Eternal Flame
Por Theka Tsukishiro
Disclaimer: Saint Seiya não me pertence... Pertence sim ao tio Kurumada e etc, etc e etceteraetal. Se você não gosta de Yaoi e Lemon (cenas de sexo entre homens) não comece a ler essa fic. Pode fechar ali em cima no xizinho, ou mesmo clicar em voltar, pois não vou aceitar nenhum tipo de reclamação ou comentário maldoso. Essa fic é sem fins lucrativos, e apenas para diversão. Gostaram? Já sabem... Reviews... Krikrikrikri...
Agradecimentos: Quero agradecer primeiramente a minha irmã Tay-chan por ter agüentado meu mal humor sempre que essa fic ficou empacada devido aos brancos federais pelos quais eu passei. Valeu si, pela força, idéias e as vezes puxões de orelha. Obrigado A Athenas de Áries por ter dado pitacos e ter betado a fic, mesmo que sem saber em conjunto com a minha querida amiga Eliz (Shiryuforever). Meninas meu carinho e respeito por vocês duas. E por último, mas não esquecida, Adne... Escorpiana brava que apesar de tudo ajudou-me no último capítulo bentando também. Meninas, sem vocês não conseguiria enxergar meus erros.
Explicações: Os sobrenomes Shinyang, Leiyllian foram a Eliz que me ajudou e deu a idéia. Agradeço a ela. O sobrenome Moyano é de minha autoria, plágios serão punidos com um belo Execução Aurora no meio das fuças. Se quiser usar, peça, por favor.
Universo alternativo
Fic presente de Amigo Secreto SSDreams 2008 Para Sinistra Negra.
Sini:
Não é novidade que aprendi a gostar de Dohko e Shion ao ler suas fics. Nesse amigo secreto fiquei abismada ao ter tido o prazer de cair como sua amiga secreta e poder fazer essa fic enorme. Espero que não tenha ficado a desejar. Quando vi que você também tem uma fic que começa com Eternal, pensei: "Tenho mesmo de escrever assim!"
Amiga querida... Feliz Ano Novo! Não quero me demorar.
Beijos
Theka
Capítulo I
A whole life so lonely
Segurando fortemente o cabo do guarda-chuva com a mão direita, o jovem de estatura média, cabelos castanhos avermelhados e expressivos olhos castanhos escuros, desviava dos transeuntes que assim com ele pareciam não se importarem com a chuva fina e fria daquele final de tarde.
Tão logo dobrou uma esquina, pôde avistar a fachada iluminada da galeria de arte da qual ele e seus colegas do curso de Arte Moderna acabaram por se tornar freqüentadores assíduos.
Ao passar pelo arco trabalhado da entrada, deixou seu guarda-chuva dentro de um cesto ao lado. Saudou a senhora de meia idade que administrava o local e seguiu para um dos diversos corredores repletos de obras já conhecidas. Pelo caminho encontrou os colegas e quando finalmente chegaram ao segundo andar, local destinado às novas mostras e exposições, o grupo já estava todo completo.
Logo na entrada um cartaz com os nomes dos artistas plásticos chamava a atenção dos visitantes para o que lhes esperava.
Caminhando devagar e parando a todo o momento, o jovem virou-se lentamente assim que ouviu seu nome.
- Dohko! Que surpresa vê-lo aqui.
- Ora Afrodite, bem sabes que não perderia essa exposição por nada nesse mundo. – Respondeu sorridente. Alargou mais o sorriso ao ver que o jovem formando de Engenharia estava ali também e, se aproximava com cara de poucos amigos. – Vejo que finalmente conseguiu tirar Mask de casa. – Ao ouvir o grunhido do recém-chegado, o chinês teve de se controlar para não rir alto.
- Não foi fácil Dohko, meu querido não gosta muito de vernissages ou mesmo exposições. Na verdade não gosta de nada que seja muito monótono. – Afrodite sorriu e dirigiu um olhar apaixonado para o namorado. – Mas ele sabe como eu queria ver todos esses lindos quadros. Vou fazer minha tese em cima dessa vernissage. Tenho certeza que posso me sair muito bem.
- E vai mia Flor, pode ter certeza. – A voz grossa e máscula fez com que o ser andrógeno se arrepiasse todo, sem pudor algum, à frente do amigo.
Sorrindo, Dohko acabou por ficar na companhia dos dois. Gostava por demais deles. Quando chegara a Atenas transferido da Universidade da China para cursar Arte Moderna, foram Afrodite e Mask que o receberam bem, ajudando-o a se locomover pelo local e também com a língua nativa. Agora todos eles estavam se formando e aquela ida a galeria era a última ainda como estudantes. Mais duas semanas e todos estariam formados, seguindo seus caminhos.
Distanciando-se um pouco dos amigos, Dohko parou à frente de uma tela que o fez pensar no Mito de Platão: "O Andrógino". Seres com todos os órgãos em duplicata guerreavam com os deuses, mas os raios de Zeus os separavam. Tão compenetrado estava o chinês que não percebeu a aproximação de Afrodite e Mask.
- Hmm... O Andrógeno... – Mask se pronunciou tirando Dohko de seus pensamentos.
- Você também conhece o mito, amore? – Afrodite perguntou, sorrindo. Estava surpreso, a cada dia descobria uma faceta nova a respeito de seu italiano.
- Sim, Io conheço, amore mio. Conta que num tempo longínquo existiam três seres, o homem, a mulher e o andrógeno sendo que o último era um ser com todos os órgãos em duplicidade. Um único tronco, mas com quatro braços, quatro pernas e uma cabeça com duas faces situadas em lados opostos como essa tela está representando. Eles podiam ser do mesmo sexo – dois homens, duas mulheres -, ou um homem e uma mulher fundidos.
- Isso mesmo... – Afrodite concordou. – Eles eram ágeis, fortes e extremamente orgulhosos. Por saberem de sua força começaram a desafiar os deuses. Zeus, deus dos deuses, ao constatar isso e temendo que um confronto tivesse início e assim pudesse perder as honras e oferendas, resolveu separá-los para enfraquecê-los. Uma guerra principiou com uma forte chuva. Raios separavam os seres e as águas contribuíam para deixá-los separados. A deusa Afrodite e Eros tentaram contornar a situação pedindo para que aquilo não acontecesse, mas nada conseguiram. Desde então, tornaram-se desorientados buscando pela parte que lhes faltava.
- Muitos se baseiam nessa história para explicarem a busca da alma gêmea. – Dohko arqueou a sobrancelha e sorriu irônico.
- Você não acredita nisso? – Afrodite perguntou surpreso.
- Não é que não acredite, Afrodite, eu apenas acho que não importa esse papo de alma gêmea. Acho que o que importa é você estar com a pessoa sem se importar com o sexo - se é homem ou mulher - ou com a beleza dela... Sem ter afinidade, sentir-se bem estando ao lado de alguém, não vale a pena se apaixonar... Não há necessidade de ser alma gêmea para estar com alguém... – Dohko respondeu e saiu de perto dos amigos. Parou à frente do próximo quadro, novamente ficando perdido em pensamentos sem perceber que os amigos chegavam mais perto.
- Nossa Dohko... – Afrodite parou ao lado dele de olhos arregalados. – Essa pessoa no quadro lembra você!
- Vero chinesinho... – Mask arqueou uma sobrancelha e analisou melhor o quadro. – No é parente seu?
- Não Mask, eu sou o primeiro a sair de Rozan para estudar em outro país. Esse quadro é datado de 1919.
- Mas ele parece com você. Só que está usando roupas engraçadas.
- É uma vestimenta típica chinesa, Afrodite. Não vejo nada de estranho ou engraçado. – Dohko sorriu e virou-se devagar. Naquele momento seus olhos cruzaram com os de um senhor de longos cabelos brancos e expressivos olhos violáceos.
Como que hipnotizado por aquele olhar, Dohko esperou que o senhor se aproximasse. O terno impecável, os sapatos lustrosos e a discreta bengala só faziam com que tivesse maior destaque.
O homem desconhecido parou à frente do chinês, estendendo-lhe a mão, enquanto equilibrava sua bengala. Quando o chinês foi cumprimentá-lo em seguida, o homem de olhos diferentes depositou em sua palma uma grossa corrente de ouro com um relicário em forma de dragão, olhos de jade e, ao mesmo tempo proferiu as palavras que naquele exato momento não pareciam ter sentido.
- Volte para mim! – E sem dizer mais nada, assim como chegou, saiu, deixando para trás três jovens sem conseguirem entender nada.
- Dohko... Você conhece?
- Não faço a mínima idéia, Afrodite. Não o conheço. – Deu de ombros e observou novamente a corrente e o pingente na palma de sua mão.
- Hmm... Vai ver gostou de você, chinesinho! – Mask sorriu irônico saindo de perto.
Olhando mais uma vez para o dragão em sua palma, o jovem guardou-o no bolso de seu casaco e continuou mais um pouco na vernissage.
oOoOoOo
Calmamente o pincel percorria a tela. As mãos fortes e ao mesmo tempo com toques leves e extremamente delicados faziam com que a tinta à óleo deslizasse uniformemente pela superfície branca. Estava concentrado... Fazia tempos que não conseguia produzir um único quadro, uma única escultura. Parecia que sua inspiração o havia abandonado. Sob pressão estava ali em seu atelier com vista para um jardim florido e estrategicamente montado no sótão, tendo uma porta balcão como ponto chave, forçando-se a pintar.
Ao longe um pássaro cantou chamando-lhe a atenção. Sorriu e olhou na direção em que julgava estar o ser alado. A manhã estava propícia para se aventurar e ir até a praia, tomar um bom banho de mar... O sol forte a tudo aquecia. Mas ele não poderia se dar àquele luxo. Voltou seus olhos para a paleta, abandonou o pincel. Escolheu um tubo de tinta verde clara, misturando-o minuciosamente ao verde escuro e ao preto. Escolheu outro pincel mais adequado para dar o efeito especial desejado à mistura. Concentrou-se na tela analisando melhor o desenho inacabado.
Inconscientemente ele tocou o pingente da corrente em um tique nervoso. Alisou carinhosamente o dragão dourado e finalmente voltou a pintar. Quando isso acontecia era raro sua concentração se quebrar.
Embalado pelo chilrear do pequeno pássaro que agora parecia cantar-lhe sobre a cabeça, o pincel parecia ter adquirido vida e ele conduzia a mão de seu dono. Aquilo o deixava em paz e satisfeito como há muito tempo não acontecia.
De repente o susto... Um risco enorme em tons de verde claro, escuro e preto surgiu a um canto da tela. O barulho estridente do telefone sem fio esquecido sobre a bancada às suas costas não parava de tocar.
Jogando a paleta, o pincel e a estopa usada para limpar as mãos sobre a mesinha ao lado do cavalete, finalmente ele pegou o telefone nas mãos. Desejava que não fosse engano, algum idiota vendendo títulos de clubes, pois se assim o fosse iria escutar alguns bons desaforos. Nem bem encostou o fone no ouvido precisou puxá-lo para longe e arregalar os olhos.
- Dohko! – A voz divertida e sorridente quase o ensurdeceu. – Por que está sumido? Por que demorou a atender?
- Mon amour... Deixe-o responder uma pergunta de cada vez.
Dohko bufou impacientemente. – A que devo a honra dos dois estarem me ligando e, no viva voz? – Perguntou contando até dez tentando parecer paciente. – E deverias ter-me desejado 'bom dia' primeiro, não é Milo? – Não tinha jeito, o chinês não conseguia se alterar com aquele grego falante e brincalhão.
- Ora, você estar sumido é uma razão muito boa e, a honra é sua por estar ouvindo minha voz...
- Milo... – A voz séria e modulada do francês lhe chamando atenção fez com que Dohko abrisse um leve sorriso. – Dohko, sabemos que está com seu tempo todo tomado devido a vernissage e suas encomendas, mas sumir mais de um mês... Isso preocupa os amigos.
- Sei que tenho preocupado à todos, não tenho desculpas, mas tenho um agente querendo meu sangue e não consigo produzir nada especial para a vernissage. Perdoem-me, mas creio que terei de me ausentar mais... – Dohko deixou que um suspiro escapasse por seus lábios.
- Deixe tudo para lá, o que não pode acontecer é você ficar doente e mofando dentro de casa. A vida é muito curta, Dohko. – Milo como sempre não conseguia se conter e tentava dar pitaco na vida alheia.
- Não posso...
- Dohko, talvez desta vez Milo tenha razão. Deveria pensar em sair de férias, você precisa. – Camus falava pausadamente. – Desde que nos formamos você mergulhou de cabeça em seus projetos, vernissages e exposições... Está na hora de cancelar algumas coisas e pensar um pouco em você.
- É talvez vocês tenham razão.
- Se quiser, vamos nos reunir esta noite naquela boate de costume... Vamos juntos Dohko.
- Vou pensar Milo, mas não prometo ir.
- Você vai sim, Camy e eu passaremos para te pegar.
- Mon ami, desta vez non terá desculpas... Oito em ponto estaremos passando por aí.
O chinês conhecia muito bem aquele grego e, se até Camus estava no meio, não teria escapatória.
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- Nem vou reclamar com você, Dohko! – Afrodite ficara em pé e com as mãos na cintura mostrava toda sua indignação. – Virou ermitão agora? Precisa se divertir, a vida passa e não espera ninguém. Você só tem 25 anos... Estamos em 1990!
- Afrodite...
- Não, não me venha com Afrodite. Milo concorda comigo, não concorda? – Os olhos azuis faiscavam.
- Sim, eu concordo... E também já falei muito com ele, mas Dohko sequer me dá ouvidos.
- Milo! – Camus revirou os olhos e olhou para Dohko e Mask. Os dois pareciam alheios à conversa, entretanto apenas pareciam.
- Mia Flor, estão tocando a nossa canção! – Mask suspirou ao perceber que seu namorado não pararia de falar e reclamar.
- Mas essa não é nossa canção. – Afrodite arqueou a sobrancelha e mordiscou o lábio inferior.
- Cazzo... Mia Flor, passa a ser agora e andiamo a bailar. – Sutil, Mask levantou-se da cadeira e arrastou um bonito e emburrado homem para a pista de dança não se importando com o risinho debochado do escorpiano.
Dohko suspirou aliviado, mas não por muito tempo, pois Milo ainda parecia não ter desistido de continuar a falar.
- Dohko, você precisa arrumar uma pessoa para ter ao seu lado... Uma namorada, ou namorado, não sei... – Milo o encarou tentando descobrir qual era a preferência do sempre tão centrado amigo. – Você não pode ficar sozinho... Ninguém quer ficar sozinho...
- Sim, ninguém quer, mas eu não achei aquela pessoa que me fizesse perder o ar e me apaixonar. Você sabe que alma gêm...
Milo levantou rapidamente sua mão direita como que pedindo para o amigo parar e fez uma careta. – Não... Não me venha novamente com a história de que não acredita no amor e em alma gêmea, Dohko. O amor existe e alma gêmea também. Veja eu sou a prova viva... Tenho o meu francês aqui do meu lado e o amo muito... – Sem esperar virou rapidamente o rosto do ruivo para si e o beijou languidamente. Quando interrompeu o beijo olhou malicioso para o amigo e sorriu maroto. – Não é gostoso?
- Milo... – Camus estava rubro.
- Não sei... Nunca experimentei... Você me deixa experimentar um pouquinho, só um selinho. – Dohko entrou na brincadeira e olhou sedutoramente para o ruivo.
- Heii... Esse tem dono, procure outro para fazer test-drive... – Milo abraçou o namorado possessivamente.
- Milo, você provocou! – Camus sorriu de lado ao ver o bico que o namorado fazia.
- Sinceramente, Camus... Milo não veio com um daqueles botões de liga e desliga?
- Non... Veio com defeito de fabricação.
- Camus, você não é bom em fazer gracinhas. Dohko está sendo muito má influência para você. – Ralhou Milo fazendo bico.
- Agora a culpa é minha? Vou voltar para minha reclusão se é assim...
- Ah, mas não vai mesmo! – Afrodite que voltava arrastando Mask com cara de poucos amigos, parou ao lado do chinês bem naquele momento e ouviu o final da conversa. Sentou-se ao lado do amigo e apenas respondeu aos olhares surpresos a eles direcionados. – O encrenqueiro aqui não gostou do jeito que eu era cobiçado com os olhos ao dançar. Tive de tirá-lo de lá a força antes que cabeças rolassem. – E sorriu.
- Hmm... – Rosnou Mask. Seus olhos brilhando incontidamente.
- E você bem que gosta desse jeito encrenqueiro, não é Dite? – Milo perguntou, a voz levemente rouca e carregada de malícia.
- Se não gostasse, não estaria junto com mio italiano, no é? – Afrodite respondeu antes de dar um leve beijo nos lábios do enfezado canceriano.
- E vocês ainda querem que eu me apaixone? Prefiro minhas pinturas. Meus pincéis e tintas não reclamam de nada. – Dohko gracejou.
- Caspita chinês, seja mais sociável. – Mask olhou para os demais. – Por que não viaja um pouco? Você precisa, só não se deu conta disso. Io conheço uma pousada...
- Já sei qual é. Por acaso é a mesma em que ocorreu nossa formatura? – O libriano parecia ler pensamentos. Lembrava-se bem. O local tinha ótimos lugares à beira mar para se ter idéias, ou inspirar alguém para pintar.
- Sim, lá mesmo. Por que no vai para lá e fica alguns dias?
- Está na baixa temporada, Dohko, ninguém irá te atrapalhar. – Afrodite completou.
- Não prometo nada, preciso pensar um pouco. – Dohko ficou pensativo.
- Não pense, vá! – Ordenou Milo com um sorriso nos lábios.
- Definitivamente Camus, não sei como o agüenta. – O chinês sorriu ao encarar o escorpiano sustentando-lhe o olhar.
Dando de ombros o francês sorriu envergonhado. – Dohko, l'amour est inexplicable (o amor é inexplicável). – E abraçou Milo aconchegando-o em seus braços.
"Sinceramente preciso tomar cuidado, ou esse negócio de amor ainda vai me pegar." – Pensou o libriano ao balançar a cabeça e levantar para ir dar uma volta pelo local.
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- Pense, você não é uma ameba... O que mais precisa para uma semana? – Murmurou para si ao olhar novamente para a mala aberta, onde já havia algumas peças de roupa. Voltou seus olhos para o closet e coçou o queixo.
De um estalo, colocou mais algumas poucas peças de roupa na mala e a fechou. Precisava arrumar sua maleta de trabalho, as telas inacabadas... Quem sabe não tivesse alguma inspiração para continuar os quadros parados.
Colocou tudo com cuidado no porta-malas de seu carro, já estava pronto para partir. Recordou-se da conversa nada agradável com seu agente, mas fez questão de tornar a esquecer e deixar o seu celular desligado. Ele era jovem, no alto de seus 25 anos e eram épocas diferentes... Início dos anos 90 e seu agente não era seu dono. Poderia tomar suas decisões sozinho. Precisava mesmo de um bom descanso e em hipótese alguma queria ser incomodado.
Ao sair da cidade sorriu recordando a amistosa conversa com os amigos um dia antes em um barzinho sossegado onde haviam marcado de se encontrar para conversar e onde ele anunciara que já estava de partida. A surpresa vista nos rostos deles só não o fizera rir mais porque Mask o havia ameaçado de morte caso não se calasse. Voltou seus olhos para a auto-estrada assim que conseguiu sintonizar algo digno de se ouvir e não aquelas músicas estranhas com letras por vezes sem sentido.
Tamborilando os dedos no volante ao ritmo da melodia, Dohko nem percebeu o quanto já tinha percorrido da distância que o separava de seu destino. A brisa soprada do mar que refrescava o calor abrasador e o cheiro marinho fizeram com que percebesse que finalmente chegava ao seu destino. A construção antiga e imponente lembrando tempos antigos. As grossas colunas de pedra...
Apesar de ser uma construção antiga, todo o local fora reformado e contava com todos os luxos que o século XX poderia proporcionar. Dada a gorjeta ao contínuo viu-se sozinho no espaçoso quarto. A primeira coisa que fez foi checar a paisagem pela janela. A praia deserta o convidava para um passeio, mas estava cansado da viagem e teria tempo para uma volta mais tarde.
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Logo após o almoço, Dohko voltou para o quarto e arrumou-se, não esquecendo do protetor solar. Observador, logo descobriu bons lugares para sentar e passar horas pintando ou apenas para esquecer os problemas do cotidiano.
Ao voltar para o hotel um cartaz na recepção chamou-lhe a atenção.
"Exposição de antiguidades e obras de arte."
"Perfeito... Se tivesse sido planejado não daria tão certo!" – Pensou Dohko sorridente.
Informou-se com o recepcionista e descobriu como chegar até o local da exposição.
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A pequena galeria onde estava acontecendo a exposição já estava praticamente cheia quando Dohko finalmente chegou. Impecavelmente vestido, passou pela recepção, onde assinou o livro de presenças e seguiu para as salas e saletas.
Entre quadros, esculturas e antiguidades, o chinês agradecia mentalmente aos amigos por terem insistido muito naquela viagem. A exposição era maravilhosa e muitos dos artefatos ali encontrados eram originários de diversas partes da Grécia, incluindo algumas antiguidades que pertenciam ao acervo da pousada onde estava hospedado.
Entre essas antiguidades, uma delas lhe chamou a atenção. Um quadro... Na verdade um nu artístico. Os longos cabelos meio esverdeados, os olhos em um tom diferente e ao mesmo tempo fascinante... Violáceos... Completavam a beleza exótica. O peito nu, o baixo ventre envolto em um lençol branco de linho. As longas pernas bem torneadas... Dohko segurou a respiração.
Os olhos atentos do chinês percorreram toda a pintura... Não havia assinatura, não havia um nome sequer. Nem a identificação de quem seria o modelo. Apenas uma plaquinha de identificação abaixo da tela emoldurada informava quem era o proprietário.
Tão distraído estava que não percebeu a aproximação de um senhor que aparentava bem mais de setenta anos. Ele tinha as mesmas pintinhas na testa que o modelo no quadro.
- Vejo que gostou do meu quadro. – O sorriso que lhe iluminou os lábios ao ver o espanto nos olhos do moço que parecia chinês fora automático. – Não, não sou eu... O modelo é meu tio.
- A semelhança se acentua pelas pintinhas idênticas. Seu tio devia ser um ótimo modelo... – Dohko comentou ao acaso.
- Foi a primeira vez que ele posou... – O sorriso traquina a lhe iluminar a face levemente marcada pelo tempo. – Ele não posava para ninguém. Ele era pintor, um artista plástico de mão cheia. A maioria dos quadros da pousada de nossa família são dele, S. Leiyllian.
- S. Leiyllian? – A curiosidade fazendo-o repetir o nome.
- Shion Leiyllian... Conhecemo-nos, senhor? – A testa levemente enrugada. Agora havia notado alguma semelhança com alguém do passado, mas não poderia ser, por isso mesmo fez questão de não deixar que o pensamento o atormentasse.
- Não, eu creio que não. – Dohko respondeu encarando-o. - Apesar de já ter estado na pousada em outra ocasião.
- Pode ser, talvez eu o tenha visto da última vez que por lá esteve. – E dando um leve tapa na testa, arregalou os olhos. – Como sou mal educado... Meu nome é Kingsdon, mas pode me chamar de Kiki.
- Dohko Shinyang. – Estendeu-lhe a mão trocando um aperto forte e rápido.
- Nos vemos na pousada. Venha tomar um café comigo, é só perguntar por mim na recepção. Se me dá licença, senhor Shingyang, preciso voltar. Já não sou mais um jovenzinho para ficar até muito tarde fora de casa. – Sorriu e se afastou devagar.
Assim que se viu sozinho novamente, Dohko olhou outra vez para o quadro e, dando as costas, saiu decidido. Iria fazer uma pesquisa para saber um pouco mais sobre o que o tal Shion fazia ou era.
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"Artista plástico... Artista plástico..." – Os olhos castanhos percorriam a fileira de livros com a ajuda dos dedos que levemente tocavam as lombadas dos exemplares. – "Não... Van Gogh não... Onde está? A bibliotecária disse que o exemplar está aqui." – Dohko pensou ao recordar-se da pequena conversa que tivera com a senhora de idade quando chegara à biblioteca. Já estava chegando na letra "Z" quando recostou-se na estante para descansar a vista um pouco. Um carrinho cheio de livros estava logo ali e, bem acima de um monte, o tal livro que tanto procurara. Arregalou os olhos e pegou-o com ambas as mãos. Querendo um pouco de sossego, procurou por um lugar mais calmo e acabou por sentar-se em uma das mesas mais distantes da movimentação.
Já acomodado, pôde finalmente reparar na capa do livro. Era um material resistente e tinha a imagem de Shion em uma pose como se estivesse pintando algo em uma tela imaginária. Virando o livro para observar a parte de trás, encontrou ali uma foto do escritor. Ficou surpreso ao constatar que o escritor por trás do pseudônimo de K. Done, na verdade era o sobrinho do artista que conhecera um dia atrás. Voltou sua atenção para o conteúdo do livro, havia fotos pessoais, das primeiras pinturas e esculturas, mas foi no final do livro que Dohko levou um tremendo susto que o fez derrubar o livro na mesa. A última foto era de 1984, e a primeira coisa que o deixou em choque foi a corrente grossa com o medalhão do dragão.
"Pelos céus, é o senhor que me deu a corrente!" – Pensou Dohko estupefato e tocando inconscientemente o medalhão escondido entre suas vestes.
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- Achei que não iria aceitar tomar café com um velho como eu. Afinal o que eu poderia conversar com você? Sobre dores e doenças? – Gracejou.
- Não... Nunca pensei isso... – Dohko arregalou os olhos. – Eu estava tentando terminar de ler um livro. – E sem rodeios estendeu-lhe um exemplar que comprara na livraria no centro da cidade.
- Ah! Você se interessou pela vida de meu tio? – Kiki perguntou surpreso e, ao ver o jovem sentado a sua frente concordar com um aceno de cabeça, sorriu antes de muito lentamente ficar de pé. – Eu tinha 5 anos quando minha mãe voltou da Inglaterra para ficar com meu tio no controle da pousada. Meu pai faleceu em um acidente e a segurança que meu tio oferecia era muito tentadora. – Fez uma pequena pausa e bebericou um pouco do café. – Adorava vê-lo pintar e sempre que possível eu pegava sua caixa de tintas e pincéis para pintar também. – Ao notar que o jovem movia os lábios, fez-lhe um sinal para esperar. – Não, eu não pinto, muito mal eu consigo pintar o arco-íris corretamente.
Dohko sorriu e tomou mais um gole do líquido forte e fumegante. Pousou a xícara vazia sobre o pires na mesinha de centro e mirou o ancião nos olhos.
- Seu tio e eu temos algumas coisas em comum. – Começou pensativo e levantou-se andando um pouco pela sala e se aproximou de um quadro que somente naquele momento lhe chamara a atenção. Ele já o tinha visto... Sim, ele o tinha visto no dia em que ganhara o cordão.
- Por favor, prossiga. No que você e meu tio são parecidos? – Kiki insistiu para que continuasse.
- Nossos gostos são parecidos... – E andou mais um pouco parando ao lado de uma poltrona confortável. Na mesinha ao lado um livro que parecia estar ali há já algum tempo. Pegou-o nas mãos e leu o título: 'Regressão e Auto-Hipnose – A realidade'. – Eu já tive de ler esse livro por exemplo. Seu autor, sir Radamanthys de Wyvern foi meu professor de psicologia na universidade de Atenas.
- Esse livro era o preferido de meu tio. – Kiki informou ao se aproximar e tomar gentilmente o livro das mãos do chinês e colocá-lo no mesmo lugar. – Eu o deixo da mesma maneira que meu tio o deixou.
Enquanto Kiki recolocava o livro no lugar, Dohko pegou o medalhão e o retirou de dentro de sua blusa. Segurou-o pela corrente grossa e mostrou-o.
- Como conseguiu isso? – Kiki perguntou cambaleando um pouco.
Deixando o medalhão cair sobre o peito, Dohko segurou no braço do ancião e o ajudou a sentar. – Está melhor? – Perguntou preocupado.
- Sim, obrigado! – Kiki suspirou e puxou o ar com força em seguida. – Como o conseguiu? Esse medalhão sumiu no dia em que meu tio faleceu.
Agora era a vez de Dohko sentar-se. – Como disse? – Perguntou temeroso.
- Meu tio estava com 91 anos... Lúcido, mas já com alguns problemas de saúde. No começo de junho de 1985 ele deixou a pousada com um dos contínuos e só voltou perto das oito ou nove da noite. Esse medalhão o qual não tirava por nada do pescoço havia sumido.
- Pois seu tio me procurou em uma vernissage, no centro de Atenas, onde suas obras estavam sendo expostas e me entregou isso. – Dohko estava muito sério.
- Se meu tio te deu, é sinal de que era para ser assim. Talvez tenha visto em você o amor que ele perdeu... Sim, ele nunca mais foi o mesmo depois do sumiço de seu amado. – E sorriu ao ver a surpresa do jovem. – Como sei? – Meu tio meio que me contou tudo quando eu já estava com 18 anos e ele foi assolado por uma virose que o deixou entre a vida e a morte. E até no primeiro nome vocês são parecidos.
- Mas seu tio nunca havia me visto... Como saberia onde me achar? – Dohko parecia confuso.
- Talvez o destino, meu jovem... – E sorriu enigmático. – Aceita mais uma xícara de café?
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Ao adentrar a universidade de Atenas, Dohko já não tinha mais certeza se encontraria o antigo mestre ainda lecionando ali. Quando ele tivera aulas com ele, o professor Wyvern já estava na casa dos 27 ou 28 anos. Era novo, mas muito experiente e mais ou menos nessa mesma época havia escrito seu livro. Agora talvez ele pudesse ter seguido para outra universidade, mas o jovem pôde suspirar aliviado ao informar-se e descobrir que o mestre estava em aula naquele momento.
Sentado na última fileira próximo à entrada do auditório, ele esperou até que a aula terminasse. Quando todos se colocaram de pé, Dohko desceu os poucos degraus que o separavam do antigo professor e parou ao lado dele.
- Bom dia! Em que posso ajudá-lo?
- Professor Wyvern, não se recorda de mim?
O homem alto, loiro, de olhos castanhos bem claros quase dourados o encarou. O semblante sério e como sempre fechado. Arqueando a sobrancelha, suavizou um pouco o semblante.
- Claro... Turma de 1985... Uma de minhas melhores! Em que posso ajudá-lo? – tornou a fazer-lhe a pergunta.
Dohko pegou o livro de sua bolsa de couro e abriu-o. – Gostaria de tirar algumas dúvidas sobre seu livro.
- Pois não? Pode perguntar. – Um leve sorriso surgiu-lhe nos lábios.
- O senhor diz aqui...
- Por favor, meu caro. – Interrompeu-o. – Vamos deixar bem clara uma coisa, já não és mais meu aluno, não precisa usar toda essa formalidade. Tenho 33 anos ainda, me falta muito para ser senhor. – Ao ver o espanto nos olhos do ex-aluno sorriu abertamente. – Por favor, continue.
Suspirando e tentando relaxar, Dohko baixou os olhos para o livro e leu silenciosamente a parte grifada. – Não consegui entender porque sua regressão foi descrita como uma tentativa falha. Ficou só nessas tentativas que não deram certo? Ou você tentou mais alguma vez?
- Bem... Após terminar o livro e de já o ter lançado, consegui descobrir onde estava errando. – Ponderou um pouco. – Eu ficava pouco tempo nas regressões por não me desligar completamente do presente. A dica é esquecer-se de tudo e retirar tudo o que é do tempo presente do local escolhido para a regressão. Eu tenho absoluta certeza que fiquei bem mais de 9 horas no ano de 1943 e quando voltei ao presente, havia se passado apenas uma hora.
- Então você está querendo me dizer que o tempo pára? – Dohko queria ter certeza.
- Não, ele não pára, apenas vai mais lentamente como se estivesse em câmera lenta.
- Entendo... Muito obrigado professor Wyvern, me ajudou muito. Eu preciso ir... – E acenando para o mestre saiu rapidamente.
- Mas espere... – Radamanthys o chamou, sem obter sucesso. Coçando os cabelos espetados, murmurou para si mesmo. – O que um formando de Artes quer com regressão e auto-hipnose? – Deu de ombros. – Os jovens de hoje são estranhos. – Sorriu de lado.
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Durante todo o caminho de retorno da faculdade, Dohko pensara em como abordar Kiki e perguntar algumas coisas que necessitava saber. Agora, parado à frente da porta do escritório sentia-se um tolo, já tendo levantado a mão diversas vezes para bater sem, no entanto, conseguir executar esse simples ato.
Quando já estava dando as costas para voltar em outra hora, a porta se escancarou dando passagem para o senhor sorridente e com ares ainda de uma criança peralta.
- Olá, senhor Shinyang... Eu estava mesmo pensando no senhor. – Fez uma pausa. – Queria alguma coisa? – A curiosidade estampada em seus olhos.
- Na verdade sim. – Entrou no escritório ao ser convidado com o simples gesto de afastar o corpo. Passou por ele e pôde ouvir o barulho da porta ao ser fechada e aguardou até que Kiki estivesse atrás da mesa de mogno para sentar-se na poltrona confortável. Ao repara no movimento de mãos o instigando a contar por que estava ali, ajeitou-se melhor e começou. – Eu soube que na ala leste da pousada ficam os quadros mais bonitos de seu tio.
- Sim, lá é a ala destinada a minha família.
- Bem, eu gostaria de saber se me permite visitá-la. Sou artista plástico também e gostei do que vi na exposição. Seu tio era muito bom.
- Sim, ele era. – Kiki ficou alguns minutos em silêncio, depois de muito pensar abriu um sorriso de lado e respondeu. – Claro que pode e se quiser amanhã logo após o café pedirei para que um dos contínuos o procure.
- Perfeito! – Dohko sorriu. – O senhor me disse que seu tio esteve mais presente em 1919 por aqui, não foi?
- Sim... Nas férias de julho. Fazia exatos quatro meses que mamãe e eu estávamos aqui. – Kiki respondeu pensativo. Seu olhar distante.
- Hmm... E os registros antigos ainda existem? – Era por causa daquela informação que estava ali. Precisava muito dela.
- Com toda certeza, os registros antigos ficam arquivados no depósito atrás das cocheiras. Mas por que tanto interesse? – Arqueou a sobrancelha.
- Apenas curiosidade. Obrigado! Aguardarei no salão por um de seus funcionários. – E já foi levantando-se da poltrona.
- Jovem... Você joga xadrez? – Perguntou e ao vê-lo balançar a cabeça positivamente, Kiki deixou que um largo sorriso lhe iluminasse a face. – Então se não tiver nada de bom para fazer essa noite, me encontre na varanda frontal para uma partida.
- Logo após o jantar?
- Pode ser.
- Feito... – Sem mais delongas o chinês saiu apressado da sala. Talvez conseguisse descobrir mais coisas estando com Kiki naquela noite. Seria muito bom.
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O longo corredor da ala leste que levava para os quartos e uma sala de estar ampla e privativa era repleto de quadros e mais quadros. A maioria deles, pintados por Shion. Dohko seguia o contínuo, que o procurara como havia combinado com Kiki, em silêncio. Ele estava admirado! Na sala ricamente decorada, um quadro retratava uma mulher com um vestido verde água esfuziante. Seu sorriso era perfeito e pela aparência deduziu que era mãe de Kiki.
Nos outros cômodos a que teve acesso, também encontrou vários outros quadros. Ao passar direto por uma porta fechada parou e olhou intrigado.
- E esse quarto? Você não vai me mostrar? – Questionou.
- Esse é o quarto do senhor Shion. Não temos autorização para entrar nele. – E sem maiores delongas o contínuo prosseguiu pelo corredor, deixando o chinês no hall da pousada minutos depois.
- Muito obrigado Nikos. Agradeça ao senhor Kingsdon pela gentileza. – Dohko solicitou antes de sair em busca de seu carro. Ele teria tempo de sobra até o almoço para conseguir visitar algumas lojas na cidade.
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Ao sair da loja de roupas antigas, Dohko recordou-se da conversa animada que tivera com Kiki enquanto jogavam xadrez. O velhote era um enxadrista espetacular e fora difícil ganhar pelo menos uma vez dele.
Enquanto jogavam puderam conversar sobre vários assuntos e o mais jovem acabou por descobrir mais algumas coisas sobre Shion e sobre o ano de 1919.
Com o terno, chapéu e sapatos daquela época, passou por um antiquário e comprou moedas e dinheiro do ano respectivo.
"Perfeito... Agora só faltam duas coisas." – Pensou ao entrar no carro e tomar o caminho de volta para a pousada.
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Sem poder acender a luz do quarto que estava invadindo, Dohko acendeu apenas a pequena lanterna que tinha tirado do carro naquela tarde junto com as sacolas. O diminuto facho de luz iluminou o quarto por alguns minutos até que ele pudesse constatar que poderia acender a luz do local. Piscando os olhos algumas vezes para se acostumar com a claridade, ele olhou para todos os lados observando cada canto. A grande cama, os móveis bem distribuídos e antigos. Alguns pertences... Sobre a cômoda algumas fotos antigas, mas o que o deixou surpreso foi o quadro pendurado naquela parede.
"Não pode ser... O mesmo quadro da exposição onde ganhei essa corrente com o medalhão." – Pensou Dohko ao tocar o dragão de olhos de jade. Observando melhor o quadro, notou algumas coisas que não havia percebido. No pescoço do rapaz na tela, o medalhão, no caso seu medalhão, estava pendurado. Olhando pelo resto do quarto se aproximou do guarda-roupa e o abriu. As roupas impecavelmente separadas por estilo e cor... Correu as mãos pelos cabides sentindo a textura dos casacos, blazers e camisas. No último cabide ele parou sua mão. O tecido era diferente, vermelho com preto... Ao tirá-lo do local e observá-lo melhor, voltou seus olhos para o quarto e arregalou os bem... – "A roupa chinesa que Afrodite achou gozada!" – Sem pensar muito, pegou a roupa deixando apenas o cabide no lugar. Na parte debaixo, num local onde havia vários pares de sapatos, encontrou a sapatilha negra e também a pegou.
- Não pode ser possível! – Murmurou para si mesmo. Ele precisava tirar aquela dúvida de seus ombros. Antes de sair do quarto, Dohko checou se não havia esquecido nada fora do lugar, apagou a luz e saiu sorrateiramente. Deixou a camisa, calça e sapatilhas escondidos no fundo de seu guarda-roupa e saiu novamente.
Usando a escada de emergência, saiu pelos fundos da pousada e com o auxílio da noite sem luar e das vestes escuras, conseguiu chegar ao depósito atrás das cocheiras. Ao testar a porta encontrou-a destrancada. Após conseguir passar pelo amontoado de coisas velhas, encontrou a entrada para uma pequena sala. Acendeu a luz e arregalou os olhos surpreso. Arrumados em estantes de madeira, todos os livros de registro se encontravam em ordem desde quando a pousada fora inaugurada. Em letras e números dourados, os livros tinham suas lombadas marcadas.
- 1915, 1916, 1917, 1918... 1919. Bingo! – Dohko murmurou contente ao puxar o livro de seu lugar. Sentando-se no chão, começou a folhear as primeiras páginas. Não estava ali o que ele procurava. Não nos primeiros meses. Folheou mais um pouco e insistentemente encontrou nas folhas amareladas pelo tempo o que queria. O início do mês de julho. Até o dia 19 não tinha encontrado nada, mas no dia 20 às 08:15 horas encontrou. – Eu estive lá... – suspirou aliviado. Estava surpreso e assustado. – No quadro... Então sou eu! – Voltou seus olhos novamente para o registro de entrada e no quarto ao qual havia ficado. – Dia 20, às 08:15 horas, quarto 41 A. – Anotou em um pedaço de papel e recolocou o livro no lugar.
Voltar para seu quarto foi mais fácil ainda. As idéias fervilhavam em sua cabeça. Precisava se preparar para a regressão, mas antes teria de tomar certas decisões.
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De posse de um gravador, Dohko gravou repetidas vezes a mesma frase em uma fita cassete. Logo em seguida, guardou as coisas que o fizessem lembrar-se do ano em que estava e vestiu o terno antigo, calçou os sapatos. Deitou na cama, na mão esquerda um embrulho com as vestes e sapatilhas chinesas. Na direita, uma pequena maletinha com poucos pinceis e tintas. Deixando a maletinha de lado, ele esticou-se todo e ligou o pequeno gravador que se encontrava na cabeceira da cama. Voltou a deitar e segurando fortemente o pacote e a maleta fechou os olhos.
A voz saia clara e calma pelo auto-falante do gravador: 'É 20 de julho de 1919, estou chegando a Pousada Leiyllan às 07:30 horas e ficarei no quarto 41 A.'
O silêncio do quarto era quebrado pela fala calma do artista plástico. Quanto tempo ele ficou deitado e nada acontecia? Dohko não sabia responder. Bateu a mão na tecla stop e parou o gravador. Só então conseguiu ver onde estivera errando.
"Droga de gravador!" – Pensou ao olhar ao redor. Levantou-se de um pulo e recolheu tudo que havia dentro do quarto que fizesse com que não conseguisse desligar-se do presente. Antes de guardar o rádio relógio torceu os lábios ao constatar que passavam das onze da manhã.
Após correr os olhos uma terceira vez por toda a extensão do quarto para ter certeza que nada mais lhe atrapalharia, deitou-se na cama novamente. Acomodou-se tornando a segurar a maleta e o embrulho.
Suspirou profundamente. Depois que o ar saísse todo de seus pulmões e somente ai começou a falar. Os olhos fechados. – É 20 de julho de 1919, estou chegando a pousada Leiyllan, são sete horas e trinta minutos e ficarei hospedado no quarto 41 A. – Ao terminar a frase voltou a proferi-la e assim sucessivamente.
Dohko não sabia dizer quanto tempo já estava fazendo aquilo. Sentia sua garganta raspar, a boca seca e se não bastasse tudo aquilo, sentia uma dormência nos músculos se apoderando de seu corpo todo. Sem contar que uma tontura, depois a cabeça pesada acabaram por calá-lo.
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A claridade que passava pelas frestas da cortina iluminava o quarto. O barulho de uma conversa ao longe acabou por despertá-lo. Dohko arregalou os olhos e percebeu que não estava mais na espaçosa cama.
"Desde quando esse papel de parede..." – Parou o pensamento pela metade ao ouvir uma voz feminina. De olhos arregalados notou que no local de sua cama outra ali estava. As cortinas rendadas eram diferentes, sem contar as arandelas...
- Querido, eu já disse, ele apenas pintou meu quadro. Shion é apenas um grande amigo.
O chinês levantou o corpo com cuidado e viu uma mulher e um homem com vestes antigas passarem para o quarto contíguo. Aproveitando-se disso, saiu do quarto rapidamente ganhando o corredor.
Com um sorriso bobo, checou as horas ao chegar à recepção. Ainda era cedo e teria de esperar por alguns minutos. Caminhou um pouco entre as pessoas e a tempo segurou uma bola, mais na surpresa do que por reflexo. O embrulho de roupas caído aos seus pés no chão. Olhando para os lados avistou um garotinho correndo até ele. Seus cabelos acobreados e as pintinhas na testa faziam-no lembrar de uma pessoa.
- Kiki, já disse que bola aqui dentro não. – Uma linda mulher seguia de perto o pequeno. – Veja, você quase acertou o moço. Peça desculpas.
- Não precisa... Não foi nada. – Dohko respondeu e baixando o corpo até ficar da altura do pequeno lhe devolveu a bola. – Escute sua mãe, campeão. Você pode acertar alguém, ou mesmo quebrar alguma coisa.
- Está bem! – O pequeno respondeu e antes que um sermão da parte de sua mãe começasse, colocou a bola debaixo do braço e saiu correndo para fora do hall.
Pegando o embrulho do chão, Dohko voltou a checar às horas no relógio. Faltava pouco. Despediu-se da charmosa mulher, que lhe pedia mais uma vez desculpas e dirigiu-se devagar para o balcão onde um recepcionista se encontrava.
- Bom dia! – Saudou o jovem atrás do balcão.
- Bom dia! Gostaria de um quarto. – Solicitou olhando para o relógio de parede logo atrás do recepcionista. Faltava pouco para as 08:15 horas. Rapidamente olhou para o painel onde as chaves ficavam penduradas em ganchos individuais e avistou a de número 41 A.
O jovem virou-se e pegou a chave com a plaquinha de identificação com o número 40 A e voltou-se para o chinês.
- Aqui está, senhor. Quarto 40 A é só assinar...
- Mas eu não... – Dohko parou de falar antes mesmo de completar a frase, pois um homem de cabelos arrepiados parou ao lado do primeiro.
- Não meu jovem, esse quarto já foi reservado. – E pegando a chave do 41 A trocou com Dohko, que já segurava a de número 40 na mão. – Queira nos desculpar. Tenha uma boa estadia.
- Obrigado. – Respondeu voltando a atenção para o recepcionista que lhe estendia o livro já conhecido. – Assino aqui? – Perguntou ao receber o consentimento, escreveu primeiro seu nome completo, assinou ao lado colocando em seguida dia e hora de sua entrada. Com um sorriso nos lábios, ouviu as informações que queria ouvir e seguiu junto ao contínuo até seu quarto. Precisava procurar por Shion.
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O sol forte da manhã parecia aplacar a brisa leve vinda do mar. A praia ainda não estava muito movimentada e poucas pessoas se aventuravam a entrar na água.
Descalço, os sapatos na mão direita e com o casaco apoiado no braço, o jovem chinês andava calmamente pela areia. Seus olhos procuravam insistentemente pela pessoa que o havia feito cometer muitas coisas que julgava nunca iria fazer.
"Pense Dohko... Você é um artista plástico... Onde seria um ótimo lugar para se pintar?"- Pensou. O sol começando a lhe castigar devido às roupas inapropriadas para o local. – "Você já esteve aqui..." – Forçou um pouco a mente. Parou de frente para o mar, olhou dos dois lados... De seu lado esquerdo no fundo avistou os rochedos e uma pequena trilha. Sorriu. Com passos decididos seguiu para o local. Ao chegar às pedras entrou na pequena trilha e avançou por ela devagar. Do alto das pedras avistou lá embaixo, sentado em um banquinho à frente de uma tela, quem ele procurava. Continuou pela trilha, agora tomando cuidado para não escorregar ao descer pelo lado mais íngreme e finalmente chegou na praia. Deixou seu casaco e sapatos sobre uma rocha e passou as mãos pelos cabelos devagar. Mordiscou os lábios. Estava um pouco nervoso...
Com o andar calmo, aproximou-se do homem que compenetrado pintava. Ele vez ou outra olhava para o mar. Os cabelos esverdeados presos em um rabo de cavalo frouxo. Alguns fios rebeldes lhe caiam na face, emoldurando-a. Em silêncio, parou atrás do artista plástico e observou a pintura e as tintas espalhadas na paleta. Estendendo a mão devagar, pegou um pincel limpo, passou-o pelas cores azul, branco e após deslizou-o suavemente pela tela realçando um pouco mais as ondas do mar que ali eram retratadas.
- Acho que assim ficou melhor. – A voz levemente em tom divertido. O sorriso franco.
Os olhos violáceos voltaram-se surpresos na direção da voz. – Eu achei que fosse... – Parou antes de completar a frase. Abriu um meio sorriso e depositou o pincel e a paleta sobre uma pequena maleta de tintas. Voltou seus olhos novamente para o homem ao seu lado e levantou-se devagar. – Eu o estava esperando.
O chinês arqueou levemente a sobrancelha. – Nós nos conhecemos? – Repetiu a pergunta.
- Não, mas não sei lhe explicar... Estou lhe esperando há muito tempo. Parece até loucura, mas eu sabia que você viria.
- Sabia? Mas como? – Era muita coincidência... Para o jovem aquilo estava sendo surreal demais. – "Como explicar o quadro e a roupa chinesa? E o dragão?" – Como se fosse um tique nervoso, tocou o medalhão que aparecia por entre a camisa branca aberta. Aquele gesto chamou a atenção do pintor.
- Esse medalhão... – Aproximou-se um pouco parando a poucos centímetros do homem mais baixo. – Eu já o vi antes... – E levantou a mão de dedos longos tocando levemente por sobre a do chinês.
Dohko arregalou mais os olhos, mas não tentou tirar sua mão do medalhão e nem quebrar o contato. O toque era gentil, morno.
- Esse medalhão está comigo desde que eu o ganhei. – Informou sem desviar os olhos dos do outro.
- Eu sonhei com ele várias noites... – Ao terminar de falar pôde finalmente segurar o dragão dourado entre os dedos. Dohko baixara sua mão soltando-o. – Como sabia fazer um efeito daqueles? – Soltou devagar o medalhão e mirou-o com curiosidade. Depois voltou os olhos para o quadro inacabado.
- Assim como você, também sou um artista plástico. – Sorriu.
- Gosta só de pintar? – Perguntou voltando-se para a tela e o olhando de lado.
- Faço esculturas, sei restaurar, mas meu forte são as pinturas em tela. – Dohko se aproximou mais dele.
Naquele instante, surgindo do nada, um homem alto, cabelos longos e dourados, a pele queimada do sol vestindo trajes de banho da época parou ao lado deles.
- Aconteceu alguma coisa? – A voz modulada e o jeito sedutor não demonstravam o que as íris azuis faiscantes conseguiam deixar transparecer.
- Não aconteceu nada, Saga... Apenas estou conversando com o senhor...
- Shinyang, Dohko Shinyang. – O chinês estendeu a mão em um gesto cortês.
- Shion, querido... Desculpe-me, acho que perdi a hora nadando. Lembre-se, daqui a pouco temos aquele compromisso. – Saga ignorou a mão que lhe era estendida.
Estreitando os olhos, Dohko queimou de raiva por dentro. Baixou a mão e encarou Shion.
- Saga, não seja tão sem modos... O senhor Shinyang também é um artista plástico. Estávamos apenas trocando algumas técnicas.
O loiro estreitou os olhos e mediu o estranho de cima abaixo. – Queira me desculpar, senhor Shinyang. – Enxugou a mão na toalha que pegou ao lado das coisas do pintor e estendeu-a para o chinês. O aperto de mãos foi forte e decidido. - Querido, vá guardando suas coisas enquanto isso. Temos que ir até a cidade para acertarmos sua viagem, sabe muito bem como isso lhe é importante. – Sorriu para ele e ao desviar os olhos para o recém-chegado os estreitou um pouco.
- Achei que tínhamos mais tempo. Desculpe-me senhor Shinyang, espero poder encontrá-lo antes de minha viagem para a Itália. – Estendeu a mão e apertou a do chinês.
- Se quiser trocar mais técnicas estou hospedado na pousada. – Dohko falou sem se importar com a presença de Saga que o fuzilava com os olhos.
- Ótimo! Então nos veremos com certeza. – Shion respondeu voltando sua atenção para suas coisas. Quando se afastou um pouco, o loiro aproximou apenas o suficiente para que somente Dohko o ouvisse e com a voz ácida murmurou.
- Não tolerarei que um qualquer venha atrapalhar com técnicas ou idéias amadoras a inspiração de meu protegido.
- Não sou amador, sou formado... Sei o que estou dizendo e, não falei ou fiz nada errado.
- Você é como todos os outros, quer ser aproveitar da fama em ascensão de Shion. Eu sou seu empresário e sei o que é melhor para ele. Agora queira nos dar licença... Temos muito que tratar para a próxima vernissage. – E dando alguns tapinhas nas costas do homem mais baixo, sorriu abertamente como se conversassem trivialidades.
Dohko sentiu ganas de voar no pescoço daquele loiro, mas conteve-se, pois não queria confusão e muito menos ficar sem poder falar com aquele homem dono dos olhos mais lindos que já tinha visto.
"Ora mas quem ele pensa que é?" – Dohko pensou pela enésima vez ao finalmente entrar em seu quarto. – "Esse tal de Saga chega a ser mais chato que meu próprio empresário! E como é um tremendo duas caras!" – Bufou.
Andando pelo quarto de um lado para o outro o chinês tentava colocar as idéias no lugar e pensar em um jeito de conversar mais um pouco com Shion e, de preferência, longe do empresário.
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Das escadas, o som animado do pequeno grupo de músicos podia ser ouvido. Descendo devagar, Dohko sorriu de lado ao recordar-se da conversa divertida que tivera com Kiki enquanto tentava fazer alguns esboços do hall em seu caderno de desenhos.
Seguindo para o grande salão, pôde avistar da porta a movimentação dos hóspedes. As mesas ao redor estavam quase todas ocupadas. Ainda não era tão tarde, mas o salão fervilhava. Casais dançando, o som de risos. Parado onde estava, o chinês tentou localizar Shion.
Um dos garçons impecavelmente trajado guiou-o até uma mesa vaga. Nem que tivesse escolhido a dedo, conseguiria algo melhor. A um canto do salão, a mesa lhe proporcionava uma ótima visão de todo o resto.
Sem prestar muita atenção ao menu que se encontrava a sua frente, pediu a primeira coisa que viu. Em pouco tempo estava comendo uma deliciosa carne de carneiro acompanhada por um bom vinho. Sempre atento a tudo ao seu redor, quase deixou a taça escorregar de seus dedos ao ouvir a voz de quem estivera procurando até aquele momento. Como ele sabia? Não tinha explicação... Apenas soube.
- Fez uma boa escolha, senhor Shinyang... – O corpo levemente inclinado para frente. Os olhos violáceos, a boca de traços finos... O rosto a poucos centímetros do dele. Ao perceber a surpresa nos olhos castanhos, sorriu. – Desculpe, não queria assustá-lo.
- Não, não... Em hipótese alguma, não me assustou. – Dohko apressou-se em responder. Com um gesto de mão indicou a cadeira a sua frente. – Por favor, sente-se... – Sorriu ao vê-lo sentar. – Já jantou? Quer que chame o garçom para que faça seu pedido?
- Não será necessário. Eu já jantei. – Shion respondeu e sentiu necessidade em completar. – Minha irmã gosta de jantar mais cedo, assim pode aproveitar para valsar um pouco. – E com um movimento de cabeça olhou para o salão na direção em que a irmã estava. Esta valsava com Saga.
Estreitando os olhos, Dohko logo voltou sua atenção para seu prato. Ficou quieto, pela primeira vez em anos não conseguia achar um assunto para puxar conversa.
- Deu tudo certo para sua viagem? – A curiosidade sendo maior que sua vontade de conter-se.
- Acho que vou deixá-lo para que termine seu jantar.
Ambos falaram juntos. O riso compartilhado fazendo ambos descontraírem mais um pouco.
- Acho que vou deixá-lo sossegado. – Insistiu em dizer após o acesso de risos.
- Não, por favor! Faça-me companhia, nem que seja em uma taça de vinho. – E serviu-lhe um pouco. – Como foi? Conseguiu as passagens?
- Sim, está tudo certo. Em poucos dias estaremos embarcando. – Shion respondeu bebericando um pouco do vinho. Discretamente ele observava todos os movimentos do homem a sua frente. Olhando vez ou outra para a pista a fim de ter certeza de que a irmã e Saga ainda dançavam.
Observador, o chinês olhou na mesma direção. Estreitou um pouco os olhos e suspirou.
- Aconteceu alguma coisa? Você parece um pouco preocupado...
- Não... Não aconteceu nada, apenas adoro ver minha irmã dançar. – Sorriu tentando desconversar. – Saga e ela dançam muito bem.
- E você não dança? – Dohko perguntou curioso. Ele sentia vontade de fazer-lhe diversas perguntas, mas não queria espantá-lo. Nem muito menos assustá-lo com sua curiosidade.
- Até arrisco uns passos, mas prefiro dançar músicas tradicionalistas, algo da terra. – Voltou seus olhos para os músicos e sorriu. Logo eles começariam a executar baladas gregas... Algo um pouco mais animado.
Empurrando o prato lentamente com uma das mãos, Dohko retirou o guardanapo do colo e limpou os lábios. Ele não conseguia desviar os olhos dos de Shion. Bebericou mais um pouco do vinho e depositou a taça sobre o tampo da mesa.
A parada dos músicos chamou atenção dos dois. Trocaram um rápido olhar e, com um sorriso estonteante, Shion fez o chinês sentir seu coração bater mais rápido.
- Finalmente... A melhor parte. – Shion mirou-o nos olhos. Uma mecha de seu cabelo esverdeado caindo por seu rosto.
Arqueando a sobrancelha Dohko até pensou em fazer-lhe uma pergunta, mas os acordes lentos do buzuki¹ fizeram com que Shion ficasse em pé.
- Quer tentar aprender um pouco de nossa cultura? – Perguntou sorrindo. Ao ver a surpresa estampada nos olhos do chinês, aproximou-se um pouco. – Venha, não é difícil dançar o hassápico. – Percebendo a indecisão estampada no rosto bonito, puxou-o pela mão para o salão.
- Senhor Leiyllan... Mal sei dançar a valsa! – Protestou Dohko acompanhando-o para o centro do salão onde algumas pessoas já em roda, com os ombros esticados, braços apoiados uns nos outros, dançavam em sentido anti-horário, dando cinco passos cruzados, chutando para a esquerda e depois para a direita.
- Não tem segredo, é só seguir os passos. – Shion puxou-o para a roda. Apoiou seu braço direito no do homem ao lado e o esquerdo no do chinês.
Devagar, ao ritmo do início da música, que era executada lentamente, Dohko conseguiu aprender e acompanhar os passos. Ele sorria e parecia estar começando a se divertir.
- Isso, assim mesmo. – Shion incentivou-o falando mais alto para que este ouvisse. – Agora o ritmo vai aumentar, mas prossiga, são os mesmo passos.
Dohko apenas balançou a cabeça. Cinco passos corridos para o lado direito, para o esquerdo e a roda foi girando. A alegria contagiante. Decididamente eles pareciam flutuar. Correndo para o meio do salão com alguns pratos brancos no braço, o pequeno Kiki os lançava no chão fazendo-os espatifar. Alguns adultos também faziam isso.
A dança animada prosseguiu até que os últimos acordes da música não mais fossem ouvidos. Shion caminhou até a irmã que ficara ao redor do salão batendo palmas e a abraçou. Quando Dohko se aproximou fez o mesmo com ele. O que deixou a ambos com os rostos mais afogueados.
- Quem disse que não sabes dançar? – Shion perguntou dando alguns tapinhas nas costas do mais baixo.
- Bem, eu nunca havia tentado. – Explicou-se. O rosto ainda mais afogueado disfarçava a vermelhidão característica da timidez.
- Venha, vamos beber algo refrescante. Eu estou sedento. – E puxando a irmã consigo, andou até a mesa onde a família tinha costume de sentar-se. Apresentou Helene a Dohko e o chamou de amigo. A irmã lançou-lhe um breve olhar e sorriu. Conversaram amenidades e riram juntos.
Ao longe, Saga não conseguia parar de pensar em como separaria seu diamante bruto daquele amador. Mas desde que os vira dançando juntos ainda não havia conseguido pensar em algo bom.
"Me aguarde chinesinho... Você não o tirará de mim!" – Pensou ao se aproximar da mesa. Nos lábios um sorriso falsamente calmo. – Boa noite! – Desejou a Dohko apenas para não chamar atenção, ou dizerem que era mal educado. Sentou-se um pouco à mesa. – Espero não estar atrapalhando...
- Não Saga, você não atrapalha. – Helene sorriu para o grego. Achava-o lindo, mas também achava que poderia ser menos exigente com o irmão.
- Está preparado para amanhã, Shion? – Saga perguntou. Os olhos focados no rosto bonito e nos olhos violáceos.
- Sim... Você sabe que sempre estou. – Shion respondeu levantando o queixo. Estreitou os olhos, não entendia o que estava dando em Saga. Sabia que ele era maníaco para que tudo desse certo e não fugisse de seus planos, mas já estava sendo um pouco demais. Nunca deixaria de agradecer as oportunidades que o grego havia lhe proporcionado, mas talvez estivesse chegando o momento de dizer-lhe que precisava dar um tempo de tudo aquilo. Mas não ali, levaria tudo com tranqüilidade e serenidade.
A conversa seguiu não tão agradável como antes para Dohko e, quando o grego levantou-se para se recolher, o chinês faltou dar pulos de alegria. Segurou o riso que quis formar em seus lábios e apenas despediu-se polidamente.
- Boa noite a todos e, Shion não se esqueça que amanhã bem cedo vamos para a praia para que termine os quadros que seguem com os demais muito em breve. – A voz falsamente suave. Na verdade ele queria explodir de raiva. – Seria melhor não se demorar muito para se recolher.
Olhando de soslaio para o loiro Shion estreitou os olhos. Segurou a muito custo sua língua para não lhe dar uma resposta mal educada. Já não estava gostando muito daquilo. Sentia-se sufocado e, ao olhar na direção de Dohko soube por que... Estava fascinado pelo chinês e não conseguia descobrir por que. – Sim, eu tenho consciência de que não é muito bom ficar aqui até tarde, mas eu acordarei no outro dia. Eu sempre acordo. Não se prenda por minha causa, eu muito em breve já estarei me recolhendo também.
Aquela mudança no jeito calmo de seu protegido fez com que Saga arqueasse a sobrancelha. Olhou para os lados do 'intruso' e o fuzilou com os olhos. Percebendo que talvez fosse melhor não ficar por ali, Helene desviou os olhos para o irmão e lhe fez o pedido.
- Shion, você me acompanha? Preciso conversar um pouco em particular com você.
Desconfiado Shion olhou da irmã para Saga, em seguida para Dohko e com um pigarrear ficou em pé e ofereceu o braço a irmã. – Se não há remédio, remediado está. Vamos querida. – Olhou por sobre o ombro e viu o sobrinho levantar-se de um pulo e ir despedir-se do chinês. Percebeu que Saga trocava olhares nada amistosos com ele e não entendeu se era com o sobrinho, ou mesmo com o outro pintor. – Tenha uma boa noite, senhor Shingyang. – Desalinhou os cabelos do sobrinho e com um gesto de mão o chamou andando devagar.
Dohko levantou-se para despedir-se, como mandavam as boas maneiras e arregalou os olhos ao ver Saga aproximar-se. Os olhos estreitos lembrando duas fendas.
- Já lhe disse para se afastar de Shion... Não me faça tomar atitudes drásticas.
- Não tenho medo de você. – A voz modulada e o olhar sério, determinado.
- Pois deveria.
Antes mesmo que o chinês tivesse tempo de retrucar, o espoleta Kiki, que ali ainda estava, meteu um chute certeiro na canela do grego. O pequeno havia escutado tudo. Saga fez menção de avançar sobre o garoto, mas este foi colocado para trás do corpo de Dohko, que o olhava bravo. Ao ver o loiro afastar-se resmungando, voltou a sorrir.
- Kiki não faça mais isso, meu valente amiguinho.
- Ele mereceu... É um grande chato. Não deixa tio Shion fazer nada comigo. – Bufou o garotinho. – Daria mais chutes se ele não fosse embora tão rápido.
Dohko gargalhou achando graça da coragem do pequeno. – "Realmente as crianças não mentem!" – Pensou ao recordar-se do que o pequeno já havia lhe dito naquela tarde sobre Saga.
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As leves batidas na porta tiraram Shion de seus devaneios. Ele estava arrumando suas coisas na maleta de pintura. Separando vidrinhos de tinta, substituindo os que precisavam, trocando pincéis. Aquilo estava distraindo sua mente, pois ainda estava intrigado com o jeito com que a irmã o fizera subir para deitar. Parou o que fazia e olhou para a porta. Era muito cedo para Saga passar por ali. Pelo menos uma hora antes do que ele tinha costume.
- Pode entrar! – Ordenou sem nem olhar para a porta quando esta se abriu, continuando com o que estava fazendo. Não entendendo aquele silêncio todo, virou-se para ver quem era. Precisou segurar a respiração. Observou o recém chegado dos pés a cabeça. Dede as sapatilhas negras, passando pelas calças de mesma cor e da camisa longa de botões azul turquesa. Estava sem fala.
- Bom dia! Se quiser volto outra hora... Talvez vá te atrapalhar.
Piscando várias vezes os olhos, Shion remexeu-se onde estava sentado, levantou-se de um salto e pigarreou antes de conseguir falar.
- Bom dia, senhor Shinyang... Eu... Não precisa ir embora! Fique eu estou apenas repondo algumas tintas e dando uma arrumada para poder ir para meu lugar favorito... Viu-me pintando lá. – Sorriu ao vê-lo arquear as sobrancelhas.
- Bem... Se não atrapalho... – Retribuiu o sorriso ao aproximar-se. – Sei que está lotado de coisas para fazer, mas o que acha de sairmos? Podemos dar um passeio, ir para outro lugar, eu te ajudo com suas pinturas. – Parou a frente dele e abriu seu melhor sorriso.
- Bem... Eu sempre pinto na praia sob a supervisão de Saga...
- Por acaso ele é pintor? Conhece as técnicas de pintura? – A voz aparentemente calma, mas por dentro o chinês sentia uma raiva gigantesca.
- Bem... Pensando bem, Saga é apenas um bom apreciador das artes plásticas, mas não sabe fazer um sombreado.
- Então... – Insistiu Dohko.
Pensativo, Shion foi deixando que um sorriso matreiro surgisse em seus lábios. – Está bem, mas tenho uma idéia melhor. – Ao ver o chinês arquear a sobrancelha continuou. – Não se preocupe, apenas me ajude com minhas coisas, por favor. Temos de sair daqui antes que Saga apareça e tente nos impedir. – Com um sorriso a lhe iluminar o rosto, pegou as coisas e saiu rapidamente do quarto, acompanhado por Dohko.
Usaram as passagens de funcionários e em poucos minutos estavam na grande cozinha e, o que fora melhor, sem serem vistos. Após um rápido desjejum, Shion os guiou pela saída dos fundos a qual tinha uma porta para a garagem onde ficavam os carros pertencentes a pousada. No banco traseiro do Ford 1919, conversível vermelho, a mala de tintas, as telas, cavalete, banquinho e uma enorme cesta de piquenique. Algumas voltas na manivela e o barulho do motor quebrou o silêncio do local. Em poucos minutos a pousada ficava para trás. O carro seguia em velocidade muito grande para a época.
- Senhor Leiyllan, não achas que está correndo um pouco além da conta? – Dohko perguntou arregalando os olhos com as finas e alinhavadas manobras executadas.
Shion gargalhou, em toda sua vida não se lembrava de ter se divertido tanto. Os cabelos agitados pelo vento, os olhos brilhantes de contentamento. – Que nada... Devemos aproveitar a vida, Dohko. – Fez uma pausa e olhou de lado. – Que tal pararmos com essa formalidade? Acho isso muito chato.
- Está bem, Shion! – Sorriu divertido. Em seu peito seu coração batia disparado.
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- É linda! – A vista era maravilhosa. A praia de areias claras, algumas pedras ao lado esquerdo, o mar de águas cristalinas parecia fundir-se com o céu no horizonte.
- Eu te disse que você iria gostar. – Shion sorriu. Ajeitou os longos cabelos, retirou os sapatos, dobrou as barras da calça e começou a pegar suas coisas.
Seguindo o exemplo dele, Dohko fez o mesmo com sua calça e deixou os sapatos dentro do carro. Pegou o que havia ficado ainda no banco de trás e seguiu o mesmo caminho feito pelo grego. Arrumaram as coisas próximo às pedras, e o chinês estendeu uma toalha, onde foi colocada a cesta. Shion colocou uma tela com pintura inacabada no cavalete e sentou-se. Prostrando-se ao lado dele, o chinês analisou a tela.
"Realmente ele pinta muito bem!" – Pensou. Inconscientemente levou a mão direita ao medalhão.
- O que foi? – Shion perguntou ao notar o gesto. – Calor? – Por que não abre uns botões de sua veste? Talvez refresque um pouco.
Arregalando os olhos e um pouco envergonhado, Dohko titubeou por uns instantes. – Não foi nada. – Fez uma pausa e abriu uns botões da camisa revelando o medalhão sobre a pele alva. Não passou-lhe despercebido o modo como fora observado. – Vamos ver se consigo ajudar-te, Shion. – Tentou concentrar-se no que deveria fazer. Ele não conseguia entender o que estava acontecendo. Quando ficava tão próximo de Shion sentia as pernas bambearem, o coração disparar no peito, a boca secar... Lembrou-se de Afrodite e seu jeito sempre tão despojado de agir e falar. – 'Um dia você irá se apaixonar!' – Parecia que a voz do amigo lhe ribombava na memória e, somente aí percebeu o que não queria enxergar... Estava apaixonado! Balançando a cabeça um pouco, notou o interesse de Shion.
- Aconteceu alguma coisa?
- Não, não foi nada... Vejamos como posso ajudar. – Voltou a olhar para a pintura. – Primeiro preciso saber o que pretende... Qual efeito estava imaginando e... Esse é aquele mesmo quadro que você estava pintando quando te conheci, não é?
- Sim, é ele mesmo. – Os olhos violáceos que o miravam brilhavam mais com a luminosidade do astro rei. – Quando comecei a pintá-lo, imaginei um barco de pesca nesse canto, mas até agora não me decidi... O que acha?
Pensativo, Dohko olhou para as rochas onde o mar quebrava suas ondas. – Que tal pintar a paisagem desta praia? – Olhou para o espaço vazio e voltou a olhar para todos os lados.
- É uma idéia. – Shion pegou o lápis de desenho e o segurou entre os dedos. Bateu algumas vezes no queixo com ele levemente. O semblante sério e concentrado.
- Sabe, Shion... Um de meus professores disse a minha turma que para se pintar não é necessário preocupar-se... – Sorriu. – Pense no que você gostaria e pinte com seu coração. Sei que já deve fazer isso, mas precisa divertir-se também. Relaxe...
Sorrindo Shion deixou de lado a paleta e pincel. – Venha, vamos caminhar um pouco. A pintura pode esperar.
- Mas você tem um prazo...
- Até tenho, Dohko, mas a vida é muito curta para se desperdiçar. Desde que Saga me descobriu só tenho pintado... Venha, faça-me companhia! Não quero desperdiçar esse dia. – Sorriu para o chinês e o puxou pelo braço.
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O pincel era manejado com extrema maestria. Lentamente os traços do desenho feito com o lápis negro iam sendo cobertos. Sentado a um canto sobre uma pedra, Dohko não fazia idéia do que estava acontecendo. Só se dera conta de que Shion havia mudado de lugar há pouco tempo e, não havia se importado tanto, somente quando percebeu que era observado. De um estalo levantou-se e ensaiou dar uns passos.
- Por favor, continue aí mesmo, sim...? – Pediu Shion. De seus lábios um leve sorriso despertou mais ainda o interesse do 'modelo'.
- Mas o que pensa...
- É uma surpresa... Segredo! Por enquanto. – Riu divertido. – Você fica quietinho... Você nem parece o mesmo que estava até agora me contando um pouco sobre sua vida. Deixa de ser curioso. – Falou tentando parecer sério, mas no fundo com vontade de sorrir e mostrar-lhe o que fazia.
- Ora, está bem. – Dohko sentou novamente no mesmo lugar e bufou meio a contra gosto.. – Sabe talvez fosse melhor comermos algo... – Olhou para o céu. – Acredito que já passa do meio dia e meu estômago começou a protestar. – Sorriu fazendo uma careta divertida e coçando a nuca.
- Bem, você tem razão, meu estômago começa a protestar também, mas nem pense em olhar a tela. Ainda não está terminada. – Levantou-se do banquinho, pegou a tela e o cavalete e levou-os para fora da visão de Dohko. Viu quando este apenas ameaçou aproximar-se da tela e, com apenas um olhar fez com que ficasse no mesmo lugar. Olhos nos olhos... Foi impossível conter o riso.
Passado o acesso de riso, finalmente sentaram-se lado a lado para comerem as delícias que o cozinheiro chefe havia lhes preparado e posto na cesta.
- Escuta Shion, não quero parecer ignorante... – Começou Dohko ao servir-se de um pedaço grande de torta de morangos silvestres. – Mas qual era o motivo de Kiki e outros terem quebrado pratos? – Perguntou curioso.
- Ora, você não é obrigado a conhecer uma cultura que não seja de seu país, ainda mais que é da cultura grega. Então não diga besteiras! Não se menospreze. – Shion chamou-lhe a atenção e também serviu-se de um pedaço de torta. – A quebra de pratos simboliza a alegria, a exaltação e é uma forma de livrarmo-nos do peso dos bens materiais. – Explicou dando uma mordida no pedaço de torta.
- Entendi... – Sorriu. – Agora... Você me disse que foi descoberto por Saga, certo? – Perguntou e, ao ver que Shion concordava com um aceno de cabeça prosseguiu. – Desde quando pinta?
Pensativo, Shion desviou seus olhos dos dele para o mar. A voz calma e moderada. – Acho que desde que me conheço por gente... – Sorriu de lado. – Minha mãe era pintora. Papai a conheceu em uma viagem para o Tibete. Foi amor a primeira vista. Casaram-se e voltaram para cá. Desde muito cedo eu já 'brincava' de pintar. Depois fiz alguns cursos. Saga me encontrou quanto eu tinha 17 anos. Ajudou-me muito, não posso reclamar.
Dohko ficou quieto e levou aos lábios o pedaço de torta. Acabou por melecar-se todo. Com um guardanapo tentou limpar o estrago e voltou-se para Shion.
- Conseguiu limpar tudo? – Perguntou.
Com um sorriso malicioso, Shion tirou-lhe das mãos o guardanapo. – Não... Faltou um local. – Segurou-lhe o queixo com uma das mãos e como um felino, aproximou seu rosto do dele. Devagar, tocou-lhe o conto do lábio com a língua em uma lambida sensual e demorada.
Pego de surpresa Dohko arregalou os olhos, mas não afastou nenhum milímetro. Seus pensamentos começaram a se desordenar. Procurou pelos olhos violáceos. Sentiu sua pele arrepiar com o toque suave e delicado em sua nuca. Fechou os olhos sem ação. Shion havia deslizado sua mão por toda a lateral do pescoço dele e afundou os dedos nos cabelos castanhos avermelhados. Firmou-lhe a nuca enquanto acariciava o local. Mirou-o predatoriamente nos olhos e aproximou seus lábios dos dele, roçando lentamente, experimentando a textura. Como não houve protestos, mordiscou o lábio inferior e com a língua pediu passagem, introduzindo-a no interior daquela boca de lábios carnudos assim que ela se abriu. Experiente, explorou cada cantinho secreto que pudesse existir. Sorriu interiormente ao sentir as mãos fortes do chinês finalmente começarem a lhe explorar o peito, lateral do corpo e por fim abraçá-lo apertado passando as unhas por cima da camisa.
Quando se separaram, tinham os rostos afogueados e Dohko aproveitou para mordiscar-lhe os lábios em uma provocação muda. Com um sorriso malicioso tomou-lhe os lábios em um beijo exigente. Sentiu sua pele arrepiar-se ao menor toque das unhas de Shion, por cima do tecido... Sobre seus mamilos. Beijou todo o rosto dele deixando um rastro ardente como se um ferro em brasa lhe marcasse a pele rosada. Prendeu o lóbulo da orelha entre os lábios, substituindo-os pelos dentes. Fez leve pressão e regozijou-se ao ouvir o gemido baixo que escapou pelos lábios do outro.
- Você está brincando com fogo. Tem noção disso? – Shion falou bem próximo ao ouvido dele. A voz levemente rouca. Provocou-lhe tocando com uma das mãos a coxa direita.
- Hmm... – Gemeu baixo. – Tenho, mas eu não tenho medo de queimar-me. Você tem? – Perguntou. As mãos deslizaram pelas costas lentamente. Mirou-o com curiosidade e desejo. Ao vê-lo fazer que não com um menear de cabeça, abriu mais o sorriso e beijou-o novamente. Com movimentos ágeis, puxou a camisa para fora da calça e escorregou suas mãos para dentro. Arranhou levemente a pele.
Shion continha-se, mas não era nada fácil. Nenhum de seus outros casos, nem mesmo seu último namorado, conseguira fazer o que o chinês estava fazendo. Ele o deixava em êxtase.
Latidos e uma voz feminina fizeram com que os dois se separassem. As respirações alteradas, rostos avermelhados, sorrisos e olhares de cumplicidade. A jovem pareceu não ter visto nada demais e, juntamente com seu cão sumiu de vista. Dando de ombros, Shion começou a rir sendo acompanhado por Dohko. Em seguida, silenciosamente, pois parecia que após os beijos não precisavam dizer mais nada, Dohko guardou as coisas na cesta enquanto Shion voltava para sua pintura.
- Posso me aproximar? – Dohko perguntou quando terminou de guardar tudo e voltou-se para onde Shion estava.
- Eu já disse que não... – Shion retrucou olhando-o seriamente. – Não falta muito. Vai lá... Sente nas pedras e fique observando o mar.
- Mas você... Eu iria te ajudar...
- Dohko... Já disse que é surpresa... – Bufou fazendo a franja levantar um pouco. Sem desviar os olhos do que fazia, misturou lentamente as tintas para chegar ao tom de azul desejado. Faltava muito pouco... Apenas mais um pequeno detalhe... O medalhão.
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Deitado em sua cama de olhos fechados, Dohko não conseguia parar de pensar em todos os acontecimentos daquele dia. Tudo parecia passar por sua mente em flashback. Seu humor estava variando conforme recordava de tudo. Ele oscilava entre calmo e estarrecido... Ele sentia como se estivesse em uma gangorra, com seus altos e baixos.
Quando sentia que iria explodir, pensava rapidamente nos beijos trocados com Shion na praia. Suspirou ao fazer isso, pois percebia que iria estourar novamente. Tocou levemente com a ponta dos dedos os lábios carnudos. Sorriu e abriu os olhos revelando as íris verdes. Checou as horas e suspirou.
"Nem meia noite ainda!" – Bufou. Fixou seus olhos em um ponto do teto, que na penumbra ganhava uma nova cor que não a branca... Era algo como meio acinzentado. – Shion... – Murmurou baixinho. Sentia a raiva voltar. Saga era o causador daqueles sentimentos adversos e por ele estar tendo seus altos e baixos. Como um raio as lembranças foram voltando à mente.
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Shion havia terminado de pintar o quadro em seu quarto, onde os dois estavam agora. Foram poucos retoques, mas até aquele momento ele não havia deixado Dohko ver o que havia sido retratado. Apesar de que o chinês tinha uma leve desconfiança do que era.
- Pronto... Agora você pode ver! – Shion sorria ao limpar o pincel no pano que usava.
Dohko arqueou as sobrancelhas e parou atrás dele. Apoiou as mãos nos ombros do ariano e espiou a tela. Se fosse uma mulher teria desmaiado ao ver-se retratado no quadro. – Ficou perfeito. – Conseguiu dizer. Ele não entendia por que estava daquele jeito se já desconfiava do que veria na tela.
- Eu achei que poderia melhorar mais, mas...
- Não, Shion! Está perfeito. – Dohko baixou um pouco o corpo deixando a ambos com os rostos na mesma altura. Beijou-lhe o canto do lábio e endireitou o corpo. – O que aconteceu com o barco de pesca, que queria pintar antes? – Gracejou ao perguntar.
- Mudei de idéia... Fiquei fascinado por certo chinês. – Sorriu. – Ele é melhor modelo que um barco. – Ao terminar de falar pôs-se de pé e virou para ficar de frente com o mais baixo. – Muito obrigado pelo dia de hoje. – Tocou-lhe o rosto e aproximou-se um pouco. As mãos do chinês o seguraram pela cintura. – Obrigado por fazer com que eu me sentisse vivo novamente.
- Não precis...
O barulho da porta se abrindo, fez com que Dohko não completasse o que estava falando. Os dois olharam surpresos para a direção do barulho. Saga já se fazia presente e estava com cara de poucos amigos.
- Muito bonito, Shion! – Saga fuzilou-os com os olhos antes de fechar a porta. Não precisava que nenhum dos empregados ouvisse tudo.
- Saga, você não tem o direito de entrar em meu quarto assim. Esqueceu-se das boas maneiras? – Shion estava muito bravo, pois não suportava que fizessem aquilo com ele.
O sorriso irônico no rosto bonito, o olhar sádico diferente do sempre calmo a que o pintor estava acostumado. - Ora Shion, achei que você tivesse aprendido a lição depois de seu último romance? – Aproximou-se com passos graciosos e ao mesmo tempo lembrando o andar de uma fera a espreita.
Dohko segurava-se para não voar no pescoço do loiro. Tentou dar um passo, mas sentiu uma mão forte segurando-o. Olhou para Shion e prendeu a respiração... Ele estava transtornado e de seus olhos violáceos um brilho incontido poderia assustar os desavisados.
- Você não sabe o que fala, Saga. Cale-se ou não respondo por meus atos.
O grego gargalhou. – Shion, Shion... Pelo visto esqueceu-se mesmo do que aconteceu... Esqueceu-se que foi a mim que recorreu quando Iápeto deixou-te? Contou isso para ele?
Dohko arqueou uma sobrancelha, estreitou os olhos e mirou Saga. Em seguida voltou seus olhos pra Shion que estava ao seu lado.
- Eu não preciso falar do passado... E tenho certeza que não será como antes. – Olhou para Dohko e suspirou. Aquilo era definitivamente constrangedor.
- Como não será? Você já começou a sumir e não cumprir com seus afazeres, temos uma vernissage. Você não pode se dar ao luxo de brincar com seu novo brinquedinho, que assim que se cansar de você o deixará . – A voz mordaz e baixa.
- Calma lá... Você não pode falar assim com quem não conhece. Muito menos maltratar Shion, só por que é o empresário dele! – Dohko o fuzilava com os olhos.
- Deixa isso que eu resolvo, Dohko. – Shion deu alguns passos à frente. Os olhos estreitos lembravam duas fendas. – Não lhe disse que era meu dono para decidir o que devo ou não fazer. Não tem o direito de ofender aos meus amigos e muito menos a mim. Chegou a hora de você voltar ao seu lugar. Um dia dei-lhe liberdade, hoje estou tirando-a. Saia de meu quarto. Amanhã conversaremos sobre a viagem e se você continuará como meu empresário. Boa noite, Saga! – Passou a passos largos ao lado do loiro alto, abriu-lhe a porta e ficou esperando até que este saísse. Fechou a porta ao vê-lo passar em marcha e suspirou.
Dohko aproximou-se rapidamente cingindo-lhe a cintura e o puxando para si. Acariciou-lhe as costas lentamente.
- Doh...
- Shiii... – Tocou-lhe os lábios com dois dedos. – Não diga nada. Você não me deve explicações. O que é passado, no passado está. – E lhe deu um beijo lento, deixando que suas unhas deslizassem pelas costas dele. – Tente se acalmar. – Pediu ao senti-lo tenso. – Eu não vou sumir ou fugir... – Murmurou próximo ao ouvido dele.
- Eu sei... Eu acredito em você, mas não era para ser assim.
- Já disse, não se preocupe. Eu também tenho um empresário maluco. – Sorriu e lhe deu um selinho. Mas ao vê-lo bocejar, acariciou-lhe o rosto levemente. – Seria melhor você ficar por aqui mesmo por hoje. Peça para que te tragam algo aqui. Assim você evita de ver aquela cara brava novamente.
- Você já vai? – Shion perguntou afagando-lhe os cabelos e a nuca.
- Acho melhor... – Murmurou com a voz levemente enrouquecida. Talvez Shion não soubesse o que estava fazendo com ele. – Você está cansado. Já estava acordado quando eu vim te procurar e acredito que já estava de pé há mais tempo. – Sorriu. – Descanse, eu vou voltar para meu quarto. – Beijou-o com ardor e libertou-o de seus braços assim que interrompeu o beijo. – Durma bem!
- Você também! Até amanhã. – Shion desejou vendo-o sair.
o~o~o~o~o
O barulho de algo caindo no corredor fez com que Dohko deixasse as lembranças daquele dia para lá. Levantou colocando o roupão e dirigiu-se a porta para saber o que havia acontecido, mas não viu mais nada. Fechou a porta, voltou para a cama, tirou o roupão e deitou-se novamente.
"Preciso descansar!" – Pensou ao fechar os olhos.
** Continua **
Explicações de rodapé:
Buzuki¹: Instrumento de cordas que lembra um alaúde, só que com 8 cordas e o braço mais comprido.
N/A.: Por favor se gostarem cliquem no botãozinho charmoso ali embaixo. Ele não morde e nem arranca pedaço. Deixem review...
