Passos fortes, provavelmente alguém de salto alto, o bullpen está vazio, Korsak e Frost já saíram para beber algo depois do trabalho mas eu continuo aqui, ignorando a dor de cabeça que me persegue enquanto termino os relatórios.

Mais passos, cada vez mais perto, finalmente levanto a minha cabeça e olho por cima da tela do computador e a vejo, sim, lá está Maura com seu vestido verde água incrivelmente impecável.

O cabelo caindo perfeitamente sobre os ombros e rapidamente reconheço o barulho dos passo sendo dela, pois os saltos que ela usa produzem o mesmo som ao entrar em contato com o chão.

Não sei ao certo em que momento acontece, mas percebo meu coração batendo mais forte e mais rápido também.

Por quê estou me sentindo assim? É apenas Maura!

Ela deve estar aqui para me perguntar porque eu ainda não fui pra casa, ou porque não a chamei para beber algo antes de irmos embora.

Isso é perfeitamente normal, somos amigas e ela se preocupa comigo, assim como eu me preocupo com ela.

Então por quê algo no olhar que ela está me dando diz que ela quer mais do que conversar?

Eu não sei o que é, mas algo está diferente, ela parece determinada, decidida e surpreendentemente sexy.

Ok Jane, agora você está sendo ridícula!

Como posso estar vendo minha melhor amiga desse jeito?

Quando foi que isso aconteceu?

Mas antes de obter minhas respostas eu a vejo puxar uma cadeira e se sentar ao meu lado.

Alguns segundos de silêncio que ela rompe com palavras inesperadas:

Eu não posso mais ignorar isso Jane.

Ignorar o que?

Nós.

Eu não estou entendendo.

Eu quero fazer isso, mas preciso saber que você também quer.

Fazer o que Maura?

Tem certeza de que não faz a mínima ideia do que eu estou falando? - ela se inclina na minha direção.

Não, eu só gosto de ficar fingindo que não sei.

Sempre se escondendo atrás do seu sarcasmo... Pena que não funciona mais comigo, você não pode mais usá-lo pra se esconder de mim querida. - ela está mais perto agora.

Certo, agora você está me assustando. O que está acontecendo? Isso é algum tipo de pegadinha?

Não.

Então o que está fazendo aqui?

Eu poderia fazer a mesma pergunta.

É, mas eu fiz primeiro.

Ela suspirou e se afastou por um breve momento.

Eu vim ver você.

Por quê?

Somos amigas, acho que tenho esse direito, estou certa?

Sim, mas, você parece diferente.

Como?

Eu não sei, de algum jeito. Mas não importa, eu já vou pra casa, só preciso terminar esse último relatório e acompanho você.

Grandes planos pra essa noite detetive?

"Detetive?" Mas o que há de errado com você Maura?

Na verdade não, já que está tarde e não sobrou muito tempo.

Oh isso não é desculpa, ainda podemos nos divertir!

Ah é? Posso saber como?

Realmente não faz a menor ideia não é?

Não mesmo.

Olha Jane, pra uma detetive até que você demora pra entender as coisas.

Oh puxa, obrigada! Sério, você veio até aqui pra me insultar? - eu pergunto fingindo estar chateada.

Eu tinha outros planos, mas como já disse, preciso saber se você concorda.

E pra concordar eu tenho que saber do que se trata, mas até agora você não disse coisa com coisa Maura.

Vou fazer melhor, vou te mostrar!

E com isso ela levanta e estende a mão para mim, eu acho que é apenas mais uma das tentativas dela de parecer descontraída, e resolvo cooperar cedendo minha mão, para então me sentir sendo puxada com força pra cima.

Mal tenho tempo para me recuperar da surpresa e algo ainda mais inesperado acontece.

O rosto de Maura está perto do meu, quero dizer, realmente perto, de um jeito que nunca esteve antes.

Eu posso sentir a respiração dela na minha pele, fico parada, as palavras não saem, eu a vejo fechar os olhos e sussurrar:

Então, ainda não consegue entender o que eu quero?

Um remédio? Porque você parece estar meio fora de si, e embora eu já esteja meio acostumada, hoje parece ainda pior.

Muito engraçado, mas não deu certo, você não conseguiu cortar o clima.

Que clima?

Eu não teria perguntado se soubesse o que ela faria depois.

Senti os braços dela envolverem minha cintura me puxando para ainda mais perto, agora nosso corpos estavam colados, não havia mais o mínimo espaço entre nós.

Esse! E não finja que não está sentindo o mesmo que eu, porque eu sei que está. Não negue Jane, estou cansada de fugir disso e você também. Embora se esforce um pouco mais do que eu pra continuar com essa farsa.

Que farsa?

Você não sente isso? - sussurrou no meu ouvido provocando um arrepio que eu não esperava – Porque eu sinto, eu vejo sua pele reagir ao meu toque assim como a minha reage ao seu. Chega de se esconder. Você também sente não é? - um último sussurro seguido por um leve beijo molhado no meu pescoço.

Eu quero me afastar, quero perguntar o que está acontecendo e porque ela está dizendo essas coisas para mim.

Sei que devo gritar e reagir com raiva pelo menos até que tudo esteja explicado, mas algo acontece e minha boca não obedece minha cabeça, dizendo algo que eu temo ter vindo do meu coração:

Sim, eu sinto.

E então ela se recompõe e me olha nos olhos, eu posso ver um brilho diferente neles, quase como desejo. Sim, é definitivamente desejo.

Maura está me olhando assim e eu não consigo fazer nada que não seja admirá-la.

Os lábios, a pele branca e macia que ainda sinto sobre a minha mão já que ela não desfez nosso contato inicial.

Ela sorri e se inclina pressionando os lábios contra os meus.

Eu nunca imaginei que isso aconteceria, então por quê estou simplesmente parada e deixando acontecer?

Mas mais do que isso, eu estou reagindo, puxando-a para mais perto e esquecendo onde estamos e os motivos que nos levaram até ali.

Eu não penso em mais nada a não ser no calor do corpo dela tão firmemente colado ao meu.

Sei que deveria parar imediatamente com isso, pois certamente me arrependeria mais tarde, afinal Maura e eu somos amigas há anos, não quero e nem vou estragar isso por algo desse tipo.

Só não entendo porque não consigo obedecer minha consciência e romper aquele contato.

Por quê isso parece tão errado e ao mesmo tempo tão desesperadamente bom?

Eu não sei, mas me encontro de repente em uma mistura de sabores, nossas línguas dançando uma com a outra, meus lábios prendendo os dela delicadamente para depois aprofundar ainda mais o beijo.

Em algum momento anseio por ar e me afasto ainda com os olhos fechados, eu tenho medo do que posso encarar se os abrir.

Após alguns segundos, crio coragem e me deparo com Maura ainda em frente a mim, me observando. E quando nossos olhos se encontram ela sorri abertamente.

Eu tento parecer irritada mas não consigo controlar os músculos do meu rosto que se contorcem para formar um sorriso também.

Meu coração bate de um jeito inusitado, eu sei que não é certo e nem normal sentir isso por ela, mas não consigo me sentir culpada ao ver que ela não demonstra arrependimento.

Espere, o que estou dizendo? Há muito em jogo. Nossa amizade!

Eu tenho que parar com isso, agora!

Maura, eu...

Shhhh, não diga nada. Vai estragar isso.

Sim e talvez eu precise, porque o que aconteceu foi...

Ótimo Jane! Foi ótimo.

É, mas ainda sim eu acho que...

Ei não se preocupe, eu não me arrependo, até acho que demorou.

Como assim demorou?

Nós duas sabemos como nos sentíamos, eu só decidi dar o primeiro passo. Nada demais.

Como nada? Somos amigas Maura, e amigas não se beijam e depois fingem que está tudo bem, como se nada tivesse acontecido.

E quem disse que eu quero fingir algo?

Não quer?

Não.

Certo, agora eu estou realmente confusa.

É simples, encare isso como uma nova fase.

Como assim?

Pra nós duas. Um novo nível ao nosso relacionamento.

Relacionamento?

Não finja que não me entende. Porque sinceramente eu não acredito que depois desse beijo você esteja tão perdida assim.

Você ficou maluca? Está sugerindo que... Nós duas... - eu não conseguia terminar a frase.

Isso mesmo. Por quê você faz parecer tão absurdo?

Não sei, talvez porque seja!

Eu não vejo assim, acho que podemos muito bem adicionar alguns benefícios sem comprometer o que já temos.

Você está falando de...

Sim Jane, estou falando de sexo.

Oh meu Deus! Eu tenho a minha confirmação, você está mesmo maluca!

Pelo contrário, acho que eu nunca estive tão certa sobre algo em toda a minha vida.

E tinha que ser sobre algo tão impossível?

Vamos, nós duas sabemos que não é nada impossível, depois do que houve aqui, depois de você admitir que sente o mesmo que eu... Impossível, tem certeza?

Fiquei sem defesas, não podia negar as palavras que disse, não podia mentir dizendo que ela ouviu errado quando eu confirmei meus sentimentos.

Droga! O que eu faço agora?

Como se pudesse ler meus pensamentos ela continuou:

Se acalme, eu imagino como você deve estar se sentindo, isso é novo pra mim também, não pense que foi fácil decidir vir até aqui e fazer isso. Eu só cansei de esperar, e então resolvi agir. Simples assim.

Não é nada simples.

Não é se você não quiser que seja, e eu estou cansada de complicar. - se aproximou novamente – O que me diz? Está disposta a arriscar?

Eu estou? Oh, para o meu desespero eu estou!

Se isso significa poder sentir os lábios dela nos meus de novo, sim eu estou!

Acho que eu posso dizer que... Sim.

Outro sorriso, e ela está pressionando o corpo contra o meu outra vez, para logo depois unir nossos lábios em outro tipo de dança mais agitada e intensa.

Estamos nós mais uma vez, e eu espero francamente que haja muitas outras.

Eu ouço um barulho, parece uma música, eu conheço essa música, é...

O som do meu despertador, a velha música de sempre me acordando fazendo com que eu olhe pra ele e veja que são exatamente 07:00 horas da manhã.

O sol invadiu o meu quarto através da cortina que cobria a janela.

Eu esfreguei meus olhos e então me dei conta: foi apenas um sonho.

Mas não um sonho qualquer, eu sonhei com Maura.

Maura e eu sozinhas no bullpen, aos beijos.

Por quê?

Como isso aconteceu?

Qual o motivo de sonhar algo tão estranho com a minha melhor amiga?

Não fazia o menor sentido!

Eu não tinha tempo para pensar nisso, precisava me arrumar e ir trabalhar, minha cabeça estava muito confusa com esse sonho, mas eu sabia que podia pensar sobre isso depois.

Já havia lidado com situações muito piores e essa não era nem de longe a mais difícil, afinal, foi um sonho, não significava nada.

Certo?

Ok, já chega, precisava de um banho frio para esclarecer meus pensamentos.

Tudo aconteceu como sempre, eu tomei banho, troquei de roupa e comi algo rapidamente.

Peguei minha arma, distintivo, chaves do carro, celular e estava pronta.

O caminho até o prédio foi tranquilo, o trânsito estava igual o de todos os dias.

Eu estacionei meu carro em frente a entrada do prédio, peguei meu celular e me deparei com uma nova mensagem, de Maura:

Hey! Bom dia! Você provavelmente já está a caminho do trabalho, só queria dizer que adorei a noite de ontem. Eu realmente precisava me distrair. Obrigada.

Vejo você daqui a pouco!

Maura.

Liberei um suspiro, sim eu me lembrava da noite de ontem.

Maura havia tido um dia estressante e eu me ofereci para fazer companhia a ela enquanto bebíamos algo. Conversamos e rimos, fique feliz em ajudá-la a esquecer os problemas.

Talvez mesmo depois desse sonho eu consiga seguir em frente e fingir que nada aconteceu.

Ela não precisava saber de nada disso, e eu certamente não sentiria a menor necessidade de contar, agiria como sempre, nada mudaria.

Entrei no prédio e dei alguns passos confiantes antes de ser interrompida por uma voz, sim, a única voz capaz de me despertar da minha falsa sensação de segurança.

– Jane! - me virei e senti como se tudo voltasse à tona – Bom dia! - ela sorriu.

Eu me lembrava daquele sorriso, mas de outro modo agora.

Engoli em seco, minha respiração se atrapalhou no ritmo.

Eu não conseguia formar uma palavra sequer, não sei quanto tempo se passou, só sei que eu não via mais nada na minha frente a não ser ela.

Usava uma roupa diferente da do meu sonho, vestia uma saia preta com uma blusa de seda branca e seus indispensáveis saltos altos.

O cabelo porém estava solto, assim como eu tinha imaginado.

De repente eu passei a comparar tudo com o antes e o agora.

Eu olhei nos olhos dela e me lembrei de como eles me fitavam cheio de desejo e paixão.

Olhei os lábios e pude sentir o toque deles nos meus, por um momento acreditando que havia sido real.

Os fios loiros do cabelo que agora brilhavam com o sol... Eu ainda podia senti-los na minha pele enquanto nos beijávamos.

Foi então que eu me descobri incrivelmente enganada, eu não poderia fingir que estava tudo bem. Porque não estava.

Eu tinha de fato sonhado com Maura, e um sonho nada convencional.

E para piorar a situação eu me peguei desejando ardentemente que não fosse um sonho, naquele momento me assustei com a vontade inesperada de que tivesse sido real, ou de que não tivesse acordado, para poder desfrutar daquele momento um poucos mais, antes de me deparar com a realidade de um mundo onde éramos apenas boas amigas.

Um mundo onde eu não podia me permitir sentir aquilo de verdade.

Um mundo onde eu não estaria disposta a arriscar.

– Jane! - ela repetiu ao notar que eu não reagia – Você está bem? - deu alguns passos na minha direção.

Eu me esquivei, não conseguia tê-la tão perto, ainda não, ou talvez não mais.

– Sim... Eu estou bem, só preciso subir, tenho que resolver umas coisas.

– Certo, eu vou com você.

– Não Maura... Eu gostaria de ficar sozinha.

– Por quê? Eu fiz algo?

Ela não havia feito de fato, a não ser na minha imaginação, e eu não podia culpá-la por isso.

– Não, eu só... Preciso de um tempo, não é nada com você, eu garanto. - e saí na direção oposta, mas ainda pude ouvi-la dizer suavemente:

– Ok.

Apertei o botão do elevador e tive sorte pois a porta logo se abriu e eu entrei rapidamente.

Assim que me vi sozinha no pequeno espaço, passei a esfregar a cicatriz na minha mão.

Aquilo não era um bom sinal e eu sabia disso.

Só recorria a esse tipo de gesto quando me sentia aflita, com medo e exposta.

E era exatamente assim que estava naquele momento.

O problema não era Maura, ela não tinha feito nada de errado.

O problema era comigo e esse meu desejo repentino de tocá-la de outros modos, que eu não sabia ao certo quando surgiu, mas que era real e eu não podia evitar.

Quando o elevador avisou que eu havia chegado ao andar certo, o pequeno barulho serviu como uma espécie de sino para que finalmente me desse conta de que depois daquele sonho estranho porém deliciosamente bom, as coisas entre Maura e eu nunca mais seriam as mesmas.

Eu devia lidar com aquilo de alguma forma, mas qual?