A/N: a história é contada sob dois pontos de vista: o de Sin (texto normal) e o de Pepp (texto em itálico).


Parte 1. Bala de hortelã

A maioria das pessoas que passa por aqui está sempre com pressa. Quer dizer, elas nem sequer entram aqui. Passam andando a passos rápidos, checando o relógio constantemente. Ou passam com expressões irritadas dentro de seus carros. Enfim, o que importa é que passam. E só.

Pouca gente parece encontrar tempo para entrar em mercearias. É bem mais prático encomendar pela rede, ou mandar o empregado comprar. O que eu faço aqui, então? Eu observo essas pessoas passarem. Bem, era o que eu fazia quando trabalhava de dia. Mas faz três semanas que o dono do estabelecimento resolveu me transferir para o turno da noite. Ele disse algo sobre minha disponibilidade de horários, mas eu sei muito bem que o que ele queria era dar o emprego para uma mulher bonita que apareceu aqui outro dia. Ela não parecia muito esperta, mas que tinha os atrativos físicos que incitam qualquer sujeito, não há como negar. Admito que ela seja bonita – ao menos a seu modo.

O turno de dia já era um bocado maçante; o da noite é ainda menos interessante. Se havia bastante tempo livre nas quatro horas de expediente durante o dia, à noite é ainda mais tedioso. Por esta rua não passa quase ninguém. Foi assim nas duas primeiras noites de trabalho. Na terceira...

Eram dez da noite. O cuco do relógio havia acabado de me avisar isso. Faltava uma hora para eu sair do trabalho, e havia uma garoa fina lá fora. Eu esperava que ela cessasse antes do horário de ir. Minha vontade era de fechar o estabelecimento e sair correndo na chuva para... bem, para qualquer lugar que fosse. Para falar a verdade, eu não sabia para onde. Mas isso fazia parte da idéia de abandonar e esquecer tudo. "Tudo o quê?", foi o que eu tinha acabado de me perguntar quando alguém entrou na mercearia. E, embora eu ainda não soubesse, foi quando ele entrou na minha vida.

Jeans azul, clássico, camisa preta (como ele não sufocava com apenas um botão aberto?) e sapatos combinando. Na verdade, a camisa estava um pouco amassada e para fora da calça, e os cabelos um pouco bagunçados. Parecia ter vindo correndo de algum lugar. Ele olhou meio perdido para as estantes por alguns momentos – o suficiente para eu fazer essa análise sobre ele – até que pareceu perceber que eu estava ali.

- Com licença... vocês têm papel colorido?

- Para presente? – perguntei, esperando que ele não me fizesse mostrar onde estavam aqueles canudos de papel com estampas horríveis. Não me lembro de alguém os ter comprado alguma vez.

- Não... – respondeu, parecendo um pouco encabulado – Papéis para dobradura.

Eu não fazia idéia de se tínhamos isso ou não. Chequei no computadorzinho do caixa. Sim, nós tínhamos(!).

- Eu acredito que esteja na terceira estante, junto com as canetas e folhas de monobloco – respondi.

Ele sorriu e foi até lá. Experimentei uma fração de segundo de torpor. Que sorriso bonito.

- Vou levar estes – falou ele, depositando sobre o balcão um pacote de pequenas folhas coloridas, e procurando pela carteira no bolso.

- São oitenta centavos.

- Tem troco para um?

Encarei a nota que ele tirara do bolso. Não, não havia troco no caixa, simplesmente porque não havia clientes naquele horário.

- Não... mas por vinte centavos você leva um desses pacotes de bala. Elas são boas. Ao menos eu gosto delas. Vem com dez unidades – respondi, tentando dar um sorriso amigável também.

A julgar pelo riso que não escapou de seus lábios, acho que meu sorriso não foi assim tão bem sucedido. A tentativa de sorriso não foi, mas ele levou um dos pacotes. O de hortelã.

Depois que ele saiu, fiquei pensando nele por um tempo. É estranho como algumas pessoas parecem de repente nos marcar, mesmo que não passemos de apenas mais um no meio da multidão para elas.

No dia seguinte, em algum momento do marasmo na mercearia, peguei-me pensando no sujeito dos papéis de dobradura e balas de hortelã. Em como gostaria de vê-lo novamente, mesmo sem saber o motivo. Um pouco mais tarde – estava tão perdido em pensamentos nesse dia que não lembro que horas eram – surpreendi-me com a porta abrindo. Lá estava ele, o mesmo jeans e sapatos pretos, diante de mim. Dessa vez, contudo, a camisa estava arrumada, idem os cabelos. Ele pegou um dos pacotes de bala e sorriu, depositando duas moedas de dez centavos no balcão. Peguei as moedas e ele saiu em seguida, fazendo um sinal com a cabeça. Fiquei imaginando se ele não teria gostado dos papéis de dobradura, demorando a perceber que ele escolhera as balas de hortelã novamente.

Ao sair do trabalho, não sei se o que senti foi surpresa ou curiosidade. Creio que naquele instante eu achei foi muito estranho. Do lado de fora da mercearia, no banco do outro lado da rua, estava o sujeito das balas de hortelã. Assim que me viu, soltou um sorriso encabulado e desviou os olhos.

- Esteve esperando por mim este tempo todo? – perguntei.

Ele apenas fitou. De algum modo, eu sabia que era um "sim".

- Ao menos você não disse que está perdido, não é? – ri. E, após uma pausa – Tem planos para agora? Se não, podemos ir a um lugar ouvir música e beber um pouco.

- Seria ótimo – respondeu ele.

Ele se levantou e foi andando ao meu lado, enquanto o conduzia pelo caminho que eu já bem conhecia.

Parecia uma criança, sorrindo para mim. Talvez por satisfação ao ver minha expressão surpresa diante de suas calças de couro e botas de amarrar, que estou certo de não ter visto enquanto comprava as balas, e um enorme sobretudo. Ou talvez por diversão em ver que alguém como eu havia esperado por tanto tempo. Andamos por umas ruas tortas, que eu só descobri onde levavam quando paramos em frente a uma porta guardada por um gorila albino. Disse que eu o acompanhava e, quando me foi permitido entrar também, sorriu para mim.

Estávamos em uma boate. Mais precisamente, no Nefertary. Confesso que nunca havia entrado em uma dessas. Creio que meu espanto foi percebido, pois me perguntou se eu já estivera em uma .... antes. Eu só não conseguia compreender como alguém tão jovem poderia trabalhar em um lugar desses.

- É meu segundo trabalho – foi o que expliquei. Creio que a resposta não o tenha contentado muito, mas naquele instante foi o suficiente para que ele não fizesse mais perguntas.

Lembro-me que entramos por uma porta que dava na parte de trás da pista principal, e eu lhe observei pular sobre o balcão do bar enquanto me instalava em um dos bancos. A música alta começava a tocar, pessoas entravam pelo lado oposto ao que viemos.

- E então, o que vai beber?

Quando o encarei naquele momento, estava tentando descobrir o motivo que me fizera segui-lo até lá. Eu realmente não compreendia como você poderia usar roupas como aquelas, principalmente depois que descobri a blusa justa e translúcida que vestia abaixo do sobretudo.

- Peppermint? Não quer beber nada?

"Peppermint". Foi assim que me chamou pela primeira vez.