Silêncio não era algo normal na Toca. Afinal, uma casa pequena, onde viviam 6 pessoas no verão e ainda contava com os hóspedes adicionais, fora todos os degraus soltos e as portas que rangiam, era quase impossível ser silencioso.
Entretanto, era exatamente dessa maneira que vinha se encontrando a casa nos últimos dias: silenciosa. As pessoas andavam silenciosamente, respiravam fazendo um mínimo de barulho. Quem entrasse pela porta teria a impressão que se tratava de uma casa abandonada. Somente os múrmurios de uma conversa aqui, outra lá, denunciavam a presença de mais pessoas.
Tudo isso por causa da guerra. Mesmo com um casamento sendo organizado, as pessoas tinham medo de falar alto ou saltitar alegremente. Qualquer sinal de alegria trazia a lembrança de que talvez aquilo não durasse muito tempo.
O medo tomava conta de todas as ações. Era estranho pensar que, no mesmo momento em que Gina se encontrava olhando pela janela do quarto, em algum lugar, a Prof. McGonagall e vários outros representantes do Ministério decidiam se Hogwarts abriria suas portas para um novo ano letivo. E, em algum lugar, talvez até mesmo na primeira casa depois da curva da estrada de terra que levava à Toca, Lord Voldemort e seus Comensais da Morte decidiam qual seria o próximo passo, quem seria a próxima vítima.
Naquele dia, a véspera do casamento de Gui e Fleur, Gina estava se sentindo um pouco mais triste do que o normal. Ele tinha chegado. Parecia cansado e desanimado quando chegou, juntamente com Rony e Hermione, da casa dos tios. Deu um "Oi" meio parado, como pareciam estar todas as coisas ao seu redor, e subiu para colocar suas coisas no quarto de Rony. Nem ao menos parecia ter sentido metade da agitação que Gina sentiu ao vê-lo pela primeira vez desde o funeral. Desde de a última vez que haviam conversado.
Ela havia subido logo depois para seu quarto, com a esperança de que Hermione estivesse lá. Precisava conversar com alguém. Mas aparentemente, Hermione só tinha deixado suas coisas no quarto de Gina e tinha subido para o quarto de Rony também. Uma rápida olhada para o andar de cima confirmou suas suspeitas: a porta estava fechada. Provavelmente, trancada magicamente, já que os três já eram maiores de idade e podiam fazer mágica fora de Hogwarts.
Mais uma diferença que os afastava milhas e milhas. Ela estaria sempre atrás, sempre seria mais nova, mais inexperiente... aquela que é mais fácil deixar para trás. Gina não era nenhuma idiota. Sabia que eles estavam planejando algo. E sua intuição lhe dizia que eles não voltariam para Hogwarts, independentemente se a escola abrisse ou não.
De algum modo, ela sempre soube que seria assim. Contudo, tal certeza não a impedia de sentir um aperto no peito ao saber que eles a deixariam para trás. Que ele a deixaria para trás. E, dessa vez, não adiantaria brigar ou gritar...
Decidida a esquecer da presença do trio, ela sentou-se em sua cama e passou a observar a paisagem através de sua janela. O verão havia trazido lindas cores aos campos e os animais faziam festa com o sol. Gina se permitiu um sorriso sarcástico ao pensar que era irônico que, num tempo de tanta morte e tanto sofrimento, o tempo estivesse tão bonito. Se esse tal Deus de quem os trouxas falavaqm tanto realmente existisse, ele tinha um senso de humor muito estranho.
O jantar daquela noite foi um pouco mais tumultuado do que o normal (apesar de que, nos últimos tempos, qualquer barulho já seria o suficiente para tumultuar o ambiente). Isso se devia ao fato de haver pessoas a mais na mesa: Carlinhos, que tinha chegado para o casamento do dia seguinte, Fred e Jorge, que haviam decidido que seria melhor passar a noite na própria Toca em vez de seu próprio apartamento, já que o casamento aconteceria ali (Gina desconfiava que era só uma maneira de ter suas vestes lavadas pela mãe), Lupin e Tonks, que chegaram de mãos dadas e haviam sido convidados por Molly, e, é claro, Harry, Rony e Hermione, que haviam chegado naquela tarde.
Gui estava jantando na casa de Fleur, para conhecer melhor os futuros sogros. Era para acontecer um jantar só, com a família do noivo e da noiva, mas os parentes de Fleur eram tão arrogantes que a idéia não foi bem vista por nenhum dos lados. Assim, na noite anterior, fora Fleur que jantara com os Weasleys na Toca e agora Gui jantava no hotel onde a família dela estava hospedada.
Mais Weasleys eram esperados para o casamento de Gui e Fleur, mas a maioria chegaria apenas para o casamento, por questões de segurança. Gina achava que era melhor assim, para que sua mãe não tivesse que se preocupar com familiares estranhos hospedados na casa. Harry e Hermione não contavam como visitas, já que eram praticamente da família.
Porém, algo estava errado. Harry, Rony e Hermione haviam descido do quarto naquela tarde e ficaram um bom tempo conversando com Molly, Arthur e Remus. Sobre o quê exatamente era um mistério, embora Gina já desconfiasse. O que quer que fosse, porém, havia deixado no ar um clima de tensão. Molly parecia ter chorado muito e ainda tinha os olhos inchados. Arthur e Remus estavam visivelmente preocupados. Tonks ainda tentara animar Remus, mas ele realmente não estava bem.
Depois de se certificar que todos haviam acabado de jantar, Arthur levantou-se.
- Bem, tenho certeza que todos notaram algo de estranho. Por isso, acho melhor pôr a situação em pratos limpos. Harry, por favor - Ele gesticulou para que Harry levantasse.
Harry definitivamente não estava esperando por isso.
- Mas, Sr. Weasley...
- Nada de mas, Harry. Se você tomou essa decisão, já é adulto o suficiente para encarar as conseqüências.
Ao ver que não havia escapatória, Harry deu um último olhar para Lupin, mas esse apenas balançou a cabeça, deixando claro que concordava com Arthur. Então, Harry levantou-se.
- Bom... - Harry passou o olhar por todos que estavam sentados na mesa. Seu olhar pareceu demorar-se um pouco mais em Gina, que pensou ter visto algo familiar nos olhos verdes, mas o que quer que fosse, no segundo seguinte já não estava mais lá. - Eu, o Rony e a Hermione descobrimos pistas importantes em relação a Voldemort. Por isso, decidimos investigar um pouco mais a fundo. Por isso, vamos partir amanhã, logo depois do casamento, para checar algumas informações. Nós não sabemos quando vamos voltar, por isso, decidimos não voltar à Hogwarts para nosso sétimo ano. - Dito isso, Harry olhou para os dois amigos que estavam sentados ao seu lado, como se para pedir apoio. Os dois apenas afirmaram com a cabeça.
A mesa ficou no mais absoluto e completo silêncio depois da declaração. Porém, logo pode-se ouvir os soluços de Molly:
- Mas vocês são novos demais para saírem por aí, sem rumo, sozinhos. Quem vai cuidar de vocês, checar se estão comendo direito, cuidar das roupas... - sua frase foi entrecortada de soluços. Arthur, que estava ao seu lado, apenas a abraçou e deixou que ela soluçasse contra o seu peito.
- Molly, querida, nós já conversamos sobre isso. Os três já são maiores de idade e podem decidir sobre suas vidas...
- Mas, Arthur, eles são apenas crianças. Crianças que cresceram demais. Não estão prontos para encarar a realidade - depois disso, só conseguia se ouvir os soluços que ela dava, com a cabeça enterrada no peito do marido.
- Pai, você não pode estar concordando com isso! - Carlinhos finalmente pareceu ter recuperado a própria voz. Fred e Jorge, acordados de seu torpor pela explosão de Carlinhos, imediatamente levantaram-se de sua cadeira e começaram a concordar com Carlinhos. Logo, todos estavam falando ao mesmo tempo.
Gina, que estava durante esse tempo todo com a cabeça baixa, examinando atentamente as próprias mãos que se encontravam no colo, sentiu de repente que estava sendo observada. Levantando os olhos, viu que Harry estava olhando diretamente para ela, esperando sua reação. Gina, porém, sem dizer uma palavra mas sem quebrar o contato visual com Harry, levantou-se.
E então, ainda sem emitir um som sequer, saiu da cozinha, deixando para trás toda a confusão. Nem percebeu que havia subido as escadas até notar que estava em seu quarto. Batendo a porta com força, se jogou em sua cama, em seguida se encolhendo. Quando percebeu, estava fazendo algo que havia prometido a si mesma que nunca mais faria: com a cabeça no travesseiro, Gina chorou. Não o choro desesperado, cheio de soluços como o de sua mãe. Chorou silenciosamente, deixando que as lágrimas grossas molhassem seu travesseiro.
Finalmente, dormiu. Sem pôr pijamas ou escovar os dentes.
Gina não soube como a confusão acabou, mas o fato é que quando acordou na manhã seguinte, todos já estavam conformados com o fato de que Harry, Rony e Hermione estariam partindo depois da festa do casamento de Gui e Fleur. Ninguém sabia exatamente para onde eles iriam, ou como, ou quanto tempo ficariam por lá. Apenas sabiam que eles partiriam.
Hermione tentou dizer algo sobre a mais nova aventura do trio, mas Gina a interrompeu. Não queria saber de nada. Hermione ainda insistiu um pouco, mas Gina não era uma Weasley só por causa do cabelo vermelho, e Hermione acabou desistindo, limitando-se a comentários sobre o tempo e o casamento.
Enfim, o casamento aconteceu. Gina acabou tendo que usar o vestido dourado que Fleur havia escolhido, apesar de contra a sua vontade. O problema não era o vestido, aliás de muito bom gosto, mas sim o fato de que, se não fosse o casamento de seu irmão mais velho, Gina não teria saído do quarto o dia inteiro. Mas ela não era tão egoísta e participou da cerimônia, tentando fingir que estava tudo bem, que seu coração não parecia ter sido pisoteado por mil hipogrifos.
Ela notou Harry olhando para ela, claro. Como não poderia ter notado? Mas fez questão de fingir que não o havia visto. Ele tentou de todo jeito chamar sua atenção durante a festa, mas ela simplesmente não quis lhe dar nenhuma atenção.
Não ficou surpresa quando ele finalmente pediu licença (ela estava dançando com Jorge) e a abraçou no meio da pista de dança. Ele sabia, é claro, que Gina nunca faria um escândalo que arruinasse o casamento do irmão. E, mesmo ela tendo ficado dura como as armaduras de Hogwarts durante toda a música que eles dançaram e não ter dito uma palavra enquanto ele tentava conversar com ela, ele não desistiu. Quando percebeu que a música estava acabando, pegou com força no seu braço, chegando a quase machucá-la, e praticamente a arrastou para longe da pista, que havia sido montada no jardim.
Quando já haviam se distanciado o bastante para que niguém pudesse ouví-los, Gina se dirigiu a Harry pela primeira vez:
- O que você pensa que está fazendo, me arrastando assim, feito um trasgo ou algo assim?
- Olha! - Harry deu um sorriso sarcástico - A garota não é muda.
- Claro que não! Eu só escolho as pessoas que valem a pena conversar.
- Gina... - ele parecia estar se controlando - olha, nós precisamos conversar.
Ela riu.
- Conversar, Harry? Para quê? Não sou mais sua namorada, esqueceu? Por que você quer conversar comigo?
- Gina, mesmo a gente não estando mais junto, eu preciso te explicar umas coisas...
- Explicar umas coisas? Harry, essa com quem você está falando é a Gina Weasley, sabe? Aquela garota que é boa para beijar, para você se esfregar com ela nos armários de vassouras de Hogwarts... só isso. Quando a coisa fica séria, é mais fácil deixar ela de lado.
- Gina, as coisas não são assim e você sabe disso! - O volume da voz dele foi aumentando.
- Mas para mim, parece que foi exatamente isso, sim! Por que então você nunca me contou nada, hein? Será que eu não significava nada para você? Porque é exatamente assim que eu me sinto!
Ele ia dizer (ou melhor, gritar) alguma coisa, quando se controlou e, colocando ela sentada num tronco de árvore caído no chão, respirou fundo e começou a falar, num tom calmo:
- Eu não vou nem tentar explicar que você significa muito para mim, porque eu sei que, no fundo, você sabe. E também sei que você entende que eu preciso ir, Gina. Então, só me explica porque você está tão irritada assim.
- Porque eu estou sendo deixada para trás de novo.- Ela disse isso num tom baixo, como se todas as forças dela já tivessem se esvaído.
- Gina, você não pode ir junto dessa vez. Não dá. Nem aparatar você sabe ainda... e depois. Não, chega. Eu já te expliquei tudo que tinha para explicar. E eu sei que você tem consciência disso tudo.
- Harry, eu aceitei quando você acabou tudo comigo, porque eu não estava surpresa. Não mesmo. Na verdade, eu vinha esperando por isso. Mas, só porque eu aceitei essa situação, não quer dizer que eu tenha entendido. Muito menos que eu tenha gostado dela. - Ela suspirou. Parecia que toda a raiva que sentia dele até cinco minutos atrás ia aos poucos desaparecendo, deixando apenas um vazio no seu peito.
- Eu queria que fosse diferente - Ele não olhava mais para ela, e sim para o horizonte, como se quisesse ver além, como se quisesse achar uma solução para o que não podia ser solucionado.
Ela levantou a cabeça e dirigiu seu olhar para onde ele estava observando.
- Eu sei. - Ela respondeu, enfim. - É isso que machuca mais.
Emoções conflitantes passavam por Gina. Uma parte dela queria dizer adeus e sair correndo para se trancar em seu quarto, para não ter de vê-lo partir, sem saber se iria voltar. Mas a outra, a maior parte, talvez a parte mais masoquista, queria aproveitar cada segundo que ainda tinha com ele.
- Eu tenho uma coisa para te dizer - ela disse, acabando com o silêncio - Sabe, eu achava que tinha desistido de você. Eu gostei do Michael, e quis muito me apaixonar pelo Dino. Muito mesmo. Mas não consegui. E foi você me abraçar depois daquela partida e todos os meus esforços com o Dino foram por água abaixo. - Ela deu uma pausa, e virou. Olhando diretamente para ele, continuou - Eu odeio você um pouco, sabia? Odeio porque você me faz virar uma garotinha de 11 anos que ainda fica vermelha na presença do melhor amigo do irmão mais velho. Me faz virar essa menina patética que eu não sou. Mas não tem jeito. Desisti de lutar contra isso. Por isso, quando você voltar, eu quero que você saiba que vou estar te esperando, se você ainda me quiser.
- Gina... - Ele ia falar alguma coisa, mas ela não deixou.
- Não tente me convencer do contrário. Se você achar alguém pelo caminho que te faça feliz, pode deixar, eu não vou ficar brava. Mas o fato, Harry, é que enquanto eu souber que nós ainda temos uma esperança, qualquer outro relacionamento que eu tenha não vai dar certo. Acredite em mim, eu tentei por 5 anos me convencer que você não me afetava mais. - Ela deu um sorriso melancólico - Eu cansei de mentir para mim mesma, Harry. Enquanto nossa história não tiver um ponto final, seja ele qual for, eu não vou ficar em paz. Acho que você também não. Então, vou ficar aqui, te esperando. Patético, eu sei, mas já estou me acostumando a isso.
E dizendo isso, fez um pequeno carinho em sua bochecha e saiu correndo, esperando esconder as lágrimas.
