Tóquio, 14 de janeiro de 2022, inverno.

A primeira nevasca do ano atingiu Tóquio impiedosamente. Um tapete branco estendeu-se sobre as ruas da capital, os telhados das casas e, até mesmo, sobre as pistas do aeroporto Haneda. Nessa manhã pálida de inverno, mais de quatrocentos voos domésticos foram cancelados. Congestionamentos quilométricos petrificaram o trânsito. Os transportes públicos foram tomados pelo caos. Entretanto — apesar desse cenário repleto de entraves — grande parte dos japoneses não cessaram os seus compromissos diários. No meio de uma multidão que atravessava o cruzamento em frente à estação de metrô e trem do bairro Shibuya, estava Makoto Tachibana.

O jovem detinha uma ruga entre as sobrancelhas. Estava estressado por causa do trânsito e com medo de chegar atrasado ao emprego. Nada muito diferente do restante da população japonesa nesse dia. Makoto, ao chegar à calçada, aumentou a velocidade dos passos. No seu lado direito havia dezenas de lojas de produtos eletrônicos. Vários modelos de televisão de última geração estavam expostos em vitrines, mas ele não notou nada disso, pois estava apressado.

Então, o jovem ouviu o som de uma música familiar e muito próxima de si. Droga. Era o seu celular. "Que horário mais conveniente para receber uma ligação", pensou Makoto. Praguejando baixinho, ele enfiou a mão dentro do bolso do casaco e retirou de lá o aparelho. Era Kazumi Sato — dono do clube de natação onde ele trabalhava como treinador de crianças. Ou seja, o cara era seu patrão. Que droga... Makoto não poderia simplesmente rejeitar a chamada!

Ele diminuiu o ritmo dos passos. Destravou a tela do celular com o polegar e levou-o a orelha.

Moshi-Moshi. — Falou, sendo quase arrastado pela multidão desenfreada que caminhava atrás dele. — Sim, Sato-san. Eu irei. A neve me atrasou um pouco, mas já estou chegando. Sim. Perfeitamente. Claro.

O jovem de vinte e seis anos sentiu algo gélido ser lançado sobre seus sapatos. Era água. Um funcionário de uma loja estava retirando a neve da calçada com um balde d' água e não o vira passando.

O rapaz pediu desculpas ao receber um olhar aborrecido de Makoto que balançou a cabeça e voltou a caminhar. Dessa vez, ainda mais estressado que antes. O dia-a-dia em Tóquio era assim. Agitado. As pessoas estavam sempre correndo e sempre atrasadas para algum compromisso. Makoto, por vezes, considerava a possibilidade de voltar para a calmaria de Iwatobi. Mas, só considerava mesmo. No fundo, ele gostava de morar na capital do Japão.

— Eu preparei algumas atividades para as crianças hoje. — Disse Makoto para o patrão que insistia em manter a conversa. — Sim. Pode avisar aos pais que eu já estou chegando. O trânsito está um caos hoje, por isso o atraso.

Ele já podia avistar, além do mar de cabeças a sua frente, a rua que cruzaria para se dirigir ao clube onde trabalhava.

Ótimo. Faltavam mais três quarteirões.

Então, à medida que caminhava, uma reportagem que passava nas imensas TVs de LED expostas na vitrine de uma loja chamou a sua atenção. Essa mesma reportagem se repetia em, no mínimo, quatro televisores organizados um ao lado do outro. Era o noticiário do dia. Makoto cessou os passos mais uma vez e parou diante da vitrine, ao mesmo tempo em que proferia monossílabos para o patrão ao celular. Todas as TVs da vitrine exibiam o belíssimo rosto de um jovem.

Makoto aproximou-se do vidro e encarou mais atentamente o que estava sendo exibido nos televisores. Alguém esbarrou no seu ombro. Não se importou. Continuou encarando fixamente. O jovem que passava no noticiário detinha cabelos negros e os olhos mais lindos de todo o mundo. Eles eram azuis como o céu. Ou melhor, como o oceano.

Era Haruka Nanase. O seu... Makoto nem sabia como chamá-lo. Amigo, talvez? A pessoa que ele mais tinha amado na vida? Certamente, existiam várias formas de chamá-lo. Mas, isso não importava no momento. A única coisa que importava era a razão de Haru estar passando no noticiário da manhã (não que isso fosse incomum, mas, por alguma razão, a reportagem despertou a curiosidade de Makoto.).

Ele leu uma pequena listra azul embaixo da foto de Haru, onde estava escrito a notícia, e quase cambaleou para trás. Makoto arregalou os olhos devido ao horror e entreabriu os lábios, surpreso. No celular, Sato continuava falando algo que ele sequer ouvia e, muito menos, era capaz de compreender, pois estava alheio ao mundo.

Naquele momento, para Makoto, tudo o que existia era aquela reportagem e a notícia estampada embaixo da foto de Haru que informava:

HELICÓPTERO QUE TRANSPORTAVA O ATLETA OLÍMPICO, HARUKA NANASE, CAI HOJE EM MASSACHUSETTS, NOS ESTADOS UNIDOS.

Enquanto Makoto relia aquela frase diversas vezes sem acreditar, uma filmagem amadora tomou espaço. Provavelmente, fora gravada por alguém que estava presente no local do acidente. Ela mostrava literalmente os pedaços do helicóptero que estavam espalhados numa região tomada por árvores. Alguns deles estavam, até mesmo, em chamas.

"Talvez, seja uma floresta", cogitou Makoto. A filmagem, ao mudar de foco, também mostrou uma equipe médica estadunidense trazendo às pressas um corpo numa maca. A vítima respirava por meio de uma máscara de oxigênio. O vídeo não mostrou o rosto dela, entretanto, Makoto sabia quem era. Sabia quem era a pessoa na maca.

Era Haru.

Makoto sentiu o celular escorregar de sua orelha. Não podia ser...

Algumas pessoas também pararam ao seu lado e, ao lerem a notícia, soltaram uma exclamação. Todos os japoneses eram fãs de Haru, pois ele havia conquistado nove medalhes de ouro nos Jogos Olímpicos de Tóquio. Haru era o orgulho do Japão. O sucessor de Michael Phelps.

E agora estava morto?

— Haru... — Sussurrou Makoto, enquanto sentia-se girar.