"Falling in Darkness"
Era noite. Suave, envolvente, avassaladora noite. Porque mete tanto medo a note? Porque esconde cada um dos demónios mais ocultos de cada um. Malévolos, perversos, asquerosos demónios. Que com um só toque, um só silvo, um só movimento têm o condão de nos reduzir a completo desespero. Em vão lutamos na tentativa de os vencer, porém eles estão sempre lá para nos oprimir. Era noite, e as criaturas das trevas caçavam em liberdade, com as afiadas presas em riste.
Bryan Kuznetsov acariciava com o olhar a noite que se estendia sobre os seus olhos. Durante muito tempo aquela mesma noite era para ele significado de opressão, de dor, de sofrimento. Inacabáveis noites, que se desenrolavam lentamente, enquanto que ele revivia a dureza do treino do dia, a frustração causada pela busca da perfeição e a frieza de Tala Ivanov.
Tão pouco Bryan demonstrava qualquer tipo de sentimentos que não companheirismo e uma ténue amizade para com o Lobo. Ele, como todos os da Abadia, fora sempre ensinado a esconder qualquer emoção, mesmo apaga-la, que não dissesse respeito ao Beyblade e à sede de ganhar. Tudo o que fosse sinónimo de fraqueza deveria ser eliminado. Foram estas as normas que Bryan e todos os outros absorveram, e a pouco e pouco os tornaram duros, frios e sem emoções, pelo menos exteriormente. Assim, esta química entre Bryan e Tala era forçosamente ignorada pelos dois. Ambos sabiam que seriam mortos por tal sacrilégio, e como tal muito tempo passou sem que nenhum dos dois abrisse o seu coração ao outro. Não obstante o sentimento crescia desmesuradamente, até ao dia em eu ambos não resistiram mais.
Bryan sorriu levemente com esse pensamento e cruzou os braços sobre o peito. A sua derrota nas finais tinha levado Boris à intensa raiva (n/a: ele que tomasse um valium oras! Velhos caducos…). Assim que teve oportunidade apossou-se de Bryan e castigou-o duramente, mais brutalmente do que mesmo a Alexander. Foram horas extremamente dolorosas, que ainda hoje faziam Bryan arrepiar-se, embora na altura não tenha soltado um só gemido. Para algo serviria o duro treino de Boris para os tornar em autênticos bonecos sem alma.
Sem ninguém a espiá-lo, o Falcão deixou que o arrepio que lhe tentava os nervos apossar-se dele, e recordou quando Boris o arrastou ate junto dos colegas. Ai atirou com ele sem cerimónia contra o chão, ao que ele não reagiu, quão ensanguentado e enfraquecido estava, e deixou-se escorregar, indefeso.
-- Flashback --
Boris chamou os restantes Demolition Boys e disse lhes num tom seco e áspero – "Que ele vos sirva de exemplo, a todos. O bryan tinha uma missão relativamente fácil, e falhou. Não me interessam os motivos, só sei que falhou. O que espero dos restantes de vós, de ti em particular Tala é que vençam. Ganhem, ou morram a tentar."
"Pronto" pensou Bryan. Estava findado o discurso. Os seus colegas sabiam o que tinham a fazer, responder obedientemente "Sim, senhor" e não tentar sequer ajuda-lo. Ele ficaria ali estendido até que pudesse levantar-se – se conseguisse. Eram as regras, ele não esperava mais nada, há muito que não esperava mais nada.
No entanto, pareceu-lhe ver cintilar algo nos olhos do seu capitão uma emoção que este nunca demonstrara até então. Com um ar decidido, Tala murmurou as suas deixas e em seguida precipitou-se sobre Bryan, ajudando-o a levantar-se. O Falcão olhou-o incrédulo, sem forças sequer para argumentar enquanto que Boris fitou Tala com um ar escandalizado.
"Terão as minhas palavras sido em vão, Ivanov?"
"Não senhor, estou apenas a ajuda-lo" Tala fitou Boris, forçando a expressão vazia de emoções que lhe era característica. Tudo o que desejava naquele momento era torcer o pescoço àquele sádico retorcido mas dominou-se ao máximo e manteve o olhar fixo no treinador, que encolheu os ombros em puro desdém.
"Possas tu enfrentar a punição que te espera caso falhes com bravura, Ivanov"
"A menor das minhas preocupações, senhor" sem mais palavras, Tala pegou num braço do Falcão e passou-o em volta dos seus ombros e rodeou com o seu braço a cintura deste para o manter de pé. Em seguida deixou o quarto, tendo em si os olhares chocados dos restantes membros da equipa e do treinador, que queimava secretamente de raiva
"Arrepender-te-ás das tuas palavras Ivanov, podes ter a certeza"
-- Fim do Flashback --
De volta dos confins da sua mente, O Falcão exalou um ligeiro silvo, tão suave e imperceptível quanto o vento que corria indolente do outro lado da janela. Tanto haviam eles aguentado em tão tenra idade… Tantos gritos, escoriações, maus tratos, imprecações, lutas infrutíferas pela perfeição, torturas, castigos, dores, maldições. Todos os que viveram ou sucumbiram na Biovolt traziam a tristeza e o desamparo no coração.
Mas por agora o sofrimento tinha cessado. Embora sempre presentes, os fantasmas de Bryan já não o atormentavam como outrora, e era agora a segurança que tomava conta dele. Agora Bryan conseguia opor-se-lhes…Agora tinha alguém por quem lutar.
Com este pensamento em mente, o Falcão sorriu, um sorriso que nunca lhe iluminara o rosto aquando dos tempos da Abadia,e olhou para a figura adormecida na cama junto dele. Fora ele que possibilitara a Bryan poder recuperar todos os sentimentos que julgava perdidos, sentimentos que não dor, solidão e magoa mas alegria, jovialidade, amor. Sim, o beyblader (n/a: beyblader OO? Bem vocês perceberam '') de olhos frios como o gelo sempre podia amar. Por mais que Boris lhe afectasse o corpo e a mente, não conseguia destruir-lhe a alma., que agora já não penava solitária. Agora Bryan tinha encontrado alguém a quem entregar esse sentimento que julgava morto, alguém em quem confiar, alguém a quem podia revelar-se como realmente é… alguém por quem morrer.
Bryan deslizou do parapeito da janela onde estava sentado, aproximou-se da figura adormecida e passou levemente os dedos pelos cabelos desta, muito suavemente.
"E tu estiveste sempre aqui, e nenhum de nós notou durante tanto tempo. Estiveste sempre aqui…Tala"
