Hatsu-Hana.

"Senhor Hao, uma entrevista por favor!" A repórter, desesperada, tentava se infiltrar no meio dos seguranças dele.

"Hoje o Hao não vai falar nada, gente!" Yoh disse, tentando afastar a moça. Os X-laws – seguranças contratados há muito tempo – o cercavam de tal modo, que era impossível ver mais do que seus longos cabelos castanhos.

"Mas...! Por favor, senhor Hao, diga-nos algo sobre o seu novo livro! Não deixou escapar sequer uma vírgula sobre ele na sessão de autógrafos do seu último livro!" A repórter era persistente.

"O senhor Yoh já disse que ele não irá falar nada." O segurança loiro – e o maior de todos – colocou-se na frente da repórter, que chegou a pular para trás.

"Não. Está tudo bem, Marco." Hao disse, saindo do meio dos seguranças.

"Mas, senhor Hao...!" Marco tentou argumentar. "Tudo bem, eu compreendo o seu apreço para com seus fãs." Ele disse, por fim, ajeitando os óculos.

"Eu ainda não sei sobre que tipo de romance pretendo escrever." Hao foi direto nas palavras e cerrou um pouco os olhos ao sentir aquela bateria de flashes sobre si. "Mas eu irei passar um tempo afastado da cidade, procurando algo que me inspire."

"Mas não tem nenhuma idéia do que possa ser?!" A repórter insistiu.

"Hao, vai se atrasar para o vôo..." Yoh lembrou o irmão.

"Ah, sim. Sinto muito em decepcionar-lhe, mas não faço idéia." Ele respondeu, entrando na limusine com Yoh, e saiu dali.

"Espere, senhor Hao!!" A repórter ainda tentou seguir ele, mas foi barrada pelos seguranças.

"Acho que já chega de ser impertinente." Marco disse, olhando-a, e a mulher recuou.

"Grosso!" A repórter bufou, afastando-se por fim.

"Eu, grosso?" Marco olhou para a mulher por um tempo, e depois olhou para os outros seguranças, que fingiram não saber de nada.

X

"Foi um dia cheio, não é?" Yoh perguntou, pegando um suco de laranja no frigobar.

"Sim." Hao suspirou, pegando o suco do irmão e bebendo-o num único gole. "Mas vai valer a pena. Finalmente terei algum tempo para curtir aquele chalé no campo que você vive falando." E permitiu-se sorrir.

"É, você merece." Yoh passou uma das mãos pelos ombros do irmão e sorriu. "É uma pena que eu não possa te acompanhar desta vez, Hao."

"Ah, não?" Hao olhou para ele.

"Não. Eu tenho que resolver algumas coisas com o vovô. Sabe como é." Yoh coçou levemente a cabeça.

"Você é muito preso à família, Yoh." Hao respondeu, revirando os olhos. "Mas tudo bem. Vou pedir pro Luchist te deixar em casa."

"Não, não precisa! Eu já vou pegar o próximo vôo para a casa do vovô." Yoh disse.

"Uhn, tudo bem então." Hao respondeu para o irmão. "Faça uma boa viagem, Yoh." Hao disse, saindo do carro.

"Igualmente, Hao. Espero que se divirta lá. Afinal, logo entrará a primavera." E sorriu para o irmão.

E então seguiriam caminhos diferentes. Hao para o chalé. Yoh para a casa dos avós.

X

A viagem de avião poderia ter sido tranqüila se Hao não estivesse esquecido o chapéu e os óculos dentro do carro. Mas ele havia esquecido. E isso acarretou numa série de pessoas que vieram lhe pedir autógrafos ou informações sobre seu próprio livro. Hao, claro, foi muito gentil com todos eles.

Afinal, eram essas pessoas que o sustentavam. Ele precisava, ao menos, retribuir isso de alguma forma e, querendo ou não, ele adorava todas aquelas pessoas clamando por sua presença.

Tudo bem. Isso seria só durante o vôo. No aeroporto, teria a boa vontade de usar um dos óculos escuros que tinha em sua mala e chegaria em segurança até o chalé.

"Chalé tempestade... que nome mais sugestivo." Hao olhou, por alguns instantes, a pequena casa e sorriu. Estava ainda um pouco distante, olhando para o céu, e mal percebeu quando alguém – também distraído – caminhou na mesma direção que ele. Resultado: os dois esbarraram e ela caiu no chão.

"Será que você não olha por onde anda?" Ela perguntou gentilmente, estando caída ao chão.

"Eu poderia dizer o mesmo se não estivesse comovido com a sua educação!" Hao respondeu, ainda atordoado pelo choque. Isso até ver como ela era.

"Sua educação está longe de ser a de um conde inglês!" Ela retrucou, ainda no chão.

E os dois continuariam com os elogios, se os olhares não tivessem se cruzado. Ambos possuíam olhares penetrantes, cada um com seu próprio mistério. E ambos eram detentores de uma beleza única.

Ela era jovem, devia ter por volta de seus 23 anos. Loira, com os cabelos lisos lhe batendo na altura das costas e os olhos amendoados. Seu cheiro se assemelhava a algo adocicado e suave. Como o cheiro das flores.

Ele, igualmente jovem, tinha por volta de 25 anos. Os cabelos castanhos lhe alcançavam a cintura e os olhos, também amendoados, eram um pouco mais finos que os dela. Era detentor de uma beleza forte, algo sensual.

"Admito que estava distraído, mas você está longe de ter a razão também." Hao respondeu, estendendo uma das mãos para ela.

"Tanto faz." A loirinha respondeu, batendo na mão dele, como quem dizia que não precisava de ajuda, e ergueu-se batendo o pó da roupa.

"Está hospedada aqui?" Hao perguntou, ajeitando os óculos escuros.

"E te interessa, por acaso?" Ela rebateu com frieza. Ele sorriu.

"Se não me interessasse, não estaria perguntando." Ele respondeu, ainda sorrindo. E aquele sorriso a irritou.

"Pergunta porque é intrometido! Quem você pensa que é para se meter assim na minha vida?" Ela respondeu.

"Hao Asakura." Hao disse, tomando-lhe uma das mãos, e beijou-lhe suavemente ali. "E você...?" Perguntou, galante. Esta fama dele era bastante conhecida entre as mulheres. Pelo menos entre aquelas que liam os seus livros. E, ah, ela tinha jeito de quem os lia! Talvez fosse apenas intuição, mas a expressão – apesar de inalterada - dela lhe dizia que aquilo era verdade.

"Anna Kyoyama." Ela respondeu, recolhendo a mão. "Não que te interesse, claro." Anna completou, antes que Hao tivesse chance de dizer algo.

"Claro, claro." Ele sorriu. "Espero te ver em breve, Anna." Hao disse, caminhando dali.

"Eu espero não te ver nunca mais." Ouviria ela dizer, já longe, e apenas acenou como quem dizia até logo.

X

Insuportável. Simplesmente insuportável. Não fosse a maldita insistência de seus pais de mandá-la para lá, estaria em casa lendo um bom livro de romance. Não, livros e romances definitivamente não eram coisas nas quais Anna queria pensar agora. Tudo porque aquele maldito homem que havia encontrado era um famoso escritor de romances. Tudo bem, seria apenas uma semana e poderia ir embora daquele lugar. Não precisava cruzar com ele. Bastava evitar os lugares em que ele poderia estar que tudo iria ficar bem.

"Estou pensando demais nesse assunto." Anna disse para si mesma e largou a roupa na cama, indo tomar um bom banho.

Um bom banho seria o suficiente. Um bom banho lhe faria esquecer aquele encontro com o escritor. Um bom banho faria com que toda aquela irritação pelo jeito de ele agir fosse embora pelo ralo. Só que não foi bem assim que aconteceu.

Quando Anna saiu do banho, exatamente 30 minutos depois de ter ligado o chuveiro, ainda lembrava-se do jeito irritante dele.

"Idiota." Suspirou e caminhou até a sala do chalé, secando os cabelos. Estava vestindo apenas um roupão e pantufas nos pés. Não havia tv e isso não era bom. Talvez o melhor a fazer fosse mesmo ler um livro. Foi até a estante, pegou um livro qualquer, mas guardou-o ao ver o título e o nome na capa. Lágrimas de sangue, por Hao Asakura.

Talvez o melhor a fazer fosse ficar olhando para o teto.

"Maldito seja esse encontro." Anna pensou, antes de permitir-se relaxar no sofá, e sequer notou quando caiu no sono.

X

Nada. Não lhe vinha nada a mente. O notebook aberto na mesa há mais de duas horas ainda tinha as páginas do Word em branco. As idéias estavam tão escassas que Hao se perguntava se não haviam fugido para outro lugar. Talvez tivessem pegado um outro vôo!

"Que bobagem!" Ele riu, fechando a tela do notebook e caminhou em passos largos na direção do banheiro. "Talvez um banho me clareie as idéias." Hao foi largando as roupas pelo chão do chalé, até chegar no banheiro e jogar um jato de água quente sobre o corpo.

Só que o banho não lhe clareou as idéias. Tudo o que ele trouxe foram as lembranças de um certo encontro ocorrido há pouco mais de quatro horas com uma certa loira chamada Anna.

Por mais convencida e dura que ela pudesse parecer, Hao tinha que admitir que ela era linda. Uma verdadeira inspiração.

E um verdadeiro desafio.

E como Hao adorava desafios!

"Talvez seja divertido encontra-la novamente." Ele deu um risinho e vestiu uma calça larga, sentando-se novamente na frente do notebook. "Preciso bolar algo, antes que a editora cace a minha alma." Suspirou, encarando a página do Word, como se isso fosse fazer as palavras aparecerem ali.

Capítulo I – Antes da primavera.

Estava ainda longe de tudo e de todos quando me deparei com ela pela primeira vez. Não era ninguém especial. Apenas uma garota que, por um acaso, estava no mesmo lugar que eu e na mesma hora que eu.

Poderia ser obra do destino termos nos encontrado tão perto da primavera?

Nosso encontro não foi dos mais agradáveis. Me atrevo a dizer que foi ódio a primeira vista, mas eu sei que ela gostou de mim!

Ou talvez seja apenas uma tentativa frustrada do meu verdadeiro eu, tentando esconder o medo de ter sido odiado por ela.

Quem sabe?

Felizmente estamos hospedados no mesmo lugar. Espero que nosso segundo encontro seja em breve. Espero que ela também.

Sinto que esta será uma longa Primavera...

E fechou o notebook. Não era muito, mas o suficiente para que sua alma se mantivesse a salvo por um tempo. Tomou um gole do café já frio e fez uma careta. Ouviu o estômago roncar uma ou duas vezes.

Fome.

Olhou para o relógio e constatou que já passava da meia-noite.

Ótimo.

Havia perdido o jantar há muito e, Hao sabia, naqueles tipos de lugar eles trancavam a comida para que nenhum assaltante de geladeira as roubasse no meio da noite.

Só que ele era um assaltante de geladeiras faminto. E nem mesmo todos os alarmes do mundo seriam suficientes para impedir a sua busca por algum tipo de alimento.

Sendo assim, vestiu uma camisa social negra e saiu.

X

O caminho para a cozinha era complicado quando o lugar em que você estava era no meio do nada. Não bastasse o fato de estar faminto, encontrar sua lanterna ocupou-lhe alguns bons minutos. Tudo bem, valeria a pena.

Hao caminhou em passos felinos na direção da cozinha. Era a meio caminho de seu chalé. Nem tão longe, nem tão perto. Não importava. Tudo o que importava era chegar na cozinha. Tocou a maçaneta, rezou para algum Deus, e girou-a.

Ouvir o click foi tão gratificante quanto ver a porta se abrir. Encostou-a de modo que não se fechasse de novo e entrou no local, ligando a lanterna.

"Vejamos..." Sussurrou para si mesmo, enquanto caçava alguma coisa para comer. Armários vazios, geladeira trancada e a única coisa que tinha em mãos era um litro de suco que havia encontrado no frigobar do chalé. O que podia ser pior do que isso?

"Você..." Aquela voz vinda da porta o fez dar um pulo. A primeira visão que teve foi a de um fantasma. Só que, numa segunda olhada, Hao reparou que aquela figura era bela demais para ser um fantasma.

"Eu." Ele respondeu, abrindo um sorrisinho. "Não achei que seu nunca durasse tão pouco tempo, Anna." Claro, não podia deixar de provocá-la.

"Acontece que a cozinha é pública de todos aqui, Hao." A loirinha respondeu, aproximando-se mais. Ela usava um roupão e Hao pegou-se imaginando o que ela usava por baixo daquilo.

"Achei que fosse o único assaltante de geladeiras por aqui." Ele riu. "Só que não encontrei nada."

"Você não foi o único que não jantou esta noite." Anna respondeu, esfregando um dos olhos. Estava séria, sempre séria. "E, pelo visto, não serve nem para assaltar uma cozinha." Ela caminhou até o armário inferior e agachou-se, abrindo-o. Vasculhou um pouco... e tirou um pacote de biscoitos dali.

"Deus existe." Hao falou, abrindo um sorrisinho.

"Apenas para mim." Anna respondeu, caminhando até a mesinha.

"E o que me diz disso?" Hao ergueu a caixinha de suco para que ela visse.

"Negociável." Ela respondeu. E se sentaram à mesa.

Biscoitos, suco de laranja, uma vela e uma caixinha com quatro fósforos. Era apenas isso que haviam encontrado naquela pobre cozinha.

O suco estava nos copos. O biscoito estava em um prato. A vela estava acesa. E ainda lhes restavam três fósforos e um silêncio muito incômodo.

"Eles querem nos matar de fome com apenas isso de comida." Hao quebrou o silêncio, pegando um dos biscoitos.

"Eles não querem que pessoas assaltem a geladeira no meio da noite. Faz sentido." Anna respondeu, pegando um biscoito também.

"Talvez." Hao disse, apoiando o queixo em uma das mãos. "O que te trouxe para um lugar como esse, Anna? Você não parece o tipo de pessoa que gosta desses locais."

"E não sou." Ela respondeu. "Meus pais me obrigaram a vir para cá para me afastar da cidade." Suspirou. "Dos problemas." Completou, por fim.

"Entendo." Hao respondeu. Entrar em detalhes não seria necessário e, talvez, fosse até incômodo por parte dos dois.

"E você?" Ela perguntou, como quem não quer deixar o assunto morrer.

"Ah, eu não." Hao respondeu, desatento, e viu-a revirar os olhos. Provavelmente uma característica dela de quando ficava nervosa. Sorriu. "Eu vim para cá buscar inspiração. Preciso escrever o roteiro para o meu próximo livro." Olhou para o copo – já vazio – e encheu-o novamente, bem como o de Anna.

"E um lugar tão chato como esse te inspira a escrever algo? Que vida mais chata." Anna disse, pegando outro biscoito.

"Nem tanto quanto você imagina." Hao pegou mais um biscoito, olhando-a. "A vida de um escritor pode ser realmente emocionante se você souber como leva-la." E sorriu. "Esses lugares são bons porque transmitem paz."

"São tediosos." Anna respondeu, levando mais um biscoito à boca.

"Você acha?" Hao riu. "E a primavera?" Perguntou.

"O que tem?" Respondeu com outra pergunta. E notou que ele franzia o cenho quando alguém tentava lhe enrolar.

"Você não gosta da primavera?" Especificou.

"É só uma estação do ano. Não tem nada de especial nisso." Ela respondeu.

"A estação dos apaixonados e você acha que não tem nada de especial?" Hao riu. "É a primeira pessoa que lê os meus livros e diz isso."

"Quem disse que eu leio os seus livros?" Ela perguntou, olhando-o com evidente seriedade.

"É apenas um palpite." Ele respondeu. "Sua reação ajuda a confirmar minhas suspeitas." Hao sorriu.

"Idiota." Anna respondeu. O sorriso dele tornou-se maior, mais provocante.

E ambos estenderam as mãos para pegar o último biscoito do prato. Um único toque. Suave, caloroso, acalentador. Os olhares dos dois se cruzaram pela segunda vez. Olhares profundos, desconfiados, perigosos. Cada qual tentava estudar o que o outro pensava.

"Pode ficar." Disseram em uníssono, afastando-se.

"Ah, tudo bem então." E voltaram a tocar o biscoito.

"É melhor.."

"Fica você."

"Não, fica você."

"É melhor partir ao meio." Hao adiantou-se, partindo o biscoito em dois e deu metade para Anna.

"Obrigada." Ela disse, comendo a metade do biscoito, e tomou seu último gole de suco.

"Nossa, já passa das três." Hao constatou, ao olhar o relógio que havia na cozinha.

"Acho que perdemos a noção do tempo." Anna respondeu.

"Talvez." Hao respondeu, sorrindo. "Foi divertido."

"Para você." Anna rebateu, erguendo-se.

"Para nós." Hao corrigiu, sorrindo. "Espero que sinta fome mais vezes durante a noite, Anna."

"Boa noite, Hao." Anna disse, caminhando para fora dali.

"Boa noite, Anna." Hao respondeu, deixando o prato na pia e apagou a vela. "Vejo você amanhã." Hao disse com um sorriso evidente nos lábios.

Anna não respondeu. Apenas cruzou os braços e foi caminhando na direção do chalé Vendaval, ao lado do chalé Tempestade.

"Assim espero..." Ela sussurrou baixinho para o vento. Quando virou-se para olhar para trás, Hao não estava mais lá. Já havia entrado em seu aconchegante chalé.

Notas da Autora:

Mais uma fic para o desafio 30 cookies! O tema da vez é Primavera (que também é o nome do set).

Ela ficou mais longa do que eu imaginava e eu decidi postar em dois capítulos para não ficar cansativa oo

O primeiro está aqui, prontinho.

O segundo, maior do que este, eu vou postar amanhã.

Queria agradecer a tia cookie pela betagem!

Ela não chegou a ver o fim o.o

Mas ela verá!

Enfim.

Posto o segundo capítulo logo!

See ya!