Era uma manhã de inverno bem chuvosa, mais escura do que o normal. Apesar de ser apenas seis horas da manhã, Carlo já estava acordado, pensando naquilo que já vinha incomodando-o há cerca de um mês e que não trazia nenhum bem: aquela mensagem no celular de Aiolos que tinha visto outro dia. Ainda se lembrava perfeitamente do que estava escrito, tendo lido apenas uma vez. Você sabe o motivo de eu estar com ele. Era uma mensagem para Shura, ex-namorado de Aiolos e amigo dos dois. Carlo tinha visto aquela mensagem quando teve que mexer no celular do amante, para tentar resolver um problema de configuração no aparelho.
Naquele momento Carlo se mantinha sentado em uma poltrona de frente para a cama, em seu quarto, observando Aiolos dormindo. Já moravam juntos há dois anos, depois do começo do namoro. Carlo realmente não podia reclamar, afinal Aiolos era o namorado perfeito: cuidava muito bem dele, aguentava suas brincadeiras bobas, era ótimo na cama e o amava.. Bem, pelo menos era isso que ele pensava. Carlo amava o outro com todo o coração, mas aquela mensagem o deixara com o pé atrás. Agora finalmente se lembrava do que Saga e Aiolia haviam falado quando começou o namoro.
- Ele está tentando fazer ciúmes para o Shura... Cuidado, Carlo! Você sabe muito bem que Aiolos está querendo fazer com que Shura se arrependa por tê-lo trocado! – Saga falava seriamente, como nunca tinha visto ele falar antes. Mas o italiano não prestava muita atenção, sempre achou que Saga nunca gostou muito dele.
- Saga tem razão, Carlo! Eu conheço meu irmão, você só vai se machucar se continuar com isso! – Diferente de Saga, Aiolia parecia agoniado. Carlo agora se lembrava que tinha ficado meio receoso depois do aviso de Aioia, mas deu ouvidos a eles. Com o tempo, todos acharam que Aiolos realmente amava o italiano.
E era exatamente desse amor que ele mesmo começava a duvidar. Agora estava naquele quarto, com seu amado, com tudo oque mais queria... E não se sentia satisfeito. Não sabia o que faria se estivesse sendo traido, não sabia o que faria se descobrisse que estava sendo usado tão cruelmente.
Balançou a cabeça e se levantou. Precisava esquecer isso e se concentrar no seu trabalho, que era toda a certeza que tinha agora. Os fatos há muito esquecidos, agora voltavam como se tivessem ocorrido ontem. As coisas que falaram para ele, todos os alertas, todas as coisas estranhas que nunca havia reparado. Se levantou e despiu o pijama, indo até o chuveiro do banheiro e ligando-o para tomar seu banho.
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Carlo tinha ido para o trabalho antes mesmo de Aiolos acordar, coisa que nunca havia feito antes de ver aquela mensagem. Já não sentia fome, então nem mesmo tomou café. Felizmente, tinha tanto trabalho na agência de advocacia (1) que não conseguia pensar em nada além dos processos que precisava rever.
Trabalhou de manhã até a noite, dando uma desculpa qualquer para Aiolos por não ter ido almoçar. Carlo não tinha comido nada o dia inteiro, mas havia dito ao outro que comeria na agência mesmo, pois apesar de tudo não queria preocupá-lo.
Ficou alguns momentos relaxando em sua sala, quando algo lhe veio a mente e finalmente entendeu o fato de, algumas vezes chegar mais cedo do trabalho e não encontrar o namorado, que sempre dava desculpas – bem aceitáveis, tinha que admitir. "Fui ao médico amor, não tinha falado?"; "fui fazer compras, querido, estavamos quase sem comida; tive muito trabalho hoje, estou exausto"! Eram as mais freqüentes. E Carlo nunca desconfiara, afinal o outro o amava, não? Ao menos era o que Aiolos sempre lhe dizia. Nunca se preocupou em ver se Shura e Aiolos trocavam olhares quando saíam os três juntos. Para o italinado era como se o relacionamento daqueles dois nunca houvesse existido.
Suspirou e decidiu manter-se calmo, raciocinar. Provavelmente estava se desesperando a toa, deveria ser outra coisa qualquer. Certamente aquela mensagem se referia a algum objeto, sócio, ou qualquer outra coisa, não necessariamente Carlo! Estava deixando o ciúme o tomar, era só relaxar e ia ver como tudo era loucura de sua parte. Aiolos era fiel a si. Sempre fora. Assim esperava, pelo menos. Estava muito cansado de ficar com aquele estresse emocional, era todo dia a mesma coisa. Aiolos não merecia essa sua desconfiança.
Continuou o dia com aquele pensamento e foi para casa por volta das seis horas da tarde, bem mais cedo que de costume, porém fazendo tudo aquilo que sempre fazia: Estacionou o carro na garagem do prédio, subiu de elevador até seu apartamento e entrou em casa. Graças ao trabalho dos dois, o casal tinha uma boa vida, realmente boa. Moravam em um prédio de um apartamento por andar, que Carlo tinha ganhadode herança, tinham carros bons, podiam sair para se divertir sem se preocuopar muito com as contas, e sabiam que isso não era qualquer um que podia ter.
Estranhou ouvir alguns barulhos anormais vindos de dentro do apartamento e foi andando, cauteloso, até o lugar de onde vinham os sons. Estranhou ainda mais ao notar que a casa não estava revirada e que os sons vinham do quarto. Foi caminhando, sem acender nenhuma das luzes do apartamento, evitando fazer barulho, curioso sobre o que veria. Desencostou a porta lentamente, ficando pasmo com a cena.
Sentiu a cabeça girar, o corpo enfraquecer e o ódio subindo pelo seu corpo. Então, afinal era verdade tudo que pensou. Era verdade que seu pesadelo não existia apenas enquanto dormia, e também era verdade que Aiolos não merecia metade do respeito e carinho que Carlo sentia por ele. Não merecia seu amor...
Shura estava deitado na cama, com Aiolos sobre ele. O grego subia e descia no colo do espanhol, gemia e ofegava, além de ambos já estarem suados. Shura beijava levemente o lóbulo da orelha de Aiolos, coisa que quando Carlo fazia o outro dizia odiar, mas quando Shura fazia aparentemente o outro gostava muito! O italiano já não aguentava mais ouvir os gemidos dos dois, ver aquelas caricias entre eles... Não aguentava mais ver como seu amado, a pessoa que mais confiava no mundo, o traía de forma tão suja.
- É bom que aproveite bem, Aiolos, pois essa é a última vez que se deita nessa cama. Quando eu voltar, quero você fora daqui com todas as suas coisas.
Disse aquilo e fechou a porta com força, sentindo os olhos arderem e o corpo tremer de raiva. Pegou suas coisas novamente e desceu pelo elevador, correndo para o carro. Não tinha nem olhado a cara dos dois... Mas não importava, eram dois traidores! Como Aiolos podia ter feito aquilo? Carlo sabia que tinha dado o seu melhor para Aiolos, mesmo que trabalhasse muito. Era carinhoso, tentava surpreendê-lo, sempre saiam juntos para se divertir, estava sempre bonito e nunca fora violento com o outro. ENTÃO POR QUE?
Agora se arrependia por não ter traído Aiolos quando teve chance. Milo uma vez tinha vindo todo assanhado para o seu lado, assim como Afrodite. Os dois eram lindos, solteiros e muito divertidos, mas Carlo os recusou,pois estava com Aiolos. Grande erro, erro enorme, ele era um enorme idiota!
Dirigia sem rumo ou atenção, tudo que fazia era se amaldiçoar e chorar. Sim, ele estava chorando, só tinha percebido agora. Engoliu o choro rapidamente, tremendo. Uma vez, muitos anos atrás, tinha jurado que nunca mais choraria por homem algum, e não ia recomeçar agora. Carlo era muito orgulhoso para isso, mas seu orgulho estava servindo para algo: Não voltaria para Aiolos, nem jamais falaria com ele de novo. Ele podia conseguir coisa melhor e sabia disso.
Enquanto dirigia, Carlo fez outra promessa a si mesmo: Não pensaria mais no passado, nunca mais. Foi dirigindo até a casa de Kamus, pois sabia que o outro o ajudaria a fazer aquela fúria e a dor passar. Kamus era seu sócio e um de seus melhores amigos desde antes de conhecer Aiolos.
Voltou a se concentrar no trânsito antes que acabasse se matando, e logo parou em frente a casa do outro. Buzinou várias vezes e saiu do carro, indo tocar a campainha. Ainda via tudo na sua mente, todas as evidência e depois aquela cena... Engoliu o choro novamente, com os olhos até vermelhos de lágrimas.
Sorriu sem jeito ao ver o outro o olhando, meio espantado com o escândalo.
- Olá, Kamus... E.. eu posso entrar? – Falou, tentando controlar a voz.
- Claro que pode... Fique à vontade, Carlo, mas o que houve com você? Que cara é essa, por que todo esse barulho? – Kamus foi direto, preocupado com o estado do amigo.
Carlo suspirou, começando a contar toda a história para o outro.
- Há mais ou menos um mês eu vi uma mensagem no celular de Aiolos, dele para Shura. Dizia que Shura sabia o porquê Aiolos estava com ele. Depois disso, eu comecei a notar algumas coisas estranhas que nunca tinha reparado em Aiolos. Ele quase nunca estava quando eu chegava mais cedo, além de sempre desligar o celular quando eu estava perto. Hoje... – Suspirou profundamente, como se buscasse coragem para dizer o que viria a seguir. Kamus entendeu e ouvia silenciosamente, já notando o motivo do outro estar ali."Então estavamos todos certos... Aiolos nunca amou Carlo." Pensou o outro, olhando tristemente para o amigo, o ouvindo retomar a história. – Hoje, quando cheguei em casa mais cedo, Aiolos estava lá, com Shura, transando. Kamus, por favor... Me ajuda a não fazer nenhuma besteira, por favor!
- Eu imaginava que fosse isso... Carlo, o que pretende fazer agora?
- Não sei. Eu coloquei Aiolos para fora de casa, e não quero vê-lo novamente. Eu só não entendo o porquê. Se ele ama tanto Shura, por que passou mais de dois anos comigo? - Carlo estava agoniado, aquela dúvida era o que mais o afetava. No mês que tinha se passado, Carlo cogitou mesmo estar sendo traído, então estava preparado para aquela descoberta. Mas realmente ver o que acontecia, daquele jeito, o deixou perdido.
- Aiolos deve estar preso ao passado dele. Não deixe que isso aconteça com você também, Carlo. Eu não dúvido que ele realmente tenha te amado um dia, mas quando Shura voltou da Espanha ano passado ele deve ter voltado a sentir amor por ele.
Carlo suspirou novamente, até ele se surpreendia com o que estava conseguindo segurar de choro, mas seus olhos ardiam muito. Já não sentia tanto ódio, e a resposta de Kamus era lógica. Ficaram conversando até de madrugada sobre aquilo, o que realmente fez bem para o italiano.O amigo era sincero e objetivo, o que fazia com que ele acreditasse em tudo que ele falava com muita confiança, por mais que machucasse um pouco. Mas machucar-se daquele jeito era bom, pois faria com que Carlo aceitasse a realidade. Saiu da casa do amigo por volta da meia-noite, pois queria deixar que o outro dormisse. Pegou o carro e parou em um bar, pensando em beber apenas para relaxar, e talvez poder dormir também.
Ao entrar no bar, qual não foi sua surpresa ao ver Ikky ali, bebendo e com uma cara que também não estava nada boa. Ele era um de seus amigos de longa data, tinha o conhecido em uma festa na faculdade. Sentou-se ao lado dele e tentou sorrir, mas não conseguiu, afinal estava um caco e sua cara demonstrava isso: Carlo tinha os olhos vermelhos e molhados, o rosto pálido e uma expressão meio depressiva. Ikky rapidamente se ajeitou na cadeira quando o viu, olhando-o preocupado ao ver que o italiano não parecia bem.
- Carlo...? O que houve? – Perguntou calmamente, olhando nos olhos do outro como sempre fazia, corando levemente.
- Problemas com Aiolos... Terminamos. – Falou, de um jeito ainda mais triste, olhando nos olhos do outro. Tentava entender por que ele corava sempre que se olhavam nos olhos. – E você?
- Hm... Problemas amorosos também. Mas não fique assim, Carlo, existem outras pessoas para você por ai. – Ficou mais preocupado com a expressão do outro, mas não podia mentir para si mesmo: ficou feliz com o fato do italiano estar livre. Ikky era apaixonado por Carlo já há tempos, mas só notou o que era aquele sentimento quando Carlo estava com Aiolos. Vendo a felicidade que seu amado sentia, preferiu ficar quieto e esconder seus sentimentos, e não aguentava mais aquilo. Esse foi o motivo de ter ido ao bar aquela noite.
- Não sei, não, Ikky. Todas minhas experiências foram boas por um longo período, mas terminaram de um jeito horrível. Não acredito que exista alguém por aí que vai realmente me amar e não apenas me usar. – Carlo falava com certa amargura, relembrando relacionamentos anteriores.
Ikky pensou um pouco enquanto ouvia Carlo pedir uma dose de vodka e suspirou. Uma vez tinha demorado muito e o perdeu, não iria arriscar a mesma coisa duas vezes.
- Carlo... Eu sei que é a hora totalmente errada para te dizer isso, mas eu te amo. – Aquilo saiu fácil, devido à influência da bebida em seu corpo. Sorriu ao sentir aquilo sair de seu peito, mas estava preocupado com a reação que poderia ter sobre o outro.
Carlo perdeu todo o resto do rumo que tinha no momento em que ouviu aquilo. Estava muito frágil naquele momento, principalmente para ouvir uma declaração de uma das poucas pessoas que confiava de verdade. Na realidade, o italiano nem sabia se realmente sentia confiança em alguém depois do que aconteceu. Em todo caso, mesmo acreditando no outro daquele jeito, não conseguia acreditar, afinal Ikky nunca dera em cima de ninguém, nunca se insinuou, era quase um santo! Não queria magoar o outro, mas queria dar um tempo para seus relacionamentos por um tempo depois do que houve. Mesmo que doesse até em si, decidiu falar a verdade para o garoto a sua frente.
- Ikky... Me desculpe, você é uma pessoa maravilhosa, mas depois do que vi hoje... Não dá. Eu ainda amo muito o Olos, apesar de tudo, e quero dar um tempo até que eu mesmo possa aceitar o que aconteceu. Você consegue entender isso? – Falava, pensando bem em cada palavra antes de dizê-la.
Ikky suspirou, já esperava ouvir aquilo, mas de certo modo ficava aliviado de ter contado ao outro, ao mesmo tempo em que se sentia despedaçado por dentro. Mas assim como esperou todo aquele tempo, iria esperar todo o tempo que fosse necessário para que o outro pudesse se recuperar e, talvez, aprender a amá-lo.
- Sem problemas, Carlo, eu é que peço desculpas por falar sobre isso neste momento. Mas saiba que vou esperá-lo todo tempo que for necessário. Porque eu nunca mentiria para você, e o que eu sinto é realmente forte.
Ambos sorriram, num gesto de amizade e cumplicidade, e continuaram a beber a noite toda. Carlo nunca soube explicar o porquê, mas depois daquela noite nunca mais se sentiu sozinho, mesmo quando não tinha mais ninguém por perto.
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(1) - Tentei fazer uma referência meio besta ao "Advogado do Diabo", que por algum motivo me levou a colocar essa profissão para o Carlo.
Bom, meus agradecimentos a todos que leram até aqui e, é claro, para a Mukuroo, que teve a enorme paciência de ler e reler, corrigir meus erros e me dar dicas ótimas para a história e me aturar até hoje. Muk, eu realmente te agradeço demais! Bom, pretendo fazer mais dois capítulos, um dizendo como foi toda essa história para o Aiolos e toda a história para o Shura, além de talvez fazer um extra. Mas só faço se chegar nos 30 reviews, viram?
Beijos de novo, espero que venham ler de novo.
