1º capítulo – Recordações
Não sei ao certo como isto foi acontecer.
As aulas tinham terminado e eu preparava-me para ir para casa. Mas decidi ficar mais um pouco mais para ver os treinos do clube de Tiro com arco.
Ao longe observei a Sakura. Parecia a mesma de sempre. Isso fez-me suspirar de alivio. Afinal o acidente com a Caster não a afectara tanto como eu receara.
Passado um bocado senti que já vira o suficiente e decidi que era hora de ir para casa. O sol já se começara a pôr, dando um tom alaranjado às paredes da escola. Senti um arrepio a percorrer-me a espinha e não pude negar que o Inverno se estava a aproximar. Quando caminhava para o portão da escola pareceu-me ver alguém conhecido à minha frente.
- Shirou?
O rapaz olhou para trás e pude confirmar que era mesmo ele. Ele parou, como que esperando por mim. Corri para ele e reiniciamos a marcha.
- Que é que estás a fazer na escola a esta hora? - perguntei-lhe como que querendo insinuar alguma coisa. Adoro provoca-lo.
- Estava só a tratar de uns assuntos com o Issei. - explicou-me de uma maneira descontraída - Parece que o ventilador avariou outra vez.
- Huuum... estou a ver...
- Então e tu Tohsaka? O que é que uma aluna modelo faz na escola a esta hora, quando não anda em nenhum clube? - agora era ele que queria insinuar algo.
Senti as minhas faces escaldarem.
Que parva... não o devia ter provocado. Ia ter de inventar uma desculpa.
- Eu... ahm... fui falar com a Ayako. Entretanto comecei a ver o clube dela a treinar, depois aborreci-me e vim embora. - nem tive de inventar muito. Só a parte de ter ido falar com a Ayako. No verdade o meu objectivo era ver a Sakura. Mesmo com a batalha terminada, ainda não tínhamos conseguido voltar a falar como antes...
- Chegaste a ver a Sakura? - perguntou-me ele. - Ela está bem?
- Sim. Pareceu-me que estava tudo normal com ela. - respondi com algum alivio na minha voz.
- Ainda bem...
O assunto pareceu morrer ali.
Ficou um silêncio constrangedor e nenhum de nós abria a boca.
Havia tanta coisa para dizer, mas receava vir a tocar nas feridas que tinham sido criadas há tão pouco tempo.
Tinha-se passado um mês desde o final da batalha e desde que a Saber voltara para a sua realidade.
O Shirou ainda devia sentir bastante a falta dela. Vi-o várias vezes na ponte de Fuyuki, olhando para o vazio. No entanto ele continuava a levar a sua vida normalmente. Ia à escola, continuava a aturar a Fujiura-sensei e a Illya todas as manhãs. - nem sei como é que ele aguenta aquela miúda... - E a Sakura continua a fazer-lhes o pequeno-almoço. Por vezes também eu decido fazer uma visita. Afinal tomar o pequeno almoço sozinha todos os dias começa a ser deprimente... principalmente depois de me ter habituado à presença do Archer...
Nunca pensei que viesse a sentir tanta falta dele. Apesar daquele jeito arrogante, ele fazia-me companhia na mansão vazia. Tento ignorar isto tudo, para não perder a compostura. Afinal sou a única descendente da família Tohsaka e devo ser forte.
Mas tenho saudades do Archer...
- Tohsaka? - chamou o Shirou. - Estás bem?
A minha cara deve ter transmitido os meus pensamentos. Raios... tenho de me controlar melhor.
- Hm? Porque perguntas? Está tudo bem sim. - respondi tentando parecer normal.
- Tohsaka... - ele continuava com o mesmo ar preocupado. Não devo ter sido o suficientemente convincente. - toma. - e estendeu-me um lenço de mão.
- Mas... porque é que me estás a dar isso? Eu estou bem... - foi então que senti algo quente a escorrer-me pela face.
Não podia ser... como é que o meu corpo podia estar a trair-me daquela maneira? Não é justo! Eu...
Mas a lembrança de Archer continuava na minha mente. Ainda por cima com o Shirou à minha frente, que era demasiado parecido com ele. Não era justo! Não era justo!
Sentir que já nem o meu corpo me obedecia, só me descontrolou ainda mais e comecei a chorar que nem uma criança em frente a ele. Já era um misto de tristeza, vergonha e sentimento de impotência. Porquê? Porque é que eu não consigo controlar tudo?
Senti o braço protector do Shirou a rodear os meus ombros.
- Vamos sair daqui. - disse-me num tom acolhedor. Afinal estávamos no meio da rua com maior movimento da cidade e já haviam algumas pessoas a olhar para nós.
Ele levou-me para o parque mais próximo. Precisamente aquele onde se dera o final da batalha anterior à nossa. Mas ao menos ali não havia ninguém.
Entretanto eu já me conseguíra controlar melhor e começava a enxugar as lágrimas com o lenço que Shirou me emprestara. Mas estava tão envergonhada que não conseguía articular palavra nenhuma.
- Afinal tu também tens um lado frágil. - disse ele. Mas aquelas palavras só me irritaram mais!
- Cala-te! - pedi num soluço.
- Parece que não sou o único a ter perdido alguém que amava. - agora ele abusara.
- CALA-TE! - explodi - Quem é que tu sabes sobre mim para poderes fazer insinuações? Eu nunca amei o... - mas as lágrimas voltaram a correr dos meus olhos e os soluços não me deixavam falar. Não era possível...
Porque é que eu não conseguía negar? Porque é que não podia dizer: eu nunca amei o Archer! Ele era um idiota que eu nunca suportei. Era irritante e arrogante e...
Controla-te Rin... Estás a comportar-te como uma idiota. Estás a mostrar-lhe todo o teu interior! Acalma-te e pensa com clareza!
- Desculpa... - ele baixou a cabeça parecendo arrependido. - eu não devia ter tocado nesse assunto.
Senti vontade de o atacar. De lhe dizer palavras horríveis...
- Lá por tu te teres apaixonado pela tua Servant, não quer dizer que todos os mestres o façam! - disse-lhe num tom frio.
Pronto, agora fora eu quem lhe tocara na ferida. Ele piscou os olhos, mas de seguida ergueu a cabeça e encarou-me com um sorriso triste.
- Tohsaka... Chora o quanto o teu coração pedir. Eu não te julgarei... Sei que tu continuas a ser a mesma mulher forte e respeitável e não precisas fingir que és de ferro...
- Cala-te... - pedi... mas a bondade das suas palavras só me fez chorar mais.
Silenciosamente, ele colocou os seus braços à minha volta e encostou-me ao peito dele.
Senti-me minúscula e indefesa, naqueles braços fortes e confiantes. E chorei. E despejei o que ia no meu coração. O quanto eu gostara da companhia de Archer. Como eu o admirara. Até das nossas pequenas guerrinhas pessoais. E o quanto eu quisera chorar no momento em que a marca de mestre abandonara a minha mão.
Quando finalmente parei de chorar, senti que era hora de abandonar o conforto do abraço de Shirou. Ele pareceu entender e aliviou os braços. Entretanto já se fizera de noite e estávamos iluminados apenas por um candeeiro de rua.
- Já te sentes melhor? - perguntou-me ele.
Eu encarei-o e não pude deixar de notar que debaixo daquela luz florescente, que ele era mesmo parecido com o Archer.
Acenei com a cabeça para confirmar a minha resposta.
Ele sorriu e afastou-se um pouco de mim, dando-me espaço para respirar.
- Acho que é melhor irmos para casa. - disse ele olhando em volta. - Já é de noite e não é muito seguro andarmos na rua.
- Sim... - concordei.
Não que eu tivesse alguém à minha espera em casa a quem dar explicações...
- Shirou... - ganhei coragem e pedi. - posso ir para a tua casa?
Ele pareceu confuso, mas logo de seguida voltou a por o seu sorriso bondoso, como que entendendo o que me ia na cabeça:
- Sim.
Levantamo-nos do banco do jardim e seguimos o caminho para a casa do Shirou.
(continua)
