O Garoto dos Olhos Verdes

É difícil tomar decisões. Especialmente decisões que podem mudar o rumo da sua vida. Mas, em determinado momento, você tem que tomá-las. Se decidir entre o lado que acreditou a vida inteira – não porque concordasse, na verdade, mas porque aquilo lhe era imposto, pelos seus pais, sua família, seus amigos. E decidir entre o lado que acha certo, mesmo indo contra todos que você ama.

E eventualmente, você se decide. Pela segunda opção. Não é fácil, ninguém nunca disse que seria fácil. Mas você aguenta. Por tudo aquilo que você acredita, pela sua consciência, mesmo com as ameaças feitas pelo seu próprio pai das quais as mais leves são ser deserdado.

Mas há aquele garoto, aquele garoto de cabelos muito pretos e bagunçados, com aqueles olhos verdes que sempre te encantaram. Mesmo que você não assumisse nem para você mesmo.

E quando você procurou ajuda, ele foi um dos poucos a dá-la. Convenceu todos a deixá-lo ficar, pois você não podia sair na rua sem correr o risco de ser morto por aquele a quem antes você seguia.

Não deixa de ser uma ironia, você pensa. Passar sete anos odiando (ou pensando que odiava) uma pessoa para depois ser salva por ela, da sua própria família.

E ele te confortava. Te consolava quando você acordava a noite chorando feito um bebê, tendo pesadelos com uma luz verde e um homem de cabelos compridos e brancos que você se recusava a aceitar quem era. Te confortava. Com seu cheiro, seu perfume, com seus braços em volta da sua cintura, seus narizes se tocando, os fôlegos colidindo, mãos ávidas explorando cada canto, as roupas pelo chão, ofegos, gemidos, o calor que percorria os corpos, incendiando, pele contra pele, sentindo. Bom como nada antes. E havia algo maior aí, mesmo que você não assumisse, algo guardado por anos; havia amor.

Mas mesmo depois do fim, do fim da guerra, do fim do mestre que virara inimigo, você não estava em paz. Seu pai havia morrido e sua mãe estava presa. Não era bem dor o que você sentia. Era um vazio, uma espécie da saudade, de arrependimento por nunca ter realmente conversado com seu pai a vida inteira. Mas o garoto dos olhos verdes ainda estava lá, quando você foi expulso do velório de seu pai sem poder olhar uma última vez para ele.

E quando você chorou, por tudo de ruim que guardara, por todos aqueles anos, por seu pai, sua mãe, sua família destruída, por todos os arrependimentos; ele estava lá, te abraçando, sussurrando em seu ouvido que tudo ficaria bem, que ele estava ali, que ele nunca te deixaria.

Teria sido um choque, os dois juntos, em outros tempos quando sua família ainda tinha poder. Mas agora você era simplesmente o garoto que mudara de lado no meio da batalha e ninguém lembrava mais seu sobrenome.

O mundo estava sendo reconstruído, e você também. Certas feridas nunca cicatrizam, mas aquele garoto – agora um homem – de olhos verdes ao seu lado era a cura para metade delas. O tempo se encarregaria das outras.

Você era feliz. Mesmo com os fantasmas do passado, que foram sendo deixados para trás um a um, você era feliz.

Inimigos de escola eram só inimigos na escola, afinal.