INTRODUÇÃO
O que somos?
Passamos os últimos cinco séculos preparando a cortina e a ribalta, que chamamos "A Máscara", para esconder de vocês o verdadeiro espetáculo. Mas, no fim, tudo se resume a um simples e único fato: nós, vampiros, não queremos que vocês, mortais, saibam que estamos por aqui. E a mesma razão pela qual os lobos não querem que os carneiros saibam que eles estão por perto. Isso torna o nosso trabalho muito mais fácil. Assim, ainda que sejamos realmente dotados dos caninos afiados, com os quais os melodramas e filmes baratos nos estigmatizaram, vocês não os verão a menos que decidamos mostrá-los.
Sim, eu bebo sangue humano. Sem a nutrição que ele fornece, definharei; com ele, viverei para sempre. Sim, para sempre. A menos que eu seja destruído (e destruir um dos Amaldiçoados é uma proeza e tanto, posso lhe assegurar). Nós, os vampiros, somos tão imortais quanto a lenda diz. Somente o sol e as emoções que ele engendra permanecem para sempre alheias a nós. Nós, os vampiros, podemos beber nas noites de incontáveis eras, podemos permanecer imutáveis enquanto tudo o que conhecemos vira pó ao nosso redor e é substituído por outro cenário, que por sua vez vira pó, e assim por diante...
Posso subsistir com o sangue de animais (com exceção dos mais antigos de nossa espécie, a maioria de nós pode) mas esta dieta é desagradável. Insípida. Não, todos queremos nos alimentar das melhores safras, pois, do contrário, fica-se o tempo todo com aquela insuportável e dolorosa sensação de estômago vazio. E, quanto mais famintos, pior ela fica. E devo acrescentar: um vampiro que vive sem se alimentar direito está sujeito a demonstrar uma lamentável carência de autocontrole. Existem outros indícios fisiológicos reveladores da minha condição. Meu coração não bate; minha força de vontade é o que leva o sangue pelo meu corpo. Meus órgãos internos, para todos os efeitos, há muito estão atrofiados, mas isso não fará diferença para um médico legista,
pois assim que eu estiver realmente morto, irei rapidamente me decompor em pó. Além disso, não sou incomodado por ninharias como respiração, temperaturas extremas e
outras coisas, pois a minha pele é fria, a menos que eu me empenhe em aquecê-la, mas isso representa um esforço que me faz desperdiçar o precioso sangue. Para mim, comida normal representa uma abominação, e ela não permanece por mais do que alguns segundos no que resta de meu estômago.
O ponto crucial, realmente, é que beber sangue não só me permite perpetuar minha existência como também me dá uma sensação única, diferente de tudo o que este mundo tem a oferecer. Com o que se parece? Minha querida, não há palavras capazes de descrever. Imagine tomar o champanhe da melhor qualidade e a experiência mais sensual que você já teve. Acrescente a isso toda a volúpia que o viciado em ópio sente, assim que dá a primeira tragada, e você começará a ter alguma noção, ainda que pequena, infinitesimal, sobre o que é beber o sangue de uma fonte, desculpe-me, um ser humano vivo. Os viciados de hoje em dia mentem, roubam, trapaceiam e matam para conseguir seus desprezíveis "pedacinhos do Céu". O meu vício é melhor e além do mais me torna imortal. Você consegue imaginar o que sou capaz de fazer para saciar minha fome? Nem se preocupe com especulações; a verdade é pior do que você pode imaginar. E eu sou considerado um cavalheiro entre os de minha raça.
O primeiro gole
Na maior parte dos casos, o primeiro gole de sangue é bebido na noite em que alguém se transforma num vampiro — um dos "Membros", como chamamos a nós mesmos. O processo é chamado de "O Abraço", e tem duas fases distintas e dolorosas. A primeira é simples: o vampiro que deseja criar progênie bebe até a última gota de sangue que conseguir, daquele que pretende transformar em seu "filho". Esta fase não é diferente de uma refeição normal, exceto que não é preciso se preocupar em apagar a memória da presa, nem em se livrar do cadáver mais tarde e, além disso, esta é uma refeição bastante farta. A diferença vem mais tarde. Assim que a última gota de sangue tiver sido extraída, o vampiro "pai" (o termo certo é "senhor", não que faça alguma diferença para você por enquanto) devolve uma parte do que "roubou". Ele corta os lábios, pulsos ou o que quer que seja, e derrama algumas gotas de seu próprio sangue sobre os lábios da vítima.
Admitindo-se que o mortal não consiga oferecer uma resistência ativa ao processo — poucos conseguem, acredite em mim—e, levando-se em conta que o senhor não demore muito em conceder seu presente, o sangue desce pela garganta da vitima e a ressuscita, ainda que seja como um vampiro. Parece simples, não? A verdade, como de costume, é muito mais complicada.
Aquele pouquinho de sangue que o senhor oferece no Abraço não é muito — umas poucas gotas com um valor mais místico do que nutricional. Elas certamente não fornecem sustento suficiente para satisfazer a fome de um vampiro recém-criado.
Então, a criança da noite recém-nascida deve rezar para que seu senhor tenha guardado sangue em algumas garrafas ou, melhor ainda, em alguns corpos, para este momento, assim terá algo com que se alimentar após a mudança. Eu testemunhei o horror pelo qual passam os recém-abraçados tomados pela fome incontrolável que, na sua loucura, destroem tudo o que está por perto. Quando esta sede a possuir, você fará de tudo para saciá-la. Matará seu amado, seu filho, seus pais ou o padre, e ficará contente em fazer isso — enquanto o frenesi durar.
Aí, minha querida, é que está o problema. Porque não importa por quanto tempo você se encontra no estado do frenesi; não importa o que o desencadeou — medo, fome, dor ou raiva — não importa por quanto tempo você cede ao animal dentro de você, não há como controlar seus atos e esta é a sua ruína. Este é o momento em que você deve lidar com as consequências do que fez enquanto aquele animal estava no controle. E o primeiro frenesi nunca é o último. Alguns poderiam pensar que se torna mais fácil lidar com este descontrole à medida que se fica mais experiente. Quem pensa assim está bastante equivocado. Esse animal é o que chamamos de "A Besta" e é quase impossível controlá-la quando essa vem à tona.
Voltando ao sangue... Ele é muito mais ao que apenas alimento. Há tanto poder nele, que alguns vampiros o chamam de vitae — da vida". Acima de qualquer coisa e além de ser tudo o que nós precisamos para viver, o sangue pode ter uma série de utilidades. A força e a velocidades legendárias dos vampiros? Meros frutos de uma utilização adequada do sangue. Invulnerabilidade aos ataques mortais? Mais um gole do mesmo poço. Já descarregaram muitas armas em mim, na tentativa de me fazer parar, sem o menor sucesso. O sangue também fornece a energia responsável por muito dos talentos "mágicos" que nos são atribuídos.
Há um preço a ser pago, naturalmente. Quanto mais sangue eu uso nestes truques de salão, mais rapidamente gasto o que está em meu estômago. Quanto mais depressa esvazio minhas entranhas, mais cedo preciso me alimentar, ou seja, caçar novamente.
Percebo que você está fitando minha respiração — sim, está se condensando como a sua. Esta é outra habilidade no uso do sangue, muito útil para disfarçar-me na presença de caçadores de vampiros e outras almas desagradáveis. Você se surpreenderia ao saber quantos de minha espécie encontraram seu fim ao longo dos anos porque esqueceram um detalhe minúsculo. O diabo esta de fato nos detalhes.
Os caçadores
Ali, os caçadores. Eles são pessoas sórdidas, sórdidas mesmo, cheias de fogo e inspiração para suas missões. A maioria deles nunca chega nem perto de destruir algum membro da minha raça. Quanto aos outros, a maioria causa mais danos que benefícios à suas causas. Eles eliminam os fracos e os estúpidos de seu estado de não vida, deixando os melhores, mais espertos e os mais fortes vampiros. Muitos caçadores são autônomos, uma gentalha carregando armas de fogo e estacas enquanto caminham cegamente através dos jardins da noite.
Os caçadores mais perigosos são aqueles ligados a Igreja Católica e à Ordem Lune De Feu. Não se deixe enganar: é a Inquisição numa roupagem moderna, muito embora a Lune De Feu tenha ajudado os vampiros a se esconderem no passado. Eles, e outros como eles, conhecem somente uma parte da verdade sobre os vampiros, ou seja, apenas o suficiente para tirar todas as conclusões erradas. De acordo com os costumeiros caçadores de vampiros, somos todos meros peões do Demônio, enviados a Terra para causar a destruição e servir ao mestre do inferno. Isto, ao contrario do que se costuma pensar, é pura besteira. Nenhum homem, vampiro ou demônio é meu mestre e não estou a serviço de qualquer vontade que não seja a minha própria. Os vampiros têm simplesmente... Apetites e metas que divergem daquilo que os partidários da Inquisição consideram normal.
Existem muitas outras meias-verdades e concepções erradas correndo soltas, a maioria das quais são úteis aos nossos objetivos. Não serei afetado por nenhum crucifixo, estrela de David ou qualquer outro símbolo religioso, a menos que a pessoa que o esteja usando possua fé verdadeira. Esta espécie de fé é realmente muitíssimo rara nesses dias, eu lhe asseguro. Nove entre dez vezes é possível aproximar-se de um padre, tirar a cruz de sua mão e então matá-lo enquanto ele ainda chama por Deus, tentando descobrir o que deu errado.
A maior parte das outras bobagens que eles vendem nos filmes não passa exatamente disso: bobagens. Alho? Sem valor. Estaca? Pura besteira. Água corrente? Eu tomo banho, muito obrigado. Luz solar? Bem, isso machuca, mas é preciso mais do que um raio de sol para transformá-la em cinzas. O mesmo vale para o fogo — ele irá queimá-la, mas leva mais do que um segundo para acontecer.
Agora lhe contarei sobre algo que chamamos de carniçal. De tempos em tempos, ele bebe um pouco de sangue de vampiro e, em troca, recebe algum lucro. Apenas um pouco, é claro — os carniçais seguramente ainda são mortais. Os benefícios do acordo são limitados; os carniçais não possuem toda a extensão de nossos poderes, mas em troca eles ainda são capazes de ter filhos, de sentir o sol em seus ombros e de se afogar acidentalmente. Sim, transformar pessoas em carniçais é mais uma das propriedades do Sangue.
Bem, que tal essa: bebendo o sangue do vampiro três vezes, você fica irremediavelmente subjugada a ele. O sentimento de afeição resultante e chamado de laço de sangue, e se o vampiro responsável por ele reforçá-lo, o laço pode durar para sempre. Afinal, não há como morrer para escapar dele, não é mesmo? Você consegue imaginar isto? Ser forçado a amar alguém, e ainda por cima para sempre? Sabendo que o amor que você tem por ele (que é tão forte que você poderia matar ou morrer por essa pessoa) é uma mentira, uma maldita mentira induzida? Odiando-o e amando-o ao mesmo tempo, sem nem ao menos ser capaz de fazer nada a respeito?
Uma Espécie À PARTE
Bem, deixe que eu lhe de uma idéia básica das nossas relações familiares, antes de apresentá-la aos outros. De acordo com a lenda, somos todos descendentes de Caim, filho de Adão e Eva. Supostameníe, Deus puniu Caim por ter matado Abel, tornando-o um vampiro. A "marca" que Deus pôs em Caim era, na realidade, a maldição do vampirismo. Caim descobriu que poderia passar sua maldição através do "Abraço", e então criou crianças da noite para aliviar sua solidão. Infelizmente, o processo não parou por aí. Cada cria de Caim gerou crias, e estas geraram outras crias e assim por diante. Quando percebeu seu erro, Caim proibiu a criação de novos vampiros, e desapareceu. E lógico que quando o gato sai, os ratos fazem a festa. Os vampiros mais jovens não lhe
deram ouvidos, como era de se esperar, o que explica porque eu estou aqui. Claro, também, que quanto mais distante de Caim, cada geração de vampiros é um pouco mais fraca do que a anterior, e mais próxima dos mortais. A Primeira Geração é o próprio Caim, suas crias são a Segunda e assim por diante.
Em todo caso, não somos todos como Caim. Que o Céu tenha piedade do mundo se fôssemos. Supostamente, cada um dos netos de Caim (chamamos esses seres míticos de Antediluvianos, parque acredita-se que eles existiam antes da enchente de Noé) possuía um conjunto particular de maldições e poderes místicos e os vampiros descendentes de cada um deles herdaram essas características. Tornamo-nos raças especializadas, como os cães e os cavalos de corrida, e essas linhagens formaram o que chamamos de clãs. Treze grandes clãs são conhecidos, cada um com poderes e esferas de ação próprias. Estes poderes, a propósito, são chamados de "Disciplinas". Para todos os efeitos, eles são mágicos.
Ah! E temos também a Jyhad. Sim, a Jyhad! A Luta Eterna, O Grande Jogo, ou qualquer que seja a alcunha poética que queiram dar a ela. A maioria dos Membros diria que a jyhad não passa de um mito, como os Antediluvianos, mas ainda assim ha muitos que acreditam nela, bem no fundo de seus corações frios e mortos. Segundo a nossa Historia, durante as primeiras noites, os filhos mais velhos de Caim começaram a brigar entre si, usando suas próprias crias e o rebanho como peões, enviando-os de um lado a outro, contra os asseclas de seus rivais. Naturalmente, uma vez que nós vampiros somos imortais, a antiga disputa nunca chegou a acabar completamente. Por isso, o jogo de esquivar-se e atacar, aparar e golpear continua. Membro contra Membro, clã contra clã, nação mortal contra nação mortal, todos sob o comando de manipuladores ocultos. Uma idéia tola, eu suponho, mas vez por outra me questiono se minhas batalhas são de fato minhas... Ah, deixe estar. É só baboseira existencialista.
Faça de conta que está assistindo a um documentário sobre a natureza. Que é o que realmente está acontecendo. Sobrevivência dos mais fortes. O rebanho da humanidade perde um ou dois animais, mas a maioria segue em frente sem ser afetada. E o equilíbrio entre predador e presa. Aliás, essa é a principal função da Camarilla: manter o equilíbrio. Ela garante que ninguém vai correr enlouquecido assustando o rebanho, e que vocês nunca saberão que existem caçadores entre vocês. O que é a Camarilla? Nada importante, segundo alguns vampiros. Em teoria é uma organização protetora de todos os vampiros, dedicada a promover a ordem e manter a Mascara. Na realidade, ela reúne somente sete dos grandes clãs e outros tantos parasitas. Alguns outros clãs se auto-intitulam independentes, e os demais pertencem a um culto horrendo chamado de Sabá. O Sabá faz Devin parecer com uma professora de jardim de infância; eles são muito mais parecidos com tudo o que a Inquisição pensa sobre os vampiros do que os Membros da Camarilla. Entretanto, não cometa o erro de pensar que nós da Camarilla somos bonzinhos. Não somos. Apenas chegamos à conclusão de que é muito mais seguro coexistir e tentar trabalhar com a sua ajuda do que lutar contra vocês. Porém, jamais se deixe enganar pela idéia de que nós somos "os mocinhos". Para nós vocês são mais úteis vivos do que mortos.
Não, eu não vou mata-ia e beber seu sangue no beco. O Abraço deve ser concedido no conforto, no luxo. Além do mais, meus carniçais devem ter armazenado alimento suficiente para sua primeira Fome; sou um senhor generoso.
Aqui se encerra meu prólogo, minha querida. Agora você escolhe qual caminho da morte irá seguir. Quer se tornar uma de nós?
Jyhad
No entanto, a sociedade dos mortos-vivos pratica uma dança de manipulação e veneno, e poucos vampiros são deixados de fora dela. Desde as noites da antiguidade, os Membros têm lutado pela supremacia, numa guerra antiga e muito conhecida, chamada Jyhad. Nossos líderes, culturas, nações e exércitos têm sido meros peões nessa guerra secreta e as conspirações vampíricas têm influenciado muito (mas não toda) a história humana. Os vampiros anciões comandam das sombras, manipulando mortais e vampiros igualmente — e os anciões, por por sua vez, também são manipulados. Na verdade, a maioria dos guerreiros não deve sequer imaginar para quem lutam, nem por que. Supostamente, essa guerra iniciou-se milênios atrás, mas continua até hoje.
Membro contra Membro, clã contra clã, seita contra seita: como sempre tem sido. As disputas iniciadas nas noites do reinado de Carlos Magno continuam sendo travadas hoje, nas ruas de Nova Iorque. E as cidades que não param de crescer proporcionam inúmeras oportunidades para alimentação, poder e guerra.
Gehenna
Cada vez mais, os vampiros falam sobre Gehenna - a profetizada noite do Apocalipse, quando a maioria dos anciões, os míticos Antediluvianos, se erguerão de seus covis ocultos para devorar todos os vampiros jovens. Esta Gehenna, como os Membros dizem, será um presságio do fim do mundo, já que tanto os vampiros quanto os mortais serão consumidos por uma implacável maré de sangue. Alguns vampiros empenham-se em impedir a Gehenna e alguns, de um modo fatalista, simplesmente esperam por ela; outros ainda a consideram um mito. Aqueles que acreditam, no entanto, dizem que o fim está próximo - e talvez seja uma mera questão de anos.
A PROFECIA DA DESTRUIÇÃO
"A Crônica dos Segredos", uma reveladora parte de O Livro
de Nod, fala da proximidade da Gehenna. As revelações são enigmáticas
e envoltas no misticismo, mas muitos Membros
acreditam que as noites atuais refletem os sinais apontados na
Crónica. Na verdade, alguns Membros acreditam que a Gehenna
já começou.
E o mundo ficará gelado,
e coisas impuras borbulharão da terra.
E grandes tempestades virão, o relâmpago a iluminar,
fogos, bestas apodrecerão e seus corpos,
retorcidos, tombarão.
Então, nossos Grandes Mestres se erguerão
da terra.
Eles quebrarão seu jejum
na primeira parte de nós
eles nos consumirão inteiramente...
E vocês reconhecerão esses últimos tempos pela
Era do Sangue Fraco,
que marcará os vampiros que não podem Procriar,
vocês os reconhecerão pelos Sem clã,
que virão para mandar
vocês os reconhecerão pelos Selvagens,
que nos caçarão até mesmo nas mais fortes cidades
vocês os reconhecerão pelo despertar
de alguns dos mais antigos...
e aqueles que comem o sangue do coração, florescerão
e os Membros se aglomerarão,
e a vitae será tão rara quanto os diamantes...
Brilhe de negro o Sol!
Brilhe de sangue a Lua!
A Gehenna está próxima.
