Um breve aviso: por mais bonitinhas e românticas que sejam algumas cenas, essa fic não terá – repito, não terá – um final feliz. Enjoy!
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SOBRE VILÕES E HERÓIS
Miss Bluebird
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I. Sobre cigarros e um noivado
"Aos noivos!", alguém gritou, e o tilintar de taças preencheu o grande salão. Harry não brindou. Ao invés disso, bebeu o conteúdo de sua taça num gole só. Desviou o olhar dos noivos (que para o seu horror e sob os aplausos efusivos do restante dos convidados, se beijavam apaixonadamente), sentindo o estômago se revirar dentro da barriga. Olhou ao redor, perplexo – ele parecia ser, de fato, o único que enxergava o grande absurdo que era tudo aquilo. Nem mesmo Ron e Hermione, ou o restante dos Weasley, pareciam incomodados. Todos riam, aplaudiam, conversavam e bebiam, como se nada estivesse errado, como se nada estivesse fora do lugar. E ela – de todos os homens que ela poderia escolher no mundo bruxo (ou até mesmo no mundo trouxa, se ela quisesse), todos os homens que não eram ele, ela tinha de escolher justamente aquele que Harry mais odiava. Quase riu da ironia – quase.
Perguntou-se quando foi que tudo começou a dar tão errado.
"Harry!", chamou a voz efusiva de Hermione. Ele se virou para encarar a amiga, que tinha as bochechas rosadas e o rosto afogueado pelo efeito da alegria e do champagne. "Onde esteve? Estávamos procurando por você. Uau, que cerimônia! Está calor aqui, não? Ron foi buscar bebidas."
"Ótimo.", ele respondeu, carrancudo, num tom mais agressivo do que pretendia. Hermione suspirou, revirando os olhos, condescendente.
"Uma hora ou outra você vai ter que aceitar, Harry."
"Não, não vou." Ele rebateu, sem conseguir se segurar, encarando Hermione com raiva. "E me admira muito que você e Ron tenham aceitado. Depois de tudo o que aconteceu, depois de tudo o que ele fez. Você sabe, Hermione, você viu, você estava lá. Você estava lá."
Hermione ergueu as sobrancelhas. "Sim, eu estava lá. E não se esqueça de que grande parte das coisas ruins que ele fez foram direcionadas a mim, Harry. Mas eu o perdoei, porque acredito que as pessoas podem mudar, e acredito que ele mudou. Por ela. Eu também estava lá quando ele perdeu tudo, Harry, e quando se redimiu. E ele salvou a vida de Ginny, não se esqueça disso. Ele poderia tê-la deixado morrer.", ela replicou, com calma. Harry não encontrou argumentos para contrariar Hermione, mas isso não diminuía o ódio que sentia.
"Não é justo.", murmurou, antes de se virar e sair andando. Hermione chamou seu nome duas ou três vezes, mas ele ignorou a voz da amiga e continuou. Apanhou uma garrafa da bandeja de um garçom que passava, sob os protestos confusos do mesmo, e rumou para as grandes portas do salão, que davam acesso aos jardins.
Uma brisa fria refrescou seus pensamentos, assim que pisou na grama. Bebeu alguns goles da garrafa. Talvez assim conseguisse ignorar o formigamento que sentia nos cantos dos olhos. Não, não era justo. Não era certo. Todos os motivos apontavam para ele, Harry Potter, o escolhido, o menino-que-sobreviveu, o grande herói, mas mesmo assim ela fez uma escolha diferente. Talvez fosse essa a causa do embrulho no seu estômago – não havia ninguém a quem culpar. Ela fizera uma escolha. Ela deveria tê-lo escolhido, mas não o fez. Harry passava inúmeras noites em claro tentando encontrar uma justificativa, algo que acalmasse a angústia, a indignação, a raiva, a saudade, mas sempre acabava jogado no sofá, envolto por garrafas vazias, pontas de cigarro apagadas e nenhuma resposta.
Vasculhou o bolso do paletó atrás de um cigarro. Aprendera a fumar logo depois dela tê-lo abandonado; era um hábito meio vil, sabia bem disso, mas não se importou, porque não tinha ninguém mais a quem incomodar. Coçou a barba malfeita antes de encostar-se ao tronco de um grande carvalho mais afastado, e tragou algumas vezes, soprando a fumaça para cima. Se fechasse os olhos ainda podia sentir o cheiro dos cabelos dela em seus travesseiros.
"Esse seu vício vai acabar matando você um dia."
Harry abriu os olhos. Ela se aproximava, com alguma dificuldade devido à cauda do vestido, e estava deslumbrante. Prendera os cabelos para trás num coque elegantemente desalinhado, e os olhos brilhavam sob a luz da lua. O vestido deixava à mostra os ombros salpicados de sardas, brancos demais, talvez devido ao excesso de ausência de sol. "Já vejo as manchetes: Harry Potter, o maior herói de todos os tempos, morto por um câncer no pulmão."
Forçou um sorriso.
"Bela festa, Gin.", foi o que ele respondeu, com certa frieza. Tragou mais uma vez, e ela riu, desviando o olhar. Harry fitou o rosto dela por alguns instantes, sentindo uma dor muito aguda no peito, antes de desviar o olhar também. Ela parecia triste. E feliz. Quis perguntar o que ela estava sentindo, como estava sendo sua vida, sua rotina, mas engoliu as palavras. Palavras não eram mais necessárias, não agora – não depois de tudo.
"Obrigada, mas não fui eu quem organizou.", ela disse simplesmente, observando as luminárias de tecido que flutuavam sobre toda a extensão do jardim.
Harry soltou uma risada de escárnio. "Oh, claro, me esqueci de que agora você tem milhares de criados."
Ela baixou os olhos, e ele se arrependeu imediatamente. "Desculpe-me, Gin."
"Vejo que não está aproveitando a festa.", ela apontou, cuidadosa, sem olhá-lo. Seus olhos pareciam perdidos em algum lugar do horizonte. Harry se segurou para não rir. Não entendia como que ela conseguia simplesmente fingir que nada acontecia. Tudo que haviam passado, desde o primeiro momento em que ele pousou os olhos sobre ela, até todas aquelas merdas que tiveram que superar juntos. Mas ela fizera sua escolha. E Harry foi obrigado a fazer uma escolha também – a escolha de não intervir, de não lutar por ela, porque ele sabia que era uma batalha inútil.
"Perdoe-me por não aproveitar o noivado da mulher que amo sabendo que o noivo não sou eu.", respondeu, com amargura, antes que pudesse se refrear, e tragou novamente. Teve vontade de beijá-la. Arrancar aquele vestido estúpido do seu corpo, jogá-la contra aquela árvore e beijá-la, até que o dia amanhecesse e com ele todo aquele maldito casamento. Mas se conteve, tragando mais uma vez. Afinal, aquilo ainda era uma festa de noivado, e o quão desesperado ele teria de estar?
Ela suspirou. Harry bebeu mais alguns goles da garrafa.
"Entendo o motivo da sua raiva, Harry.", ela murmurou, baixinho, pousando a mão sobre o ombro dele. Harry sentiu um arrepio, seguido de um ímpeto muito grande de empurrá-la, mas não o fez. Não tinha forças para tal. "Mas não vou pedir desculpas por ser feliz."
"Poderia ser qualquer um, Ginny. Qualquer um."
Ela suspirou novamente.
"Não escolhi me apaixonar por Draco, Harry. Simplesmente aconteceu."
Harry deixou escapar uma risada irônica pelo nariz. As palavras dela eram doces e seus olhos eram tristes, mas Harry não pôde evitar sentir raiva. Dela, do maldito Malfoy, de toda aquela merda. Não conseguia entender – não queria entender. Só conseguia enxergar o abismo imenso que ela deixara nele, quando o abandonara.
"Bom, espero que você esteja de fato feliz.", ele replicou, com frieza, jogando o cigarro na grama antes de aparatar.
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