Proposta Irresistível
Por Mukuroo
Obs: Saint Seiya não me pertence! Os personagens podem sofrer algumas alterações em suas personalidades originais.
I
- Estou perdido!
Afastando a cadeira da escrivaninha, Aiolos se levantou e andou até a janela do escritório, que dava para o centro de Atenas. Nunca perdera a coluna de domingo de Shura Capricorn, "seu amigo analista", desde o primeiro artigo, há dois anos. Agora, contudo, ele se voltava contra Aiolos.
Que culpa tinha ele se um paciente solitário de Shura havia resolvido inscrever-se no Serviço de Encontros por Computador Amor On-line e, antes de enviar a ficha, pedira a aprovação prévia do analista? O fato é que seu colunista favorito resolvera criticá-lo através de um fax.
Bem, se o doutor Shura Capricorn tivesse coragem, teria ido enfrentá-lo pessoalmente. Embora Aiolos tivesse escritórios em todo o país, vários na Europa e até um na Rússia, sua base era Atenas e, pelo que indicava o cabeçalho do fax, o consultório do analista ficava a poucos quilômetros de distância.
- Então, irmãozinho, está tramando um assassinato ou um matrimônio para seu mais novo cliente? – Aiolia, seu irmão mais novo e vice-presidente da companhia, aproximou-se dele, sorrindo. – Como foi que ele disse? "Um sujeito que se aproveita de pessoas desesperadas dando-lhes falsas esperanças é incorreto, inescrupuloso e..."
- Quanto você vai parar de ler minhas cartas antes de mim? – Aiolos cortou o outro, bufando já de raiva só de lembrar das palavras do analista. – Poderia também bater à porta antes de entrar no meu escritório.
- Além de ficar cheio de manias, você está mais ranzinza do que nunca. – o mais novo revirou os olhos.
- Não estou. – bufou mais ainda. Aiolos parecia um touro bravo pronto para atacar o irmão e qualquer um que se aproximasse dele naquele momento.
- Está sim! – Aiolia lhe mostrou a língua, num gesto tão infantil que Aiolos quase riu, mas respirou fundo tentando manter-se o mais sério possível. – Vinte e oito anos e solteirão. Precisa encontrar alguém que o faça romper essa carapaça antes que seja tarde demais. – completou.
- Sou um homem de negócios – declarou Aiolos, com uma altivez que comprovava as afirmações de Aiolia. – Muito bem sucedido, devo acrescentar. Dê graças aos céus por ser meu irmão, senão eu o demitiria por insubordinação.
Aiolia revirou os olhos mais uma vez. Pedia aos deuses para que uma alma caridosa pegasse seu irmão de jeito e o deixasse menos chato. – Estou no intervalo do meu café. Vou pegar uma xícara. – Sem perguntar se o mais velho também queria um, seguiu para o saguão.
Aiolos Sagitálius voltou para sua potente cadeira de fundador, presidente e chefe-executivo da "Amor On-line Internacional", um self-made man cuja visão e gênio despertavam o respeito até daqueles que não gostavam ou não confiavam nele. Podia até mesmo acrescentar Shura Capricorn na lista. Mas Aiolia? Apesar das gozações, sabia que ele o amava, com o jeito protetor de todo irmão mais novo.
Distraído, passou os dedos por uma fina cicatriz que ia do maxilar ao colarinho engomado da camisa. Depois, ajustou a gravata e tamborilou com os dedos sobre a ficha de Shura Capricorn, que viera anexada a carta que ele ainda não lera.
Shura o desafiara a comprovar a alegação de ser um casamenteiro infalível, afirmando que, se o fosse mesmo, seria capaz de encontrar um par perfeito para ele. Se, por algum milagre, ele pudesse fazer isso, então Shura não só autorizaria o paciente com a consciência limpa como se desculparia em público em sua coluna.
A aposta era alta. Várias cláusulas haviam sido anexadas ao acordo, sendo a principal a exigência de completa discrição. Nenhum candidato em potencial deveria conhecer sua real identidade. E Aiolos também não poderia sair espalhando que Shura Capricorn era homossexual. Nada mais justo, Aiolos raciocinava, dada a fama do colunista. Como qualquer outra pessoa, Shura queria ser amado apenas por ser quem era.
Aiolos não o culpava por isso. Entendia, até bem demais, a profunda necessidade de aceitação total, independente da aparência física ou do sucesso profissional. A Amor on-Line havia sido fundada sob esse princípio: as pessoas deveriam ser amadas por seu espírito, e não por atributos tão transitórios quanto dinheiro, sucesso, aparência.
O engraçado era que seus clientes ainda compravam aquela idéia em que ele próprio não acreditava mais. Em algum ponto da árdua escalada ao topo, Aiolos, perdera a fé. E a vida lá em cima era solitária. Mas, às vezes, não solitária o bastante.
Carregando uma xícara de café fumegante, Aiolia entrou de novo na sala do irmão e atirou-se numa cadeira de couro preto.
- Se não se importa, gostaria de um pouco de privacidade. – Aiolos olhou mortalmente o mais novo.
- Só quero ver você lendo a ficha dele. – Não havia ninguém nesse mundo mais curioso que Aiolia. Não agüentaria ficar esperando.
- Por quê? – o olhou de canto, mas ainda com aquela expressão de que iria avançar nele a qualquer momento e jogá-lo porta afora.
- Como eu o amo muito, vê-lo provar o amargos do seu próprio remédio é algo fascinante demais para que eu resista. – Aiolia respondeu com desdém.
Aiolos encarou seu irmão ruivo com certa desconfiança. Olhou bem dentro das íris esmeralda do mais novo. – Pelo jeito você sabe de algo que eu não sei.
- É... A ficha de Shura é ainda melhor do que a carta. Acho que você devia reconsiderar a regra sobre não recorrer a seus próprios serviços. – acrescentou, com um sorriso irônico.
Agora Aiolos ficara ainda mais curioso, mas não iria ceder. – Olia... – suspirou chamando o outro pelo apelido carinhoso. – Você trabalha comigo há dez anos. É tempo bastante para saber que eu não desobedeço aos padrões que estabeleci para esta companhia.
- Isso é verdade. – Meneando a cabeça, Aiolia suspirou. – Olhe só pra você, Olos... A sua vida pessoal é um lixo.
Como era verdade, e também porque eles já haviam tido aquela discussão inúmeras vezes antes, Aiolos voltou a atenção à ficha que seu irmão estava louco para que ele lesse. Decidido a manter a fachada de frieza, achou que era melhor ler as três páginas e despachar Aiolia, no máximo em um minuto.
Solteiro, sem filhos, vinte e sete anos de idade.
Shura Capricorn tinha apenas vinte e sete? Pela maturidade de seus conselhos, imaginara-o um ancião, e bem feio. Esta última suspeita parecia confirmada, já que ele se recusara a enviar uma fotografia. Temendo a súbita simpatia que sentiu, Aiolos forçou-se a prosseguir com a indiferença de um computador.
- Oh, não! Não, não, não... – Quanto mais lia, mais rápido acariciava aquela cicatriz no pescoço, uma de suas favoritas. Não era justo. Como iria lidar com aquilo?
- Oh, sim! Sim, sim, sim! – cantarolou Aiolia em resposta.
O punho de Aiolos bateu sobre a ficha. – Você está tripudiando! – falou com um bico enorme e adorável, que só Aiolos sabia fazer.
- É claro que estou! – Aiolia sorria, imensamente feliz. – Ele é incrível, não é?
- Incrível? Ele é impossível! Nem mesmo o Super-Homem pode competir com esse homem. – fingiu-se de desinteressado, mas nunca poderia enganar seu irmão, por mais que quisesse aquilo. Aiolia o conhecia bem demais.
- É. Há algo desestimulante em alguém com tantas qualificações. – Aiolia tomou um gole do café e quase engasgou de rir quando Aiolos, seu querido irmão loirinho, o olhou com expressão ameaçadora. – Quantas pessoas além de você falam nove línguas, Olos?
- Que eu saiba, ninguém. – Suspirou, meio descrente. – O que vamos fazer com ele?
- Com Shura? – pensou um pouco antes de responder. – Será que os que saem bem em tudo não têm, na verdade, complexo de inferioridade?
- Você leu a carta. – falou desanimado. – Preciso encontrar alguém, e você sabe tão bem quanto eu que eu não tenho nenhum cliente que chegue nem perto de ser compatível. Shura já acha que sou um lixo e...
- Por que se importa com o que ele pensa? – Touché. Aiolia olhou desafiadoramente para o irmão.
- Por que...
Por que ele se importava? Porque admirara a firmeza e a honestidade de sua carta. Porque, ao admitir que desejava que Aiolos provasse que ele estava enganado, o analista assumira um aspecto doce; Ou porque o desafio despertara o seu espírito de competição; Como seria maravilhoso ler uma retratação pública na coluna de Shura Capricorn! Um pedido de desculpas impresso no jornal! Ótima publicidade.
Percebendo que Aiolia o observava com uma alegria mal disfarçada, deu de ombros.
- Por que eu me importo com o que ele pensa? Porque sou um homem íntegro, e Shura me insultou. Quero que pague por isso.
Aiolos sacudiu a cabeça enquanto olhava a lista dos autores favoritos de Shura, que, como ele, possuía um apetite insaciável pela leitura, que ia da subliteratura aos clássicos.
Seus filmes favoritos? Os mesmos que os dele, e até mesmo "O segredo de Brokeback Mountain". Shura compartilhava de sua paixão por sorvete e chocolate. A lista prosseguia, e tudo o que Aiolos conseguia pensar era "eu também, eu também".
Shura era a essência de seu ideal romântico, de que espíritos semelhantes poderiam se encontrar numa página e os corações bateriam em uníssono, sem interferência de rostos, corpos ou impressões superficiais. Aiolos ajudara a tornar aquela idéia real para muitas pessoas, mas ele próprio não se incluía entre elas. Suas ilusões haviam sido destroçadas havia alguns anos, junto com o rosto que tivera um dia.
- Gostaria de saber como é aparência dele – murmurou Aiolia, ainda sentado no sofá, observando o irmão. – O que você costumava dizer sobre você mesmo? "Nada como o desinteresse do outro para levar alguém a se tornar mais interessado em outros campos".
- Sei onde está que rendo chegar, Olia. – o olhou feio. – Pare com isso!
- Bem, foi você quem falou. – deu de ombros. – E faz sentido que só as pessoas com uma agenda social vazia, como você e o nosso prezado doutor Capricorn, tenham tempo para se dedicar a tantos interesses. Aposto que ele é feio.
- Que diferença faz a aparência dele? Isso não me importa nem um pouco, e você sabe disso. – Voltou a fazer aquele bico adorável.
- Isso é verdade. – Diante do ar satisfeito do irmão, Aiolos percebe que não apenas mordera a isca, mas a engolira junto com o anzol, a linha e toda a vara. – Eu só queria ouvir você admitir e voltar a falar como o meu irmão de tempos atrás... – o ruivo largou a xícara e segurou o punho cerrado do irmão. – Estou preocupado, Olos. Desde o acidente, você mudou. Não é o mesmo homem que iniciou este negócio por puro idealismo. A companhia não é mais o que era, nem você. Sinto saudade do jeito como era. Sinto saudade de você.
O que Aiolia acabara de revelar era forte demais. Sem poder evitar, Aiolos respondeu, frio:
- Já que restaram alguns fragmentos do meu bom caráter, pode tirar folga o resto do dia. Agora, saia daqui antes que eu mude de idéia.
- Vê o que estou dizendo? – Aiolia agarrou a carta e sacudiu-a diante do outro. – Houve um tempo em que eu teria me lançado contra qualquer um que ousasse lhe escrever uma carta como essa. Agora não. Você é o típico homem de negócios. Isso mesmo, Senhor Sagitálius. Ora, você nem sequer possui uma vida fora dessa companhia!
Largando a carta, Aiolia fuzilou-o com o olhar. Aiolos lhe retribuiu na mesma moeda; então, estremeceu. Era tudo verdade. Aiolos voltara seus esforços para criar um programa com o objetivo de unir pessoas que compartilhavam sonhos, interesses e intelectos. É bem verdade que a motivação inicial havia sido pessoal, mas esta logo dera lugar a uma causa apaixonada.
Que emoção e alegria sentira naqueles primeiros anos! Cada "E viveram felizes para sempre." que se concretizava era a sua maior recompensa. No início, ia a todos os casamentos. Depois, eles se multiplicaram e se espalharam pelo mundo, e Aiolos passara a comparecer apenas a alguns. Nunca mais fora a algum, depois do acidente...
O ruivo já estava quase na porta quando o irmão o chamou:
- Aiolia, espere. Você tem razão. – suspirou, o olhando. – Preciso arrumar a minha vida... – Acabou por concluir antes de continuar. – Alguma sugestão antes de começar?
- Você deveria ir procurar um certo analista. – Aiolia olhou-o, esperançoso.
- Não posso ligar para ele e marcar um encontro. – riu. – Shura já está predisposto a não gostar de mim.
- Então o convença a gostar de você. – o mais novo o encorajou. – E aí o convide para sair.
Não era uma má idéia. No entanto...
- Shura quer que sua identidade seja mantida em segredo, e a identidade dele não é segredo para mim. Estou numa posição difícil, Aiolia.
- Não poderia estar em melhor posição. Pense nisso, Olos. – sorriu. – Shura lhe pediu para guardar segredo. Guarde. Não conte o que você sabe sobre ele a ninguém mais. – o ruivo olhou o mais velho de forma divertida. – Quanto a você, tire vantagem do simples fato de ser quem é. De verdade. Do jeito que você era, e que pode voltar a ser com alguém especial. Shura é especial.
Aiolos ficou pensativo por alguns instantes antes de sorrir de volta para o irmão. – É, você tem razão. – Um plano começou a nascer. Armar os dados on-line não seria problema. Insistir num pseudônimo poderia funcionar para ambos, não? Se Aiolos ia quebrar suas próprias regras e se envolver com uma cliente, que mal haveria em seguir as regras em benefício próprio?
- O intervalo acabou, melhor voltar ao trabalho. – Aiolia já estava todo animado com a possibilidade de finalmente ver seu irmão feliz. – Ah, e quanto à sua idéia, vá em frente. – saiu e fechou a porta.
Não havia ninguém como Aiolia para repreendê-lo, e depois lhe dar o tempo de se corrigir. Aiolos cobriu o rosto com ambas as mãos. Não queria que Shura Capricorn visse seu rosto. Se ele o visse, tiraria ainda mais conclusões sobre ele do que já tirara. Mais outra razão para conhecê-lo através do anonimato de um computador.
Depois de pensar com cuidado em como redigir-lhe a resposta, ligou o computador e levou os dedos ao teclado. Com um sorriso maroto, começou a digitar.
Continua...
03/02/2008
Eu espero sinceramente que tenham gostado desse primeiro capítulo. É uma idéia diferente e difícil, mas espero que dê tudo certo no fim, não é? Um abraço a todos os que acompanham meus fics. Agradecimentos à Akane Mitsuko A.S.T. pela betagem e paciência ihihihi. Reviews, plz. Vou precisar para continuar essa. Como diria a Dee-chan: Dedinhos felizes digitam mais rápido!
