A OUTRA FACE DO DESTINO

Disclaimer: Saint Seiya não me pertence, e sim a Masami Kurumada.

N/A: Esta fic se passa após o término das batalhas e os cavaleiros de bronze já têm seus 20 e tantos anos.

Boa leitura!


Capítulo 1

Final da tarde. Uma chuva fina de outono caía timidamente, sem incomodar a figura do homem que permanecia ali, naquela posição, já há algum tempo. As delicadas gotas de chuva que caíam sobre seu rosto misturavam-se às lágrimas que escorriam por sua face.

- Hyoga... – falou o homem, quase em um sussuro.

O homem estava em pé, diante de um túmulo sobre o qual se encontravam muitas flores. Seu semblante expressava a dor que sentia. Os punhos estavam cerrados com força.

- Ikki... – uma voz amiga alcançou o rapaz moreno, que mantinha o olhar fixo no túmulo – Vamos para a mansão. Por favor.

- Vá embora, Shiryu. – disse o homem, sem virar-se para encontrar os olhos serenos, porém firmes do chinês de longos cabelos negros.

- Ikki, você já está ficando ensopado... – falou o rapaz, que segurava um guarda-chuva em uma das mãos enquanto pousava a outra no ombro do homem cuja fisionomia dura expressava a tensão latente em cada membro de seu corpo.

- Não me importo.

- Todo mundo já foi embora, Ikki... Inclusive o Shun. – a voz do jovem já soava como um apelo.

O outro não respondeu. Permaneceu ali, estático, como se sequer tivesse ouvido o amigo.

Shiryu sabia que não poderia forçá-lo a ir. Na verdade, o fato de Ikki estar lá já era um progresso:

- Está bem. Estou indo. Mas, por favor... não demore muito. Seu irmão ficará preocupado. – suspirou o jovem de cabelos negros, enquanto dava meia-volta para seguir seu caminho.

Ikki ouviu Shiryu afastar-se do local e entrar no automóvel da Fundação. Em seguida, escutou o barulho do carro ir diminuindo até desaparecer por completo. Ficou, então, a ouvir apenas o som da chuva caindo sobre a folhagem do cemitério.

Não sabia ao certo quanto tempo mais ficou ali. Despertou daquele estado letárgico quando a chuva engrossou e as gotas d'água, cada vez mais pesadas, chocavam-se contra o seu rosto de forma mais agressiva. Olhou então para o céu e viu que densas nuvens cinzentas anunciavam uma tempestade que duraria um bom tempo.

Lembrou-se então das últimas palavras ditas pelo amigo antes de deixá-lo só. "Seu irmão ficará preocupado"...

- Até parece. – falou Ikki, com a voz rouca.

As coisas estavam mudadas. Shun não ficaria preocupado com ele... Não; o máximo que Shun poderia sentir agora era raiva. E ele tinha toda a razão.

- A culpa é minha. Toda minha. – e novas lágrimas irromperam dos cansados olhos do cavaleiro de Fênix. Sentiu o corpo pesar e deixou-se cair de joelhos onde estava. Levou uma mão ao rosto, soluçando dolorosamente, enquanto o outro braço apertava com força o seu atormentado corpo.

- Droga, Hyoga... Por que você teve que me abandonar?... – gemia Ikki.

- As coisas são assim. – respondeu uma voz atrás do cavaleiro.

Ikki virou-se rápido, tomado pela surpresa de perceber que havia mais alguém ali além dele.

- Quem é você? – e tomou uma atitude ofensiva.

- Calma, meu rapaz. – disse o homem aproximando-se mais de Ikki – Não pretendo lhe fazer mal.

O cavaleiro de Fênix nada respondeu. Estava em posição de ataque por não saber o que esperar dessa súbita aparição. Mas tinha a sensação de que aquele homem não era um simples transeunte... havia algo naquela presença que o incomodava. Tentou estudar o provável oponente, mas estava difícil: a chuva era intensa e já anoitecera, o que impossibilitava os olhos azuis escuros de enxergarem com clareza qualquer coisa.

- Imagino que esteja um tanto agitado devido aos últimos acontecimentos.

Ikki continuava a tentar encará-lo, sem dizer uma palavra.

- Por isso, não vou tomar como algo pessoal o modo descortês como está me tratando agora. – o homem ia falando enquanto caminhava feito uma fera que cerca sua presa.

- Se bem que... esse tempo também não está ajudando. – e parou para observar a chuva incessante.

E, num estalar de dedos, o misterioso homem fez com que a chuva parasse repentinamente de cair e o céu abrisse numa noite clara de luar.

- Ah, agora sim... Ficou muito mais agradável de se conversar. – falou o homem, apreciando o céu estrelado como um artista que contempla sua obra de arte.

Com a noite clara e límpida que fazia agora, Ikki pôde finalmente examinar a figura que tinha diante de si. Espantou-se ao se dar conta de que, ao contrário do esperado, a sua frente encontrava-se um homem de aparência frágil. Parecia ser só um pouco mais velho que Ikki e tinha cabelos longos, ondulados e prateados. Seus olhos gentis eram também da cor da prata.

- Será que agora podemos conversar? – perguntou o homem, com um sorriso bastante amável.

Ikki estava confuso. Aquele homem de fala pausada e aparência tão delicada pareceria inofensivo aos olhos de qualquer pessoa. Mas sua intuição não o deixava confiar nele; havia algo estranho ali. E Ikki sempre confiara em suas intuições. Se bem que, parando para pensar... tinha sido também a sua maldita intuição que o levara àquela situação. Por ter seguido sua intuição, ele estava sofrendo tanto nesse momento. Então talvez ela não fosse tão confiável assim...

- Certo. Já vi que não gosta muito de dar assunto para qualquer um. Tudo bem que já provei não ser qualquer um, mas pelo visto...

- Você acha que me impressionou com esse truque barato? – Ikki falou com desprezo – Acredite, já vi coisas bem mais incríveis que fazer parar de chover.

- Ah, sim. Concordo que isso realmente não passou de um truque simples de se realizar. No entanto, esperava uma reação melhor da sua parte. Mas está bom assim; você está provando ser, de fato, quem eu procurava.

- Afinal, quem é você? – tornou a perguntar o cavaleiro, já bastante incomodado com essa conversa e abandonando a posição ofensiva em que estivera até então.

- Oh, desculpe-me. Ainda não me apresentei devidamente; que falta de polidez da minha parte.

Ikki olhava para esse homem já com algum enfado. Os floreios, a forma afetada como falava não lhe agradavam em nada.

Viu então o homem retirar de seu sobretudo preto algo semelhante a uma carta de baralho. Ikki bufou e disse rispidamente:

- Olha, eu não tenho tempo para ficar vendo seus truques de mágica. Por que não some da minha frente e me deixa em paz? – falou impaciente.

- Já ouviu falar que o futuro está nas cartas, meu rapaz? – disse o homem que olhava fixo para a carta em sua mão.

- Você só pode estar de brincadeira comigo! – Ikki levantou o tom de voz – Então você é aquele tipo de pessoa que se aproveita do sofrimento dos outros para vender ilusões, é? Pois saiba que eu não sou estúpido pra cair nessas coisas! Leva seu baralho de tarot pra outro canto e desaparece de uma vez! – e, dando as costas para o homem, começou a afastar-se dali a passos rápidos.

- Eu não dei permissão para você sair ainda. – disse o homem cujos olhos prateados agora estavam ameaçadores.

Ikki parou de supetão. O homem de cabelos ondulados e brilhantes havia surgido do nada na sua frente. Olhou para trás como que para confirmar que o outro realmente havia se deslocado – muito rápido, por sinal.

O rapaz moreno estranhou o fato de não ter percebido antes nesse homem qualquer indício de que ele fosse um cavaleiro. Aliás, mesmo agora, ele não sentia absolutamente nada que indicasse naquele estranho um cavaleiro ou algo do tipo. Entretanto, a velocidade com que ele se movimentara indicava que, diante de Ikki, encontrava-se alguém cujo poder talvez não pudesse ser ignorado. Sua intuição estava certa, afinal.

- Quem... O que é você? – perguntou, um pouco receoso.

- Ah, agora estamos nos entendendo. – sorriu o homem – Devemos fazer as perguntas corretas se desejamos obter respostas. E você, meu caro, finalmente fez a pergunta certa... "O que" sou eu?...

Ikki engoliu em seco. Pressentia que algo nada bom estava por vir.

- Bem... há tantas formas de responder a essa pergunta... Eu poderia contar-lhe as várias histórias que as inúmeras denominações que recebo encerram, mas... acho que você não iria gostar muito disso. Você, meu rapaz, é do tipo que prefere simplificar as coisas e eu aprecio tal qualidade em você.

- Se aprecia mesmo, então pára de fazer tanto rodeio e vai direto ao ponto. – soltou Ikki que, além de não ser muito paciente normalmente, estava visivelmente cansado.

O olhos prateados brilharam e o homem sorriu. Voltou novamente sua atenção para a carta que ainda estava em sua mão e disse:

- Se é o que quer, eu vou ser direto. – e encarou o cavaleiro – Você pode me chamar de... Destino.

- Como é?

- Eu sou o Destino, Ikki.

- Como assim, você é o "Destino"?

- Ah, senhor Ikki... Assim você me decepciona. Antes queria que eu fosse direto e agora quer que eu explique o que é destino?

- Não se faça de idiota! Sei muito bem o que é o destino! Assim como sei que ele não é uma pessoa metida a besta que fica se exibindo com truques de 5ª categoria!

- Eu não sou uma pessoa, Ikki. Achei que isso já tivesse ficado claro. – falou o homem, com uma voz mais sombria.

Nesse instante, Ikki pôde sentir uma força muito poderosa envolvê-lo e sufocá-lo. Seu corpo cansado não encontrou forças para lutar contra essa poderosa energia que o jogou ao chão. O moreno não conseguiu levantar-se e teve de ficar ali, prostrado. O homem de cabelos prata aproximou-se dele e disse, com voz autoritária:

- E, daqui para frente, tome cuidado com o modo como vai se dirigir a mim.

O jovem não respondeu nada, então o homem continuou, usando um tom de voz mais brando:

- Conforme ia dizendo... Eu sou o Destino e, como você deve bem saber, controlo a vida de todos os seres. É um trabalho tão interessante quanto... entediante. Sabe, depois de tanto tempo controlando o que está por vir, tudo passa a ser muito enjoativo. Nada mais me chama a atenção, nada mais é novidade. Você entende o que estou falando, rapaz?

De repente, Ikki sentiu o que quer que o estivesse prendendo ao chão desaparecer e ele pôde erguer o rosto para novamente encarar aquela figura, que agora estava sentada elegantemente sobre um dos túmulos do cemitério.

- Grande coisa... – falou o moreno de cabelos azulados enquanto levantava-se sem tirar os olhos do homem a sua frente – Se você é mesmo o Destino, isso deveria ser o normal. Se você controla nossas vidas, então com o que você poderia se surpreender?

- Não, não! – riu o outro – Ikki, não confunda as coisas. Eu controlo o que está por vir, mas não tenho poder sobre as escolhas de cada pessoa. Esqueceu que existe uma coisa chamada livre-arbítrio? Pois então... o que eu faço é tão somente equacionar atitudes com suas devidas conseqüências. Conhece aquele ditado "você colhe o que planta"? A idéia é essa. Vocês preparam o terreno e eu apenas trato de colocar ali a semente apropriada para cada buraco cavado por vocês. No mais... fico controlando a forma como a planta cresce, o que depende também das atitudes de cada um. E isso não é fácil, não subestime o que faço. Não tem noção de como meu trabalho é... trabalhoso.

Ikki não conseguiu evitar um sorriso sarcástico, o que fez com que os olhos prateados se voltassem interrogativos para ele:

- Qual é a graça, meu caro?

- Fico satisfeito em saber que estava certo. Eu sempre disse que o destino é a gente quem faz.

O homem endureceu suas feições rapidamente. Era claro que o comentário de Ikki não havia agradado.

- Sim, tenho de concordar. – rosnou ele – De certa forma, vocês controlam o curso de suas próprias vidas.

- Bom saber. Mas acho que você não está tendo toda essa conversa comigo só para me dizer algo que eu já sabia. O que quer, afinal?

- Fico feliz que tenha perguntado. – e o homem voltou a sorrir amplamente – Eu tenho uma proposta a fazer.

- Que tipo de proposta? – perguntou Ikki, desconfiado.

- Uma proposta que pode beneficiar a nós dois. Perceba: de um lado estou eu, à procura de algo novo, diferente. Algo com o qual eu possa me divertir um pouco. Do outro lado, temos você que... perdeu alguém de quem gostava muito.

Ikki sentiu o coração apertar. Aquela dor... ele devia se acostumar a ela, pois ela jamais o deixaria. E ele não merecia que ela o deixasse em paz.

- No entanto, as coisas não precisam ser assim...

- O que quer dizer com isso?

- É simples. Está doendo, não está?

Ikki olhou revoltado para o homem que apontava friamente na direção do seu coração. Não interessava quem ou o que ele fosse, não tinha o direito de falar dos sentimentos que ele tinha por Hyoga. Não; isso era o que ele guardava de mais sagrado e não iria profanar a pureza desses sentimentos falando a respeito deles com esse ser que se mostrava tão desprezível.

- Não é da sua conta.

- Bem... se me disser o motivo da dor, talvez eu possa fazê-la parar.

- Impossível. Essa dor só teria fim se...

- ... Se eu pudesse fazer o tempo voltar?

Ikki arregalou os olhos e encarou aquele homem que sorria vitorioso para ele. Tinha medo de acreditar no que poderia ouvir.

- Aonde... aonde você quer chegar com isso? – disse, as lágrimas voltando a brotar em seus olhos.

- Eu falei para não me subestimar. Sei por que está sofrendo, rapaz. Você perdeu alguém muito importante... você perdeu a pessoa que amava.

A angústia tomava conta do protegido pela constelação de Fênix. Seu coração batia esperançoso, mas ele não queria acreditar.

- E, se você pudesse voltar no tempo, poderia impedir que essa pessoa fosse tirada de você. Estou certo?

- Por que está fazendo isso? É assim que se diverte? Brincando com os sentimentos alheios?

- Acalme-se, rapaz. Primeiro, escute o que tenho a dizer. – e respirou fundo, dando às palavras seguintes maior importância – Se você assim desejar, eu posso fazer o tempo voltar. Tenho poderes para isso. E, dessa forma, estarei lhe dando a chance de salvar da morte a pessoa que tanto ama.

Ikki não conseguia acreditar no que ouvia. Ele sabia que não seria assim tão fácil. Seu coração batia acelerado, a ansiedade fazia com que suasse frio.

- E o que vai querer em troca? – perguntou, já temendo o que viria a seguir.

- Bem, agora é que fica interessante... Você terá que abrir mão do seu amor.

- Como?

- Calma, rapaz. Deixe que eu me explique. Como sabiamente já apontou, vocês escolhem o destino a seguir. E isso porque vocês têm o livre-arbítrio... Enfim. Estou cansado de agir apenas de acordo com as decisões humanas. Quero interferir nos destinos a serem construídos.

- Qual... qual o propósito disso? – Ikki parecia confuso.

- Ora. É algo novo para mim. Vou poder me divertir vendo as situações engendradas por mim mesmo.

- Você está querendo brincar com as nossas vidas? É isso? – a raiva se apossava de Ikki e fazia com que seu cosmo despertasse.

- Eu vou falar só uma vez. Contenha-se. Do contrário, você poderá se arrepender. E muito. – falou o homem, calmamente.

Foi preciso um esforço sobre-humano para que o cavaleiro de Fênix se contivesse. Mas ele conseguiu. Os olhos, entretanto, continuavam ardendo de ira.

- Resumindo... eu estou oferecendo a chance de salvar a pessoa amada, com a condição de que você não poderá ficar com ela.

- Isso tudo é inveja do nosso poder de livre-arbítrio? – inquiriu Ikki.

- Sim. – respondeu secamente o dono dos cabelos prateados.

- Isso não é justo. Nunca imaginei que o Destino fosse assim tão... cruel. – falou o jovem, amargamente.

- Meu rapaz, você ainda se surpreende com isso? Esqueceu-se das batalhas de que participou? Ora, quando vai entender que forças soberanas existem não para servi-los, mas para termos nossos caprichos saciados?

Ikki baixou a cabeça, que latejava. Não conseguia pensar, a cabeça doía demais. A única idéia que conseguia conceber era a de que nunca conseguiria viver sem Hyoga.

- Por que me pedir justo para abrir mão do meu amor? Por que... não pede outra coisa...?

- Porque assim estarei tirando de você o livre-arbítrio mais importante: o de escolher quem amar. E, dessa maneira, estarei influenciando por completo sua vida. – sorriu satisfeito com suas próprias palavras.

Ikki levou o olhar até o túmulo de Hyoga.

- Pense, meu caro... Você já está sem ele. Aceitando a minha proposta, você poderá, ao menos, vê-lo com vida novamente.

Ikki caminhou até o túmulo de Hyoga.

- Será que seu amor é assim tão egoísta? Só seria capaz de trazê-lo de volta se pudesse tê-lo ao seu lado?

Ikki acariciou o túmulo de Hyoga.

- E o nosso trato não influenciaria a vida desse rapaz. Você não ficará com ele, mas ele terá livre-arbítrio para escolher com quem deseja ter uma vida próspera e feliz.

- Contanto que não seja eu.

- Exato. Mas há muitas outras opções. Não se preocupe tanto; ele ficará bem.

- E eu... como eu fico? – a pergunta amargurada de Ikki era mais direcionada para ele mesmo. O olhar perdido na direção do túmulo indicava o turbilhão de pensamentos que deviam estar passando pela sua cabeça agora.

- Você ficará bem, sabendo que a pessoa que tanto ama estará viva e feliz. – disse o homem de cabelos prateados, que se aproximava lentamente de Ikki.

Ikki soltou um dolorido suspiro. Uma lágrima solitária caiu sobre o túmulo de Hyoga.

Depois de alguns segundos em silêncio, ele finalmente se levantou e encarou os olhos prateados, que se encontravam muito próximos dele.

- Está bem. Eu aceito. Se Hyoga estiver bem, eu... eu não me importo com o que vá acontecer comigo.

- Ótimo. – disse o homem com os olhos brilhando, triunfantes – Você não irá se arrepender, Ikki...

O homem de cabelos de prata então mostrou, finalmente, o conteúdo da carta que segurava em sua mão até aquele momento. Na carta, havia o desenho de uma fênix.

- Essa carta representa você, creio que nem preciso explicar o porquê. – e, em um movimento que lembrava um passe de mágica, fez a carta desaparecer – Como agora eu sou senhor do seu maior livre-arbítrio, essa carta passa a me pertencer.

Ikki apenas observava a tudo isso com considerável resignação.

E, em novo passe de mágica, o homem fez surgir outra carta em sua mão. E logo revelou o conteúdo a Ikki.

- Está vendo? É um cisne. Representa a sua pessoa amada.

E entregou a carta a Ikki, que impulsivamente a acariciou assim que a recebeu.

- Por meio dela, você terá como saber se a pessoa amada está perto ou não da morte. Fique atento; se o cisne da carta começar a morrer, significa que você está se aproximando demais do jovem que, por sua vez, terminará morrendo também. Por sua culpa.

- Como? Mas...

Ikki não teve tempo de completar o que tinha para dizer, pois, subitamente, uma névoa envolveu todo o seu corpo, e ele logo começou a sentir o cansaço tomar conta de si na mesma medida em que essa névoa o engolia. Sentiu as pálpebras ficarem cada vez mais pesadas e os sentidos abandonarem-no aos poucos.

- Não se esqueça, Ikki... – a voz do Destino estava ficando distante – Fizemos um trato. Se você ousar descumpri-lo, a punição será a morte imediata de Hyoga. E acredite... se for o caso, farei com que a morte dele seja a pior possível...

E essas foram as últimas palavras ouvidas por Ikki antes que ele perdesse a consciência por completo. Talvez por terem sido as últimas, ou talvez pela gravidade dessas palavras, ficaram marcadas a ferro e fogo na mente do cavaleiro de Fênix.

Assim foi que, quando Ikki finalmente despertou, descobriu-se em seu quarto, na mansão Kido.

Acordou atordoado, tentando discernir o que poderia ser sonho e o que era realidade.

Levantou-se aos tropeços e dirigiu-se ao banheiro de seu quarto. Lavou o rosto e ao olhar seu reflexo no espelho, viu a imagem do homem de cabelos de prata olhando para ele de forma ameaçadora. Assustado, o jovem cavaleiro olhou para trás e não viu nada. Mas aquilo fora o suficiente para que ele soubesse: tudo aquilo fora real. Não eram apenas ilusões e impressões... estava tudo muito claro para ele.

E nesse momento, uma idéia surgiu em sua mente como um raio: Se tudo fora real, então Hyoga... estaria vivo!

Sem pensar duas vezes, saiu correndo de seu quarto atrás do jovem louro. Desejava, ansiava vê-lo, abraçá-lo, sentir que estava realmente vivo. No entanto, assim que deixou seu quarto, viu que a mansão estava agitada. Os criados corriam pela casa arrumando o que pareciam ser os últimos preparativos para uma festa. Entretanto, o moreno estava ocupado demais em sua busca para querer se inteirar do que estava havendo. Correu até as escadas que o levariam ao andar inferior da mansão, onde ele achava que encontraria o cavaleiro de Cisne.

Quando alcançou o corrimão da longa escadaria, Ikki pôde ver seu irmão lá embaixo, que comandava alegremente os preparativos da festa. Shun, ao perceber a presença do irmão no alto da escadaria, acenou sorridente para ele.

Foi então que Ikki se deu conta do que acontecera. O Destino o tinha enviado para o momento em que tudo começara.

A festa de aniversário de Hyoga.

O rapaz moreno recordava com clareza. Sim, o começo de tudo foi ali, naquele preciso instante...

Como quem já sabia o que estava para acontecer, ele olhou para o canto oposto da sala em que se encontrava Shun e viu entrar um rapaz envolto em uma tal melancolia que, ao contrário do que se possa pensar, fazia com que ele ficasse ainda mais belo.

Era Hyoga. E estava... vivo.

Contudo, Ikki precisou segurar o impulso de correr até ele para abraçá-lo e beijá-lo loucamente. Não podia fazer isso. Não mais. Não estava disposto a colocar a vida de Hyoga em risco...

Por instinto, colocou a mão no bolso de sua calça. E lá estava o que procurava. A carta com o cisne.

E foi assim que o cavaleiro de Fênix deu seu primeiro passo rumo à mudança da história deles dois. Não desceu as escadas. E, com isso... evitou entrar no meio do que – e isso ele só ficou sabendo muito tempo depois, quando um magoado Shun lhe confessou que o irmão lhe roubara o momento propício de conquistar o coração do cavaleiro de gelo – poderia ser o início da história de Hyoga com seu irmão.

Continua...