Wyvern jamais será superado, entenderam?" O cosmo gigantesco do Kyoto cobriu-os como uma nuvem e eles responderam quase em uníssono.

"Sim, Senhor Kyoto de Wyvern!"

E então Radamanthys reparou num jovem de ruivos fios, postura elegante e viu que ele ainda não vestira sua súrplice. Ao contrário do que ocorrera com Giganto, no entanto, a súrplice não parecia rebelde nem zangada. Aproximou-se.

"Seu nome?" Por estar vindo por trás do jovem, viu-o sobressaltar-se e imensos olhos verdes cor de esmeralda se fincaram nos dourados do Kyoto, com medo e apreensão.

"Valentine." A voz era até que firme e bonita. O cipriota baixou os olhos logo após, constrangido com a nada discreta análise a que era submetido.

"Ah, sim, Harpia. Masei da Lamentação. O que há? Por que não está pronto?" Apesar de suas palavras não serem rudes, Radamanthys estava sendo agressivo. Sua entonação era sempre agressiva e perigosa.

"Não sei ao certo. Essa... Coisa..."

"Súrplice. E demonstre respeito ou eu mesmo o farei demonstrar." A voz gelada e o olhar de poder.

"Er..." Valentine suspirou. Ótimo, tudo que precisava era um maníaco ditatorial. Mal compreendia o que lhe tinha acontecido e agora... Achou melhor responder ao notar um ligeiro arquear das loiras e grossas sobrancelhas. "Parece que ela está me obedecendo, pedi a ela um pouco de cuidado, pois eu..." Fez uma pausa. Como explicaria que estava com medo e ao mesmo tempo orgulhoso de quem seria? Não era tão ruim assim. Sentiu o poder imenso do traje e aquilo o deixara se sentindo estranho.

"Vai falar de uma vez ou precisa de uma lobotomia para obedecer?" Radamanthys não era exatamente calmo e pacífico.

"Eu tenho orgulho dela." Valentine falou e encarou o Kyoto. Sentiu algo naquele olhar amarelado e estremeceu. A súrplice o cobriu de uma vez, o metal enegrecido parecendo substituir sua alma. A pulsação em suas têmporas, uma dor que por pouco não o fez gritar. Não resistiu, apenas foi se adaptando, aos poucos, respirando fundo para se controlar.

"Harpia." A voz do Kyoto mudara. A vibração cósmica do traje negro à sua frente era diferente de tudo que já sentira.

"Wyvern." Que voz era aquela que saía pela boca de Valentine? Era um tanto firme, mas havia... Havia sentimento.

"Faz muito tempo." Memórias em redemoinho, memórias correndo por trás dos olhos do Kyoto. Uma aliança dourada e prateada, um corpo alvo como aquele à sua frente. Tons de amarelo, cinza, de lembranças. Havia algo com eles dois, precisava se lembrar.

"Tempo demais." Valentine não conseguia conter as palavras, não conseguia não responder. Sentiu um roçar em sua perna e viu a cauda de Wyvern subir por sua perna, se enroscando em sua súrplice. As asas em suas costas se abriram e, sem saber o motivo, arfou.

"Não sei o que está havendo." Radamanthys falou enquanto aproximava-se mais, prendendo seu olhar ao do outro, sentindo o corpo aquecer. Era ele, Radamanthys, mas ao mesmo tempo, havia mais alguém ali, sentindo coisas que ele não conseguia decifrar.

"Eu tampouco, mas nada posso fazer para impedir." Valentine sussurrou e corou imediatamente quando uma mão enluvada do Kyoto deslizou por sua cintura. "O que está fazendo?"

"Então não impeça." O kyoto rosnou baixo vendo seu corpo reagir sozinho, sem controle. "Não sou eu." Radamanthys nem respirava direito. Fechou os olhos por instantes e sombras e sonhos se misturaram. Elevou o cosmo envolvendo Valentine e então começou uma verdadeira viagem mental. Cenas antigas começaram a aparecer em sua mente. Sentiu a cauda da súrplice enroscar-se na cintura de Valentine e puxá-lo, juntando-os. Reabriu os olhos. "Eu creio que essas duas armaduras, essas súrplices, elas já se conhecem. Elas estão felizes por renascerem."

Valentine arfava, sentia o cosmo alto do outro, as asas de sua armadura se jogando em direção a ele. Fechou os olhos por minutos e também viu. Cenas rápidas, cenas que não se lembrava de haver presenciado, mas estava lá, com o Kyoto.

"Eu não..." Valentine apoiou as mãos nos ombros do Kyoto e os olhos de ambos se mesclaram num sentimento tão poderoso que os fez tremer.

"Meu Valentine." A voz grossa e arfante do mais feroz de todos os juízes de Hades.

"Meu... Eu... Não..." Valentine estava zonzo. Não era gay! Nunca fora. Eram dois homens, for God's sake! Não podia estar tão arrepiado, latejando de vontades e ficando sem ar por causa de um homem!

"Marido..." A voz saiu grave do fundo da garganta do Kyoto que se afastou assustado com o que sentia. Não sabia o que pensar.

Entreolharam-se por um tempo, ambos sem saber o que dizer, atordoados. Zelos de Sapo, um outro espectro, pigarreou atrás do Kyoto, que se voltou sem dizer palavra e desapareceu.

Valentine estava literalmente em pânico. Aquela súrplice estava drenando suas forças ou lhe dando forças? Não sabia. Suas pernas estavam bambas, estava com a boca seca e ouvia vozes, como se fossem histórias antigas correndo em sua mente.

"Vejo que se reencontraram." Zelos trazia uma caixa preta que entregou a Valentine. "Ayacos de Garuda mandou entregar. Disse que é um dever de honra que tem com Radamanthys. Já não era sem tempo que aparecesse por aqui, Harpia."

O ruivo apenas pegou a caixa e olhou por onde o Kyoto tinha ido. O que diabos estava acontecendo? "Ayacos? Quem é Ayacos? O que, quem é, quero dizer, o que está havendo, afinal?" Sua cabeça começou a doer e suspirou, sem forças.

"Está confuso, ainda, mas isso vai melhorar. Vamos, alguns outros espectros estão indo para suas casas. Aconselho que vá para a sua no Cocytes e procure por um livro na sua estante."

"Livro?" O cipriota estava mais e mais confuso. Não entendia nada, não conseguia sequer pensar sem sentir arrepios ao lembrar da voz de Radamanthys chamando-o de marido. Não era casado!

"Há histórias mais antigas que a civilização. Vai entender. O livro se chama Best I Ever Had. Foi escrito há muito tempo, por Valentine de Harpia."

"Va-Valentine?" Agora sim o ruivo estava zonzo. Aquele nome... Um eco estranho ficou martelando em sua cabeça. Não escrevera nada, não se lembrava de nada, não podia ter sido ele.

"Vamos, vá para casa." Zelos riu, adorando o pânico que via em Valentine. Aquilo ia ser divertido. Ao contrário de vários outros espectros, o de Sapo tinha plenas memórias, afinal de contas, era ele o guardião do poderoso, e ainda não totalmente desperto, Kyoto de Wyvern. O juiz iria despertar e, quando isso acontecesse, era bom que Harpia estivesse bem acordado. Ou o Meikai teria tempos muito mais negros que pudessem sonhar todos os teóricos sobre o inferno.


Nota da autora: A todos que leram a primeira versão, espero que gostem ainda mais desta aqui, principalmente porque acrescentei muitas cenas. O tempo passou, eu mudei um pouco e agora tive a ajuda da Midnight Desire para alinhavar melhor algumas partes do trabalho. A estória foi terminada e será postada uma vez por semana ou a cada quinze dias, o que vai me dizer o intervalo é o interesse de vocês. Eu tenho um carinho absurdo por este trabalho, então espero que vocês apreciem, sem moderação. Obrigada por lerem e, mais uma vez, Feliz Natal Akane!