The cake is a Lie
Os olhos âmbar encaravam o teto daquele quarto de forma ausente durante horas a fio, mas sequer podia dizer com precisão a quem pertencia aquele quarto. Não importava. A pessoa que estava ao seu lado na cama se levantou displicentemente e caminhou até o banheiro.
Ah então estava no quarto de Trip. As lembranças recentes começaram a vir a tona. A despeito de sua estadia naquele lugar ter sido sempre infernal a noite anterior tinha sido uma das piores. Sua mente tentava esquecer os horrores a que Trip o tinha apresentado, não deveria repassar os acontecimentos. Não queria enlouquecer, não queria se quebrar.
Mas talvez houvesse outra forma de se libertar.
Apesar das dores em seu corpo Aoba levantou-se com uma calma assustadora, característica daqueles que aceitaram a morte e que, mais do que isso, a esperam de braços abertos.
Pegou o lençol manchado de sangue que o cobria e o amarrou no candelabro do quarto. Amarrou a outra ponta em seu pescoço, fechou os olhos tranquilamente e pulou da cama.
Por sorte, ou azar, o destino reservava outras coisas para o nosso protagonista e fez do acaso sua salvação porque quando estava prestes a perder a consciência Virus entrou no quarto.
Tudo o que pode ver antes de apagar foi o olhar de desespero do outro.
OoO
Quando recobrou a consciência, mesmo antes de abrir os olhos, a primeira coisa que Aoba pensou era que havia falhado. Temia as conseqüências, mas temia acima de tudo não ter outra oportunidade como aquela.
Por que no começo sua esperança era se tornar logo uma boneca sem vida, mas a vivacidade de sua alma resistia com bravura à todas aquelas provações.
Nunca pensou que ser forte poderia ser a causa de sua tragédia.
Quando enfim pôde abrir os olhos encontrou Virus lendo um livro ao seu lado direito e Trip jogando com um game boy à esquerda. Eles só perceberam que já havia acordado graças ao aviso de seus AllMates.
– Dormiu bem, Aoba-san?
Aquela voz mansa lhe deu arrepios como usualmente e não pode, sequer quis, responder por que Trip saiu do quarto e voltou com uma bandeja de comida.
– Coma – voltou a falar. – Você está fraco e temos uma longa conversa pela frente.
Conversa. Era até estranho associar tal palavra ao relacionamento doentio em que os três se encontravam. Uma conversa consistia na interlocução entre partes e isso não aconteceria. O que ele sentisse quanto àquela conversanão significava nada para eles.
Enquanto comia com desconfiança o que lhe era oferecido Aoba pode observar alguns fios de soro intravenoso saindo de seus braços, assim como curativos em seus machucados. Estranhou.
– Se está se perguntando quem fez isso acho que usarei daí o ponto de partida da nossa conversa. – Virus calmamente começou – Um médico da nossa confiança veio aqui para dar uma olhada na sua saúde. Já que alguém andou exagerando ontem, como o usual. – olhou reprovador para Trip.
– Como se você não fizesse coisas piores.
Ignorou-o.
– Está se sentindo melhor, Aoba-san?
Aoba se sentia acuado estando com os dois no mesmo quarto, mas ainda sim não queria colaborar para essa conversa.
– Vou levar isso como um sim. – por sorte ele não parecia irritado – A nossa conversa com o médico nos fez ver que estamos sendo maus anfitriões. O seu corpo, Aoba-san, estava a ponto de entrar em colapso. Por isso demorou tanto para se recuperar de sua recente tentativa de... – ponderou – rebeldia.
O mais novo ainda não entendia onde eles queriam chegar.
– Enquanto esteve dormindo nós discutimos a nossa dinâmica de grupo.
Jeito engraçado de denominar o que tinham.
– Tanto eu quanto ele já tínhamos indicado o que esperávamos de você, certo? – continuou – Submissão era só a cobertura do bolo, se é o que pensava. O recheio sempre foi a possibilidade de você alcançar seu verdadeiro potencial. Aquele que conhecemos uma vez. Sem limites, sem amarras. Quebrar você foi a maneira que encontramos para isso.
– E a mais divertida.
Aoba já havia escutado essa história várias vezes.
– Mas como sabemos não temos tido muito sucesso. Blue parece gostar tanto da sua situação quanto nós. Vejo que está um pouco atordoado com essa conversa, Aoba-san, talvez seja melhor encurtá-la no presente momento. – não tinha percebido, mas suas mãos tremiam – Nós sentimos falta do velho Aoba. Não necessariamente apenas a sua parte lasciva, mas também a benevolente e com complexo de irmão mais velho. – segurou as mãos do outro – Sentimos falta de conversar com você, Aoba-san. Creio que uma boneca sem vida nunca iria nos satisfazer de qualquer forma.
Aoba duvidava que qualquer coisa um dia fosse satisfazer aquelas duas almas vazias e insaciáveis.
– Vamos tentar outra forma de convivência, uma mais harmônica. Onde nós três possamos estar satisfeitos.
Aquela conversa não durou muito após isso, seu corpo ainda estava cansado e nos dias que se seguiram foi aprendendo pouco a pouco o que eles queriam dizer e até que ponto as coisas realmente seriam diferentes.
Medo. Aoba tinha medo do que viria, por que era o desconhecido e não confiava naqueles dois ou no que tinham em mente.
Mas o que podia fazer além de esperar e enfrentar o que viesse?
OoO
A relação deles mudou de fato. Na sua superfície, mas não em sua essência. Ainda era um prisioneiro, ainda era o brinquedo deles. Mas as promessas de mudança foram cumpridas e sua vida ali se tornou muito mais fácil. Ou menos dolorosa, se isso sequer poderia ser a mesma coisa.
4 dias desde a sua recente tentativa de suicídio haviam se passado e até agora não havia sido machucado fisicamente, assim como também não fora abusado. Sequer tocaram no seu corpo, apenas ocasionais beijos supostamente amorosos.
Que sempre lhe davam ânsia.
Muito mais do que aqueles dados quando alcançavam o ápice dentro dele, por que aqueles eram sinceros, espontâneos. Cruéis de fato, mas preferia a selvageria à falsidade.
Também agora tinha alguma liberdade de andar dentro da casa. Sempre sobre o olhar atento de seus sequestradores ou dos AllMates da casa, mas era algo que apreciava. Estar sempre preso era o que estava pouco a pouco acabando com sua sanidade.
A casa obviamente era altamente segura e se provou impossível de fugir, e sequer queria tentar. Tinha medo de perder suas mordomias.
Entre elas havia o fato de que agora tinha um quarto próprio. Nunca pensou no quanto sentia falta de ter algo seu, um espaço individual. Se sentia um pouco mais humano novamente, por mais bobo que parecesse.
Estava naquele momento sentado em uma cadeira na cozinha enquanto pensava em uma outra mudança: agora comia. Sua dieta antes de resumia a esporádicos pratos dados em troca de favores ou os doces dados de forma diabólica por Trip, mas lá estava Aoba, esperando que Virus terminasse de cozinhar. E essa cena nunca falhava em lhe surpreender.
Não que ele se desse ao trabalho todos os dias. Às vezes um robô o fazia, às vezes acordava de bom humor e fazia ele mesmo. De que forma fosse Aoba estava feliz de poder comer em fartura, como a muito tempo não fazia.
De repente Trip chegou em casa, entrando na cozinha logo depois.
– Bom dia.
– Bom dia – os outros dois responderam sem muita emoção.
Guardou um saco na geladeira e se sentou do lado de Aoba confortavelmente. Apoiou o cotovelo na mesa e a cabeça na mão direita, olhando para o outro com atenção.
– Trouxe sorvete. Para depois do almoço.
Graças à ele Aoba havia desenvolvido certa aversão à doces, mas não lhe diria isso. Assim como não lembraria à Trip que ele tinha diabetes e não devia consumir tantos doces. De que adiantaria? Era alguém que não respeitava e nem valorizava a vida, no final das contas e Aoba não era hipócrita o bastante para fingir que se importava com ele. Muito pelo contrário.
– Obrigada.
– Ainda não fala muito, não é?
Permaneceu em silêncio.
– Você devia. Fale mais daqui para frente, Aoba.
O som era neutro, mas para ele sempre soaria como uma ameaça velada.
– Tentarei.
Sua voz desacostumada ainda falhava. Tanto pela falta de uso quanto por ainda ter medo das conseqüências do que falava.
– Deixe que ele se acostume com nossa nova intimidade. – dessa vez foi a vez de Virus falar – Um passo de cada vez quando se está na escuridão. Há sempre a possibilidade de se cair no precipício, não é Aoba-san?
Achou melhor responder educadamente à esse aviso velado.
– Conto com a paciência de vocês para cada erro meu.
Trip sorriu, sempre foi o que mais gostava quando ele era obediente.
O outro começou a colocar a comida na mesa. Mas pratos apenas dois, o dele próprio e o de Aoba. O que não era tão estranho, já que mesmo estando a maior parte do tempo juntos eles sempre faziam questão de colocar essa distância entre si, como se tivessem vidas completamente independentes. Era uma relação estranha essa que eles tinham. Não eram amigos, nem amantes e nem família. Apenas permaneciam juntos em uma harmonia que era difícil de explicar.
Trip levantou e pegou seu próprio prato.
– Bastante comida, hein?
– Aoba-san perdeu muito peso depois que chegou aqui.
– Então estamos preocupados com isso? – riu – Devem ser o que chamam de engordar a presa para o abate.
Aoba comeu em silêncio, mas os outros dois jogavam conversa fora durante a refeição. Tentavam provocá-lo para tirar respostas dele, mas sem muito sucesso.
O jovem apenas sentia que estava preso em um show de horrores.
OoO
Aoba se jogou cansado na cama. Tinha passado horas jogando vídeo game com Trip na sala e só agora podia respirar aliviado. Era risível a posição em que se encontrava. Jogando amigavelmente com o inimigo. Inimigo não. Sequer poderia se colocar na posição de igual enfrentamento com o outro.
Jogando com um de seus donos.
Era mais risível ainda que eles esperassem que repentinamente a relação deles fosse se tornar um mar de rosas de repente. Que esquecesse tudo que o que o tinham feito. Que pudesse conversar confortavelmente com eles mais uma vez.
E até quando iriam querer aquilo? Até quando uma convivência pacífica e conversas amigáveis seriam o bastante para eles? Só pensar nessas coisas já o amedrontava. Estava acostumado agora, não queria relaxar para depois voltar àquele inferno.
Não queria mais pensar nisso. Talvez fosse melhor apenas aproveitar e distraí-los para que isso durasse. Esperava ter estômago para isso. Era o mais sábio a se fazer.
Olhou em volta, para o seu novo quarto. Sua cama era grande e forte, como todas as dessa casa por motivos óbvios. Havia um guarda-roupa, um espelho grande e uma cômoda. No canto havia também um grande estante de livros.
Era patético, mas a primeira vez que ficou sozinho no quarto com aqueles livros chorou.
Por que livros seriam sua porta de salvação, sua fuga. Naquelas páginas criadas por outras pessoas ele viajaria por histórias e destinos tão diferentes do seu. Não seria mais Aoba, seria qualquer outra pessoa.
Olhou para o último detalhe importante do quarto. Um grande quadro com uma foto dos três. Como se fossem uma família, como se fossem felizes.
Que grande piada.
E provavelmente era. Ele conhecia aquele humor negro, era coisa do Virus.
E como pensar no diabo sempre atrai energias negativas a sua porta foi batida.
– Pode entrar.
Que escolha realmente tinha?
A porta se abriu lentamente e o dono daquelas macias batidas entrou no quarto. Mesmo no escuro seus olhos claros se destacavam, pois eram tão sombrios que absorviam toda escuridão e luz ao redor deles. Um tipo diferente de escuridão, aquela a qual todos temem. Como um buraco negro.
Aoba tremeu quando Virus sentou ao seu lado.
– Trip não é o único que quer se divertir hoje, Aoba-san. – colocou uma mecha de cabelo do outro atrás da orelha e selou seus lábios levemente – Acho que você já está pronto para brincar comigo, certo?
Seu corpo estremeceu por tantos motivos diferentes que sua mente se anuviou.
Deixaria que seu corpo respondesse ao outro. Sua mente poderia resistir à seus nêmeses, mas o seu corpo havia sido sempre seu maior traidor.
Essa fic foi dividida em duas partes. A outra está quase pronta.
Minha relação com esses dois loiros é a seguinte: Conheci o jogo e não gostei de nenhum personagem entre os principais. Mas quando vi esses dois me apaixonei completamente, ainda mais pelo Virus. Mas ai então vem aquele bad ending que foi uma bomba na minha cara. ahuahuahuh
A ideia da fic é basicamente um bad ending menos... terrível. lol Mas fluffy não é minha praia, so...
Comentários, opniões e correções são sempre bem vindos. :3 Beijos
