Está história é uma ADAPTAÇÃO de um dos contos do livro "Amores Infernais" da autora Melissa Marr. Os capítulos serão intercalados entre mais longos e curtos, portanto não estranhem. Espero que gostem e curtam! Não esqueçam de comentar e favoritar, boa leitura!


Apesar de ser na praia, a festa foi uma droga. Algumas pessoas tentavam transformar barulho em música: se Isabella estivesse drogada ou bêbada, talvez fosse tolerável. Mas estava sóbria - e tensa. Em geral, era na praia que conseguia encontrar paz e prazer; era um dos únicos lugares onde se sentia como se o mundo não estivesse impossivelmente desorganizado. Mas naquela noite ela se sentia nervosa.

Um rapaz sentou-se ao seu lado, oferecendo-lhe um copo.

- Está com cara de quem está com sede.

- Não estou com sede - disse ela, olhando para ele de relance e afastando o olhar assim que pôde - nem interessada.

Ele era gatíssimo. Ela não namorava caras gatíssimos. Já fazia anos que via a mãe fazer isso. Mas Isabella não ia tomar esse caminho. Nunca. Em vez disso, ficou olhando para o cantor. Ele era normal, não era tentador nem excitante. Era engraçadinho e simpático, mas não irresistível. Era o tipo de cara que Isabella escolhia para ser seu namorado - seguro, temporário e fácil de largar.

Ela sorriu para o cantor. A versão ruim de uma música dos Beatles transformou-se em uma tentativa pior de declamar um poema... ou talvez fazer um cover de algo novo e emo. Não importava o que era, aliás. Isabella ia ouvir aquilo, sem prestar atenção ao supergato de dreads sentado logo ali.

O cara de dreads, porém, não estava percebendo nada.

- Está com frio? Toma. - E lhe jogou um casaco comprido de couro, que caiu na areia diante dela. Parecia completamente inapropriado em comparação ao público da festa.

- Não, obrigada. - disse Isabella, afastando-se dele um pouco e chegando mais perto do fogo. Brasas giravam e erguiam-se como vaga-lumes, com a fumaça.

- Vai sentir frio no caminho de casa e...

- Vai embora. Por favor. - Isabella não quis olhar para ele de novo. Ser educada não estava funcionando. - Não estou interessada, não sou fácil e não vou encher a cara para virar nenhuma dessas duas coisas. Sério.

Ele riu, parecendo não se ofender, mas achando graça.

- Tem certeza?

- Vai embora.

- Seria mais fácil assim...

Ele chegou mais perto, colocando-se entre ela e o fogo, diretamente na sua linha de visão.

E então ela foi obrigada a olhá-lo, não só de relance, mas olhar mesmo para ele. Iluminado pelo brilho combinado da luz do fogo e da lua, ele era ainda mais deslumbrante do que ela temia: cabelos escuros aglomerados em grossos dreads caindo até a cintura - alguns desses eram verde-alga -, sua camiseta velha e acabada tinha buracos que permitiam entrever os músculos abdominais mais definidos que ela já tinha visto na vida.

Ele estava agachado, equilibrando-se nos pés.

- Mesmo que isso não incomodasse Edward, eu me sentiria tentado a capturar você.

O cara com dreads estendeu uma das mãos como se estivesse para segurar o rosto dela.

Isabella recuou, rastejando para trás como um caranguejo sobre a areia, até estar seguramente fora do alcance dele. Depois ficou de pé e meteu a mão no fundo da bolsa, por baixo dos sapatos e do molho de chaves. Agarrando o spray de pimenta, arrancou a trava de segurança, mas não o tirou da bolsa naquele momento. A lógica lhe dizia que estava exagerando: havia outras pessoas em volta, ela estava segura ali. Mas ele tinha algo de esquisito.

- Sai de perto de mim - disse ela.

Ele não se moveu.

- Tem certeza? Sinceramente, seria bem mais fácil para você assim...

Ela tirou o spray de pimenta da bolsa.

- A escolha é sua, querida. Vai ser pior depois que ele encontrar você. - O cara de dreads fez uma pausa, como se esperasse que ela fosse dizer alguma coisa ou mudar de ideia.

Mas ela não podia responder a comentários que não faziam sentido, e tinha certeza de que não ia mesmo querer chegar perto dele.

Ele deu um suspiro.

- Vou voltar depois que ele a domar.

Então ele se afastou, indo na direção do estacionamento, quase deserto.

Ela o olhou até ter certeza de que tinha ido mesmo embora. Envolver-se com caras bêbados, drogados ou sei lá o que não era coisa que ela estivesse pretendendo fazer. Fizera um curso de autodefesa, assistira a inúmeras palestras sobre segurança a mantinha um spray de pimenta sempre ao alcance - sua mãe tinha sido muito boa nesse aspecto. Nada disso significava que ela queria usar o que tinha aprendido naquelas aulas.

Ela olhou a praia em torno de si. Havia alguns estranhos na festa, mas ela já havia visto a maioria das pessoas que se encontravam ali na escola ou enquanto andava no recife. Naquele exato momento, ninguém estava prestando atenção nela. Ninguém nem olhou na sua direção. Alguns viram quando ela estava recuando para se livrar do sujeito de dreads, mas deixaram de assistir ao episódio quando ele foi embora.

Isabella não conseguia decidir se ele estava só brincando com ela ou se alguém ali realmente representava uma ameaça... ou se estava dizendo isso só para assusta-lá, fazê-la sair da festa, para ficar sozinha e vulnerável. Em geral, quando voltava para casa a pé, ela ia na mesma direção que tinha tomado, mas, supondo que ele estivesse escondido no estacionamento, ela decidiu caminhar mais um pouco pela praia e atravessar a Estrada Litorânea. Era um desvio de uns dois quarteirões do seu caminho normal, mas aquele homem era assustador. Muito assustador. Ele a tinha feito se sentir caçada, como uma presa.

Quando ela já havia andado uma distância que transformou a fogueira em mero ponto de luz e o quebrar das ondas era só o que ela podia ouvir, o nó de tensão no seu pescoço se desfez. Isabella tomara a direção oposta à do perigo, e estava de pé em um dos pontos onde se sentia mais segura, mais em paz: no recife. O chão sob seus pés mudou de praia arenosa para plataforma rochosa. Poças formadas pela maré espalhavam-se, expostas à lua. Era perfeito, só ela e o mar. Ela precisava disso, da paz que encontrava ali. Foi até uma pedra alta na costa onde as ondas batiam e subiam, espirrando espuma da crista. Conchas de mexilhões salientavam-se como dentes negros e sem ponta. Alfaces-do-mar e lisas gramíneas marinhas escondiam caranguejos e trechos escorregadios. Ela estava descalça, equilibrando-se nas beiradas das rochas, sentindo frio na barriga cada vez que as ondas se aproximavam, cada vez mais perto, sentindo-se preencher pela paz que o cara dos dreads tinha lhe roubado.

Depois ela o viu, de pé na espuma da arrebentação, bem em frente a ela, olhando-a sem ligar para as ondas que arrebentavam em torno dele.

"Como ele conseguiu chegar aqui antes de mim?"

Tremeu, mas depois percebeu que não era ele. Era um sujeito tão sarado quanto o cara dos dreads, mas tinha cabelos bronze, longos e lisos. "Só um surfista. Ou um amigo do cara dos dreads." O surfista não estava de roupa de mergulho. Parecia até que estava... nu. Era difícil dizer, pois as ondas arrebentavam em torno dele; no mínimo estava sem camisa, naquela água congelante.

Ele ergueu a mão para chamá-la, querendo que ela se aproximasse, e pensou tê-lo ouvido dizer:

- Não vou lhe fazer mal. Venha falar comigo.

Mas era sua imaginação. Tinha que ser. Ela só estava abalada, por causa do cara dos dreads. Não era possível que ele pudesse ouvi-la com o barulho da arrebentação, ou que ela pudesse ouvi-lo.

Só que isso não anulava sua suspeita de que, não se sabia como, eles haviam acabado de se comunicar.

Um medo primitivo surgiu no seu ventre, e, pela segunda vez naquela noite, Isabella recuou sem olhar. Seu calcanhar se cortou na borda de uma concha de mexilhão. A dor da água salgada a fez estremecer enquanto ela se afastava ainda mais, incapaz de ignorar o pânico que sentia, a vontade de correr. Olhando de relance para trás, viu que o homem não havia se mexido, não havia deixado de olhá-la daquele jeito insistente. E o temor dela se transformou em fúria.

Então ela viu um casaco comprido de couro preto jogado na areia de qualquer maneira. Parecia uma versão mais escura do casaco que o cara dos dreads havia lhe oferecido. Ela pisou no casaco e esfregou o pé coberto de sangue e areia nele. Não era liso como o couro devia ser. Em vez disso o material sob seus pés era pelo macio como seda, uma pele de animal, de foca.

Era uma pele.

Ela afastou o olhar da pele escura e olhou firme para o homem. Ele ainda estava parado na arrebentação. As ondas estavam cercando-o como se o mar tivesse criado braços, escondendo-o, abraçando-o.

Ele tornou a sorrir e lhe disse:

"Leve-o. Ele é seu agora."

E ela sabia que tinha ouvido aquela voz dessa vez. Tinha sentido as palavras na sua pele como o vento que agitava a água. Não queria abaixar-se, não queria erguer aquela pele nos braços, mas não teve escolha. Seu pé ensanguentado tinha rompido o feitiço dele, interrompido a manipulação que ele estava exercendo sobre os seus sentidos, e ela o viu como ele realmente era: um selkie. Uma criatura do reino das fadas, um homem-foca, que não devia existir.

Talvez fosse divertido acreditar neles quando ela era uma garotinha que partilhava seus livros de histórias com a vovó, mas Isabella sabia que a insistência da sua avó de que os selkies eram reais era só uma outra espécie de faz de conta. As focas não andavam na terra, entre os humanos; não saíam das suas Outras-Peles. Não passavam de belos mitos. Ela sabia disso, mas naquele momento estava frente a frente com um selkie que estava lhe dizendo para levar sua Outra-Pele.

"Exatamente como o outro, perto da fogueira."

Ela ficou imóvel enquanto tentava compreender a grandeza do que tinha ocorrido, o que estava acontecendo ali, naquele instante.

"Dois selkies. Caramba, conheci dois selkies, de verdade... e ambos tentaram de capturar."

E naquele instante ela entendeu. Os contos de fadas estavam totalmente errados. Não era culpa dos mortais. Isabella não queria estar ali olhando para ele, mas não estava mais agindo segundo sua vontade.

"Ele me capturou."

O pescador das histórias antigas, que tinha levado as peles das selkies, não estava capturando inocentes criaturas mágicas; eles é que tinham sido capturados por mulheres-focas. Talvez fosse muito difícil para o pescador admitir que eles é que tinham sido capturados, mas Isabella de repente entendeu a verdade que nenhuma daquelas histórias transmitiam. Um mortal não podia resistir ao feitiço daquela pele, assim como o mar não podia recusar-se a obedecer à atração da lua. Uma vez que ela pegasse aquela pele e a erguesse em seus braços mortais, estaria ligada a ele. Sabia o que ele era, sabia que era uma armadilha, mas ela não era diferente dos mortais das histórias que ela tinha ouvido enquanto crescia. Não conseguiu resistir. Pegou a pele e saiu correndo, na esperança de que pudesse empurrá-la para outras pessoas antes de ele a encontrar, antes que Edward a seguisse até em casa, porque aquele devia ser Edward, do qual o cara dos dreads havia falado, ao qual o selkie assustador tinha se referido dizendo que era pior do que ele.